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Como entender o individualismo
Ou por que é tão difícil lembrar do outro...
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Maiza Santa Rita
Em Leviatã, de Thomas Hobbes, o homem em seu estado natural é egoísta, sendo narrado com observações bíblicas e históricas. Hobbes, apresenta o homem como aquele que não conhece leis e não possui conceito de justiça, ele somente segue suas paixões e instintos. Nesse contexto, há de se refletir se o homem é em sua essência egoísta ou apenas, como qualquer outro animal, age segundo seu instinto de sobrevivência. Na pandemia que estamos vivendo esse sentimento está mais aflorado e concreto. Está ao nosso lado. Para o historiador e pesquisador em ciências sociais, Frederico Tomé, o egoísmo seria a perspectiva de olhar para si ao invés de olhar para coletividade. “Acredito que dentro dessa perspectiva entre instinto de sobrevivência humana individual e o instinto de sobrevivência coletiva, o egoísmo esteja envolvido no instinto de sobrevivência individual”, explicou. Agora que sabemos que o egoísmo está presente na sociedade desde os primórdios, a questão que se impõe é porque em momentos difíceis, como a pandemia em
que estamos vivendo, esse sentimento se faz mais presente e visível. O livro Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, traz a história de uma epidemia que se alastrou em uma cidade e trouxe à tona sentimentos diversos entre as pessoas, sendo um desses sentimentos, o egoísmo ou o individualismo. Saramago conseguiu expor de forma clara essa realidade vivida e como os seres humanos se comportam diante de tantas mortes, luta entre grupos por comida, e outros. Em momentos como esses nós vemos a sociedade como ela realmente é, de uma forma mais crua. Diante de tantas dificuldades nós esperamos aquilo que o ser humano tem de melhor, ou seja, atos solidários, e realmente nós enxergamos esses atos, mas também conseguimos ver. com mais clareza, aqueles que agem de forma individualista, egoísta e sem empatia.
Anomia social
O sociólogo francês Émile Durkheim, descreve essas atitudes dos seres humanos através da anomia social, que é a falta de ligamento em uma sociedade, na qual os indivíduos desconsideram o controle social que rege as relações entre os homens. Isso se dá pelas intensas transformações ocorrentes no mundo social moderno, que transformam cada vez mais os homens em seres individualistas. Para alguns especialistas o mundo capitalista mudou o homem e passou a ditar as regras para um convívio social.Para Erci Ribeiro, professora de serviço social, a natureza humana é essencialmente coletiva e necessita ser compreendida neste contexto. A pesquisadora esclarece que os meios de produção foram os elementos transformadores essência dos seres humanos tal qual se apresentam. “O espírito de competitividade entre os indivíduos foi acirrado enquanto sociedade moderna”, concluiu o especialista no tema.
Relacionamentos líquidos
Zygmunt Bauman, um filósofo e sociólogo polonês, defendia uma teoria que se chamava modernidade líquida, que compreende o momento em que estamos vivendo atualmente. Para ele, as relações estabelecidas pelas pessoas se transformaram de maneira muito rápida e imprevisível. A modernidade, para Bauman, seria como os líquidos, que não possuem capacidade de manter sua forma, a coletividade e solidariedade ficam em segundo plano, e quem assume a primeira posição é o individualismo. Nós sabemos que a instabilidade econômica, as novas tecnologias e a globalização tiveram grande influência na perda desses sentimentos, mas como resgatar a solidariedade do ser humano? Erci Ribeiro, quando perguntada sobre como e qual seria o papel do serviço social na luta de resgate da coletividade e solidariedade do ser humano, diz que não trabalha com a perspectiva da subjetividade, que seria o campo de intervenção de psicólogos, mas o que norteia os princípios do serviço social é a coletividade. “As estratégias que nós, assistentes sociais, adotamos são estratégias tão amplas mas que partem desses princípios fundamentais, desde campanhas, rodas de conversas, uso das novas tecnologias como as redes sociais, respeitando sempre a categoria do trabalhador e sua condição, utilizamos estratégias como rádios comunitárias, webtv, teatro, música, como ferramentas que nos apoiam nas relações da sociedade de uma forma coletiva”, detalhou. Segundo o psicólogo Aldry Santos, a pandemia nos coloca em uma situação em que nossos recursos individuais de enfrentamento não são suficientes para lidar com as consequências encontradas, o que resulta em uma colaboração maior entre as pessoas e até mesmo o sentimento de solidariedade entre os indivíduos. “ O grande po
der do humano é a capacidade de, juntos, transformar a realidade. A vida que temos hoje é fruto do trabalho de muitos. Pode faltar recursos econômicos, mas isto não impede do ser humano trabalhar e transformar a realidade. E juntos, podemos potencializar a construção das estratégias de enfrentamento da realidade. O compartilhar é uma grande força para construção de cada um e da sociedade”, explicou. Assim como há espaço para atitudes solidárias, também há espaço para atitudes individualistas. Para Santos, não podemos considerá-las como atitudes egoístas. Para ele um dos valores prevalentes na nossa sociedade está ligado ao individualismo. “Esse valor, quando disseminado, passa a conduzir de forma mais presente a vida das pessoas”. Em uma sociedade que também valoriza a competição, transforma o egoísmo em modo mais aceito. “Além disso, creio que exista um outro fator que pesa: o anonimato das vidas contemporâneas. Muitas vezes, não somos visíveis para o outro, não temos tempo para se importar com o outro, pois estamos sempre atarefados, correndo, sem tempo para olhar para o lado, e o outro, muitas vezes está do lado e não percebemos. O que podemos pensar é que, a partir do nosso modo de vida atual, podemos nos tornar insensíveis ao outro”. Todos os especialistas com quem conversamos, quando perguntados sobre egoísmo, citaram o individualismo como a palavra correta a ser usada, o que está relacionado com o modo de vida da a sociedade contemporânea e capitalista. De fato, os jornais mostram cada vez mais casos de egoísmos e preconceitos, mas também luta de pessoas contra essas injustiças. Para os especialistas, o momento é de olhar para o outro, de empatia, de altruísmo. Não é de desabraço.