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3 AUTONOMIZAÇÃO DA MÚSICA DE CARNAVAL
Para tal, inicialmente serão destacadas algumas manchetes de notícias que permitem
uma compreensão melhor dessa primeira estruturação do carnaval carioca.
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Figura 3 – Manchete O Globo
(Fonte: O GLOBO, 22 fev.1928, p. 6)
Figura 4 - Manchete O Globo
Fonte: O GLOBO, 23 fev.1928, p.8)

Figura 5 - Manchete O Globo

(Fonte: O GLOBO, 08 fev. 1929, p.6)
Figura 6 - Manchete O Globo
(Fonte: O GLOBO, 09 fev. 1929, p.8)

Figura 7 - Manchete O Globo
(Fonte: O GLOBO, 01 mar. 1930, p.6)

A partir destas manchetes é possível destacar algumas categorias pertinentes à época.
Assim, é possível perceber há uma secção entre os bailes internos e os desfiles públicos, entre
as grandes e pequenas sociedades, mas que estes modelos e circunstâncias faziam sucesso no
contexto carnavalesco. Contexto esse, que já atraia turistas para a cidade.
Ainda é possível destacar que os grandes clubes, também conhecidos como grandes
sociedades, se opõem às demais agremiações, entendidas como pequenas. Os desfiles destes
clubes contavam com alegorias suntuosas, e se destacavam pela organização como uma forma
de espetáculo.
Observando, como exemplo, a seção “prodromos da folia” do exemplar de 05/01/1927
do Jornal do Brasil, é possível destacar que inicialmente são apresentados os anúncios e
notícias sobre os “Clubs”, em seguida os “Ranchos”, e por fim “Grupos e Blocos”
(PRODROMOS, 05 jan. 1927, p. 12).
Assim, a própria diagramação do Jornal do Brasil, que apresenta os diferentes tipos de
agremiações em uma ordem específica, sugere uma hierarquização ligada ao status de cada
um destes modelos.
Como é possível perceber em diversas notícias, esta ordem reflete o status de cada um
destes modelos, que se referem, sobretudo, ao contexto de desfile.
O thermometro da animação dos carnavaes é dado pelos chamados grandes clubs. Quando estes annunciam a sua sahida á rua, com os deslumbrantes préstitos do ultimo dia, o povo affirma que o carnaval será bom; quando, porém, se sabe que qualquer delles haja resolvido não concorrer nos festejos externos, surge logo o desconsolo do povo, antevendo um fraco carnaval. É que todos sabem, que, da rivalidade dos grandes clubs por vencerem nas ruas, é que resulta a imponência de Momo, é que advem a
agitação do povo, sempre essencialmente partidário (OS GRANDES, 02 jan. 1926, p.7)
Nesta notícia é possível perceber uma serie de características importantes. Inicialmente
ela destaca a importância dos grandes clubes no contexto carnavalesco, apontando que a
participação destes grupos poderia servir como um termômetro de como seria a folia naquele
ano, mas também destaca outro aspecto-chave daquele contexto ao ressaltar o caráter
competitivo destes desfiles.
Este ponto é muito importante, porque estas competições e concursos no carnaval
carioca viriam depois a se tornar um ponto central do desfile das Escolas de Samba, até os
dias atuais. E naquele momento tiveram um papel de destaque em uma formatação dos tipos
de música e agremiações. Com os concursos e as competições, as práticas se tornam menos
heterogêneas para atenderem aos requisitos dos concursos.
Sobre este fato, é possível destacar a seguinte notícia publicada no JB em 1927:
O concurso de “marcha” ou “samba” para as letras premiadas pelo “Jornal do Brasil” Chegou a vez dos nossos musicistas Consoante o que dissemos ao iniciarmos o concurso da “Canção Popular Brasileira”, para a escolha das letras destinadas ás canções do próximo Carnaval, publicamos hoje as bases para a respectiva música. O concurso agora será para a melhor música de “samba” ou “marcha e devera obedecer as seguintes clausulas: (A CANÇÂO, 05 jan. 1927, p.12)
A polarização em torno destes dois gêneros musicais no carnaval carioca fica evidente
no direcionamento do concurso da Canção Popular Brasileira. Ao restringir o concurso de
musicas para o carnaval a sambas e marchas, em primeiro lugar o concurso destaca a
importância que estes gêneros já possuíam no carnaval, mas ao mesmo tempo, esta medida
atua sobre a própria produção de músicas para o carnaval.
Não foi possível realizar um aprofundamento sobre todos os elementos que
participaram desta polarização, e este não é o objetivo deste expediente, mas é possível
destacar a atuação mais evidente dos jornais, editoras, e gravadoras, que realizavam concursos
musicais específicos para o Carnaval.
Figura 8 – Anúncio de concurso no O Globo
Fonte: O GLOBO, 01 mar. 1930, p.08

Figura 9 – Anúncio de concurso no JB
Fonte: JORNAL DO BRASIL, 25 dez. 1930, p.10

Neste momento os jornais, e as gravadoras que patrocinam os concursos passam a
atuar não só como um vetor discursivo sobre as práticas em questão, mas como mecanismo de
avaliação da produção de uma forma mais abrangente.
Entendendo que estes agentes, assim como propõem Small (1999), e Araujo (1992,
2010), participam diretamente da prática musical destes repertórios; a correlação proposta
anteriormente entre os conceitos de práxis sonora e habitus de classe, aponta que esta
polarização também pode ser pensada a partir do conceito de autonomização proposto por
Bourdieu. Trata-se de um processo de formalização de determinados modelos, ligado à
autonomização da música carnavalesca como um campo de produção.
A atuação destes agentes no campo de produção destaca a relação entre seus vetores
simbólico e econômico, mas também destacam seu intrínseco vetor político.
Com isso, ao mesmo tempo em que o Carnaval se autonomizava como campo de
produção simbólica, o poder público vinha atuando cada vez mais sobre o carnaval.
Em 1929, foi publicada uma reportagem com Noberto do Amaral, também conhecido
como “Morcego” 67, na qual esta figura de destaque no carnaval do inicio do século XX fala
sobre a atuação do poder público no carnaval.
O que foi e o que é o carnaval, depois que passou a “comer” do governo -Então, sempre firme, “Morcego”? Está chegando a hora dos “carapicús”[sic]! O homem a quem interpellavamos[sic] estava dobrado sobre uma mesa da Génerale Aero Postalo, grosso, vermelho, transpirando saúde, com uma cabelleira[sic] francamente esbranquiçada, uma cabelleira[sic] á Sarcey, tempestuosamente esgaforinhada[sic]. Ouvindo-nos, ergueu para nós uma cara larga e glabra, mas não a cara foliona e sorrindo em guizos do enorme, do formidável, do clássico “Morcego”, pae[sic] e mãe, alma e espírito do Carnaval carioca em geral e do carnaval “carapicú” [sic], dos Democraticos,em particular. A cara que vimos, apezar[sic] de estarmos em sabbado[sic] gordo, a cara que nos mostrava o heroico “defensor” dos famosos carros de critica dos préstitos democráticos, não era a physionomia[sic] gaiata, polvilhada de pó de arroz da graça e com as obreias[sic] multicores da pilheria, característica do campeão carioca do Espirito[sic].(...) -Carnaval na rua, “Morcego”? Qual é a “sorte” deste anno[sic]? -Qual carnaval na rua, qual carnaval qualquer, qual “sorte”, qual nada! -!!! ... Isto é sério, “Morcego”? - O caso mais sério deste mundo... Com certeza a “sorte” do impagável “Morcego”, este anno[sic], era “bancar” o sério, pensamos. E applaudimos[sic] logo: - Boa ideia! Estou vendo daqui a “sorte” do “Morcego” em 1929. Fantasia de gente séria, talvez de victima[sic] das tabellas[sic] do funccionalismo[sic]. Magnífico, magnífico! Boa ideia! O funccionario[sic] postal olhou-nos de um certo modo e disse categoricamente: - Não estou brincando, não há mais carnaval! Acabou-se o carnaval! Era mesmo sério. Momo perdera o seu sacerdote Maximo... -...Mas por que? - Ainda pergunta? - Decerto. Uma deserção destas não se explica. E accrescentamos[sic] para estimulal-o[sic]: - Isto é mais do que uma deserção, é uma declaração de fallencia[sic], de fallencia[sic] do Espirito.
67 Noberto do Amaral era membro do clube dos Democraticos, e era uma figura tão atuante e conhecida, no contexto carnavalesco, que é citado na letra do do famoso “Pelo Telefone”. A partitura deste samba, manuscrita para piano por Pixinguinha, e utilizada por Donga para fazer o registro do samba, também é dedicada a “Morcego“.
- É porque você é uma máo[sic] psychologo[sic] e nunca foi um carnavalesco sincero como eu. Os carnavalescos sinceros estão de luto pelo fallecido[sic] carnaval, há muito tempo. - Pois então o carnaval morreu, com esse barulho tudo que anda pela cidade?- contestamos incrédulo. A esta replica, “Morcego” indignado, revoltado, protestante: -Sim, sim! Morreu, sim senhor! E morreu da peor[sic] morte, o avacalhamento. O carnaval carioca está avacalhado! - Por quem, por que, meu Deus do céo[sic]? - Por tudo e por todos! O carnaval sempre foi irreverente, um “frondeur”, desrespeitoso, satyrico[sic], maldizente, com uma pontinha de pimenta e de perversidade nas suas críticas. E, no fundo disto tudo, um moralista, sim um moralista. Um pouco á moda de Rabelais, tanto melhor, mas prestando grandes serviços ao paiz[sic], ao civismo, aos ideaes [sic] democráticos e domocraticos, os do povo brasileiro e os do meu club[sic] glorioso. Quem foi que ajudou a reduzir o Sr Pedro II á sua real e imperial insignificância, caricaturando-o em lona, em attitudes[sic] reidiculas[sic] que valeram pela melhor propaganda republicana? Quem é que punha o Imperio[sic] em ceroulas? O carnaval, o fallecido[sic] carnaval, que foi o mais efficaz[sic], digo-lhe que! Quem ajudou a fazer a abolição atacando o escravagismo[sic] nos seu préstitos homéricos? O carnaval, sim, o carnaval, meu caro senhor! E note, veja bem: emquanto[sic], a gargalhar, o nosso carnaval servia aos ideaes[sic] brasileiros, praticamente lhes ajudava a Victoria, por mil maneiras. Além disso, o carnaval, além de moralmente independente, também o era em matéria de dinheiro! Quando é que se viu, no tempo do fallecido[sic] carnaval, o irreverente, o independente Deus Momo, andar pedindo dinheiro ao governo para sair á rua? Que horror, que humilhação! Olhe, considere, veja bem: o carnaval, opposicionista[sic] de nascença, subornado na sua independência pela subvenção, como alguns dos outros collegas[sic] opposicionistas[sic], políticos, conforme a occasião[sic], que á custa do governo vão passear á Europa, mettendo[sic] no saco a viola da sua opposição[sic]!!! Estes três pontos de espantação[sic] não os vimos graphicamente[sic], mas psychologicamente[sic], na boca revoltadas de “Morcego”. Mas a torneira já estava aberta e o jorro continuou: - A Republica, com as suas fidúcias de autoridade, tem matado aos poucos, o carnaval, cerceando-lhe a liberdade de critica. E para não lhe doer muito a violência, a pressão, subornou-o, meteu-o no orçamento. Este carnaval que ahi[sic] está não passa de um funccionario[sic] publico. (O CARNAVAL, 11 fev. 1929 p.2)
A insatisfação de “Morcego” com a relação entre os grupos carnavalescos e o poder
público, demonstra o papel contestador que as performances poderiam adquirir neste primeiro
momento do carnaval, e também a relação cerceadora que o financiamento público impingia
sobre elas.
A preocupação de “Morcego” também foi retratada em uma charge publicada dois dias
depois.
Figura 10 – Charge no O Globo
(Fonte: O GLOBO, 13 fev.1929, p.1)

O fato de as grandes sociedades já estarem sendo cooptadas pelo poder público não
indica, porém, que não houvesse outros grupos atuando de forma mais crítica naquele
contexto, como é possível observar na seguinte reportagem:
As criticas carnavalescas assenhoraram-se[sic] do presidente Washington Luis. Ao que parece os termos das satyras[sic] e das troças não repercutiram bem no humor presidencial, atribuindo-se o desagrado com que S. Ex. viu as mesmas a uma forte dose de exaggero[sic]. Não há muito tempo, as revistas de anno[sic] puzeram[sic] em scena[sic] a figura do presidente Washington Luis, tendo os artistas encarregados de encarnalo[sic] reproduzido todos os traços physionomicos[sic] de S. Ex. Indo a um theatro[sic] o presidente convidou o actor[sic], que o caricaturara, a ir ao seu camarote, felicitando-o e dizendo-lhe que lhe escapára[sic] um detalhe. Qual? É que o presidente tem o habito de tamborilar no castão da bengala, recommendando[sic] ao acto[sic] que o imitasse... Isso deixou boa impressão do critério liberal do Sr. Washington Luis. Agora, segundo as fontes officiosas[sic], as troças carnavalescas não lograram deixal-o[sic] ainda de bom humor... Parece que S. Ex. tem o ridículo em horror. Prefere a aggressão[sic], mas a aggressão[sic] a valer... Os políticos inventarm[sic] a lei de imprensa, para acautelar a impunidade de seus desmandos. Com o andar dos tempos as criticas tomaram formulas differentes[sic], que a infâmia da lei inspirou. Como se vê há meios de ir além daquillo[sic] que os políticos pretenderam obstar, tornando os excessos inaccessieis[sic] á lei... (ECOS, 13 fev 1929, p.2)
Outro fato que pode ser destacado, é que além da cooptação dos grandes clubes, a
partir do financiamento público, o poder público também agia a partir de normatizações.