10 minute read

Sem abraços: os contrários ao isolamento

Next Article
Fora de jogo

Fora de jogo

Foto: Reprodução

‘‘É complexo entender, mas durante a pandemia de 2020, um fenômeno causou perplexidade enquanto centenas de pessoas morriam por dia

Advertisement

Felipe Tusco

- Agora mesmo o meu irmão tá dando uma festa aqui… Eles são bem ignorantes em relação a isso.

Aestudante Eduarda Neves, de 18 anos, moradora na Asa Sul, discorda da família que resolveu ter uma vida não isolada durante a quarentena. Preocupação. Esse sentimento define a situação que ela se encontra. A mãe e o irmão têm planejado e organizado encontros, às vezes, até mesmo dentro do apartamento, sem se importar com a situação da pandemia. ‘’Eles fizeram uma festa de aniversário para uma amiga deles e convidaram uns cinco amigos’’, - diz ela sobre o último encontro em seu apartamento. Ela ainda comenta que as pessoas entraram nos cômodos da casa, como quartos e banheiros, e tiveram contato direto com a mãe da garota. ‘’Fizeram tudo. Sem máscara nem nada, sem distância um do outro’’. A situação gerou discussão na família. Além disso, Duda disse que tem se incomodado com visitas de pessoas de fora. Um exemplo é a namorada do irmão, que tem frequentado a casa deles. Duda ficou em alerta depois de saber que a mãe da visitante

pode estar com coronavírus. ‘’- Ela fica indo e voltando da casa dela. Se estivesse passando a quarentena toda aqui, tudo bem. Mas pelo menos, três vezes por semana, ela vem para cá.’’ Duda disse que sofre de asma crônica severa. Chegou a ficar chateada pela mãe não deixá-la ter, no dia do aniversário, pelo menos uma amiga em casa para conversar. ‘’- Mas o meu irmão pode fazer festa pra amiga dele no pico da doença no Brasil e ela acha lindo’’. Ninguém mais da família de Duda quis conversar com a reportagem.

Quem precisa sair

Delma Vaz, atualmente dona de casa, diz que não tem seguido devidamente a ordem de se manter em casa. ‘’Muitos respeitam rigorosamente, o que é correto. Mas para mim e muitos outros, é complicado’’, disse ela sobre a situação das pessoas que precisam pagar as contas e suprir as necessidades de suas famílias. ‘’ - Alguém da casa tem que ir ao supermercado, farmácia, enfim, algo que não é possível on-line. Diferente de nós, as contas não estão de quarentena’’. Ela termina seu raciocínio dizendo: ‘’ - O covid é um inimigo invisível! Mas se mudarmos nossa postura e aprendermos a ser humanos, poderemos olhar para o céu e contar com a ajuda daquele que tem o controle do universo em suas mãos. Mais uma vez: o dinheiro não compra nem resolve tudo. Ou fazemos isso, ou… mudamos de planeta?’’. O historiador Frederico Tomé, pesquisador de ciências sociais, diz que algumas pessoas saem de casa sem precisar, o que revela uma falta de responsabilidade. ‘’Há aquelas pessoas que precisam sair de casa, por atividades essenciais, mas há aquelas pessoas fazendo festas e reuniões, que se encontram, seja na rua, em bares ou na casa de amigos. Isso mostra uma falta de sensibilidade vinda por parte desses grupos.’’ Ele diz que o problema do isolamento pode nos trazer conflitos com familiares e

amigos dentro e fora de casa e os argumentos podem ser os mais variados. Tomé diz que a situação da quarentena no Brasil é problemática e que pode ainda se prolongar. ‘’Se não pensarmos socialmente, viveremos um problema maior’’, prevê o pesquisador. Ele apontou que pode haver um desconhecimento do eventual colapso dos sistemas de saúde público e privado. ‘’ - Nós vemos que o nosso SUS tem sido congestionado, e pessoas que se contaminarem por falta de responsabilidade de outras, não terão um atendimento fácil depois’’. Ele compara com aquelas que têm o atendimento privado. Pessoas que, caso se contaminem, terão o devido serviço. ‘’ - Até o desenvolvimento de uma vacina, viveremos um momento difícil’’, conclui.

Sentimentos negacionistas

A psicóloga Eliz Amaro classifica o isolamento como uma medida eficaz e importante, sendo a melhor forma de enfrentar o problema da pandemia. Ela fala um pouco como nós podemos estar nos sentindo nessa situação. ‘’ - É natural que alguns indivíduos desenvolvam um sintoma de ordem emocional - medo, estresse, ansiedade. Isso tem sido potencializado bastante. Ainda mais a ansiedade, pois como estamos lidando com algo novo, não sabemos do nosso futuro. Ele é incerto.’’ A psicóloga acrescenta que as notícias trágicas que recebemos mais e mais a cada dia afetam nosso emocional. Quando questionada sobre como é a mente do indivíduo que fura a quarentena, ela fez o seguinte paralelo: “Usemos o conceito do luto para entendermos melhor isso. Antes, nós tínhamos tudo a nosso dispor. Lojas abertas, eventos a todo momento, liberdade para encontrarmos familiares, amigos e namoradinhos ou namoradinhas. Mas de repente, tudo isso foi tirado de nós. Isso pesa bastante sobre as pessoas, especial

mente aquelas que tinham uma vida muita frenética, que precisavam do externo para se validar’’. Ela termina essa descrição falando sobre nossa sociedade, que é de fato muito agitada e tende para as interações sociais. ‘’- É bom ver esse momento como uma oportunidade de refletir, de entrar em contato consigo mesmo, de colocar em prática alguns planos que você tinha, mas que nunca foram concretizados.’’ Essa é a dica da psicóloga para ‘’sobrevivermos’’ a quarentena.

Uma (revira)volta olímpica

Especialistas explicam por que o adiamento dos jogos de 1940, do Japão, traz um impacto tão diferente do que o mundo experimenta em 2020

Vinícius Heck

Os presentes focam as atenções na parte central do Estádio Olímpico de Tóquio. Quando o relógio marca duas horas da tarde, a delegação grega surge em um dos túneis de acesso à pista de atletismo. O desfile de abertura das Olimpíadas é iniciado. A partir daí, as delegações de todos os 93 países participantes tomam conta da pista e do gramado. Algumas nações optaram por roupas típicas da própria cultura, enquanto ostentam a bandeira e o orgulho de estarem participando daquele momento. O frisson toma conta dos espectadores no instante em que os atletas japoneses adentram. A emoção se espalha entre os que testemunham. Milhares de balões ganham altura no céu da capital japonesa. Então, o ápice: Yoshinori Sakai, corredor japonês, ingressa com a tocha olímpica e o rastro de fumaça o segue até um dos pontos mais altos do estádio, onde a pira está posicionada. A cerimônia é encerrada com um show da esquadrilha da fumaça japonesa, que desenha os anéis olímpicos no infinito céu azul do oriente. A descrição poderia ser das Olímpiadas de 2020 ou até de 1940. Porém, das três edições marcadas para serem realizadas em solo japonês,

até o momento apenas em 1964 isso foi possível. Por diferentes motivos e com consequências distintas, as outras duas edições não foram possíveis. Em 1940, por conta da Guerra Sino-Japonesa, a sede foi transferida para Helsinque, capital da Finlândia. Entretanto, com o início da Segunda Guerra Mundial, os jogos de 40 e 44 foram cancelados. Em 2020 a realidade é outra. Uma pandemia assola o mundo e, exatamente quatro meses antes do início dos jogos, o governo japonês e o Comitê Olímpico Internacional (COI) optaram por adiar em um ano a competição. O antropólogo e pesquisador do esporte Wagner Camargo explica que é necessário contextualizar a época para explicar as condições sociais de cancelamento de uma edição olímpica. O mundo não era globalizado como é hoje. A década de 1930 foi um momento-chave na composição geopolítica internacional porque os países que perderam a Primeira Guerra Mundial viviam um processo de reestruturação. A Alemanha, por exemplo, foi severamente punida e considerada quase que a responsável pelo desencadeamento da guerra, de acordo com o Tratado de Versalhes (1919). Isso inflou o nacionalismo dentro do país, que foi de onde surgiu a abertura para a implementação do nazismo. Ainda não existia a divisão entre capitalismo e socialismo. “Os Estados Unidos e a então União Soviética estavam quietos na deles. Não havia aquela demarcação de quem mandava no mundo”, afirma o pesquisador. Na Ásia acontecia algo semelhante no sentido de movimentos nacionalistas. Tóquio sediou os Jogos do Extremo Oriente em 1930. Foi a oportunidade para um grupo de indianos protestar contra a Grã-Bretanha pela independência da Índia. Ao invés de utilizarem a bandeira da coroa britânica, eles optaram pela do movimento da independência. Esse fato causou alvoroço à época, e o Japão quis se redimir. Os japoneses propuseram junto ao COI sediar os Jogos Olímpicos para convidar o mundo, principalmente os países europeus, e acalmar os ânimos. O país foi escolhido

como a sede da 12ª edição das Olimpíadas, que seriam realizadas em 1940. Em 1937, porém, o Japão deflagrou uma guerra contra a China, onde buscava anexar ao seu território áreas que pertenciam aos chineses. O evento ficou conhecido como a Segunda Guerra Sino-Japonesa. Os japoneses abriram mão de sediar os Jogos Olímpicos, que foram transferidos para Helsinque (Finlândia). Entretanto, para Camargo, o cancelamento dos Jogos foi um ato preventivo e inevitável. Com a animosidade em que países se encontravam, poderia acontecer algum incidente durante as competições, ou algum tipo de boicote. Assim que estoura a Segunda Guerra Mundial, em 1939, os planos caem por terra e as Olimpíadas são canceladas. Como durante o ano de 1944 a guerra ainda não havia terminado, os jogos que seriam em Londres também não puderam ser realizados. As sedes afetadas foram recompensadas de certa forma. Londres sediou as Olimpíadas em 1948, Helsinque em 1952 e Tóquio em 1964.

Agora, é outra história...

A respeito de 2020, o antropólogo afirma que estamos em outro contexto. A economia mundial está configurada de maneira diferente. A década de 30 foi responsável pela expansão radiofônica no mundo. O rádio era a grande sensação, enquanto a televisão ainda se desenvolvia. Não havia essas questões de contratos de televisão, patrocínios, venda de imagem e difusão. Os Jogos Olímpicos não eram tão grandiosos como os de hoje. A mídia que se desenvolveu nos últimos anos foi responsável por dar um novo caráter ao evento. A competição é considerada um mega evento não só pela quantidade de participantes, mas também pela vultuosidade de investimento, número de patrocínios, aumento do número de nações participantes, quantidade de espectadores, principalmente in loco, e pelo impacto econômico e legado que deixa.

O adiamento, e não o cancelamento, dessa edição foi estratégico para evitar a perda de dinheiro e manter os patrocinadores amarrados a estrutura da organização, porque ela precisa desses contratos para sobreviver. Wagner Camargo acredita que foi muito mais fácil para o comitê organizador de 1940 tomar uma decisão, transferir a sede e posteriormente cancelar o evento, já que as implicações e os impactos econômicos foram bem menores. Além disso, visto que disputavam-se menos modalidades (em 1936 foram vinte duas), não foram necessárias tantas estruturas na época, e não eram tão grandiosas como hoje. Para o cientista político Leandro Gabiati, o adiamento nos dá uma noção da particularidade do momento que estamos passando como sociedade. Para se ter uma noção, além dos cancelamentos e adiamento citados, os Jogos Olímpicos só foram afetados pela Primeira Guerra Mundial, em 1916. O que difere a edição de 2020 das outras e merece destaque, para Gabiati, é a questão dos contratos, tanto com patrocinadores como com emissoras que detêm os direitos de transmissão. Para o cientista político, tudo isso gera um transtorno, e, após a saúde, o ponto dos contratos é que o COI deve considerar primeiro. Apesar disso, ele acredita que patrocinadores sabem que a situação é ímpar e por isso não vão se manifestar contra esse adiamento, por medo de prejudicar a própria imagem. Gabiati explica que, em qualquer processo histórico, os personagens acabam não percebendo o significado e a importância do momento, por não terem uma perspectiva geral. O cientista político também espera por uma crise econômica sem parâmetros. Oitenta anos depois, um novo problema atrapalha os planos de Tóquio sediar uma Olimpíada. Ao menos dessa vez não há um cancelamento, por enquanto. Em 1964, o atleta que acendeu a pira olímpica nasceu em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945. A mesma data do lançamento da Little Boy, bomba atômica que devastou a cidade. Ele

representava a reconstrução do Japão pós-guerra. O cenário para 2021 ainda é incerto. A reconstrução da sociedade pós-pandemia vai exigir adaptações de todos. Nos jogos, os organizadores precisarão se reinventar para manter todos os envolvidos em segurança. Um espetáculo com público na casa dos bilhões e dinheiro também. Hoje, um cancelamento do maior evento esportivo tem circunstâncias intangíveis sobre o que o esporte representa para o planeta: amizade entre as nações, valorização da atividade física e celebração da paz. Segundo os especialistas, o que está em jogo é mais do que uma volta olímpica, mas uma verdadeira reviravolta na história. Pode ser assim que as próximas gerações olhem para o ano do século 21 que não teve festa, nem pódio, nem vitória.

This article is from: