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Marcelo Conti 67 e

amazon.com.br divulgação ta). Novamente foi castigado, porém, desta vez encontrou o pastoreio. Pois, caiu no sono e o perdeu pela segunda vez. Agora, além da surra, o patrão o jogou num formigueiro, para que fosse comido pelas formigas. E foi embora assim que elas cobriram seu corpo.

Passaram três dias, e o estancieiro voltou até o formigueiro para ver o estado de sua vítima. Tomou um grande susto, porque o menino estava lá, em pé e com a pele lisa, sem nenhuma marca das chicotadas que levou. Ao seu lado a Virgem Maria, e mais adiante o cavalo baio sobre o qual perdera a corrida, e todos os outros cavalos.

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O homem se atirou ao chão, implorou perdão, mas o negrinho não respondeu.

Apenas beijou a mão da Santa, montou no cavalo baio, e partiu conduzindo a tropilha...”

A lenda do Negrinho do Pastoreio está viva até os dias de hoje. Há quem, no Rio Grande, quando dá pela falta de alguma coisa – material ou não – ainda acenda uma velinha e suplique ao Negrinho que a tenha de volta. Luiz Carlos Barbosa Lessa (Piratini/RS, 1929 – Camaquã/RS, 2002), advogado, escritor, músico, folclorista, criou em 1957 a toada que é quase um hino do povo gaúcho, e que muitos de nós certamente conhecemos...

Negrinho do Pastoreio, Acendo esta vela pra ti E peço que me devolvas A querência que perdi. Negrinho do pastoreio, Traga a mim o meu rincão. Eu te acendo esta velinha, Nela esta meu coração.

Quero ver meu lindo pago Coloreado de pitanga. Quero ver a gauchinha A brincar n’água da sanga.

Quero trotear pelas coxilhas, Respirando a liberdade, Que eu perdi naquele dia. Que me embrenhei na cidade.

Negrinho do pastoreio, Acendo esta vela pra ti E peço que me devolvas A querência que perdi. Negrinho do pastoreio, Traga a mim o meu rincão. A velinha está queimando, E aquecendo a tradição.

Marcelo Conti Escritor, Gestor Cultural Sócio da SOLUÇÃO Gestão de Negócios e Cultura Ltda. www.solucao-gnc.com.br

Apenas a mudança é permanente

Marcelo Kassab Escritor A.C.L

Quando convidado a escrever para uma coluna cujo mote é a trajetória pessoal pela literatura, fiquei imaginando como me posicionar perante tal desafio. Profissional da escrita? Escritor? A autodefinição requer certezas e estas podem amanhecer num dia de verão ou recolherem-se na escuridão do inverno polar. Certo estou de que a cidade paulistana me pariu e na odontologia encontrei a arte de gerar saúde e cura física. Porém, ainda insatisfeito e inconformado com as limitações da matéria, busco na formação em filosofia – ainda em curso – perguntas e respostas necessárias ao nosso percurso por este planeta e para além dele. Como colunista do portal Filosofar a Vida, procuro trazer temas que suscitem tais reflexões e exercitem os meus questionamentos.

Mas voltando ao termo “escritor’’, remeto-me ao metafísico e ao sagrado, tamanho o respeito que nutro pelo ato de escrever. Tecer o subjetivo nos teares alheios, requer muito mais do que o bom manuseio dos vocábulos, pois reverbera sentimentos diversos. Acredito que, por isso, a escrita tenha entrado na minha vida de modo muito peculiar, repentino e invasivo. Minhas gavetas tinham meias e não poemas, meus textos eram acadêmicos, mas a forma dava indícios de uma quase subversão ao pragmatismo necessário à literatura científica. A música foi o primeiro indicativo para que, através do ritmo, eu criasse meus versos. E assim, meus acordes debutaram. Era tomado por um estado quase mediúnico, um fluir constante de ideias, palavras e movimentos das mãos. Poderia aqui citar Heráclito de Éfeso com o seu “Tudo flui’’ e a afirmação de que só a mudança é permanente, por mais contraditório que pareça. Fazendo um paralelo com a escrita, as transmutações partem da vivência própria e do próximo, das observações do mundo, bem como das nossas interpretações e reações ao que nos preenche o inconsciente. Por essa razão, jamais leremos ou escreveremos nada do mesmo modo que lemos e escrevemos ontem ou agora. Porém, ao encarar a página em branco, algo precedente ao surreal acontece. Uma força maior leva tais experiências, ainda incompreensíveis, para fora de mim como flecha certeira na direção do âmago das linhas. O externo, travestido de papel, é uma passagem estreita entre dois interiores: o do escritor e o do leitor. É o deífico em meio ao mundano; ato e efeito de transcendência. Já a literatura, entendo, deve ser isenta de funcionalidade definida e

magazine 60+ #28 - Outubro/2021 - pág. 69

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