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O Salão dos Espelhos já foi palco de grandes festas e cerimônias oficiais Eduardo Pelosi

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Arquitetura neoclássica é um dos destaques do prédio

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o mundo inteiro, grandes castelos e palácios atraem turistas interessados em conhecer detalhes da arquitetura e da história local. Palácios como o de Buckingham, em Londres; o de Versailles, em Paris; e o da Guanabara, no Rio de Janeiro, impressionam os visitantes pela grande riqueza de detalhes decorativos, marcos históricos e culturais. Com a reforma do imponente Palácio Rio Branco, em Salvador, baianos e turistas voltam a ter mais um importante ponto turístico, ao lado do Elevador Lacerda, que hospedou governadores,

vice-reis, reis, imperadores e presidentes de províncias. A restauração, realizada através do Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste (Prodetur), recebeu investimentos de R$ 6,9 milhões, com recursos do Ministério do Turismo e contrapartida do Estado, através da Secretaria de Turismo da Bahia. A obra recuperou todo o conjunto arquitetônico e decorativo do prédio, além de instalar equipamentos de segurança e de climatização. O palácio foi reinaugurado em 10 de junho. Pela primeira vez, ele é aberto completamente para o público e oferece visitas guiadas.

Detalhe de uma das esculturas do Salão dos Espelhos Viver Bahia | 57


História - Construído em 1549, pelo primeiro governador-geral do Brasil e fundador de Salvador, Tomé de Sousa, o Palácio Rio Branco foi a primeira sede do Governo-Geral do Brasil, quando a cidade ainda era a capital do país. De acordo com os relatos do Padre Manoel da Nóbrega, superior dos jesuítas que acompanharam Tomé de Sousa, a Casa dos Governadores, hoje Palácio Rio Branco, foi erguida na Praça Municipal, local planejado para abrigar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Segundo o historiador e presidente da Fundação Pedro Calmon, Ubiratan Castro, a casa foi estrategicamente construída na parte alta da cidade, com a finalidade de demonstrar poder. As obras foram realizadas sob orientação do Mestre de Pedrarias, Luís Dias, com muros de taipa para despacho e residência do governador-geral.

Em 1624, no governo de Diogo Mendonça Furtado, Salvador foi invadida por um exército de 1.700 holandeses, comandados pelo almirante Jacob Willekens, que tomaram a Casa do Governo e ocuparam o local durante um ano, até se renderem. Durante o governo de Francisco Barreto de Menezes (1657-1669) o prédio é modificado mais uma vez, com a construção de um segundo andar, abrigando setores administrativos no térreo e residência no andar superior, com sacadas de ferro forjado, construído por ordem do rei D. Afonso VI. Em 1763, a capital da Colônia é transferida para o Rio de Janeiro e o local perde o status de sede do Governo-geral. A Casa do Governo também hospedou o imperador Dom Pedro II, durante sua visita à Bahia, em 1859. No ano de 1890, depois de proclamada a República, a

Prédio passou por três modificações arquitetônicas até chegar a forma atual 58 | Viver Bahia

construção ainda conservava uma fachada no estilo colonial português, considerada decadente. Por conta disso, o prédio passa por uma reforma completa e fica pronto em 1900, durante o governo de Luís Viana, tornando-se o imponente Palácio do Governo, em estilo arquitetônico neoclássico. Vários salões e salas, em estilos renascentistas, como a Sala do Descobrimento, o Salão dos Governadores, Salão Luiz XV, Sala Assiriana, Bizantina, o Salão de Honra passaram a integrar a nova sede do governo baiano. As melhorias incluíam nova decoração e obras de arte, como as pinturas de Lopes

Sala dos Despachos do Governador. Ao fundo, o quadro de Antonio Parreiras

Rodrigues, e nova iluminação, com 800 bicos de gás. O palácio passou a ser palco de grandes festas da alta sociedade, como as comemorações pelo 4º Centenário do Descobrimento do Brasil. Foi no início do século XX que o prédio ganharia a forma que é conservada até hoje. Em 1911, o governador Araújo Pinho, por problemas de saúde, renunciou ao cargo. Segundo historiadores, o motivo real para a renúncia foram interferências em sua gestão realizadas por Rui Barbosa e José Marcelino. O fato gerou uma crise política que causou o bombardeio de Salvador, em 1912, a mando do presidente da República, Hermes da Fonseca. O local mais atingido pelos ataques vindos do Forte de São Marcelo foi o Palácio do Governo; o bombardeio provocou um grande

incêndio que deixou o prédio em ruínas e destruiu o acervo de livros e documentos do palácio. Com o fim da crise política, o novo governador, José Joaquim Seabra, inicia os trabalhos de reconstrução do prédio, projetado pelo arquiteto italiano Julio Conti, no mesmo formato como o conhecemos hoje. Finalmente, em 1919, o local tem sua reforma concluída e é reinaugurado com grande pompa, no 30º aniversário da Proclamação da República, com o nome de Palácio Rio Branco. O centro do poder estadual permaneceu no prédio até o ano de 1979, quando foi transferido para o novo Centro Administrativo da Bahia. Após a mudança, o Palácio Rio Branco já abrigou a Prefeitura de Salvador, a Bahiatursa e a Fundação Pedro Calmon. Viver Bahia | 59


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ara que a beleza histórica do prédio fosse revelada ao público, a antiga sede dos governos federal e estadual passou por diversas intervenções na estrutura física e artística, antes completamente degradadas pelo tempo e pela má conservação. Como a última intervenção foi realizada em 1983, o prédio acumulava problemas na

Escultura de Thomé de Souza

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cobertura, por causa das infiltrações, nos elementos decorativos das fachadas e nos bens integrados, como forros, pinturas parietais, pisos e vitrais. Com a coordenação de técnicos do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), os seis mil metros quadrados do palácio foram equipados com novos sistemas elétricos e hidráulicos, climatização, telefonia e internet. O telhado, comprometido por cupins, foi totalmente substituído e ganhou um sobreforro de fibra de vidro para evitar vazamentos. O mobiliário e a pintura da época colonial também foram restaurados. As dependências foram adequadas para a acessibilidade de pessoas com necessidades especiais, com a instalação de rampas e elevadores. Ao adentrar o palácio por um dos três grandes portões de madeira de lei com detalhes em metal decorado, o saguão de entrada já impressiona por sua suntuosidade. Duas grandes colunas de pedra antecedem a escadaria que dá acesso ao segundo pavimento e, ao fundo, uma fonte com uma escultura de Netuno, o rei dos mares, foi ali colocada para proteger a Baía de Todos-os-Santos. Na antiga sala do Memorial dos Governadores foram descobertas pinturas originais nas paredes, através de prospecções estratigráficas, que estavam escondidas por sete camadas de tinta. A pintura original aparece apenas em um pedaço da parede, já que duraria mais de um ano

Antigo Memorial é agora espaço para eventos

para decapar todo o salão, trabalho que será realizado posteriormente. Pinturas e elementos decorativos das paredes de madeira como louro e cedro, mais usuais por causa da facilidade na hora de esculpir, também passaram por reforma. O piso, que estava apodrecido, teve as madeiras substituídas. A sala que abrigava o memorial agora é um espaço para eventos solenes. A grandeza histórica do palácio pode ser constatada nos detalhes. Ao subir a escadaria principal, com degraus de vidro aramado e guarda corpos em ferro decorativo, o visitante depara-se com uma

grande estátua em gesso de Tomé de Sousa, de autoria do escultor italiano Pasquale de Chirico. No teto do saguão superior, o brasão da República Federal foi esculpido. Na claraboia, estão os nomes dos estados federativos, registrados ali quando Paraíba ainda se escrevia com “H” e “Y” (Parahyba) e Mato Grosso com dois “Ts” (Matto Grosso). Datas importantes também foram incorporadas à nave, como o 7 de Setembro de 1822 (Independência do Brasil), 15 de Novembro de 1889 (Proclamação da República), 2 de Julho de 1823 (Independência da Bahia) e 13 de Maio de 1888 (Abolição da Escravatura). No Salão dos Espelhos, uma exposição com móveis estilo Luiz XV, a restauração do piso em parquê e os espelhos emoldurados com camada de pintura em ouro enriquecem o cenário, que já foi palco de grandes festas e cerimônias oficiais. O salão tem uma varanda com vista para a Baía de Todos-osSantos e um coreto, onde ficavam as orquestras. A Sala de Despachos do Governador chama atenção por uma longa mesa de reuniões, e pelo original do quadro Primeiro Passo para a Independência do Brasil, com três metros de altura e seis de largura, que retrata o início da luta pela Independência, em Cachoeira, no histórico 25 de Junho, e pintado, em 1930, pelo artista plástico fluminense Antônio Parreiras. O salão também foi climatizado, teve seu grande lustre de cristal recuperado e, assim como todas as dependências que abrigam obras de arte, possui catadores de fumaça e extintores especiais para combater incêndios. Logo ao lado, uma sala anexa está mobiliada com móveis

Teto da Sala dos Despachos mostra detalhes da arquitetura neoclássica

modernos, projetados especialmente para se alinharem com a decoração clássica do ambiente. Junto com a Sala de Despachos do Governador, o local vai abrigar, uma vez por semana, o gabinete do atual governador do Estado. Ainda no primeiro andar, a Sala dos Esquecidos também está aberta à visitação e possui grandes portas que ligam o espaço com outras salas menores. Ali se reuniram, no dia 7 de março de 1724, os membros da Academia dos Esquecidos, a primeira instituição de caráter cultural fundada no Brasil.

Escada e hall do pavimento superior Viver Bahia | 61


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novo Memorial dos Governadores fica no lado oposto ao da sala que antes abrigava a exposição. Inaugurado em 1986, o memorial abriga coleções de objetos, documentos da vida privada, cotidiana e profissional doados pelos governadores. Uma pinacoteca com 46 retratos de cada chefe do Estado da Bahia também está exposta no salão. Entre os bens expostos, há um grande relógio de parede, britânico, do século XIX, fabricado por Elias Ingraham e que pertenceu ao governador José Joaquim Seabra. Outras relíquias ali abrigadas são: a caneta tinteiro Parker, de Vital Henrique Batista Soares, a coleção de talheres monogramados em prata, da marca Christoffe, que pertenceram a Severino Vieira e José Marcelino. As porcelanas Sèvres-Bavaria, o relógio de bolso, ouro 18 quilates, do governador Luiz Viana, que se encontram perfeitamente conservados e impressionam os visitantes.

Porcelana Sèvres-Bavaria

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Os móveis também foram restaurados e agora compõem a exposição

Nos documentos e livros expostos, destaca-se a carta de José Gonçalves da Silva para o Barão de Geremoabo, expondo os motivos pelo seu desinteresse em se candidatar ao Senado Nacional e a Mensagem de Despedida ao Povo Bahiano, de 1959, escrita por Antônio Balbino. A pinacoteca expõe em ordem cronológica quadros pintados com o retrato de todos os governadores da Bahia, desde Virgínio Clímaco Damásio até o atual governador Jaques Wagner. O historiador Ubiratan Castro explica que era comum os prédios públicos, principalmente os palácios dos governadores, conservarem a memória do poder da época. “Pinturas e retratos dos governadores e presidentes eram preservados. Por isso, os memoriais dos governadores são instalados nos

palácios, porque esses imóveis eram considerados memoriais do Poder Executivo”, conta. Segundo Ubiratan Castro, a Fundação Pedro Calmon pretende ampliar o memorial para que ele se torne o Memorial da Bahia. “Os turistas que vêm à Bahia entram no palácio em busca de uma referência histórica da Bahia, queremos que aquele espaço se torne um memorial com toda a história baiana”, destaca. O Memorial dos Governadores já recebe, depois da reinauguração, cerca de 400 visitantes por dia. O professor paulista Wellington Leite, de 33 anos, veio com a mulher conhecer o prédio. “Eu já conhecia a Bahia, mas nunca tinha visitado o Palácio Rio Branco. Isso aqui é muito interessante, retrata a história dos baianos, é muito bom que ele tenha sido aberto, temos mais um local para visitar”, comenta Leite.

Exposição Centro Antigo de Salvador - No espaço reservado para mostras e eventos, o Palácio Rio Branco abriga, até o mês de novembro, a exposição Centro Antigo de Salvador – A História do Brasil Vive Aqui. De forma interativa, a exposição utiliza a tecnologia para mostrar, através de telas sensíveis ao toque, uma viagem no tempo que conta a história do Centro Antigo da capital baiana. Em um conjunto de telas, o visitante pode conhecer os projetos das 14 proposições do Plano de Reabilitação do Centro Antigo. Através de outros dois monitores, o visitante pode escolher no mapa da região uma das centenas de casas, ruas e pontos turísticos que são atendidos por alguma das ações do Plano, com detalhes sobre o local, ação realizada, fonte de investimentos, empregos gerados e estágio da ação. As fotos dos casarios e ruas do Centro Antigo ganham uma visão psicodélica através de um caleidoscópio digital, que transforma as imagens em verdadeiras obras de arte. Ao final da exposição, o visitante pode gravar um depoimento com suas impressões sobre a mostra e sobre o Centro Antigo de Salvador. Em apenas um mês o espaço recebeu mais de três mil visitantes e, por conta disso, teve sua programação ampliada até novembro.

Medalham fazem parte do acervo

Visitas guiadas - Todos os dias, das 10h às 18h, o Palácio está aberto para visitas. O passeio, monitorado por guias, pode ser agendado gratuitamente, de terça a quinta-feira, às 10h e às 15h. Os guias contam a história, a trajetória e as mudanças arquitetônicas desse imóvel que, por si só, já é uma aula magna da história do Brasil e da Bahia. Como apoio, foram capacitados 11 estudantes universitários de Turismo, Arquitetura, Urbanismo, História, Decoração, Artes e Museologia. A programação inclui áreas nobres do Rio Branco, como térreo, Memorial dos Governadores, hall principal, sala dos banquetes, varanda térrea e a exposição do Plano de Reabilitação do Centro Antigo. O agendamento do Projeto de Visitas Guiadas, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (Ipac), pode ser feito para grupos de até 30 visitantes, através dos telefones (71) 3117-6491, (71) 31176492 e do email: astec.ipac@gmail. com .

LINHA DO TEMPO 1549 Tomé de Sousa funda Salvador e constrói a Casa do Governo 1624 A Casa do Governo é ocupada por um ano por invasores holandeses 1663 O espaço ganha nova forma e um pavimento superior 1763 A capital da Colônia é transferida para o Rio de Janeiro e a casa torna-se sede do governo local 1890 Após proclamada a República, começam as reformas estruturais do prédio 1900 A reforma é concluída e o local passa a ser conhecido como Palácio do Governo 1912 O Palácio é bombardeado por tiros disparados do Forte de São Marcelo que, ao caírem em seu interior, causam um incêndio que consume boa parte do prédio 1919 O local tem sua reforma concluída e passa a se chamar Palácio Rio Branco 1949 São realizadas obras profundas de ampliação, com a introdução de estrutura de concreto armado e pintura externa e interna 1979 Com a restauração do Paço Municipal, que passou a abrigar apenas a Câmara de Vereadores, o Gabinete do Prefeito Municipal de Salvador passa a ocupar o Palácio Rio Branco 1983 Passa a ser ocupado pela Bahiatursa, quando foi realizada a última reforma 2010 São investidos R$ 6,9 milhões para a reforma completa e recuperação da arquitetura e dos bens materiais do Palácio

Exposição Centro Antigo de Salvador - A história do Brasil vive aqui traz painéis interativos Viver Bahia | 63


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