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Fora de jogo

Foto: Lucas Junqueira

Em um esporte com tanto contato como o futebol americano, atletas nem imaginam quando poderão avançar alguma jarda

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Lucas Junqueira

Felipe Marques, 27 anos, era um dos atletas presentes no elenco da seleção brasileira de futebol americano que marcou história do cenário nacional. No dia 31 janeiro de 2015, o Brasil seleção venceu o Panamá por 25 a 14, garantindo assim, a primeira participação na Copa do Mundo da modalidade. O dia ficou marcado como um dos passos mais largos do futebol americano em solo brasileiro. Conhecido como Pombão, Marques começou a carreira profissional em 2013, jogando na posição de defensor pelo Tubarões do Cerrado. Ele afirma que vive integralmente do futebol americano há dois anos, momento em que disputou campeonatos estaduais e nacionais por equipes renomadas do esporte, como o Cruzeiro Imperadores e Botafogo Reptiles. Após uma temporada de 2019 - com direito a liderança na estatística defensiva de sacks - na Liga Brasileira de Futebol Americano, conhecida como Liga BFA, Marques traçou um novo desafio para sua carreira. E em terras já conhecidas pelo atleta. Ao acertar verbalmente com o Vasco Almirantes, do Rio de Janeiro, para a disputa da maior competi

ção nacional, acreditava que seria mais um ano corrido de competições. Mas com a crise gerada pela pandemia e a suspensão da temporada, a contratação foi por água abaixo. Agora, Marques está sem clube e com foco nos treinos de manutenção de massa muscular em manter massa muscular. “Tenho uma boa quantidade de pesos em casa, pulo corda. Não tenho feito muito além disso”, completou. A rotina de estudos também se tornou uma nova saída para o atleta, que é estudante do sexto semestre de engenharia civil. Ele pretende conseguir estágio na área para que possa se manter ativo financeiramente e acredita que não deve voltar a disputar uma partida tão cedo, “E seguimos com o futuro em aberto…”, afirmou.

O cenário atual do esporte

Tudo caminhava para que 2020 fosse mais um ano de grande progresso para o cenário do futebol americano no Brasil. Equipes da Liga Brasil de Futebol Americano - conhecida como Liga BFA e principal campeonato nacional - realizaram um intenso trabalho de condição física na pré-temporada, além de fortes movimentações no mercado de jogadores, envolvendo tanto brasileiros quanto americanos importados de pequenas ligas dos Estados Unidos. O caminho parecia ser frutuoso para o esporte, mas a chegada do novo coronavírus e o estado de pandemia mundial trouxe indefinições para uma prática que depende diretamente do contato físico. O vírus atrapalha um esporte que apresenta crescimento nos últimos cinco anos no Brasil. Segundo o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA), Ítalo Mignoni, o número de equipes profissionais, entre 2015 e 2019, progrediu de 130 para 442 e o número de praticantes chegou a 17 mil. Outro ponto que demonstra essa crescente é a audiência. A visibilidade do esporte está

em alta, o que pode ser constatado pelo aumento em 47% da audiência em jogos da National Football League (NFL) - liga com o maior reconhecimento internacional - de 2018 para 2019, além do início das transmissões de partidas finais da Liga BFA, transmitidas pela ESPN pela primeira vez em 2019 - algo que seria repetido em 2020.

Chegada da doença no Brasil

No mês de março, a CBFA, diante da rápida disseminação do vírus no país, divulgou um protocolo de saúde com medidas de profilaxia a serem seguidas pelas equipes e atletas. No documento, a Confederação também apresentou indefinição quanto ao acontecimento do campeonato nacional, ficando atenta a todas as decisões proferidas pelo principal órgão internacional do esporte, a International Federation American Football(IFAF) e da Secretaria Especial do Esporte (SEE) do Ministério da Cidadania. A definição sobre a continuidade veio apenas no dia 5 de maio, em coletiva de imprensa on-line com o presidente da CBFA, Marcelo Bruno, onde foi confirmada a suspensão por tempo indeterminado. O treinador André Renck, dos times especiais do Cuiabá Arsenal, comentou que ao ver notícias sobre o início da pandemia no exterior, ficou preocupado quanto a chegada da doença no Brasil e a preparação da equipe para o campeonato. “Só pensava se isso iria afetar o Brasil. Fiquei na expectativa de que o surto não demorasse ou que uma cura fosse encontrada rapidamente, até porque estávamos estruturando muito bem o trabalho na equipe”. O recebedor do Tubarões do Cerrado, Sédrick Lima, disse que, ao ver o início da pandemia, temia por uma possível paralisação. Ele afirma que, por ser um esporte dependente do contato físico, não sabe ao certo quando será possível disputar uma partida novamente. “Depois que

vi o Brasil não fazendo nada sério para conter as infecções, já percebi que poderíamos perder o ano. Como nosso esporte tem muito contato, imagino que seja uma das últimas coisas a voltarem ao normal’’, disse.

Nova oportunidade

Apesar da crescente apresentada nos últimos cinco anos, o futebol americano ainda enfrenta alguns problemas. Gustavo Alecrin, sócio e ex-diretor do Tubarões do Cerrado, comentou que durante o período em que esteve na diretoria da equipe brasiliense, já enfrentava pequenos problemas de crescimento tanto financeiro, quanto de estrutura. “Falta visibilidade, investimentos e fatores extra campo, como brigas políticas sobre a violência do esporte e os danos que trazem para os campos’’, afirmou. Tendo esses fatores em vista, a pandemia chegou para ser uma nova barreira enfrentada pelo esporte. Dirigentes e jogadores estavam esperançosos que esse quadro se reverteria neste ano, principalmente com a ESPN renovando as transmissões da fase final da Liga BFA. A ida do primeiro brasileiro, em 2018, originado no futebol americano do Brasil, Durval Neto, conhecido como Duzão, para disputar a principal liga americana, a NFL, também gerou diversos incentivos para o esporte no país, mas a pandemia pode acabar afetando muitas oportunidades. ‘’No mesmo ano em que ele foi para os Estados Unidos, começamos a ter um pouco mais de visibilidade. Fechamos contrato com a BFA, e o Dia do Futebol Americano foi estabelecido na câmara. Então, coincidência ou não, a ida só gerou frutos e esperávamos que 2020 seria melhor ainda’’, ressaltou Alecrin. A atual presidente do Tubarões do Cerrado, Paula Chiarotti, reforçou que apesar dos diversos avanços em 2019, os impactos negativos foram grandiosos em todos os aspectos do es

porte. “Muitos times perderam patrocínios e parcerias, pois nossa maior moeda de troca é a exposição midiática de jogos e eventos. Como um time em si, academias fechadas e falta de treinos presenciais comprometem o desempenho físico dos atletas”, completou.

Físico dos atletas

Um dos principais quesitos impactados pela interrupção de treinamentos e competições é a parte física dos atletas. O esporte exige que a atletas tenham uma forte condição física para evitar lesões graves, devido ao número de choques corporais existentes durante uma partida. Em uma possível volta futura, esse aspecto pode ser totalmente impactado pela falta de preparação, o que pode acarretar em desfalques para as principais equipes do país, além de colocar atletas em risco. Para evitar essas situações, equipes do país têm adequado os treinamentos para serem realizados sem a necessidade de academia ou práticas coletivas. Segundo Paula Chiarroti, inicialmente, os treinos foram mantidos em espaços maiores e ao ar livre para evitar aglomeração, porém com o agravamento do isolamento, a equipe estabeleceu protocolo de treinos online, onde são passados exercícios específicos, conhecidos como drills, e o atletas têm a responsabilidade de gravar a execução e enviar aos treinadores. Quanto a parte dos treinos físicos, Sedrick Lima afirmou que a equipe fornece um suporte através de parceria com a patrocinadora CrossFit PW. ‘’Eles nos passam treinos de crossfit para serem feitos cotidianamente em casa. Não é obrigatório para os atletas do time, mas são esses que faço pra me manter condicionado’’, completou. Já o Cuiabá Arsenal, segundo André Renck, não preparou nenhum tipo de rotina de treinos caseiros, já que atletas veteranos possuem a noção para manutenção da preparação física. O treinador afirma que

a real preocupação da equipe é quanto aos atletas novatos que passaram pelo processo seletivo para admissão na equipe, conhecido como tryouts.

Futuro do esporte

Será um trabalho árduo para que elencos sejam mantidos em alto nível, não só pelo lado físico, onde devido ao isolamento e suspensão das partidas, atletas perdem o ritmo de jogo e ficam propícios a futuras lesões, mas também pelo lado financeiro. Muitas equipes perderam diversos patrocínios e necessitam de investimentos para se manterem ativas. André Renck acredita que esses dois fatores serão os problemas que cercarão o futuro do esporte. O treinador ressaltou o impacto causado pela perda de patrocínios, bem como isso pode interferir na execução de partidas. “Um time sem investimento não é um time. Não consegue nem produzir uniformes, quem dirá viajar para outra cidade pra jogar. Eu custo a acreditar que seja só aqui em Cuiabá que esteja acontecendo’’, disse. Renck também teme pelo número de lesões que podem acontecer no retorno efetivo às competições. Para ele, os times que se adaptarem a situação e estabelecerem uma rotina de trabalho adequada, respeitando os limites físicos dos atletas, terão um desempenho melhor na volta das partidas. E o treinador que acreditava em um retorno apenas em 2021 devido ao aumento acentuado de casos, teve a sua tese reforçada pelo comunicado feito pela Comissão de Prevenção de Lesões e Saúde dos Atletas da CBFA, no dia 8 de junho, onde recomendam o cancelamento de qualquer partida. Na mesma linha de pensamento, Sédrick Lima afirmou que acredita na retomada no ano que vem, mesmo com fatores agravantes como a indefinição da volta dos públicos aos estádios e a dúvida sobre como o isolamento afetou as empresas que investem em clubes e ficou difícil, por enquanto, avançar alguma jarda.

NAS PERIFERIAS

O barro dá cor ao descaso político, onde falta água, esgoto, comida e dignidade. Nas periferia culturais, o drama dos que pintam o rosto em busca do sorriso do público. Do itinerantes do picadeiro, que só querem uma oportunidade.

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