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Respeitável público, o espetáculo tem que continuar

Respeitável público, o espetáculo tem que continuar

Foto: Marina Torres

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Em meio à pandemia do novo coronavírus, artistas circenses buscam alternativas para sobreviver sem a arrecadação de bilheteria.

Thalita Dias

Afumaça subiu, e aquela tradicional marcha circense começou a pulsar pelas caixas de som, as luzes mudaram de cor e as cortinas começaram a balançar. O espetáculo estava só no início. O mestre de picadeiro fez as honras, e os palhaços deram início ao show, cumprimentando o público animadamente. Os outros circenses logo tomaram seus lugares no palco, apresentando números que causavam diversas emoções aos espectadores, desde aflição, com o globo da morte e o ilusionismo, até a risada fácil, com as esquetes bem humoradas. Mas, dessa vez, algo estava diferente. A arquibancada estava vazia, não havia aplausos ou qualquer manifestação. Não foi necessário nem intervalo para que a plateia pudesse comprar mais pipoca. Pela primeira vez, o respeitável público estava assistindo à apresentação do Circo Real Português pelo Instagram e Youtube. As famosas lives, como são conhecidas, foram um dos meios encontrados pelos circenses para continuarem seus trabalhos durante a pandemia, levando a magia do circo por meio de um show virtual. A acrobata Juliana Portugal faz parte da quarta geração da fa

mília do Circo, e conta que a ideia de adaptar o espetáculo tradicional surgiu como uma forma de atender ao pedido das crianças que queriam assistir às apresentações. “Grande parte do nosso público é infantil, e nós entendemos que eles têm dificuldade em entender a atual situação que estamos vivendo. Algumas crianças são frequentadoras assíduas, e ficam muito tristes por estarem perto do circo, mas não poderem ir até ele. Então, nos motiva muito sabermos que nossas lives são assistidas por esse pessoal que gosta tanto do nosso trabalho”, comemorou a artista. A primeira live deu tão certo que outros circos do Brasil compraram a ideia e também começaram suas apresentações pela internet. Motivados pelas respostas positivas do público, eles realizaram mais outras duas transmissões. “Como trabalhamos com uma plateia diariamente, está sendo uma experiência muito diferente se apresentar em frente à câmera. Não estamos ganhando nada com isso, mas o que mais nos incentiva a continuar é saber que os espetáculos ainda conseguem transmitir a mesma emoção”, disse Juliana. Com a liberação, no início de junho, de eventos artísticos no modelo drive-in, decretada pelo governador Ibaneis Rocha, o estabelecimento não perdeu tempo em aderir ao novo formato. Após concluir toda a documentação necessária para retornar às atividades, a reestreia ocorreu no dia 26 de junho e contou com 20 veículos. Depois de dois meses de paralisação, o circo voltou a uma rotina de apresentações diárias, seguindo, claro, todas as recomendações sanitárias. Em função as cortinas fechadas por tempo indeterminado, o picadeiro, antes movido pela alegria dos palhaços e gargalhadas do público, encontra-se em silêncio. Sem dinheiro no caixa e recebendo apenas o auxílio emergencial do governo para os autônomos, o Circo Real Português teve que usar o talento na “corda bamba” para, também, se equilibrar nos negócios e manter os 38 funcionários.

A acrobata explica que a população se sensibilizou muito com a situação do circo, e que sempre aparecem no estabelecimento para ajudá-los de alguma forma. “No ínicio do isolamento, estávamos nos mantendo apenas com as doações da população de Brasília, pois infelizmente não conseguimos nenhum benefício do governo ou da cultura em um primeiro momento. Temos muito a agradecer por todos que se solidarizaram com as nossas famílias, mas não queremos viver de doações. A venda de comidas do circo e máscaras foi a forma que encontramos para ganharmos nossa renda”, relatou. As delícias do circo estão sendo preparadas pelos circenses no estabelecimento, e são vendidas por delivery ou pelo sistema drive-thru. Os preços variam entre R$ 3 e R$ 5, e os clientes podem escolher entre maçã do amor, pipoca gourmet, uva com chocolate e bolo no pote. Mas, ainda assim, as vendas não estão sendo suficientes para manter o funcionamento do circo e pagar as despesas, visto que para se instalar em um terreno, é preciso pagar água, luz, aluguel, impostos e alvará de funcionamento. O custo varia de local para local, mas pode chegar a 8 mil Um setor da cultura que já vinha há algum tempo fragilizado, não encontra apoio do governo neste momento de crise. “A gente sabe que o circo é bem menos valorizado que as outras artes, então a cultura acaba não nos reconhecendo como artistas. Tiveram alguns projetos emergenciais para o setor, mas nós não conseguimos nos inscrever no cadastro de Entes e Agentes Culturais do DF, pois eles não aceitam que nós não temos uma moradia fixa. Eles não reconhecem o circo itinerante”, desabafou Juliana. Outro circo que também precisou buscar alternativas para garantir o sustento dos seus 20 funcionários foi o Circo Vitória, que em seus 27 anos de estrada se encontrou em uma situação inédita de paralisação das atividades. O picadeiro, que já passou por quase todos os estados do Brasil e alguns países da América do Sul, teve que dar uma desacelera

da durante a quarentena, e a solução foi começar a fabricar máscaras. “Nós também estamos recebendo doações da população da região, que vem ajudando com cestas básicas e outros itens. Poucos da nossa família se enquadram no auxílio emergencial, e o único meio que conseguimos encontrar para conseguir alguma ajuda financeira foi confeccionando máscaras de tecido e divulgando pelo Facebook e WhatsApp. O valor varia entre R$ 4,99 e R$ 10”, explicou a gerente do negócio, Michelle Mocellin. A situação também não foi diferente para o Circo de México, que não chegou nem a estrear seu espetáculo na capital. Sem condições para alimentar todos os 30 funcionários, foi preciso buscar apoio na comunidade, que acabou se sensibilizando bastante com a situação. “Depois de um mês sem trabalhar, já estava começando a faltar alimento para nós. Foi aí que eu comecei a pedir ajuda por meio de grupos da cidade, falei que estávamos precisando de comida, pois as crianças daqui pediam as coisas mais simples, como bolacha e pão, e nós não tínhamos mais nem o básico”, relembrou a trapezista Ana Paula Roca. Além das doações recebidas, os circenses não desistiram de buscar uma renda extra, e começaram a vender pelos mercados da cidade alguns brinquedos que eram comercializados durante as apresentações, como, por exemplo, aqueles luminosos que fazem a alegria da criançada. Mas, ainda assim, não é o suficiente para arcar com as despesas, e o que fica é um apelo ao governo. “Não sabemos quando vamos voltar a nos apresentar, mas estamos fazendo nossa parte. Só queríamos que os nossos governantes olhassem para o circo, estamos pedindo socorro. O circo precisa de ajuda.” desabafa Ana Paula.

Rede de apoio

De acordo com dados divulgados pela União Brasileira de Circos

Itinerantes (UBCI), o Brasil possui aproximadamente dois mil unidades de companhias circenses, sendo elas pequenas, médias e grandes. Contabilizando mais de 30 mil artistas e sete mil famílias circenses atingidas pela crise. A presidente da UBCI, Marlene Querubin, conta que a organização vem apoiando os circos por meio de diversos esforços. “A União tem atuado em várias frentes, dentre elas a área social, reivindicando cestas básicas para todos os circos. Já conseguimos atender 100 circos no estado de São Paulo nos últimos meses, com uma média de 800 cestas arrecadadas para atender todos esses estabelecimentos. E a nossa outra campanha vem estabelecendo comunicação com várias entidades que possam apoiar os circos em suas campanhas locais”, e acrescenta, “Além disso, também tenho realizado articulações políticas para aprovar a lei de emergência cultural, para que inclua circos no atendimento dos artistas e dos circos como espaços culturais”. Por meio de uma vaquinha virtual e contato com amigos e entidades, a campanha “SOS Circos do Brasil - Covid 19”, criada pela entidade UBCI, tenta ajudar circos de vários estados através de um cadastro que é aberto para atender todas as companhias. Já a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal lançou alguns editais para auxiliar à comunidade cultural durante o período de pandemia, dentre eles o processo de seleção de projetos artísticos e culturais para firmar termo de ajuste de apoio financeiro com o Fundo de Apoio à Cultura. A secretaria também foi responsável por criar o projeto Conecta Cultura, que foi instituído em abril com o intuito de fomentar ações que apoiassem o setor durante o isolamento social. Até o momento, já foram anunciadas duas iniciativas, sendo a primeira para investir em apresentações virtuais e a segunda para premiar agentes culturais. O que representa um investimento de R$ 4 milhões, a maior injeção de recursos para o setor em todo o país.

Medo no picadeiro

O circo no seu formato original pode demorar a aparecer novamente no cenário cultural, visto que por se tratar de uma atividade caracterizada por atrair aglomerações, acaba tendo um futuro incerto a curto prazo. E, apesar dos circenses terem encontrado na internet um espaço para continuar fazendo arte, o espetáculo precisa dos aplausos e do alto som das gargalhadas para sobreviver. Aquilo que era para ser apenas uma adaptação temporária, pode se tornar permanente.

Dedicamos esse trabalho jornalístico a todas as vítimas da Covid-19, seus amigos e familiares. Também dedicamos aos profissionais de saúde que lutam diariamente pelas vidas de todos nós.

Aula de máscara

O ensino e os aprendizados do jornalismo ainda não podem ser mensuráveis neste 2020. Algum dia recontaremos essa história com a largura que a distância do tempo exige a fim de avaliar o tamanho do desafio. Momento comparável a uma guerra, em que sair de casa gera risco. Mais complexo do que uma batalha porque não se refere a apenas perigo a si próprio, mas também aos outros. Na atividade de repórter, que nos impõe falar, convencer, olhar e insistir, como fazer? Porém, uma certeza nos protege, como uma máscara, de que não podemos calar. A situação que é absolutamente nova aos jornalistas mais experientes do mundo mexe profundamente com os mais jovens, o que é esperado. Aprendem com o inusitado, com o olhar ligado a realidades próximas e algumas tão distantes, e com os próprios limites. As respostas não estão decifradas nas modernas ferramentas de busca ou nos mais consagrados manuais. Por vezes, apenas dentro de si próprios. Em uma das conversas iniciais com a turma, perguntei: "qual é a contribuição que queremos deixar como universitários nesse momento histórico?", e mais: "será que nós jornalistas e estudantes já não estávamos confinados antes da pandemia?". Estamos longe de todas as respostas ainda. Em um semestre, experimentamos escrever de longe, conversar de longe, aprender de longe, para tentar chegar mais perto. Nossa máscara na capa é um escudo. A tela do computador também é. Contar histórias consiste em atividade de aprendizado, em prática de amor próximo a quem estamos distantes.

Professor Luiz Claudio Ferreira Disciplina de Edição e Cobertura Jornalística

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