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Estudo de Caso I – Reurbanização do Córrego Antonico | MMBB

Os projetos apresentados aqui como estudos de caso, foram selecionados com base em sua similaridade com o tema abordado neste trabalho e na forma que contribuem com as escalas urbana e projetual. Todos os projetos apresentam soluções que fogem do convencional com novas abordagens que visam aumentar o interesse e empatia entre pessoa e lugar.

Estudo de Caso I – Reurbanização do Córrego Antonico | MMBB Ficha Técnica: arquitetura

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Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga

colaboradores

Cecília Góes, Giovanni Meirelles, João Yamamoto, Maria João Figueiredo, Vito Macchione

equipe

Bruno Taiar, Eduardo Pompeo, Enrico Piras, Martin Benavidez, Guilherme Pianca, Pauline Beaumont, Thiago Mendes, Lucas Vieira

paisagismo

Cristhian Werthmann

engenharia

Geométrica Engenharia de Projetos LTDA

consultoria ambiental

Byron Stygge

consultoria de engenharia florestal

Marcio Amaral Yamamoto

Localizado na favela Paraisópolis, em São Paulo, o córrego Antonico corta a comunidade na diagonal e atualmente encontra-se deteriorado com muitas construções sobre seu leito. Diante deste cenário que apresenta ameaças tanto ao recurso natural quanto a comunidade, ficou a cargo do escritório MMBB o desenvolvimento de um projeto de reurbanização para o local. Este projeto, vai além da proposta de canalização das águas de chuva, pois sugere a recuperação deste bem natural assim como a configuração de uma nova dinâmica para a comunidade, mais ativa, mais interligada e mais humanizada. Nos dias de chuva, o canal aumenta significativamente seu volume de água, o que gera riscos de deslizamento das edificações ou até mesmo de alguém ser arrastado pela correnteza, além do risco do impacto da água, também há o risco patológico que a baixa qualidade desta traz, visto que o esgoto é despejado sem pré-tratamento, gerando riscos de contaminação. Assim, as problemáticas com as quais os arquitetos tiveram de lidar estão, no que se refere a esfera social: na ressignificação de um espaço privado para um uso coletivo, que influi na modificação da dinâmica de vida daquelas pessoas e na relação que elas estabelecem com a região onde vivem além de ampliar a oferta de área de lazer e de passeio público arborizado

para melhora do microclima; Na esfera ambiental: A proteção de um valioso recurso natural e melhora na qualidade da água do córrego; Na esfera técnica: No aprimoramento de um sistema de drenagem urbana para diminuir ou eliminar os recorrentes problemas de inundações e risco de desabamento das casas e na esfera de saneamento: proteger as pessoas do contato direto com esgoto para evitar a disseminação de doenças e as inconveniências do mau odor. Considerando essas problemáticas, a equipe determinou 3 principais estratégias para abordar um projeto dentro de um contexto da favela: 1.criar um valor inquestionável: criar um bom caminho para o transporte e assim, dar um significado e importância para a existência do espaço não edificado; 2.criar um valor simbólico:tornar o rio atraente, através da promoção do encontro e interação entre ser humano e água; 3.tornar legível e ativo:o espaço livre público, através de revitalização de fachadas, com novos usos e da criação de um projeto paisagístico com atividades diversas às margens do córrego. O ponto-chave dessa proposta é que ela não se reduz a uma simples canalização para drenagem das águas pluviais, mas busca um meio de criar laços entre a comunidade e esse elemento. A proposta dos arquitetos consistiu na canalização do córrego em conjunto com a implantação de espaços livres e públicos ao longo de sua extensão, aprimorando o sistema de mobilidade não motorizada, ao trazer novos eixos de articulação urbana com generosos passeios e ciclorrotas. Dessa forma, foi possível dar um significado e valor para a existência e preservação daquele espaço não construído ao mesmo tempo em que se protege o copo-d’água. Segundo o arquiteto Milton Braga, o rio urbano e o rio natural possuem uma diferença na vazão 2permanente, sobretudo aqueles que se encontram nas cabeceiras, possuem uma brutal diferença. Em Paraisópolis, por exemplo, são 50 L/s em 18 m3/s o que exige muito espaço. Portanto, para atenuar o impacto de se ter um único rio de maior dimensão que receba um grande volume de água e percorra por um trecho com circulação de pessoas, os arquitetos dividiram o rio em dois canais: um subterrâneo que carrega o maior volume de água e com maior velocidade e um superficial que pode interagir com o ambiente e pessoas ao seu redor sem oferecer nenhum tipo de risco, pois o volume de água que percorre através dele é menor e mais lento, mesmo nos períodos de chuva.

2 Vazão é o volume de fluido que passa por uma seção por determinado período.

Figura 13: Proposta para o córrego do Antonico com dois corpos d´água interligados Fonte: Elaboração de MMBB e editado pelo autor O dimensionamento do córrego considerou um cálculo de vazão de chuva com tempo de retorno3 de 100 anos:

Figura 14: Esquema demonstrando a vazão por tempo de retorno dos dois canais propostos+ Fonte: Elaboração de MMBB e editado pelo autor O parque linear também vai de encontro com os interesses de mobilidade urbana, pois, o sítio em que a comunidade esta assentada possui muitos declives, o que gera cansaços físicos maiores e as vezes até impossibilita a transição de pessoas com mobilidade reduzida, ao passo que as margens do rio se mantem em um nível plano, quase que inalterado e com poucas

3 O intervalo de tempo para que uma dada chuva de intensidade e duração definidas seja igualada ou superada é denominado período de retorno (TR) ou tempo de recorrência.

inclinações, tornando a experiencia do caminhar muito mais agradável, fluida e inclusiva, portanto, dentro da requalificação está previsto a implantação de uma ciclovia ao longo do córrego que se conecta a uma ciclovia já prevista pela prefeitura de São Paulo, e que também conduz até a estação de metrô. Essas novas conexões promovidas pela interligação da ciclovia do Antonico com a ciclovia do córrego Pirajussara e pelos novos trechos de articulação urbana que ligam a comunidade às estações de transporte público de alta capacidade (metro e trem) facilitam o acesso dos moradores da comunidade com outras regiões de São Paulo. Ao oficializar e facilitar os meios de acesso da comunidade com a infraestrutura da urbe é uma forma de reconhecimento da favela como parte integrante da cidade e não mais excluída.

Figura 15: Estudo de alcance do pedestre e ciclista e implantação das ciclovias e passeios Fonte: Elaboração de MMBB e editado pelo autor

Para a implantação do parque linear foi necessário estabelecer uma faixa não edificável que varia de 10 m a 15 m de cada lado do córrego, para isso, foram necessárias algumas remoções. Com a intenção de remover o mínimo de pessoas possível, os arquitetos argumentam que grande parte das construções existentes deveriam ser preservadas, devido ao seu bom estado e significado para os moradores, é importante que se mantenha os laços de vizinhança. Ao longo do canal, foi proposto a construção de uma faixa que, na maioria das vezes, terá o uso dos próprios moradores, para que se mantenha fachadas ativas ao longo do percurso do córrego. Esses usos são definidos conforme a dimensão da área disponível. Por exemplo: áreas inferiores

a 15m2 podem servir como expansão residencial da construção posterior, áreas maiores, podem ser unidades comerciais ou habitacionais de uso unifamiliar ou multifamiliar.

Figura 16: Áreas de expansão e oportunidade no córrego Antonico Fonte: Elaboração de MMBB e editado pelo autor A respeito da manutenção do projeto, evidencia-se a importância de se ter um valor claro “Se o espaço livre na favela não tiver valor claro, ele voltará a ser invadido. Se a comunidade não perceber a importância de preservar o que foi feito, eles não preservarão. Será o próprio morador – aquele que todos os dias abre sua janela para esse lugar ou a pessoa que passa diariamente de bicicleta por ali – que garantirá a fiscalização dos benefícios proporcionados pelo projeto. E que também impedirá que, de um dia para o outro, apareça uma nova casa em um lugar indevido” (Marta Moreira - MMBB, apud. MELLO, 2014) A reurbanização do córrego do Antonico se demonstrou relevante para este trabalho pois evidencia a importância da criação de significados sociais para as áreas não edificadas dentro de contextos urbanos, reforçando a ideia de que a urbanidade é um fator que ajuda na conservação do ambiente e, no que tange a preservação de recursos naturais, o projeto apresentou uma ótima maneira de alinhar interesses sociais e ambientais, protegendo o recurso natural, mas sem excluí-lo. Ademais, esse projeto demonstra como é possível aproveitar os eixos dos córregos urbanos para criar novas conectividades, novas articulações urbanas, para reaproximar partes segregadas da cidade.

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