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MANAUS, QUINTA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2014
Morte na Z. Sul Ex-presidiário é principal suspeito do crime. C7
Criações da sala de aula
Feriado prolongado
Atentado na academia
C3 Estudantes do Ensino Médio da Fundação Nokia desenvolvem aplicativo que ajuda candidatos surdos a tirar a Carteira Nacional de Habilitação.
C4 Órgãos públicos terão ponto facultativo.
C5 Polícia elabora retrato falado do suspeito.
. Erica Melo
Consciência >> Negra
Rastros da negritude
Heranças da cultura africana resistem ao tempo e ao preconceito LUANA CARVALHO cidades@acritica.com
Maria Januária da Silva, 79, é a moradora mais antiga do Beco dos Pretos, no bairro Morro da Liberdade, Zona Sul. O local, que antes se chamava “Beco São Benedito”, é tradicionalmente conhecido pelas festas promovidas por negros. “Quando cheguei aqui não tinha nada, só algumas árvores de tucumã e araçá. Tinha um sítio velho que era do Raul, mas o Vicente quem tomava
Emnúmeros
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3.483.985 é a população do Amazonas, de acordo com o Censo 2010.Destes,cercade150mil pessoas se autodeclararam pretas. Entre pretos e pardos, o número chega a 2.545.857 milhões no Amazonas.
conta. Morava também o Tibucio e suas filhas”, relembra a “tia Nega”, como é conhecida por todos no bairro. Embora apenas 4,1% da população do Amazonas tenham se autodeclarado pretos no último Censo de 2010, as heranças da cultura africana continuam vivas em algumas partes da cidade de Manaus. Além do Beco dos Pretos, outro ‘reduto’ dos afrodescendentes é a Comunidade do Barranco, na Praça 14, mesma zo-
Frase
Aqui vivem descendentes de escravos que lutaram pela liberdade. Luiz Gonzaga comerciante
na. Os dois lugares foram mapeados por pesquisadores do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, que trabalha com os povos e comunidades tradicionais na Amazônia e em outras regiões do Brasil. “No dia Nacional da Consciência Negra fazemos uma grande feijoada, onde todos do beco participam. Essa festa já chegou a reunir mais de mil pessoas, mas muitos vizinhos já morreram e outros foram embora por causa do Prosamim”, contou Nega. Bastante vaidosa e determinada, a aposentada exalta o orgulho pela cor. “Eu me sinto muito feliz, me sinto bonita, linda, maravilhosa, piso no chão firme e pra mim não tem nenhuma mulher mais linda do que eu. Valorizo minha
pessoa e minha personalidade negra”. RESISTÊNCIA
Dono do “Bar dos Pretos”, o comerciante Luiz Gonzaga Gonçalves, 51, é filho de negros e principal “historiador” da área. “Nos reunimos no meu bar para festejar e comemorar. Eu procuro guardar um pouco dessa história, resistindo para que nossa comunidade não se acabe”, comenta o filho de um agricultor negro. Em seu bar, quadros com fotografias de antigamente chamam a atenção. Entre as atividades mais tradicionais do bairro, está a feijoada, a festa do mingau e o futebol do final de ano. “Antes da chegada do Prosamim nós nos reuníamos muito mais. Os moradores não queriam ir embora de suas casas. Muitos que foram adoeceram e morreram por causa da tristeza”, contou, enquanto mostrava as fotos dos antigos campeonatos de futebol. A resistência no beco é coletiva. Atualmente, o local conta com pouco mais de 30 famílias. “A gente não quer que a tradição e nossa história acabem. Aqui vivem negros valentes, descendentes de escravos que lutaram pela liberdade. Somos um povo feliz e tudo que mais queríamos é que não tirassem mais famílias do beco”, completou Luiz. Tia Nega compartilha o mesmo desejo dele. Apesar de gostar de viajar, ela garante que sempre voltará para a mesma comunidade. “Aqui é muito bom. Nunca tivemos brigas entre vizinhos. Todos eram e continuam amigos. Os filhos dos que se foram continuam mantendo a tradição e eu espero, sinceramente, que isso nunca se acabe”. MÃE ZULMIRA
Maria Januária da Silva, 79, ou ‘Tia Nega’ é a moradora mais antiga do Beco dos Pretos, no Morro da Liberdade
O beco é muito conhecido pelo batuque da Mãe Zulmira, descendente do Estado do Maranhão. A influência da maranhense era muito grande entre os moradores da área, por isso, a casa da mãe de santo era bastante frequentada pela comunidade. “Era a maior Mãe de Santo do Morro, uma referência no bairro”, relembra Luiz Gonzaga.