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O tempo dos abraços perdidos
Foto: Rafaela Camelo
‘‘O povo brasileiro está no modo sobrevivência. Sentindo a necessidade dos abraços e saudades dos nossos queridos’’
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Victoria Duarte
Ninguém acreditou que um vírus fosse acabar com os abraços. A Covid-19 não interrompeu o carnaval, a maior festa cultural que representa o povo brasileiro. Dessa escapamos. Mas interrompeu mais adiante, não permitindo romances pós- carnaval, abraços de aniversários, abraços nos mais velhos ou nos mais novos. Quantos abraços foram adiados? Não é possível contar. Foram acumulados. No país, segundo especialistas, o abraço faz parte da cultura nacional. Mais do que um gesto de carinho, trata-se de um verdadeiro patrimônio nacional. Com o tempo, eu mesma deixei de cumprimentar com apertos de mãos, abraços ou beijos no rosto, parecia que eu estava exagerando. Que tinha entrado numa onda de paranoia. Mas permaneci cautelosa. Mas tudo parecia que ia passar rápido, apenas era só um curto tempo que iriamos abdicar da herança: o abraço. Diante do meu espanto, fui conversar com quem entende do assunto. O cientista social Luiz Renato Vieira, doutor em sociologia pela UnB relata que os abraços têm diferentes significados a partir da inter
pretação dos povos. “A sociedade normatiza e cria condições e padrões para os relacionamentos entre os indivíduos com o próprio corpo”. Ele considera que não existe uma “forma natural” de agir com o corpo: os gestos, as formas de vestir, o comportamento social no contexto corporal como parte da expressão da linguagem tudo isso faz parte de um grande complexo da expressão humana que são determinadas pela cultura. Dessa forma, por isso que vemos cultura orientais tendo a perspectiva do “abraço” do toque de forma negativa. Até mesmo as culturas europeias, um pouco mais “fria”, em relação a cultura brasileira. O antropólogo francês do século 20, Marcel Mauss na sua obra As técnicas do corpo (1934), reflete sobre essa especificidade de cada cultura, trazendo a proposta que o corpo é o primeiro instrumento e o mais natural. Ou, mais exatamente, sem falar de instrumento: o primeiro e o mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é seu corpo”. Sendo que o corpo e sua funcionalidade pode mudar, variar sempre de acordo com a técnica praticada. “Essa especificidade é o caráter de todas as técnicas”, afirmou o autor O povo brasileiro está no modo sobrevivência. Sentindo a necessidade do abraços e saudades dos nosso queridos. Passamos muito tempo sentados na varanda acompanhando a movimentação da rua, pois é uma atividade estática que não faz a cabeça da gente doer tanto. Mostrando o quanto este momento é dolorido para o indivíduo que tem necessidade do afeto. Afinal, o afeto, o abraço é curativo! Não deveria ser uma arma poderosa contra esse vírus? Deveria, mas não podemos usar agora. Ao final da batalha, com certeza, vamos usar. Para curar os resquícios da guerra, por enquanto, temos que guardar o melhor para o final. A quarentena também tem o efeito de nós fazer reféns. Não podendo sair de casa, nem para ver os amigos e familiares. Qualquer passo rumo à falta de empatia, é um caminho para ficar mais tempo na sua “prisão” domiciliar.
O efeito da empatia
Empatia é definida como a capacidade de se colocar no lugar do outro, de perceber o estado ou a condição de outra pessoa e assim desenvolver a habilidade de sentir a mesma emoção. A neurociência tem evidenciado que a empatia é na verdade uma combinação de atos conscientes e inconscientes do cérebro que depende do bom funcionamento de certas regiões para florescer. E você acredita que o abraço é um ato empático? A psicóloga Francielly Muller, especialista em psicologia humanista, relata. “Desde o nascimento, nós temos, enquanto seres humanos, temos necessidades relacionais. A gente não se constitui enquanto ser humano, se nao for na relação com outro. Então, é na relação com o próximo que eu me reconheço, que eu me transformo, que eu me identifico”. Essa necessidade do toque, o abraço, é gerado desde da natividade. Onde o indivíduo começa a construção no modo de falar, de agir e de pensar. Tendo o outro como referência de afeto, de cuidado ficando registrado no consciente. “Ficando registrados em nós, a gente carrega esse registros afetivos a longo da nossa vida”, acrescenta a psicóloga. “O abraço tem um lugar de nos “validar”, nos legitimar enquanto pessoas, partir do momento que estabeleço essa relação afetiva com o outro. Legitima o meu lugar enquanto humano”. Assim somos totalmente dependentes do toque, do abraço do outro. Quando estou recebendo um abraço, nosso corpo entende a mensagem, que pode ser interpretada como amor, proteção, segurança. Tendo como resposta a dependência do ser humano com quem tenho relação. Neste tempo, embora não se deva abraçar, não se pode deixar de reconhecer a sua importância. O abraço é um símbolo reforçador de uma grande necessidade humana: a conexão com o outro. Nós temos a necessidade de estabelecer vínculos. Isso é vital. Os benefícios que esse afago traz também não são poucos, e
são, inclusive, atestados pela ciência. Em 2013, um estudo da Universidade Médica de Viena, na Áustria, liderado pelo neurofisiologista Jürgen Sandkühler, comprovou que abraçar alguém que confiamos pode, além de promover o bem-estar, reduzir a pressão arterial e melhorar a memória. O responsável por tudo isso é a oxitocina liberada no organismo. O hormônio, relacionado à felicidade, quando presente na corrente sanguínea, reduz a pressão arterial e diminui a sensação de estresse e ansiedade. Ainda, um abraço pode aliviar a dor. A psicóloga acrescenta que o isolamento social pode trazer outras doenças para mente e o físico. “As pessoas não vão adoecer apenas da Covid-19. Há outras ranhuras que vão ser deixadas no psiquismo, que levamos muito mais tempo para serem organizadas. E o isolamento traz isso, o distanciamento do toque do outro. Mesmo que hoje já tenha as tecnologias digitais, mas existe um espaço de toque com outro que não pode ser substituído”.
O tempo do abraço
Assim, eu me pego questionando até quando essa falta do abraço vai durar. Tantas pessoas ficam na expectativa e no futuro. Tenho certeza que em nossas conversas com os entes queridos. Já falamos assim. “Quando isso passar, poderemos nos abraçar”. Seja para os namorados, seja para pais e filhos ou até mesmo em ver os avós. Posso dizer que nosso o “melhor remédio do brasileiro”, o abraço. Hoje, tá em falta. Trazendo diversos problemas psíquicos para muita gente. Mas creio que há uma luz no fim do túnel, segundo a psicóloga. “O abraço cálido, ele é curativo. Porque afeto tem o poder enorme e potente de cura emocional e física”. Isso mostra que o corpo humano tem fome de pele. A especialista em o poder em especialista Tiffany Field, fundadora do Ins
tituto de Pesquisa do Toque da Universidade de Miami diz em sua pesquisa sobre os benefícios do toque aos tratamentos para a dor que “sob nossa pele estão distribuídos diferentes tipos de sensores ou fibras nervosas que respondem ao toque”. A baixa das fibras nervosas, gera a redução da imunidade e nos tornaria mais vulneráveis a doenças gerais ao coronavírus quando, paradoxalmente, o que o confinamento pretende é evitá-lo. Mas a pesquisa é muito mais complexa. O psiquiatra Pablo Rocha, diz que o abraço pode ser inato a ser humano, “pode-se dizer que o abraço é algo que aparece de maneira praticamente inata tanto no ser humano quanto em várias espécies animais, como macacos.”. Afirmando que o abraço é uma necessidade do indivíduo para se desenvolver, não só na infância, mas a longo de toda vida. “O ser humano é essencialmente uma espécie social, que necessita da companhia de outros seres humanos para ter uma vida saudável. O contato social, de olhar para os outros e sermos olhados, é de extrema importância para uma vida saudável”, conclui o especialista. Mas a pandemia e o confinamento tornaram mais consciente a importância do abraço e do beijo, um paradoxo: estamos mais perto e mais longe. Seja para os mais velhos ou para os mais novos, para os apaixonados ou para os medrosos. “O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço”, já diz a canção da banda Jota Quest. Embora nunca vá deixar de existir ou de ser uma boa representação de carinho, em tempos de pandemia do coronavírus, esse gesto tão corriqueiro precisou ser abandonado, ou, pelo menos, desencorajado, para que se possa evitar o contágio.