Rdb124

Page 1

REFORMA DA PREVIDÊNCIA Projeto tenta destruir direito ao sonho e ao descanso

MALDADES SEM LIMITES Temer traz a recessão ao país e o pesadelo aos trabalhadores

nº 124 dez/2016 – jan/2017 www.redebrasilatual.com.br

ESTAMOS AÍ PARA A BRIGA

Haddad deixa em São Paulo um legado de políticas premiadas e contas saneadas. Ele defende uma frente de forças democráticas em torno de um projeto que retome o caminho das mudanças e da esperança


DEIXE A PLAYLIST DE LADO. A ALEGRIA DE OUVIR RÁDIO ESTÁ DE VOLTA

Eleita entre as 20 melhores rádios que divulgam música popular brasileira independente com o programa A Hora do Rango, de segunda a sexta, das 12h às 14h

As notícias que as outras não dão e as músicas que as outras não tocam. 24 horas no ar, todos os dias www.redebrasilatual.com.br/radio

soundcloud.com/redebrasilatual


ÍNDICE

EDITORIAL

6. Trabalho

A razão de ser do Direito é o valor da dignidade humana

12. Previdência

Vem aí outra tentativa de matar o sistema público de seguridade

18. Mauro Santayana Quem ganha com o cerco aos bancos controlados pelo Estado

20. Lalo Leal

A mídia e a publicidade ainda livres para assediar criancinhas

22. Entrevista

Haddad reage à derrocada do republicanismo brasileiro

28. Economia

Foram 10 anos de publicações impressas: 124 edições distribuídas por todo o Brasil

Manobras financeiras que podem levar o estado de SP ao abismo

Informação que transforma

32. Atitude

E

Adolescentes que se levantam contra o machismo e o racismo

34. Cultura

PAUL HESSELL/FLICKR/CC

Téo Azevedo, enciclopédia viva de cultura popular

Preparação da ayahuasca, também conhecida como chá de santo daime

40. Comportamento Ayahuasca é objeto de inúmeras pesquisas científicas. E prisões

Seções Editorial 4 Emir Sader

9

Marcio Pochmann

10

Curta essa dica

44

Crônica – Flávio Aguiar

50

ste número da Revista do Brasil encerra um vitorioso capítulo da história da imprensa independente do Brasil. E um ciclo de 10 anos de edições impressas distribuídas a trabalhadores e seus familiares – bancários, metalúrgicos, professores, do setor químico, de energia, do serviço público, entre outros. A partir de 2017, o conteúdo que marcou esse projeto editorial estará no meio digital, no portal da Rede Brasil Atual. O portal, por sua vez, passa por um processo de reformulação para chegar em breve renovado e mais funcional para os internautas. As mudanças preveem um aproveitamento mais dinâmico e integrado da produção da RBA, da própria revista, Rádio Brasil Atual, TVT, jornal ABCD Maior e de outros parceiros com quem são compartilhados e multiplicados conteúdos. E ainda uma presença mais inteligente nas redes sociais, com objetivo de ampliar o alcance, elevar o nível da informação, dos debates e das interações e estimular o uso qualificado dessas redes. A identidade editorial humanista, o zelo gráfico, a diversidade temática, a pluralidade de opiniões, a valorização da prestação de serviço, dos assuntos de interesse público, do mundo do trabalho e da cultura continuarão a nortear este projeto – sempre tendo como diretrizes os valores da ética, da solidariedade, do estímulo à participação social e ao exercício da cidadania que nos têm pautado há mais de uma década. Os objetivos de levar informação para quem não tem acesso – ou para quem tem acesso, mas não se sente contemplado com o que encontra nesse vasto e perverso mundo editorial – inspiraram a criação da Revista do Brasil em maio de 2006. Nos anos seguintes, ganharam amplitude com a companhia da rádio, do portal, do jornal e da TV. E ganharão novo dinamismo, de maneira mais integrada, no endereço digital da RBA. A ousadia de fazer da informação também um projeto de transformação do país continuará fazendo história. Que as más notícias de 2016 não sejam esquecidas, para que se tenha sempre consciência da ausência de limites e de escrúpulo dos agentes do poder econômico. Com a gratidão da companhia de que desfrutamos esses anos todos, sigamos juntos em mais um novo ano, na defesa intransigente da liberdade de expressão, de informação e da democracia. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

3


EDITORIAL www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Gabriel Valery, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Jailton Garcia/RBA (Haddad) Roberto Parizotti/CUT (Previdência) Rodrigues Pozzebom/ABR (Trabalho) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 120 mil exemplares

Conselho diretivo Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Carlos Eduardo Bezerra Marques, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Douglas Izzo, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos Lima, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, João Carlos de Rosis, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior

4

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

Muita maldade Milagre da modernização prometido por Temer embute ataques sem precedentes a direitos trabalhistas e sociais e, ao invés de reverter, tende a agravar a recessão

O

presente de Natal do governo Temer para os trabalhadores – “Belíssimo”, como definiu o presidente – foi um conjunto de propostas que, como de hábito, ganhou o rótulo de “modernização” ou “atualização” das leis trabalhistas, uma forma suave de apresentar seu pacote. Talvez sob inspiração da época, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, declarou que as mudanças, se implementadas, têm potencial para estimular a criação de mais de 5 milhões de empregos. O mesmo número do período 2010/2011, por exemplo, de forte crescimento econômico e expansão do emprego formal, em um cenário oposto ao atual. As medidas permitem que convenções coletivas se sobreponham à lei em algumas situações, incluindo temas como parcelamento de férias, divisão da jornada de trabalho, deslocamento in itinere (de casa para o trabalho), intervalo intrajornada e banco de horas. Aumenta para 120 dias o período de trabalho temporário e mantém o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado no governo Dilma, que passa a se chamar Programa de Seguro-Emprego (PSE). Outra proposta é de eleição de um representante dos empregados em empresas com mais de 200 funcionários. A CUT aponta o pacote como “ineficaz” contra a crise e afirma que, ao contrário do noticiado pelo governo, não participou de qualquer negociação sobre o tema. A central “é contra toda e qualquer retirada de direitos”, ressalta o presidente da entidade, Vagner Freitas. A CTB também não foi ouvida e nem apoia as propostas. Para a entidade, trata-se de impor a “lei da selva” no mercado de trabalho. “Ninguém, no movimento sindical, é contra a livre negociação, muito menos novas conquistas dela decorrentes, que nossa legislação trabalhista prevê e até estimula”, diz a central, acrescentando que a lei proíbe negociar a redução de direitos, “coibindo acordos que ficam abaixo, e à margem, das garantias previstas na CLT”. A Força Sindical, cujo presidente (Paulo Pereira da Silva, o Paulinho) é aliado do governo, avaliou que a maioria das propostas é positiva. Já a UGT criticou, inicialmente, a apresentação por meio de uma medida provisória – posteriormente, o Executivo decidiu encaminhar o pacote via projeto de lei, deixando apenas o PSE na MP 761. Decisão “prudente e sensata”, segundo o presidente da central, Ricardo Patah. O Projeto de Lei nº 6.787 chegou ao Congresso em 23 de dezembro. O pacote trabalhista se junta a outras medidas que têm efeito sobre o mercado de trabalho, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, de “reforma” da Previdência, que desconsidera desigualdades da sociedade brasileira e aumenta o período para que um trabalhador consiga se aposentar pelo teto, entre outras maldades. Também deve-se considerar outra PEC, a 55, que limita gastos primários da União, com impacto evidente sobre áreas cruciais, como saúde e educação. E, como sempre, sem mexer no pagamento de juros, que sangra continuamente nossa economia. O governo sinaliza com a “livre negociação” em um momento de recessão econômica, queda da atividade e diminuição da confiança, ao contrário do que os arautos

REVISTA DO BRASIL


para um golpe só

GRITO DOS TRABALHADORES (RELEITURA DE TELMA KATIA, LUCAS DUARTE E ALUNOS DO EJA/SBC SOBRE OPERÁRIOS (1933), DE TARSILA DO AMARAL, E O GRITO (1893), DE EDVARD MUNCH)

do impeachment previam meses atrás. Segundo esses modernizadores do atraso, bastava remover a presidenta Dilma Rousseff para o país voltar aos trilhos. Não é o que se vê. A previsão predominante é de economia estagnada em 2017. É nessa conjuntura, com desemprego ainda em alta, rendimento menor, endividamento das famílias e crédito restrito, que os sindicatos deverão se sentar à mesa de negociação. E ainda paira sobre a cabeça dos trabalhadores projetos como o de ampliação da terceirização. O pacote natalino também incluiu a apresentação de medidas microeconômicas. “O conjunto de medidas anunciadas pelo governo, no entanto, não é um programa de estímulo à economia

e não será capaz de impulsionar a atividade produtiva. Esperava-se do governo um conjunto de iniciativas que mobilizasse investimentos e retomasse o consumo interno, com o Estado assumindo papel de indutor da empreitada de tirar a economia da recessão”, diz o Dieese. É dessa forma que o governo propõe o milagre do crescimento. Apesar de tudo, e porque a esperança nunca pode faltar, que 2017 traga também boas notícias aos brasileiros, que não deixam de acreditar em um país de oportunidades, mais justo e menos desigual – o que inclui governantes direta e legitimamente eleitos. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

5


TRABALHO

QUEM PROTEGE É A LEI Ministro do TST reage a críticas de que há “protecionismo” da Justiça do Trabalho e afirma que o fundamento do Direito é de valorização do homem e de sua atividade

ENAMAT

Por Vitor Nuzzi

A

o completar 75 anos, a Justiça do Trabalho vive um momento de turbulência, no olho do furacão da reforma trabalhista pretendida pelo governo, sob pressão empresarial. Criado em 1946, na Constituição posterior à ditadura do Estado Novo, o Tribunal Superior do Trabalho foi atacado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que vê no TST um defensor excessivo dos trabalhadores, em prejuízo das empresas. A polêmica é interna e externa, com uma corrente dentro do TST e dos tribunais regionais (TRTs), possivelmente majoritária, contrária às propostas de flexibilização. Na principal Corte trabalhista do país, dois terços dos magistrados (18 dos 27) encaminharam ofício à presidenta do STF, Cármen Lúcia, criticando Gilmar. Um dos signatários é o ministro Luiz Philippe Vieira de 6

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

Mello Filho, no TST desde 2006. Ele considera uma “falácia” o argumento de que flexibilizar, por si só, trará crescimento e empregos. E lembra que nas bases do Direito do Trabalho e da própria Constituição estão a dignidade humana, a valorização do trabalho e a livre iniciativa. “O Direito do Trabalho é um elemento da ordem jurídica que cria uma harmonia porque dá prevalência à dignidade do trabalhador, a sua identidade como trabalhador – porque o cidadão puramente com seus direitos políticos não é capaz de realizar sua plena identidade, ele tem de trabalhar para que tenha uma existência digna”, diz o magistrado. Para ele, o projeto de terceirização que tramita no Senado, em sua proposta original, amplia a prática sem limites e, assim, transforma o homem em mercadoria. O que contraria, inclusive, os fundamentos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em sua constituição, de 1944.


TRABALHO

Fala-se muito sobre um suposto protecionismo da Justiça do Trabalho, que de alguma maneira protegeria o trabalhador e prejudicaria as empresas. Como o senhor vê essa questão? O Judiciário, por sua natureza, é protecionista, quer dizer, está cumprindo o seu papel?

Veja, vamos tentar colocar as categorias cada qual em sua prateleira. A legislação trabalhista nasceu como uma legislação que surgiu e se afastou do Direito Civil, porque tinha como escopo a regulamentação de uma relação jurídica assimétrica. Não há como se estabelecer prestações comutativas desse contrato, porque não há igualdade entre empregado e empregador – e nunca haverá. Então, ela é, por sua substância, uma legislação de ordem pública, ou seja, é inderrogável e irrenunciável. Se é inderrogável e irrenunciável, o descumprimento dessa legislação gera a atuação da Justiça do Trabalho como forma de proteger o trabalhador materialmente. Então, não é a Justiça que está protegendo os trabalhadores, a lei protege, porque protege uma relação assimétrica, de desigualdade, de subordinação. Quando você ingressa num patamar de aferição de igualdade econômica no Brasil, hoje o nosso é um dos países que tem maior índice de desigualdade social. Como é que se pode falar que o empregador e o empregado estão em igualdade de condições? É melhor, então, revogar a legislação trabalhista e vamos deixar o Direito Civil, de onde ele veio, como um ramo anárquico àquele, porque no Direito Civil se previa uma igualdade. Eu não consigo raciocinar com essa máxima que foi colocada. Agora, você diz que os empregadores se queixam... O problema é que eles têm a capacidade de unificar uma queixa, que os trabalhadores não têm. Porque, se nós formos aferir, o grau de descumprimento da legislação trabalhista é altíssimo. Isso não foi considerado nessa análise. E não teria nenhuma sanção ao descumprir a lei? Quando o juiz interpreta o comando da lei, que é imperativo, ele está protegendo? Essa é a obrigação do juiz do Trabalho. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) soltou recentemente uma estatística em que 68% das reclamações trabalhistas dizem respeito a verbas rescisórias e uma parcela salarial, ou salário-família, FGTS, seguro-desemprego ou uma prestação salarial não paga. Onde é que está o excesso de proteção, se quase 70% das ações dizem respeito a uma verba rescisória? Quer dizer, o discurso não fecha e torna-se falacioso. Revogar o Direito do Trabalho não é o que alguns setores querem?

É exatamente isso que eles querem. Com esse dis-

curso falacioso, só pode voltar para esse prisma. Se eu disser que a negociação coletiva vai resolver tudo... Qual a necessidade de uma norma jurídica de ordem pública se eu posso negociá-la, desde que seja o sindicato? E como é que o sindicato pode negociar se a representatividade dele é questionada, e eu não posso questionar minha representatividade, embora a Constituição diga que eu não sou obrigado a me filiar? O jogo está todo torto. Não tem como você vir com um discurso de purismo, que o sindicato representa... Alguns, sim, uma pequena parcela no Brasil tem essa representatividade, essa expressividade, mas não 80% ou 90% deles. Era preciso mudar isso tudo para que pudéssemos ter uma verdadeira legitimidade que decorreria da representatividade, e não da autoridade de uma lei. Em um recente encontro nacional de advogados trabalhistas, a avaliação foi de que a Justiça do Trabalho vem sendo atacada por ser vista como empecilho para as reformas, a flexibilização da lei, a terceirização. O sr. também vê isso?

É preciso que nós tenhamos um marco inicial para raciocinar em torno desse tema. O marco inicial, na minha concepção, é o seguinte: estamos numa Constituição, num Estado democrático de direito. Não temos uma Constituição liberal e nem temos uma Constituição social. Essa Constituição estabeleceu como fundamento da ordem jurídica a dignidade da pessoa humana, e em seu outro inciso a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Ou seja, ela faz um equilíbrio. Eu não estou num Estado liberal, porque senão seria livre iniciativa, e não estou num Estado social porque seria exclusive a valorização do trabalho humano. Então, o Direito do Trabalho é um elemento da ordem jurídica que cria uma harmonia porque dá prevalência à dignidade do trabalhador, a sua identidade como trabalhador – porque o cidadão puramente com seus direitos políticos não é capaz de realizar sua plena identidade, ele tem de trabalhar para que tenha uma existência digna. Aí se diz o seguinte: a Justiça do Trabalho tem obstaculizado o desenvolvimento do país, porque se flexibilizar o país terá mais condições de crescimento. Duas falácias. Primeira falácia: a legislação trabalhista não é rígida, e sabemos que não é, posso despedir, tem denúncia vazia, tem uma série de coisas. Só tenho as garantias mínimas inscritas na Constituição, ela já sofreu inúmeras reformas. E, de outro lado, você diz que se houver flexibilização nós teremos mais emprego. Qual é a base empírica dessa informação? Zero. Nenhuma. REVISTA DO BRASIL

Não há nenhum estudo científico que diga que se houver flexibilização vamos ter mais emprego e mais garantia de emprego

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

7


TRABALHO

Não há nenhum estudo científico que diga que se houver flexibilização vamos ter mais emprego e mais garantia de emprego. Ao contrário, quando você teve um país em que havia um menor índice de desemprego e uma empregabilidade alta, com reconhecimento, nós tínhamos, primeiro, circulação de dinheiro no mercado, e com isso você tinha uma inversão econômica que possibilitava um desempenho melhor, inclusive observando mercado interno. De outro lado, você tem uma possibilidade de que as classes sociais ascendam em razão da constituição de configurações sociais, políticas e jurídicas novas, a partir do trabalho. Agora, se eu não tenho nada, isso vai ser o melhor para a economia? Ou se eu precarizar todo mundo, colocar todo mundo ganhando salário mínimo, que é o que vai ocorrer, e todas as construções históricas dessas categorias vão desaparecer? Porque não vai sobrar nada, todo mundo vai ser terceirizado. Nós tínhamos é de estabelecer uma legislação que trouxesse maiores garantias a esses terceirizados, e aí a reforma sindical poderia ajudar, porque se eles se integrassem num ramo de atividade teriam maior força de negociação, mas você dissolveu a categoria profissional, ela vai ficar desmembrando em não sei quantos sindicatos. Com esse projeto que está para ser votado no Senado...

Esse projeto de terceirização rompe a lógica do Direito do Trabalho, porque diz o seguinte: o ser humano passa a ser uma mercadoria. Eu tenho uma empresa para locar ser humano, e a razão pela qual o Direito do Trabalho nasceu foi para dizer que isso não poderia acontecer. Qual a atividade da sua empresa? Locar ser humano. Essa questão está nos princípios da OIT, não é?

Esse projeto de terceirização rompe a lógica do Direito do Trabalho, porque diz o seguinte: o ser humano passa a ser uma mercadoria 8

Isso é o princípio básico que gerou toda a legislação trabalhista. O Código Civil falava em locação de mão de obra, que foi aí que nós surgimos. Revogaram isso e apareceu o Direito do Trabalho. Agora, o que está acontecendo? É o Direito do Trabalho voltando para o Direito Civil, com uma roupagem nova. É um passo, ou muitos, para trás?

De muitos séculos, diria eu.

Esse ofício que os senhores encaminharam ao Supremo, a maior parte dos ministros do TST, mostra que dentro do Judiciário há uma reação contra isso, digamos majoritária?

É majoritária. Sem dúvida, no Judiciário trabalhista, há expressiva maioria no sentido da proteção do

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Veja, ninguém está defendendo causa própria. Se alguma coisa mudar, obviamente tudo vai ser realocado, todos nós. Estamos defendendo é um ideal de um país mais justo. A nossa ideia é que não se pode viver sob a égide de uma Constituição liberal econômica. Não é análise de mercado que vai ditar o funcionamento de uma sociedade. Porque quando você parte de uma premissa de que o mercado se tornou mais importante que o Direito, então necessariamente acabou o Direito, porque o pensamento é todo econômico. Isso é o liberalismo clássico de centenas de anos atrás, e é o que estamos vivendo, incrivelmente, no século 21, o retorno à prevalência do mercado sobre o próprio Direito. E não é só o Direito do Trabalho, que é o primeiro ponto. Depois vai ter o ambiental, tudo vai se justificar por força do desenvolvimento, então vamos acabar com tudo, desmatar tudo, acabar com os rios. Olha o resultado da Samarco aí, a importância de uma legislação de ordem pública, que preserva valores difusos. Como é que se pode imaginar uma sociedade em que nós vamos ver um retorno quase ao século 19, em que o trabalhador vai trabalhar 12 horas, sabe-se lá, tem crianças, adolescente, jovens... Isso é barbárie. Há algumas matérias no Supremo relativas à terceirização ou ao negociado sobre o legislado. É possível evitar que elas prosperem?

Veja bem, não seria esse o papel do Judiciário. Penso eu que não deveria o Supremo avançar sobre isso. Essa é uma questão que deveria o Parlamento resolver de alguma maneira. A decisão ataca um ponto, mas não as consequências que vão decorrer dessa decisão. Tem inúmeras repercussões que não se fecham a partir da decisão judicial, que deveriam ser legislativas. A desconstrução das categorias, como é que se resolve isso, quem representa quem? O que faz com a pulverização, com a convenção coletiva, com as vigências de prazo? Tem uma série de coisas que dependem de uma reforma legislativa. Acho que o prudente seria deixar com que o Parlamento resolvesse. Bem ou mal, ele resolveria de um jeito ou de outro, e aí far-se-ia o controle de condicionalidade, ou de ilegalidade de A ou de B nas circunstâncias que se apresentarem. Agora, o risco desse ativismo é muito complexo. Por mais que haja uma boa intenção, uma necessidade, uma aparência de que é extremamente importante, mas isso é um pilar, uma coluna de um grande edifício sustentado por várias colunas. Se tirar uma, corre o risco de tudo cair. Leia a entrevista completa no site da Rede Brasil Atual: bit.ly/rba_tst


EMIR SADER

Como se reconfigura o cenário mundial

Crises institucionais, sociais e políticas que abalam do seleto bloco das potências imperialistas à Europa, passando pela América Latina, abrem era de incertezas na geopolítica global

O

mundo saiu de 2016 bem diferente da forma como entrou. Há elementos de continuidade, como a crise recessiva no centro do capitalismo, que se espraia por todo o sistema, sem prazo para acabar. E causa instabilidade econômica, como a mais nova crise do Deustche Bank, além de social e política, das quais Espanha, Grécia, Itália, Grã-Bretanha e França são alguns exemplos. As novidades afetam ainda em cheio o bloco imperialista. Não que se tenha constituído uma força de crítica profunda desse bloco, mas contradições internas levaram ao descabeçamento das duas potências líderes do bloco imperialista há mais de um século. A saída da Grã-Bretanha da União ­Europeia e o triunfo de Donald Trump nos Estados Unidos criaram profundas incertezas nos espaços que essas nações dirigem, e afetam a toda a política internacional. A globalização trouxe, ao longo dos anos da sua implementação, descontentamentos nos setores prejudicados pela desterritorialização das grandes empresas e pela perda de empregos também nos grandes centros do capitalismo. Esses elementos têm em comum o Brexit e a vitória de Trump, capitalizando o mal-estar nos segmentos da classe trabalhadora que não sentem que os sindicatos estão sendo eficientes na defesa dos seus interesses e se fizeram representar pela direita. Que, por sua vez, insuflou os sentimentos contra os imigrantes como parte da defesa do emprego, assim como os próprios tratados de livre-comércio. Assim a Grã-Bretanha abandonou a União Europeia, enquanto Trump afirma que denunciará o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e se pronunciou contra o Tratado de Livre Comércio de seu país com a Europa – que Obama já se apressou em desdizer, na perspectiva de que seu

sucessor abandone a ideia. Inicia-se um verdadeiro processo de retração da globalização neoliberal, depois de pretender ser o destino inexorável de toda a humanidade. O ano se anuncia como aquele em que os britânicos colocarão em prática sua decisão e em que começa uma nova era nas relações dos Estados Unidos com o mundo. Mais além dos discursos, nessa nova etapa vai ter de redefinir concretamente suas relações com a Rússia, com a China, com a Europa, com o México, para tomar apenas algumas das grandes referências do magnata em sua campanha. A Europa, ao mesmo tempo, vai ter de enfrentar a complexa situação de crise política aberta na Itália, com questionamentos da União Europeia como uma de suas possibilidades, mediante a convocação de um referendo. A Alemanha vai enfrentar novas eleições, quando o prestígio de Angela Merkel é o mais baixo desde sua primeira eleição, acossada pela ascensão da ultradireita e o novo fortalecimento da social-democracia. Na América Latina, 2017 prepara o clima das eleições mais importantes do continente, em 2018: as eleições do Brasil e do México. Além de ter, em fevereiro, as no Equador, em disputa sem Rafael Correa pela primeira vez em 10 anos. No México, o Partido da Ação Nacional (PAN) surge, de novo, como provável alternativa ao igualmente conservador Partido Revolucionário Institucional (PRI), no mesmo marco de políticas neoliberais, frente a uma esquerda dividida entre o Partido da Revolução Democrática (PRD), o Movimento Regeneração Nacional (Morena) e uma candidata indígena dos zapatistas. Uma divisão que pode facilitar a manutenção da direita no poder. O ano que inicia será o primeiro de uma nova configuração de um cenário internacional cujos traços ainda não se podem visualizar com clareza. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

9


MARCIO POCHMANN

Reforma para um novo ciclo político

Pela fragmentação política, o centro político-democrático foi se desconstituindo, o que abriu maior espaço para o avanço da direita, cuja manifestação inegável se traduziu no golpe de 2016

A

pós os 21 anos de vigência da ditadura (19641985) que interromperam a primeira experiência de regime de democracia de massas entre os anos de 1945 e 1964 (19 anos), o Brasil ingressou no ciclo político denominado Nova República. Esta segunda experiência democrática de massas, a mais longeva até então (1985-2016), encontra-se esgotada. O golpe jurídico-parlamentar ao regime democrático no mês de agosto de 2016 rompeu com as bases do acordo sociopolítico que fundamentou e permitiu desenvolver-se a Nova República. Com 31 anos de experiências acumuladas por governos eleitos pelo voto popular e pautados pela Constituição Federal de 1988, o Brasil conseguiu assumir a condição de uma das mais jovens e promissoras democracias de massas do mundo. O que não seria pouco, considerando uma nação sem tradição democrática consolidada. O Brasil possui mais de cinco séculos de existência e apenas 50 anos de experiência democrática de massas, posto que o voto – secreto e universal – foi implementado somente na década de 1930, apesar de excluir até 1985 a participação nos pleitos eleitorais dos analfabetos, parte majoritária da população até os anos de 1960. Diferentemente da primeira experiência democrática de massas (1945-1964), demarcada por significativa expansão econômica fundamentada no projeto de industrialização nacional, o ciclo político da Nova República transcorreu numa etapa de estagnação da renda per capita da população. Na primeira experiência democrática, o crescimento médio do rendimento dos brasileiros se deu ao redor de 4% ao ano, ao passo que na Nova República foi inferior a 1% como média anual. Talvez por isso que, além de ter sido uma experiência democrática demarcada por uma economia travada diante da desindustrialização nacional, não tenha conseguido realizar qualquer tipo de reforma profunda na sociedade. Aquelas que foram identificadas no documento Esperança e Mudança, do antigo MDB, publicado em 1982 e que conectavam, em parte, ao projeto das reformas de base do governo democrático de João Goulart (1961-1964), jamais foram implementadas. Neste sentido, podem ser destacadas as duas características principais do ciclo político da Nova República. A primeira decorrente do modo próprio de transitar do regime militar para a 10

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

democracia por meio de um grande acordo político consagrado no colégio eleitoral de 1985, responsável por consagrar o fim do autoritarismo. Uma vez derrotado o movimento nacional de 1984 por eleições diretas, restou a participação no reduto antidemocrático do colégio eleitoral que definia até então os presidentes dos governos autoritários. Assim nasceu a Aliança Democrática que viria expressar a vitória de uma combinação entre a parcela conservadora do maior partido de oposição aos militares, sob a liderança de Tancredo Neves do PMDB, com a parte dissidente dos políticos que apoiavam o regime militar, cuja liderança fora José Sarney, ex-presidente da Arena. Neste modo particular de transição política, a ditadura deixou de ser exposta ao crivo democrático, sem ser passada a limpo. Os seus torturadores e governantes autoritários jamais chegaram a prestar contas à luz da democracia, o que permitiu saírem ilesos, bem ao contrário do verificado nas experiências constatadas em países vizinhos, como na Argentina, Uruguai e Chile. Por essas condições, o sistema partidário que fundamentou o ciclo político da Nova República praticamente manteve imune a legislação de reforma política do ano de 1979 que reintroduziu o sistema multipartidário no Brasil. Ressalta-se que entre 1966 e 1979 existiram legalmente apenas dois partidos: a Arena dos militares e o MDB da oposição consentida. Com a legislação a partir de 1979, a tática do governo militar de dividir a oposição (MDB) em diversos partidos e manter a situação (Arena) unida em um único partido (PDS) tornou-se vitoriosa, com a fundamentação da fragmentação político partidária. Esta se configurou na segunda principal característica do ciclo político da Nova República, ou seja, a mitigação do regime de presidencialismo para mudar a realidade diante da necessidade de maiorias parlamentares cada vez mais amplas. Nos governos militares, por exemplo, apenas um partido (Arena) era necessário para legitimar no legislativo, o poder dos presidentes autoritários. Mas nos governos da Nova República, a maioria política parlamentar tornou-se cada vez mais fundada na reprodução de siglas partidárias. No governo Sarney (1985-1990), por exemplo, apenas dois partidos (PMDB e PFL) eram suficientes para a formação da


MÍDIA NIJA

MARCIO POCHMANN

maioria política congressual. Mesmo assim, durante a Constituinte (1987-1988) surgiu o Centrão para oferecer estabilidade ao longo dos governos da Nova República assentada no exercício do fisiologismo político (toma lá, da cá) frente à escassa presença de partidos programáticos. Dez anos depois do início do ciclo político da Nova República, em 1995, por exemplo, a maioria política congressual dos governos de FHC pressupunha a presença de quatro a seis partidos. Com 30 anos de Nova República, em 2015, a maioria congressual, constituída nos governos Dilma equivalia a 18 a 20 partidos, enquanto nos governos de Lula eram de 10 a 12 partidos. Desta forma, o descrédito na política no Brasil tem derivado, por um lado, do avanço da fragmentação partidária e da balcanização dos interesses políticos de troca majoritária dos apoios circunstanciados no mercado das nomeações em cargos políticos e na corrupção eleitoral por financiamento empresarial. Por outro lado, a incapacidade de ocorrerem reformas que modifiquem profunda e rapidamente a realidade nacional decorre do acordo político que moldou a transição democrática pautada no sistema multipartidário herdado do regime militar. Nesta perspectiva, as eleições majoritárias tenderiam a protagonizar no Executivo, prefeitos, governadores e presidentes de posição progressistas em geral, enquanto nos pleitos proporcionais, os legislativos municipal, estadual e federal apontariam para maiorias conservadoras, cada vez mais reacionárias. Isso porque nas eleições majoritárias, o poder das

corporações e lobbies de interesses conservadores se relativizariam diante dos temas de importância nacional, expressos em geral pela vontade das massas populares. No caso das eleições proporcionais, ao contrário, os filtros locais do conservadorismo e das forças corporativas organizadas tenderiam a se expressar mais fortemente. Assim, o legislativo apontaria a força do dinheiro, cuja presença da representação vinculada às massas populares seria cada vez mais decrescente diante do voto organizado pelo agrarismo, igrejas, crime, drogas e demais corporações movidas pelo dinheiro. Não por outro motivo que no Brasil, o parlamentarismo tenderia a transcorrer sob o risco de ser mais conservador ainda que o presidencialismo mitigado. Pela fragmentação política no Brasil atual, o centro político-democrático foi se desconstituindo, o que abriu maior espaço para o avanço da direita, cuja manifestação inegável se traduziu no golpe de 2016. Agora, as exigências da direita política tendem a se encaminhar para um novo golpe dentro do atual golpe do governo Temer, com a proposição das eleições indiretas no ano de 2017. Sem uma reforma política para valer, capaz de desarticular a fragmentação do sistema político multipartidário atual, o Legislativo de base conservadora e cada vez mais reacionária se mantém triunfante, entupindo as vias possíveis do executivo de fazer cumprir democraticamente os desejos das massas populares que elegem, em geral, prefeitos, governadores e presidentes para mudanças profundas da realidade nacional. REVISTA DO BRASIL

DE BAIXO PARA CIMA Manifestantes cercaram o Congresso em junho de 2013 pedindo reformas

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

11


PREVIDÊNCIA

UMA REFORMA FINAL ANUNCIADO Metalúrgicos do ABC fazem protesto contra a reforma da previdência na Rodovia Anchieta

12

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL


PREVIDÊNCIA

A SER BARRADA Apresentada em dezembro pelo governo, a PEC 287 contraria especialistas e centrais sindicais. Para professora, fixação de uma idade mínima única significa ignorar desigualdades

ROBERTO PARIZOTTI/CUT

A

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, enviada ao Congresso em dezembro pelo presidente Michel Temer com objetivo de reformar a Previdência Social no país, é mais uma tentativa de desconstrução das garantias sociais previstas na Carta de 1988 – prática que tem pautado de maneira acelerada o governo depois do impeachment de Dilma Rousseff. Submerso nos ditames de um projeto sem respaldo da sociedade – que desde 2002 se recusa a eleger governos com ideias de teor neoliberal –, mas apenas das elites endinheiradas do país, a reforma muda radicalmente a concepção de um sistema que até aqui refletia, ainda que com limitações, os interesses dos trabalhadores e a capacidade de organização de suas categorias. O texto conseguiu o feito de contrariar especialistas em Direito do Trabalho e previdenciário, além de todas as centrais sindicais. Para o presidente da CUT, Vagner ­Freitas, a agenda de Temer está destruindo o Brasil. “É pior do que o confisco da poupança feito por Collor. Não é com arrocho, desemprego e o fim das aposentadorias que o Brasil vai sair da crise. Isso só contribui para aumentar a pobreza, a violência e fazer o país andar para trás”, afir-

REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

13


ma. “A classe trabalhadora vai aos poucos se conscientizando dos prejuízos causados por esse governo e, com certeza, se organizar e mobilizar cada vez mais para reverter essa situação”, diz, referindo-se a uma pesquisa feita pelo Instituto Vox Populi a pedido da central, que revela a crescente desaprovação do governo pelos brasileiros – e que 87% rejeitam a reforma da Previdência. Segundo o coordenador do Dieese Fausto Augusto Júnior, a ideia é “absurda” e faz parte de um processo de desconstrução do sistema previdenciário. “De um ponto de vista bem objetivo, estamos falando que vamos deixar em torno de 70% da população fora do sistema previdenciário. Mais grave do que isso é que é uma proposta para a desconstrução do setor da Previdência pública no Brasil”, afirmou Fausto, em entrevista ao Seu Jornal, da TVT. Na semana que a PEC foi apresentada, os metalúrgicos do ABC paulista promoveram um grande protesto, que reuniu mais de 12 mil pessoas na Via Anchieta,

FOGUINHO/SIND. MET., SOROCABA E REGIÃO

PREVIDÊNCIA

“IDEIA ABSURDA” Fausto Augusto Júnior: “É uma proposta para a desconstrução do setor da Previdência pública no Brasil”

que liga São Paulo ao litoral sul, dando uma indicação de que se inicia um período de resistência. “Com essa proposta não tem discussão, tem luta. Não vai ter arrego e a nossa proposta é que o Michel Temer retire o texto”, afirmou o presidente do sindicato da categoria, Rafael Marques. “O caminho é ocupar as ruas.” Aprovada a toque de caixa pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na madrugada de 15 de dezembro – foram 31

votos a favor e 20 contra –, a 287 aguarda a formação de uma comissão especial na Casa, o que deve ocorrer em fevereiro, depois da eleição da mesa diretora. Dias depois da apresentação da PEC, no início de dezembro, várias centrais sindicais se reuniram na sede do Dieese­, em São Paulo, para avaliar a proposta governista, que foi criticada por todas as entidades. “Há uma avaliação preliminar de um posicionamento contrário ao proje-

Cálculo para não pagar

A adoção da idade mínima de 65 anos para homem e mulher, e o período mínimo de contribuição de 25 anos para requerer o direito à aposentadoria são as mudanças essenciais da proposta. O que a senhora pensa disso? Eu complementaria que a harmonização entre os atuais regimes e para todos os entes da federação é central na proposta encaminhada. Isto é, ela propõe regras de acesso à aposentadoria e de cálculo do benefício iguais entre trabalhadores do setor privado e servidores, sejam da União, dos estados ou dos municípios, neles incluindo os que exercem cargo eletivo. O único setor que fica de fora é constituído pelas Forças Armadas. Começando por esse último aspecto: não é a primeira vez que isso é aventado, mas é a primeira vez que é proposto. Sua justificativa se funda na ideia de que a cobertura do risco velhice (aposentadoria) deve ser igual para todos e, por isso, 14

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

JAILTON GARCIA/RBA

A opção por atacar as despesas significa que pelo novo regime, se aprovado, os trabalhadores terão um caminho mais árduo para se aposentar, que culminará com a necessidade de mais tempo de contribuição e menores valores a serem percebidos. Também torna-se praticamente impossível alcançar o valor da aposentadoria pelo teto, a não ser que o trabalhador contribua por 49 anos, uma medida impensável se o governo em questão tivesse respaldo do voto direto. “Enfim, o cálculo proposto foi concebido para que não se pague a aposentadoria pelo valor do teto”, diz a professora Rosa Maria Marques, da PUC de São Paulo.

EMBATE Rosa Maria: O que está em jogo é um novo pacto de proteção social para o risco velhice


PREVIDÊNCIA

to, que afeta em muitas dimensões a vida do trabalhador”, afirmou o diretor técnico do instituto, Clemente Ganz Lúcio. Ainda em outubro, o Dieese havia divulgado um documento com propostas do movimento sindical, enfatizando a necessidade de diálogo para implementar mudanças. “As sugestões mostram que é

possível pensar em sustentabilidade em longo prazo na Previdência, sem passar de imediato pela redução dos direitos de proteção social. O debate sobre a Previdência, no longo prazo, é sempre necessário, mas isso deve ser feito com ampla participação de trabalhadores e as organizações sindicais.” “Uma reforma tem de ser para melhorar a vida dos brasileiros”, afirma o secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, chamando de “perversa” a proposta do governo e dizendo que o país caminha

EDU GUIMARÃES/SMABC

É GUERRA Rafael Marques: “Com essa proposta não tem discussão, tem luta. Não vai ter arrego e a nossa proposta é que o Michel Temer retire o texto”

essa perspectiva foi abraçada por setores da esquerda brasileira em diferentes momentos. Ao unificar as regras de acesso dos regimes, os regimes próprios deixam de ter especificidades, as quais foram produto de vários fatores, entre eles a força que as categorias tiveram no passado para impor essas especificidades. Poder-se-ia dizer, por outro lado, que a harmonização dos regimes tem por detrás a concepção de que a aposentadoria constitui uma renda de substituição ao trabalho em geral. No Brasil, isso já havia sido feito quando foram unificados os institutos estruturados com base em categorias de trabalhadores e criado o INSS. Mas tratava-se dos trabalhadores do setor privado da economia. Agora, a proposta abrange todos os trabalhadores, independentemente da função exercida, se no setor privado ou público. A ideia de trabalho, portanto, ocorre em outro nível de abstração. A consequência disso, além de implicar em perda para algumas categorias, significa não mais considerar os servidores de forma diferente dos demais trabalhadores. Em outras palavras, o reconhecimento de que o servidor deveria ter um estatuto diferente exatamente por ser o representante do Estado na relação com a sociedade civil e que, por isso, deveria ter sua renda garantida durante toda sua vida (ativa e inativa) deixa de existir. A rigor, essa garantia para os servidores da União já tinha sido perdida em 2003, quando da reforma feita por Lula. Mas essa regra só foi aplicada para os novos ingressantes. Agora, a proposta se aplica para todos os servidores com idade igual ou menor que 50 anos e para as servidoras com idade igual ou menor que 45 anos.

para a selvageria. “A CUT há algum tempo já vem falando que esse tema tem de ser debatido de forma ampla na sociedade brasileira. Queremos uma Previdência que proteja os trabalhadores.” O secretário de Previdência da CTB, Pascoal Carneiro, acrescenta que a intenção do governo é “privatizar o sistema público e acabar com o capítulo da Constituição que trata de seguridade social”. Aliado do governo, o presidente da Força Sindical e do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, observou que o projeto tem uma série de irregularidades. “Provavelmente, a grande maioria do povo brasileiro vai morrer antes. Também não aceitamos a desvinculação do salário mínimo das pensões”, acrescenta. Tão importante quanto a adoção de 65 anos de idade mínima para a aposentadoria, um dos pontos centrais do projeto de Temer, é a unificação das regras de acesso e benefício iguais entre trabalhadores, não importando se homens ou mulheres, se urbanos ou rurais, se oriundos do setor privado ou público. Nesse sentido, a economista e professora Rosa Maria Marques, da Pontifícia Universidade Ca-

Mas o que a senhora pensa da idade de 65 anos? Ela pressupõe o desconhecimento das condições desiguais entre homens e mulheres e entre trabalhadores urbanos e rurais. Basicamente, a proposta de tratamento igual para o acesso à aposentadoria desconsidera que a dupla jornada de trabalho ainda é uma realidade para a maioria das mulheres brasileiras. Além disso, a imposição do mínimo de 65 anos, para aqueles que ingressarem depois da publicação da emenda (vigorando uma transição para os homens com idade superior a 50 anos e para as mulheres com idade superior a 45 anos) eleva sobremaneira o tempo de permanência na vida ativa. Em 2014, a idade média dos que requereram aposentadoria no meio urbano foi de 54,2 anos, sendo de 52,3 no caso das mulheres e de 55,1 dos homens. A reforma atira em um lado só: aumentar as exigências de acesso hoje para gastar menos com benefícios mais adiante. Mas não trata de como modificar/ampliar a base e o volume de arrecadação. Isso pode ser chamado de reforma? Houve uma clara opção por trabalhar com o fluxo de despesas, muito embora proponha o fim da isenção da contribuição sobre os produtos exportados, o que deve aumentar a arrecadação. A alternativa das receitas colocaria, para seus proponentes, alguns problemas. No caso de aumentar os valores das alíquotas das contribuições atualmente vigentes (sobre a folha de salários ou sobre o faturamento no caso das empresas que optaram por substituir a contribuição sobre a folha pelo faturamento), isso seria muito mal recebido por todos os segmentos da sociedade, sejam empresários ou trabalhadores, pois há a percepção de REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

15


PREVIDÊNCIA

Com reportagens de Helder Lima, Paulo Donizetti de Souza e Vitor Nuzzi

LULA MARQUES/AGÊNCIA PT

tólica (PUC) de São Paulo, estudiosa da Previdência no Brasil, considera a reforma uma profunda mudança, que despreza as especificidades dos trabalhadores e não altera o modelo de financiamento do sistema. “Houve uma clara opção por trabalhar com o fluxo de despesas, muito embora proponha o fim da isenção da contribuição sobre os produtos exportados, o que deve aumentar a arrecadação.” (Leia entrevista às páginas 14 a 17) A professora faz ponderações sobre o chamado “rombo” da Previdência, que segundo o governo pode superar R$ 180 bilhões em 2017. “Esses números são construídos considerando a Previdência Social em si, isto é, suas receitas e despesas. Ocorre que a Previdência Social faz parte da Seguridade Social que, como sabem, é superavitária”, diz Rosa. “Mas essa constatação não implica desconhecer que a população está vivendo mais, de forma que permanece no sistema recebendo aposentadoria por mais tempo. Tal situação demográfica coloca a necessidade de a sociedade brasileira pensar sua sustentabilidade de médio e longo prazo.” AGENDA DESTRUTIVA O presidente da CUT, Vagner Freitas: “É pior do que o confisco da poupança feito por Collor”

que o nível de imposição do Estado é muito elevado. Se, como alternativa, fossem pensadas outras fontes de financiamento que não aquela do trabalho (pois trabalham com a ideia de que só têm direito à aposentadoria aqueles que para ela contribuíram, conformando uma aposentadoria meritocrática, no jargão das políticas sociais e não uma renda decorrente da cidadania), além de que isso seria entendido como aumento da carga tributária, tal iniciativa comprometeria o “desenho” de sua previdência social que estão propondo reforçar. Tanto é assim que sua proposta de redução dos valores das pensões é fundamentada na ideia de que seus valores decorrem de um direito a um seguro, de modo que podem perfazer um valor menor do que o salário mínimo. Somente a rendas que substituem o trabalho será mantido o piso de um salário mínimo. Nesse sentido, a reforma não acompanha o que está sendo feito em outros países, mesmo naqueles que tinham as contribuições calculadas sobre os salários como sua principal base de financiamento. Não há sinal de retomada do crescimento econômico, ao contrário: as previsões são de agravamento da recessão. Com mais desemprego e tendência de redução da renda do trabalho, a arrecadação da Previdência cairá, e suas obrigações continuam. Isso não é pior do que enxugar gelo? Sim, a perspectiva de manutenção da recessão para 2017 só agrava a situação da Previdência. Por sua natureza, mudanças da Previdência Social somente têm impacto no médio e longo 16

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

prazo. Para que tivesse impacto imediato, seria necessário desconsiderar os direitos adquiridos. No período recente, houve o caso da Grécia, em que reduziram os valores das aposentadorias em vigor. Aqui, pelo menos, isso não está sendo proposto. Dada a constatação de que não só a expectativa de vida aumenta como a taxa de jovens, futuros contribuintes da Previdência, diminui, qual é a maneira ideal de se pensar a sustentabilidade da previdência pública (ser justa hoje e viável amanhã)? A construção da política pública da proteção à velhice, pois é disso que estamos falando ao falar da Previdência Social, é resultado de diversos fatores e recebe diferentes interpretações a depender da escola de pensamento de seus analistas. O que é indiscutível é que se trata de uma política pública desenvolvida no capitalismo, que se fez necessária quando as redes de proteção anteriores (familiares e comunitárias) se extinguiram com o processo de urbanização e de assalariamento. Essa necessidade, no entanto, não foi reconhecida de imediato, e para seu reconhecimento foi fundamental a luta desenvolvida pelos trabalhadores a partir de seus organismos de ajuda mútua e de seus posteriores sindicatos. Ao fim do período de construção da proteção social, que foi longo, pode-se se dizer que ela foi resultado de um acordo ou pacto estabelecido entre as diferentes classes sociais. Desse pacto, origina-se o desenho da proteção concedida, sua forma de financiamento e organização.


UBIRAJARA MACHADO/MDS

PREVIDÊNCIA

DESCONHECIMENTO A reforma proposta ignora as diferenças entre o trabalho rural e o urbano e a jornada dupla que a maioria das mulheres ainda exerce

Pensar outra proteção social para o risco velhice implica, portanto, pensar em fazer um novo pacto. Para isso, os trabalhadores organizados, os movimentos sociais e os partidos que lhe representam precisam ter força para serem ouvidos. Infelizmente, a situação atual parece não ser essa, estando os trabalhadores em franca defensiva.

aplicado o fator ou a fórmula. É claro que isso será mais perverso quanto menor for a renda do trabalhador. Os com renda mais alta, com capacidade de poupança mesmo que pequena, estarão suscetíveis a serem convencidos a complementar sua aposentadoria junto ao setor privado de previdência.

A proposta do governo, se aprovada, vai tornar a Previdência oficial menos atraente do que a previdência privada? A senhora prevê que haverá migração para a previdência privada? Pode ser essa a intenção de fundo do governo? Migração não pode haver, pois os trabalhadores do mercado formal estarão, como agora, obrigados a contribuir para o INSS. A ampliação da previdência privada ocorrerá por outros mecanismos. O primeiro deles é que os estados e municípios que tiverem instituído regime próprio terão, no prazo de dois anos, que criar uma previdência complementar. O segundo deles é que provavelmente a média do valor das aposentadorias irá cair, incentivando a que os trabalhadores de maior renda busquem complementar sua aposentadoria junto ao setor privado. E esses trabalhadores podem ser do setor público ou privado. Essa possibilidade decorre da mudança de cálculo do valor da aposentadoria, substituindo o fator e/ou a fórmula 85/95. Esse novo cálculo inicia com 51% da média dos salários de contribuição, sendo acrescido de um ponto porcentual por ano de contribuição, o que é menos do que receberia hoje, fosse

Se a política de valorização do salário mínimo for extinta (expira ano que vem) e cessarem os aumentos reais, significa um duplo arrocho, se essa reforma passar: 1) dificilmente as pessoas conseguirão se aposentar pelo teto; e 2) sem valorização do salário mínimo, o teto também vai perder valor. Isso não seria um efeito também alarmante? Não há dúvida sobre isso. Os benefícios decorrentes do trabalho (aposentadorias) continuam tendo como piso o salário mínimo. Contudo, se a política de sua valorização for descontinuada, os trabalhadores de mais baixa renda serão aqueles que mais sofrerão com a reforma. Apontei os motivos disso ao responder sua outra pergunta. Mas talvez valha a pena reforçar que não foi encaminhada proposta de redução do teto, mas que garantir uma aposentadoria de valor igual exigiria não só ter contribuído sempre pelo teto do salário de contribuição como 49 anos de contribuição. Ou a pessoa começa muito mais cedo, ou ela terá de trabalhar por mais tempo. Enfim, o cálculo proposto foi concebido para que não se pague a aposentadoria pelo valor do teto. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

17


MAURO SANTAYANA

Cerco aos bancos públicos e o futuro do Brasil Não existem grandes países sem empresas nacionais nem grandes nações que possam prescindir de um forte sistema financeiro público para se desenvolver estratégica e soberanamente

N

os últimos meses, o governo brasileiro não apenas está tomando medidas temerárias do ponto de vista estratégico como também o está fazendo na contramão do mundo, em um momento em que o nacionalismo e o Estado se fortalecem, como reação à globalização, até mesmo pelas mãos da extrema direita, nos países mais desenvolvidos. O que vem sendo apresentado, com a cumplicidade de uma mídia imediatista, irresponsável e descomprometida com os objetivos nacionais, não passa de uma sucessão de “negócios” apressados e empíricos que têm como único norte o acelerado desmonte, esquartejamento e inviabilização em poucos anos, do Estado, com deletérias, estratégicas, e talvez irreversíveis consequências para o futuro. Estamos entregando o país aos negócios privados, principalmente estrangeiros, em transações gigantescas, feitas a toque de caixa, que envolvem bilhões de dólares. Na maioria das vezes, à revelia da sociedade brasileira, a ponto de muitas estarem sendo realizadas até mesmo sem licitação, como está ocorrendo com a “venda” e desnacionalização de poços do pré-sal e de outros ativos. Tudo isso com uma fúria privatista que só encontra paralelo nos nefastos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que tiveram como principais consequências econômicas a duplicação da dívida líquida pública e a queda do crédito, do PIB, da renda assalariada e do trabalho formal ao fim de seus oito anos de governo. Se o recuo estratégico é grave em setores primordiais, como energia, infraestrutura e defesa, ele atinge também, drasticamente, os bancos públicos. Assim como não existem grandes países sem grandes empresas nacionais, também não existem grandes nações que possam prescindir de um forte sistema financeiro público para que se desenvolvam estratégica e soberanamente. Não se trata apenas, como ocorria no passado, do direito de cunhar moeda, mas de ter instrumentos que possam garantir que a roda da economia continue girando. Nos últimos anos, o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil foram cruciais para manter o país crescendo, investindo na “bancarização” da população e na expansão do crédito. O volume de crédito em circulação, que caiu de 36% para 23,8% do PIB nos governos de FHC, mais do que duplicou nos governos do PT, até atingir 54,2% em dezembro de 2015. Sem financiamento à indústria e à agricultura teria sido impossível, 18

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

para o país, enfrentar a longa sucessão de graves crises que vêm atingindo o mundo ocidental e o capitalismo desde 2008, quando a banca privada se retraiu, deixando de emprestar dinheiro e passou a investir, como sempre fez historicamente, basicamente em títulos do governo. Com isso, embora o lucro dos bancos tenha aumentado mais de 400% na era Lula com relação ao governo anterior, as instituições públicas se expandiram mais do que as particulares, aumentando a variedade e quantidade dos serviços prestados a seus clientes, oferta de crédito, lucros e sua presença na economia nacional. E como o atual governo responde a esse imprescindível papel estratégico? Pega carona e incentiva a campanha, com forte componente ideológico, que se está desenvolvendo na mídia e nas redes sociais, contra o BNDES. Promove a estúpida, suicida e inexplicável eliminação de R$ 100 bilhões dos ativos do BNDES, que estão sendo “repassados” ao Tesouro, para suposto “abatimento” cosmético e irrelevante da dívida pública, em um momento em que o país é apenas a 40ª nação do mundo em endividamento, e se encontra mergulhado em grave recessão. Reforça essa política de terra arrasada com a interrupção e eliminação, pela atual diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, de projetos de exportação de serviços de engenharia de empresas já atingidas pelo tsunami punitivo da Operação Lava Jato em bilhões de dólares. Com isso, morrem no nascedouro milhares de empregos que poderiam surgir por alguns dos maiores expoentes da engenharia nacional e por centenas de médias e pequenas empresas de sua cadeia de fornecedores. O governo estende os nefastos efeitos dessa abordagem destrutiva ao Banco do Brasil e à Caixa – apelando para a velha desculpa da busca de “eficiência” – por meio do desmanche e do “enxugamento” do BB e da Caixa, que envolve o já anunciado fechamento de centenas de agências e a demissão “incentivada” de milhares de funcionários, em um momento em que dezenas de municípios, para o enfrentamento da crise, não poderiam prescindir da presença e do apoio dessas instituições. Quais são as razões que se escondem por trás disso? Por que e para que pisar torcer o pescoço das galinhas dos ovos de ouro da economia nacional que, além de manter o país funcionando, deram altíssimos retornos para seus acionistas e para a União e


MAURO SANTAYANA

estão ligadas a conquistas de enorme importância social, como a construção de 3,5 milhões de casas populares nos últimos anos? De 2010, para cá, o BNDES, além de emprestar centenas de bilhões de reais para grandes, médias e pequenas empresas, teve mais de R$ 40 bilhões de lucro. O Banco do Brasil alcançou, em 2011, um lucro líquido de mais de R$ 12 bilhões e chegou a mais de R$ 14 bilhões em 2015. Os seus ativos, que eram de quase R$ 1 trilhão em 2011, chegam a quase R$ 1,5 trilhão este ano. A Caixa Econômica Federal lucrou quase R$ 4 bilhões em 2011 e expandiu seus resultados para 7,2 bilhões em 2015. De que tipo de “reestruturação” esses bancos precisam? De mandar gente embora para fazer com que os que vão ficar trabalhem o triplo – cada funcionário de agência do Banco do Brasil já é responsável, em média, pelo atendimento a quase 450 contas da instituição –, e comecem a cometer falhas, e fazer os clientes pensarem em migrar para os bancos privados? Não se pode compreender esse cerco à banca pública a não ser como um desejo subjacente de abrir mercado para a banca privada, embora esta não tenha deixado de multiplicar também seus ganhos. Deve assustar, sobretudo, a possibilidade que os bancos públicos têm, a qualquer momento, de regular indiretamente o mercado, sempre que necessário, baixando as suas taxas de juros

e as tarifas que cobram da população. Mas essa deliberada e injustificável estratégia de sabotagem e sufocamento dos bancos públicos pode ter, também, outras intenções. Como sempre ocorre, ela abre caminho para que se possa dizer que eles estão operando mal ou perdendo dinheiro, e que devam ser privatizados a médio prazo, eliminando-os, totalmente, da economia nacional. Assim como ocorre no caso da Petrobras, a sociedade brasileira precisa responder ao desmanche e à campanha contra a banca pública decisivamente. Os bancários e os municípios prejudicados devem entrar na Justiça contra o fechamento de agências, levando ao Judiciário e ao Ministério Público informações relativas à verdadeira situação financeira dos bancos estatais e sua importância econômica e social no contexto do processo de desenvolvimento brasileiro. É preciso que aqueles que dizem que é necessário aumentar a “eficiência”, expliquem onde está a ineficiência de instituições que praticamente salvaram o país durante a crise de 2008, que contribuíram para a expansão do crédito, da produção e da infraestrutura e que, na última década, deram dezenas de bilhões de reais em lucro. Enquanto o sistema financeiro privado internacional levou a economia global ao colapso.

Saúde dos bancos públicos não incomoda seu dono, o Estado. Incomoda a concorrência privada Fontes: BC e Dieese – Linha Bancários

632

708

814

Volume de crédito (em R$ bi)

50.024

51.241

83.481

101.640

92.861

68.962

97.458

81.300

109.191

6,6

23,8 5,5

8,0

10,1

17,8 3,0

7,2

14,4

10,1

122

222 157

116

Número de funcionários 91.272

Lucro Líquido (em R$ bi)

266

400

427

n 2009 n 2015

n Do primeiro impacto da crise financeira global (2009) até 2015, o volume de crédito girado por BB e Caixa cresceu quase quatro vezes, de R$ 382 bilhões para R$ 1,5 trilhão. n No mesmo período, o crédito dos três maiores bancos privados cresceu em média três vezes, de R$ 501 bilhões para quase R$ 1,5 trilhão. n Em 2002, a participação do crédito no PIB nacional era de 24%. Em 2009, chegou a 44% e em 2015, a quase 54%. n O impulso dos bancos públicos ao crédito empurrou os privados também e não fez mal nenhum a sua saúde financeira. Ao contrário, BB e Caixa somaram lucros de R$ 21,6 bilhões em 2015, aumento de 65% em relação a 2009. n Tampouco incomodou o desempenho dos privados. O lucro de Bradesco, Itaú e Santander mais que dobrou nesse período, de R$ 23,6 bilhões para mais de R$ 48 bilhões. n O crédito fez bem também à economia. O PIB cresceu em média 3,4% ao ano de 2010 a 2014, e o país chegou perto do pleno emprego. Em 2015, ano em empresários, bancos e Congresso apostou no agravamento da crise para derrubar o governo Dilma, o PIB encolheu -3,8%. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

19


LALO LEAL

Publicidade infantil à espera da lei Parte da sociedade já identifica os males causados por indústrias de brinquedos e de alimentos, agências de publicidade e mídia ao induzir crianças ao desejo de consumo. Falta o Parlamento agir

U

m projeto de lei que regula a propaganda dirigida às crianças completou neste final de ano 15 anos na fila de espera para ser votado na Câmara dos Deputados. A demora reflete o poder que as indústrias de brinquedos e de alimentos, as agências de publicidade e os veículos de comunicação têm para barrar qualquer iniciativa destinada a proteger a infância desse tipo de propaganda. Além dos intrincados trâmites legislativos. Tornou-se conhecido o caso do menino, na periferia de São Paulo, que ao ser detido pelo segurança de um supermercado tomando um danoninho disse estar apenas querendo saber que gosto tinha esse produto tão anunciado na televisão. Situações dramáticas como essa são os aspectos mais visíveis de um cotidiano marcado pelo martelar constante de apelos indiscriminados ao consumo infantil. Eles estão, todos os dias e todas as horas, nos anúncios impressos, nos comerciais de rádio e TV, em banners na internet, nas embalagens de alimentos e brinquedos, na disposição de produtos nos pontos de venda entre tantas outras formas de sedução para o consumo. Do lado oposto ao dos defensores da propaganda dirigida às crianças está o Instituto Alana, que há dez anos mantém o projeto Criança e Consumo, voltado à defesa do público infantil. O instituto lançou o Caderno Legislativo: Publicidade Infantil, uma minuciosa análise do funcionamento do processo legislativo apresentada de forma didática junto com um apanhado atualizado do debate em torno da regulação da publicidade infantil no Brasil­e no mundo. Um dos aspectos centrais desse debate é o da vulnerabilidade das crianças diante dos apelos ao consumo. “A publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro as crianças até os 12 anos, quando não possuem todas as ferramentas necessárias para 20

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

compreender o real”, diz um parecer do Conselho Federal de Psicologia. Muitas delas, principalmente as mais novas, não conseguem diferenciar entretenimento de propaganda. Disso se vale a publicidade ao misturar nas embalagens de alimentos e brinquedos ídolos e heróis infantis, combinando produtos desses dois tipos na mesma mercadoria oferecida às crianças, realizando a chamada “venda casada”. Os mais velhos, já entrando na adolescência, são atingidos por outras estratégias publicitárias. Pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) realizada em 23 países, entre os quais o Brasil, com 5 mil jovens de 12 anos, mostra a importância dos heróis televisivos e popstars na imaginação infanto-juvenil. Muitos deles transformam-se em garotos-propaganda, usando para vender mercadorias a aura conquistada em programas de entretenimento. Além de estabelecer o consumo como ideal de vida, há outras consequências negativas produzidas por essa propaganda. Duas delas são facilmente perceptíveis: a erotização precoce e a obesidade infantil. A primeira é resultado da “entrada precoce e artificial no mundo adulto, desrespeitando assim a peculiar fase do desenvolvimento infantil”, diz a publicação do Instituto Alana. “Conheço meninas de 4 ou 5 anos que só querem comer alface ou rejeitam certos modelos de roupa. Tudo para não parecerem gordas ou distantes das imagens propagadas pela TV e copiadas pelas amiguinhas”, diz a professora Jane Felipe, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, citada na publicação. Por outro lado, cresce a obesidade. Segundo o Caderno Legislativo, “observa-se um cenário assustador de epidemia de obesidade entre as crianças, chegando ao índice alarmante de 30% com sobrepeso e 15% obesas. As causas apontadas vão desde


ORIOL SAN JULIAN/SHUTTERSTOCK

o aumento do consumo de produtos ricos em açucares simples e gorduras à intensa presença de televisão e computador nas residências”. Embora a promulgação de uma lei que ponha fim a essa situação continue sendo protelada pelo Parlamento brasileiro, parte da sociedade já se deu conta dos malefícios impostos aos seus jovens pela comunicação mercadológica. São várias as entidades da sociedade civil engajadas nesse processo.

A proteção da criança e do adolescente diante da publicidade infantil já está garantida pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Código de Defesa do Consumidor e por uma resolução de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Falta, no entanto, uma lei específica capaz de esclarecer melhor o debate e garantir a eficácia no seu cumprimento. É o que se espera do Congresso Nacional. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

21


ENTREVISTA

TRANQUILÃO, MAS

Haddad deixa a prefeitura de São Paulo com reconhecimento internacional e preocupado em fazer parte da construção de um novo projeto nacional. Para ele, a formação de uma frente ampla tem de começar pelo programa Por Paulo Donizetti de Souza e Rodrigo Gomes

22

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

JAILTON GARCIA/RBA

NA BRIGA


ENTREVISTA

A

o deixar o comando da maior cidade do continente e a casa em ordem em um tempo de estados e municípios falidos, Fernando Haddad revela uma ponta de tristeza por não conseguir se reeleger. Para se completar um ciclo baseado num conceito humanizado de gestão, oito anos estariam de bom tamanho. “Em 2020, não estaríamos discutindo velocidade nas vias ou De Braços Abertos, seriam programas já consolidados”, acredita. Mas ele próprio entende que as vitórias da esquerda na capital paulista “são pontos fora da curva”. ­Haddad lembra que mesmo com governos sob aprovação de até 80%, como os de Luiz Inácio Lula da Silva, seu partido, o PT, perdeu as eleições presidenciais de 2006, 2010 e 2014 na cidade. E pondera que o país não vive situação normal, depois de um período de mais de 10 anos de intenso ataque dirigido a demonizar a política, como um todo, e a ­esquerda em particular. Apesar de sucedido por um conservador que vê a cidade como negócio, o agora ex-prefeito duvida que programas que caíram nas graças da população sejam desmontados, por constar de um planejamento “muito bem amarrado”. O Plano Diretor Estratégico, que rendeu à administração reconhecimento internacional e prêmios urbanísticos, pode ser ajustado, mas não desmontado, acredita. A disputa será mais no plano do simbólico do que conceitual, aposta Haddad, agora prestes a retomar carreira de professor de Ciência Política na Universidade de São Paulo. Ele afirma que não tem ambições políticas pes­soais em seu horizonte e que seu compromisso é estar à disposição das forças progressistas para a construção de um programa para o país. “Quero colaborar para recompor uma condição que permita ao Brasil retomar o processo que foi começado em 2003. Crescemos de forma importante, mas o processo foi abortado e temos de encontrar um caminho de resgatar aquele projeto de um novo Brasil.” A esquerda se afastou da população? Por exemplo, houve críticas à campanha de Marcelo Freixo (Psol) no Rio, porque muito se falou em desmilitarização da polícia, descriminalização das drogas, direitos humanos, e não se discutiu o que mais preocupa a população em geral, como saúde, tarifa de ônibus, emprego...

Existe esse risco. Se a gente não tiver atenção para aquilo que mais aflige a população, corre o risco de ter uma pauta setorial, que vai dialogar com nichos da sociedade, mas não vai dialogar com o todo. E o que o todo quer é viver num ambiente de prosperidade, que foi a marca do governo Lula.

O sr. disse algumas vezes que não se preocupava com a reeleição, e que importante é fazer o que tem de ser feito. Mas uma preocupação com a continuidade dos programas não seria uma postura republicana? Faltou preocupação com a política?

Olha, procurei alinhavar o desenvolvimento da cidade o quanto eu pude. Eu aprovei a reestruturação da dívida de uma maneira duradoura. São Paulo hoje está na melhor condição financeira dos últimos 20, 25 anos. Deixei o planejamento da cidade pensado até 2030, amarrei o desenvolvimento a um plano de longo prazo, que é o Plano Diretor Estratégico. E licitei o maior conjunto de obras da história da cidade. Muitas eu entreguei, outras estão em curso ou vão ser iniciadas, porque estão conveniadas com o governo federal. Do ponto de vista, tanto do PDE quanto dos planos setoriais, hospitais, UPAs, UBS, habitação, mobilidade, corredores, eu acho que está bem estruturado. Será difícil descontinuar. Acho que a descontinuidade vai ser mais no plano simbólico que no real. Como no caso da marginal Tietê...

O trânsito da cidade se tornou muito mais civilizado, com corredores e faixas de ônibus, ciclovias, calçadas, diminuição de velocidade, transporte individual por aplicativo, carpooling. Organizamos uma série de coisas e está se discutindo a velocidade em duas vias. É mais simbólico do que real. Pega os programas sociais que eu desenvolvi. O único que está em disputa é o De Braços Abertos. Os outros nem se discute. Às vezes se discute a perfumaria para demarcar território no campo simbólico. Mesmo passando de uma gestão que se propunha pensar em cidade humanizada para uma que pensa na cidade para os negócios?

Se a disputa simbólica se desdobrar em efeitos práticos e as pessoas não se verem mais como o centro da política, você pode ter um prejuízo civilizacional. Houve um ganho civilizacional importante na cidade de São Paulo. A cultura bombou, os espaços públicos, a apropriação das ruas. É muito simbólico colocar uma ciclovia na principal avenida da América Latina, fechar aos domingos, botar artista de rua, food truck, parklets. Vamos ver até aonde vai a coragem para desmontar essas coisas. E também até onde vai a disposição da cidade, de setores esclarecidos, em defender isso. Se houver essa disputa simbólica, acho que o lado republicano vai ganhar. O Doria já sinalizou rever o Plano Diretor. E já há um histórico de quando a Marta aprovou Plano Diretor e não houve continuidade. REVISTA DO BRASIL

O que acontece aqui não é disputa, virou carnificina em torno de ideologia. Chamar ciclista de comunista. Criticar faixa de ônibus. É impensável. Se fosse outro prefeito, elogiariam

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

23


ENTREVISTA

Eu conhecia as fragilidades e procurei prevenir desta vez. O Plano Diretor está muito bem amarrado. Vai ser pedreira mexer com ele. Foi elogiado pela ONU, teve repercussão internacional. O PDE de São Paulo foi premiado pelo site de urbanismo mais acessado do mundo, o ArchDaily. O representante da ONU participou da sanção e o melhor discurso foi o dele. Ajustar, pode ser, mas desmontar vai ser difícil.

Aqui a disputa ideológica é muito maior do que em qualquer outro lugar do país. A imprensa é toda alinhada com o ponto de vista conservador. A Erundina ganhou uma vez, a Marta ganhou e eu ganhei. Mas são pontos fora da curva. Nas três eleições que você menciona, perdemos na cidade. E estamos falando de um presidente que teve mais de 80% de aprovação. Por quê? Vamos sair um pouquinho da capital. Veja o que aconteceu no ABC. O Luiz Marinho não conseguiu fazer o sucessor em São Bernardo. O Carlos Grana, em Santo André, e o Donisete Braga, em Mauá, não foram reeleitos. E não foi por falta de realizações, todos fizeram boas administrações. É um contexto muito complexo.

JAILTON GARCIA/RBA

Em 2006, 2010 e 2014, mesmo “apanhando” muito da imprensa, Lula e Dilma venceram eleições por terem alcançado resultados perceptíveis na vida das pessoas. Faltaram em sua gestão ações mais “perceptíveis”?

Às vezes a pessoa acha que conhece São Paulo e repete o que o Villa diz na Jovem Pan. Tenho pena de quem repete o Villa

Dificuldades não eram esperadas?

Eu vou te falar uma coisa: quando eu estava na reunião com o papa, em Roma, com prefeitos do mundo inteiro, e disse que a OAB havia entrado com ação contra a redução da velocidade nas vias, as pessoas me perguntaram mais de uma vez se era verdade. A entidade representativa dos advogados está processando a prefeitura por seguir uma orientação da OMS? Eu poderia citar dezenas de casos desse tipo. O que acontece aqui não é disputa, virou carnificina em torno de ideologia. O déficit de republicanismo no Brasil é uma coisa que só não percebe quem não quer. Eu nunca vi uma coisa dessas acontecer. A pessoa chamar ciclista de comunista. Criticar faixa de ônibus. Tudo por ideologia. Se fosse outro prefeito a fazer, iriam elogiar. Sua gestão não foi condescendente com os grandes veí­ culos de comunicação? Integrantes da administração deram mais atenção a eles, ofereceram “furos”, enquanto houve desatenção aos menores e alternativos.

Pode ser. Se você está falando, eu acredito. Vocês talvez tenham sido vítimas desse processo. Isso pode ter acontecido, mas não por minha vontade.

Não é algo a ser repensado? Até o governo Lula é criticado no quesito democratização da comunicação.

É verdade. Você veja que os grandes veículos entraram com ação para tirar do ar sites do El País, BBC e The Intercept. Olha a que ponto chegamos! Quererem tirar do ar veículos que são mais independentes, menos impregnados de ideologia conservadora. E ninguém discute isso. Não se viu notícia disso. Eu acho até que vi na Rede Brasil Atual, mesmo. Por onde eu saberia? 24

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

O sr. se relaciona com as páginas de seus “clones” das redes sociais, como Prefeito Gato ou o Haddad Tranquilão? Eles dizem coisas que gostaria de dizer e não pode?

Eu tenho identidade com o bom humor e eles são bem-humorados, mesmo sendo críticos às vezes. Isso compõe parte da minha personalidade. Eu sempre procuro manter o humor e a autoironia, então eles captam um traço da minha personalidade.

Tem também o Prefeito Gourmet, mais crítico, abordando que o sr. fez uma gestão voltada para classe média e deixou a periferia de lado.

É desconhecimento. Onde eu construí hospital, CEU, creche, corredor de ônibus, LEDs, Uniceu e praça com Wi-Fi? É tudo na periferia. Às vezes a pessoa acha que conhece São Paulo e repete o que o (comentarista Marco Antonio) Villa diz na Jovem Pan. Eu tenho pena de quem repete o Villa. Isso traz muitas consequências, intolerância e ódio. E demonização da política. Quem são os intelectuais orgânicos desse projeto conservador em curso? Subintelectuais, pessoas despreparadas. Pode haver uma evasão da população que está sendo atendida pelos De Braços Abertos com a proposta do Doria de cortar o auxílio?

Não consigo entender o argumento de que um drogado rico pode receber salário e um pobre, não, porque ele compra droga. Não tem jornalista que consome droga? Não tem político que consome droga? Eles não recebem salário no final do mês? Por


ENTREVISTA

que alguém que cuida da zeladoria da cidade não pode receber salário? E estamos falando de R$ 15 por dia. Não é “bolsa”. É remuneração por trabalho. Algumas pessoas se dizem mais tristes com a sua derrota do que com o impeachment, por verem na sua administração um projeto inclusivo. O sr. também sente tristeza?

Eu sabia dos riscos, quem viveu 2013 e 2016 não poderia estar otimista. Foi o período mais turbulento que eu vivi. Em uma cidade pequena, talvez, em quatro anos você consegue mostrar a que veio. No Ministério da Educação, por exemplo, se eu tivesse ficado só quatro anos (ficou de 2003 a 2012, sendo a partir de 2005 como ministro) não teria deixado o legado que deixei. Em São Paulo, precisaríamos de oito anos para completar o ciclo. Garanto que não íamos discutir velocidades das marginais em 2020, nem radar, nem Braços Abertos. Tudo estaria consolidado e assimilado. O que o sr. vai fazer a partir de 2 de janeiro?

Me apresentar na USP, onde eu ganho meu pão. Estou participando dos debates, da discussão com os setores avançados da cidade. No que eu tenho mais interesse em investir agora? Na questão programática. É a mais importante. Antes de discutir quem sairá candidato a isso e aquilo, estou interessado em debruçar sobre a questão do projeto para o país. Não está no meu horizonte disputar uma eleição. Estamos em uma situação tão anormal que tem alguns pressupostos que precisam ser respondidos antes. A questão programática, a renovação do PT, a relação do PT com outras forças progressistas. Há tarefas para cumprir que, se a gente se desviar delas, a gente corre o risco de tomar o essencial pelo acessório. Estou despido de ambições pessoais, quero colaborar para recompor uma condição que permita ao Brasil retomar o processo que foi começado em 2003. Crescemos de forma importante, mas o processo foi abortado e temos de encontrar um caminho de resgatar aquele projeto de um novo Brasil, com oportunidades, com mais esperança. As pessoas ainda não se deram conta dos prejuízos que estão sendo causados. Começando 2017 na situação em que o país se encontra, dá para alguém ficar tranquilão?

São dimensões diferentes do humor. Em qualquer circunstância, mesmo diante de coisas dramáticas, eu estarei com esse estado de espírito. Eu sou meio budista para lidar com as coisas. Tenho uma compreensão sobre história do Brasil, sei entender os nós institucionais em que estamos imersos. Lamento muito o que está acontecendo, estamos regredindo do ponto de vista institucional. Mas estamos aí para brigar, né?

Com um aparato tão complexo em torno do impeachment – setores do Judiciário, imprensa, oligarquias políticas, interesses externos e uma parcela da população –, esse golpe é reversível?

O que se revelou no Brasil é um déficit de republicanismo a toda prova. As instituições não estão funcionando de forma republicana. E os desdobramentos disso ainda não podem ser entendidos em toda sua magnitude, porque, quando você começa a colocar os alicerces da vida democrática em jogo, não se sabe onde isso vai parar. Há espaço para eleições diretas antes de 2018?

Têm surgido teses sobre a realização de eleições diretas. E o próprio PSDB reconhece que a escolha indireta de um presidente talvez agrave a crise política, que está na raiz da crise econômica tão aguda quanto ficou. Nós só estamos passando por uma crise econômica tão aguda porque a crise política é um combustível permanente. É difícil prever agora os desdobramentos. No âmbito da Lava Jato ainda tem muita para acontecer. Não sei se as delações que envolvem PMDB e PSDB vão ser tratadas da mesma maneira, no mesmo rigor e até com as arbitrariedades que estão vindo a lume (quando a acusação é contra petistas). O primeiro semestre de 2017 vai ser decisivo nesse processo. As forças mais avançadas da sociedade devem se reorganizar em torno de um polo mais forte. Porque se nos fragmentarmos, não vamos ter chance de disputar o imaginário da sociedade, por melhor que seja o nosso projeto. O Lula trabalha muito a ideia de uma frente a partir do centro político. E alguns setores da esquerda avaliam que não é mais possível juntar um movimento de conciliação de classes.

Hoje nós temos os extremos adensados e o centro político esvaziado. Eu acredito que, pelas características da população, nós vamos ter de manter um diálogo com as forças democráticas do país. O Brasil tem de estar nesse projeto. E há muita gente boa, com quem se precisa conversar para isso. Eu entendo que se coloque em questão a visão mais conciliadora, em função até de como o outro lado está tratando os temas nacionais, sem nenhum diálogo, tudo feito a toque de caixa, sem discussão com a sociedade, nem com partidos de oposição. Mas eu entendo que nós temos que adensar os setores democráticos, desafiar os riscos que estão colocado a partir do desmonte que está sendo feito do pacto Constitucional de 1988. Leia a íntegra no site www.redebrasilatual.com.br REVISTA DO BRASIL

Não tem jornalista que usa droga? Não tem político que usa? Eles não recebem salário no final do mês? Por que um dependente químico que trabalha para a cidade não pode receber?

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

25



Nosso jornalismo cidadĂŁo continua em

www.redebrasilatual.com.br


ECONOMIA

ILUSTRAÇÕES STOCKVAULT

Negócio da Grécia

Além de querer engessar gastos públicos por 20 anos, financistas no poder manobram com títulos da dívida pública para garantir receita hoje – e o endividamento e o desemprego de amanhã Por Helder Lima 28

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL


ECONOMIA

O

perações no mercado financeiro feitas indiretamente pelo governo do estado de São Paulo, por meio de uma empresa de economia mista chamada Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), deixarão um duro legado de endividamento para quem assumir o Palácio dos Bandeirantes depois que Geraldo Alckmin concluir o quinto mandato consecutivo do PSDB no estado. É o que prevê o diretor jurídico do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp), José Marcio Rielli. “No médio prazo, a dívida do estado vai triplicar. É o meu sentimento. Fiz algumas contas em relação a isso, em três a quatro anos, porque é o prazo do resgate de debêntures no mercado”, afirma. As operações orquestradas pela CPSEC – abrigada no prédio da Secretaria da Fazenda –, chamadas de securitização de recebíveis, são similares a um processo que tomou conta da Europa e que levou a Grécia para o buraco financeiro. No Brasil, no plano federal, a securitização está expressa no Projeto de Lei do Senado (PLS) 204, que aguarda aprovação pelo Congresso. De autoria do senador José Serra (PSDB), atual ministro das Relações Exteriores, o projeto representa um dos tentáculos das mudanças propostas pelo governo de Michel Temer para fazer o neoliberalismo e a regressão social andarem a passos largos por aqui. Trata-se da “financeirização” da economia, que no caso de São Paulo, com a atuação da CPSEC desde 2009, quando foi criada sob a gestão Serra (PSDB) no governo estadual, significa a tomada do orçamento do governo por esse processo. Ou, como afirmou o senador Roberto Requião (PMDB-PR) em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), “esse projeto surge fundamentalmente para legalizar operações que foram feitas sem o suporte da lei”. Os termos “securitização” e “financeirização” são neologismos. Segundo Rielli, significam o avanço do setor financeiro sobre diversos segmentos da economia, com o denominador comum de concentrar cada vez mais riqueza no

próprio setor financeiro, em prejuízo de toda a sociedade.

Complicado

Não é fácil entender o que se passa na companhia. Mas o fato é que a empresa vende ativos da dívida com deságio que pode chegar a 50% do valor de face dos títulos, as debêntures, emitidas sobre as dívidas de contribuintes com a receita estadual. Dependendo da qualidade dessa dívida, é um caminho que o setor público abre para os bancos realizarem lucros, convertendo o que seria dinheiro público em dinheiro privado, ou em ativos de caráter privado. O valor do deságio não é conhecido oficialmente. Os contratos de operação da CPSEC são mantidos sob sigilo. O mistério em torno das operações, que deveriam ser de caráter público, a suspeita de que a atuação da empresa pode estar lesando o interesse público e a evidência de que o negócio da CPSEC fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) levaram o sindicato dos agentes fiscais a abrir, em setembro, uma ação popular contra o governo Alckmin no Ministério Público do Estado, com pedido de suspensão das operações da empresa. Do ponto de vista da lei, o governo estadual não pode realizar esse tipo de operação de crédito, com a compra por meio do mercado financeiro. A ação arrola como réus os ex-secretários da Fazenda Renato Augusto Zagallo Villela dos Santos e Andrea Calabi, e o presidente da Companhia Paulista de Securitização, Jorge Luiz Avila da Silva. “O autor busca com a presente Ação Popular anular atos lesivos ao patrimônio público (...) Denuncia também grave burla à Lei de Responsabilidade Fiscal, com potencial efetivo de relevante comprometimento das contas públicas e das finanças das administrações vindouras”, afirma o texto. Em resposta à ação, a promotora Regina Gomes de Macedo Leme, da 12ª Vara da Fazenda Pública, do MP estadual, indeferiu o pedido de suspensão das operações da empresa e restituição dos valores pelo mercado financeiro. Mas manteve a investigação da atuação da CPSEC, uma vitória parcial para os autores da ação popular.

Como a CPSEC opera 1. O contribuinte devedor adere a um dos programas de parcelamento da dívida 2. O governo faz a cessão onerosa desses créditos à CPSEC 3. A CPSEC emite debêntures sobre os créditos cedidos 4. O mercado adquire essas debêntures e paga por elas um valor com deságio, permitindo ao governo antecipar receita Deságio O nível de deságio não é oficialmente conhecido do mercado, porque os compradores das debêntures são designados pela CPSEC, que mantém seus contratos em segredo. Fontes do mercado, no entanto, indicam que o deságio fica em torno de 50%, o que cria oportunidade de realização de lucros para o setor financeiro. Juros Como adquire os créditos (assumindo a possível inadimplência) e recebe parcelado dos contribuintes, a CPSEC fica com os juros que incidem nas parcelas e paga juros nas debêntures. Irregularidades 1. O negócio entre governo e CPSEC só poderia existir se a empresa não fosse estatal (por isso criaram a empresa de economia mista com três pessoas físicas). A CPSEC foi criada em 15 de outubro de 2009, mediante autorização da Lei estadual nº 13.723, de 29 de setembro de 2009. 2. O governo não poderia garantir o recebimento com a compra via mercado financeiro. 3. O capital da CPSEC é formado por 3.350.000 de ações, sendo 3.349.997 ações do governo de São Paulo, e três ações de pessoas físicas, sendo uma delas o ex-secretário da Fazenda Renato Vilella.

REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

29


DÍVIDA PÚBLICA COMO FONTE DE LUCROS PRIVADOS Projeto de Serra: concentrar cada vez mais riqueza no próprio setor financeiro

Em nova investida no Ministério Público, os autores da ação solicitaram, em outubro, por meio de uma emenda à petição inicial, que fossem juntados ao processo todos os contratos celebrados pelos réus para a verificação, mediante auditoria, da validade jurídica dos negócios, bem como os valores envolvidos nas operações. A emenda foi motivada pelas declarações dos representantes da empresa, de que suas operações são absolutamente sigilosas. “É preciso que sejam apurados todos os valores indevidamente cedidos à sociedade de economia mista (CPSEC), os valores de comercialização das debêntures no mercado de capitais, os gastos com a escrituração e a emissão das debêntures, com a contratação das distribuidoras de títulos, dos corretores de valores e instituições financeiras envolvidas no negócio”, afirma a emenda.

JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL

ECONOMIA

ORÇAMENTO NAS MÃOS DA CPSEC Requião: projeto legaliza operações que foram feitas sem o suporte da lei

O diretor do Sinafresp lembra que desde que a empresa foi criada o governo do estado já captou cerca de R$ 2 bilhões, por meio de três operações. Mas ele também destaca que, para captar esse volume, foram lançados R$ 6 bilhões em debêntures e que a diferença, de R$ 4 bilhões, corresponde a títulos de uma classificação

Em palestra sobre “sociedades com fins específicos” – outra designação dada a essas empresas de economia mista –, em Ribeirão Preto, interior paulista, Avila da Silva chegou a afirmar com todas as letras que os contratos entre a CPSEC e os investidores só serão exibidos mediante uma determinação judicial, ou da Comissão de Valores Mobiliários. São contratos “fechados” e têm “muitas características”, alega o presidente da companhia. 30

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

SINAFRESP/DIVULGAÇÃO

Sete chaves

ÁGUAS PERIGOSAS Rielli reitera a função estratégica da securitização para que o governo federal ingresse no que ele chama de “canto da sereia do mercado financeiro”

REVISTA DO BRASIL

secundária, que o mercado não quer – conforme a qualidade da dívida, os títulos são classificados em “A” ou “B”. Outra questão é o capital social da empresa, de R$ 7 milhões, um valor irrisório diante do volume de recursos com os quais lida. A CPSEC foi criada com capital de 3,350 milhões de ações, das quais apenas três pertencem a pessoas físicas. Uma delas é o ex-secretário Renato Augusto ­Zagallo Villela dos Santos. Das três operações realizadas, todas durante o governo Alckmin, duas foram na gestão do economista Calabi e uma na gestão de Villela dos Santos. Em defesa da CPSEC, a Secretaria da Fazenda afirma, por meio de assessoria, que a ação popular contra a empresa parte de alegações “falsas e equivocadas”. E que todas as operações foram autorizadas pela Assembleia Legislativa, com amparo da lei de 2009 que criou a empresa e aprovou a cessão de direitos creditórios ao mercado financeiro. A assessoria afirma ainda que a LRF não veda a realização de operações para antecipação de receita pelo governo. Mentor da CPSEC durante o governo de José Serra no estado, o atual secretário de Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa, falou em defesa das operações em audiência no Senado em 24 de novembro. A audiência pôs em discussão o PLS 204, que pretende autorizar o esquema de emissão de debêntures para que também o governo federal possa “reforçar”


ECONOMIA

afirmando ainda que o esquema não aumenta o endividamento do estado.

JEFFERSON RUDY/ AGÊNCIA SENADO

Modelo em expansão?

ESSENCIAL Lindbergh: A operação faz ou não dívidas para os futuros governantes?

seu caixa. Costa tentou argumentar que não se trata de cessão de créditos tributários, o que é vedado pela lei. “Nós estamos cedendo o direito autônomo de recebimento do fluxo financeiro referente a esses créditos tributários. O crédito tributário não será cedido, não será vendido para a iniciativa privada”, defendeu,

A experiência da CPSEC, antecipando em São Paulo um modelo de financeirização da dívida pública que o governo Michel Temer deseja para o país, não é única. Outras operações têm sido feitas com o mesmo espírito, nos municípios de Belo Horizonte e Nova Iguaçu (RJ) e no Distrito Federal. Há ainda iniciativas similares no município de São Paulo, chamada de Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura (FMSAI), criado em 2009, e nos estados de Goiás (Goiasparcerias) e Rio de Janeiro (CFSEC). “Em que pesem as diferenças de cada modelo adotado, em comum todos eles apresentam a característica de o ente receber um determinado valor de um investidor e, em troca, entregar o fluxo de receitas advindas dos direitos creditórios da dívida ativa”, afirma o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) em parecer sobre o tema na CAE.

O senador comenta a questão de fluxo de receitas versus direitos creditórios, apontada por Mauro Ricardo Costa, e entende que não há relevância nessa discussão. “O relevante é verificar se a operação gera ou não passivos para os futuros governantes”, sustenta Lindbergh. A discussão recente em torno do engessamento dos orçamentos de municípios, estados e União por 20 anos, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, é apenas uma das faces da tentativa de amarrar as contas públicas aos interesses do mercado financeiro. Na sequência, virá o embate pelo PLS 204. Rielli reitera a função estratégica da securitização para que o governo federal ingresse no que ele chama de “canto da sereia do mercado financeiro”. Ele também cita o Projeto de Lei Complementar (PLC) 257, que estabelece um teto para o funcionalismo público, além das outras medidas. “Estão todas coligadas, ou seja, eu restrinjo a ação do Estado por meio do aperto fiscal, e jogo isso como títulos no mercado. Simples assim.”

Lições de quem foi ao fundo do poço ECOS DA GRÉCIA Zoe Konstantopoulou: crise humanitária e perda de soberania

MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO

Na audiência no Senado em 24 de novembro, o discurso de Mauro Ricardo foi rebatido pela ex-presidenta do Parlamento grego Zoe Konstantopoulou, chamada exclusivamente para falar sobre efeitos nefastos que esse tipo de financiamento proposto pelo PLS 204 e em andamento na CPSEC pode causar – não apenas nas finanças do país, mas com desdobramentos políticos e sociais que colocam em xeque a democracia. A fala de Zoe não repercutiu na imprensa corporativa. Não fossem por três ou quatro sites de notícias, inclusive a Rede Brasil Atual, sua presença no país teria passado em branco. “Minha experiência diz que vocês nunca devem negar a repercussão política desse tipo de ação, que vai retirar a soberania democrática do país”, disse a ex-deputada, depois de mostrar como o processo de financeirização da dívida grega levou o país ao fundo do poço. De uma população economicamente ativa de 5 milhões de pessoas, 1,5 milhão ficou sem trabalho. O índice médio de desemprego era de 30%, e entre os jovens chegava a 60%. “Medidas como imposição de impostos, cortes de pensões e salários, além de cortes nos gastos públicos, como em saúde e educação, provocaram uma crise econômica e humanitária”, afirmou, lembrando também que o país mediterrâneo viveu uma explosão em sua taxa de suicídios e que 300 mil empresas foram fechadas no país entre 2012 e 2013. Para a Grécia sair do buraco, Zoe liderou o processo de criação da Comissão da Verdade sobre a Dívida Grega, instalada em abril de 2015 para promover um processo de auditoria, com a participação de especialistas internacionais, entre acadêmicos,

juristas e tributaristas. Segundo a deputada, dois objetivos têm movido o trabalho da comissão: o direito à informação e a natureza criminal da produção desses débitos fiscais, que levaram à “destruição” da qualidade de vida da população. “Eu espero que vocês recusem essas imposições econômicas e que defendam a democracia”, afirmou a deputada, depois de mostrar que o último pacote financeiro de ajuda ao seu país foi direcionado em 92% para banqueiros credores. Uma pequena parcela ficou com o orçamento do país. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

31


ATITUDE

Meninas de

RESPEITO

Elas educam os meninos (e meninas!) contra o machismo, o racismo e a homofobia em escola da zona leste paulistana Por Paula Dias, texto e foto

32

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL


ATITUDE

B

renda, Marcella, Larissa, Júlia, Isabela, Renata, Gabrielly, Caroline, Luana, Nathaly, Beatriz, Tainá, Laryssa, Bruna, Andrezza, 14 anos em média, decidiram dar um basta ao tratamento desrespeitoso que recebiam de alguns meninos, na escola de Ensino Fundamental, no Jardim Brasília, em São Paulo. A semente do Movi Femi-HR (movimento feminista – contra homofobia e racismo), nasceu há três anos da análise de textos nas aulas de Literatura. Machado de Assis,

Clarice Lispector, Chico Buarque e Hua Mulan – personagem da cultura milenar chinesa, que inspirou o filme Mulan, da Disney – despertaram percepção e compreensão das desigualdades e preconceitos raciais, sociais e sexuais, que também se refletiam no dia a dia da escola. “O Edu, professor de Literatura, falou sobre a luta das mulheres e a origem do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Aí começamos a entender o feminismo. Isso ocorreu no 6º ano”, lembra Brenda, animada a criar o grupo para defender os direitos das meninas. Mais meninas se juntaram e foi ficando claro: se fossem praticar algo, deveria ser de forma coletiva. Dois anos depois, passaram a compartilhar ideias com o restante da escola. Fizeram cartazes explicando o que era o feminismo e o Movi Femi-HR. Na ocasião, tiveram cartazes rasgados. O grupo passou a entrar nas salas de aula e as campanhas contra o machismo, o racismo e a homofobia, acontecem abertamente na escola. Eram comum os casos de meninos tocarem as meninas e tratá-las de forma desrespeitosa. O Movi Femi-HR conseguiu interferir. “A gente conseguiu conscientizar quase a escola inteira, eu acho! Agora as meninas sabem que se elas não quiserem uma coisa é só elas falarem ‘não’ e acabou, ninguém pode fazer nada sem o consentimento. Elas perceberam que podem decidir sobre o corpo delas e sobre tudo... a gente conseguiu empoderar as meninas”, acredita Marcella. Hoje, meninas que sofrem assédio procuram a intermediação do grupo para conversar com os meninos e tentar resolver a situação. Se for necessário, o caso é encaminhado para a direção da escola. “O assédio é a questão que tem o combate mais difícil e necessário”, observa Brenda. As meninas são vigilantes para que os meninos sejam reeducados, interferindo no vocabulário e até mesmo na mudança de atitudes. Dois deles aderiram ao grupo e ajudam na propagação das práticas de respeito. Uma atividade didática que chamou a atenção foi a análise de algumas letras de música funk. Elas constataram que quase todas depreciam a mulher e que muita gente adere à onda sem prestar atenção à mensagem por trás do ritmo.

Sexualidade e identidade

Nas conversas sobre sexualidade, orientação sexual e comunidade LGBT­I – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais – elas compartilham dificuldades vividas por quem destoa “dos padrões socialmente aceitos”. As famílias, em sua maioria, são conservadoras. O grupo prega o respeito. “A partir do momento em que uma mulher quer ser chamada e tratada como mulher, mesmo tendo nascido homem, ela será respeitada, uma mulher trans é mulher assim como as outras”, defende Bruna. “Quem se manifesta contra a liberdade de orientação sexual quer retirar o direito de amar, e todos têm esse direito”, acrescenta Renata. “O amor move as pessoas, então move a luta também. A partir daí começa uma nova luta: contra o preconceito, inclusive para adotar uma criança e compor família”, completa Isabela. A conversa inclui a importância do uso de preservativos na prevenção a Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e a gravidez precoce, e do papel da participação da mulher nessa decisão. “Ele tem que saber que não tem só ele ali, são dois e é uma troca”, diz Renata. As experiências de enfrentamento ao preconceito racial também fazem parte do dia a dia do grupo. “A primeira vez que aconteceu comigo, não tive reação, só sabia chorar. Depois que o Movi Femi-HR começou tive mais atitude e passei a denunciar”, relata Andrezza, destacando quanto a atitude fez bem a autoestima. “Por conta da escravidão, os racistas mandaram muitos negros para a senzala e, ainda hoje, acham que os negros estão a serviço deles”, critica Bruna. “Estudamos juntas, militamos juntas, somos muito amigas, conversamos sobre tudo e aceitamos umas às outras independentemente de qualquer diferença ou opinião”, afirma Larissa. E assim atuam as meninas da Escola Municipal de Ensino Fundamental Eduardo Prado, na zona leste da capital paulista. Construindo para além dos muros da escola, em relações baseadas na amizade e no respeito, um caminho para a cidadania.

REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

33


CULTURA

Cabe tudo na embolada Com 2.500 músicas gravadas, mil cordéis e extenso trabalho de produção, Téo Azevedo divulga a cultura popular há décadas

FOTOS SERGIO MOURÃO

Por Vitor Nuzzi

O

uando o pai morreu, a mãe com sete filhos – ainda viriam mais dois –, Téo Azevedo, 7 para 8 anos, foi cantar nas feiras para ajudar a família. O inesperado pode ter contribuído para o início da vida artística de Téo, no meio da luta pela sobrevivência no interior de Minas Gerais. Com 73 anos, completados em julho, ele é um dos mais conhecidos cantadores, pesquisadores e produtores da cultura popular. Chama a viola de “instrumento mais bonito do mundo” e, de sua Alto Belo, distrito de Bocaiúva, no Vale do Jequitinhonha, em Minas, exalta a diversidade do Cerrado. Téo calcula ter mais de 2.500 músicas gravadas, o que faz dele um recordista no Brasil. Produziu mais de 3 mil trabalhos e escreveu mil histórias da literatura de cordel, além de 12 livros sobre cultura popular. O corpo já sente efeitos da idade, diz Téo, mas “a cabeça anda melhor do que quando eu era novo”. Há pouco tempo, ele lançou o CD Cordas & Harmonia, com 15 faixas instrumentais de chorinho. “Estou com mais 85 choros inéditos”, avisa. Em Montes Claros – a 45 quilômetros de Alto Belo –, para onde a mãe, dona Clemência, decidiu ir com a criançada depois da morte do marido, seu Teófilo, o Tiófo, o menino fez de tudo um pouco. “Lavava carro, carregava malas para as pessoas na Rodoviária ou na Estação Ferroviária, capinava hortas e, principalmente, engraxava sapatos”, conta o jornalista Carlos Felipe Horta no livro Téo Azevedo – um poeta cantador, lançado em 34

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL

2014 (Letras&Letras). “Fazia repente para os fregueses enquanto lhes engraxava o sapato, contava as histórias do ‘Tiófo de um Braço Só’, ‘causos’ do sertão e muita coisa mais.” Tiófo perdeu um braço ao ser atingido por chumbo da própria espingarda, durante uma caçada. Mesmo assim, aprendeu a tocar viola e violão. Mas em 1951, quando Téo filho tinha 8 anos e a família estava toda em uma fazenda no interior paulista, morreu de tifo. Dona Clemência levou a filharada para Montes Claros, e Téo foi à luta. Um dia, conheceu Antônio ­Salvino, camelô pernambucano que vendia remédios caseiros, e virou uma espécie de assistente, durante anos, até que, depois de um acidente, Salvino resolveu voltar para sua terra – e Téo, com 14, 15 anos, ficou. “O povo gostava de ouvi-lo cantando e declamando e ele passou a fazer desta arte meio caminho para a sobrevivência”, diz Horta.

Prisão e prêmio

Aprendeu na prática. Aos 17 anos, foi preso por se apresentar na rua. Cantou um repente dizendo que era crime prender um cantador. Deu certo? “Deu, porque o delegado mandou me soltar e deu um salvo-conduto.” O tempo passou, Téo Azevedo continuou na estrada, ganhou prêmio Grammy (em 2013), virou amigo de Carlos Drummond de Andrade e parceiro, entre outros, do saxofonista Bobby Keys, do grupo Rolling Stones. Conta-se que o poema Viola de Bolso, de Drummond, teve Tiófo como inspiração.


CULTURA

Violeiro mineiro Meu canto Nem forte Nem belo, singelo

a participação, entre outros, de Dominguinhos, Genival Lacerda, Caju & Castanha, Jackson Antunes e Assis Ângelo. É o jornalista e pesquisador Assis que conta que Téo Azevedo tem uma versão de Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), feita a várias mãos, inclusive as do saxofonista Bobby Keys, Não foi bem assim, conta Téo. “Da primeira vez que conversei dos Stones. “Produzi duas músicas dele”, lembra Téo, que ainda com ele, eu comecei a contar uns causos, ele achou engraçado. Uns não lançou a versão, “meio jazzística”, diz. “Tenho a autorização causos jocosos, engraçados, né?”, lembra. As conversas aconte- dele (Bobby, que morreu em 2014) e o take.” ciam durante caminhadas de Drummond pelas ruas de CopacaMestre de Folias de Reis, fundador da Associação dos Repenbana, onde morava o poeta, no Rio de Janeiro, por recomendação tistas e Poetas Populares do Norte de Minas Gerais, Téo gosta de médica. “Era uma caminhada devagar... Aí, quando a gente che- misturar. Viola caipira, viola nordestina, rabeca, Sinval da Gabegou na porta do prédio, ele convidou para tomar um café, pegou leira, João Bezerra, Antonio Nóbrega, Zé Coco do Riachão, que um papel, caneta, escreveu num guardanapo e disse: é a cara do ele lançou. Gravou um disco de blues (Blues Matuto, de 2004) e seu pai.” De Copacabana, tomando chuva, Téo pegou um ônibus até samba-rock (LP Grito Selvagem, de 1974, em que aparece na para a rodoviária e voltou para Belo Horizonte. capa com cabelo black power). “Fui misturando gente por esse mundo”, diz. Mas a princiO papelzinho com os versos molhou. pal fonte é mesmo a cultura popular e a riViola de Bolso ganhou versão musicada em ca música brasileira. “É milionária”, corrige, 1979, gravada por Téo Azevedo no LP Brasil, brincando. Terra da Gente. Antes, ele cantou por telefone “E eu considero o brasileiro o maior músico para Drummond, que aprovou. E liberou, dizendo: “A autorização é minha palavra”. do mundo, pela criatividade”, afirma, tocando em frente. “Tem gente que dá, tem gente que Gonzaga e Stones não dá valor. Uma coisa que eu notei nestes Admirações ele tem muitas, como Luiz anos todos é o seguinte: tem o pioneiro que Gonzaga e Nélson Gonçalves. Ou Guimarães segura as pontas de determinados estilos e os Rosa – compôs várias canções com letras paque criam os afluentes e deixam os criadores ra versos de domínio público coletados pelo para trás. Eles não somam. A viola caipira tá na escritor nascido em Cordisburgo, por onde faculdade, no brega, no samba, na MPB, tá em Téo passou em outubro, visitando amigos cotudo. Mas cada um criou sua turma. Tinha de mo José Osvaldo dos Santos, o Brasinha (leia Um disco sobre o Rei do Baião, somar para dar força”, acredita Téo, para quem reportagem na edição 62). Recentemente, ele Salve Gonzagão 100 anos, deu a é preciso “reconhecer os que vieram antes e Azevedo o Grammy em 2013, lançou o CD Mineirada Roseana, com 13 das Téo que abriram o caminho na enxada, sem a tecna categoria melhor álbum de raiz nologia e sem a divulgação de hoje”. 18 faixas inspiradas em poemas contidos em Téo chegou a São Paulo em 1969 – ainda livros de Guimarães. Participam do disco gente como Paulinho Pedra Azul, Saulo Laranjeira, Chico Lobo e o conserva um pequeno apartamento na região central, para as Grupo Caminhos do Sertão, entre outros. idas e vindas. Em 2015, ganhou título de Cidadão Paulistano. Mas ele conta: “Meu ídolo é Cândido Canela”. O poeta de Mon- Nos primeiros tempos de pauliceia, se apresentava na Praça da tes Claros teve muitos versos musicados por Téo, como Ternos República, na região central. “Teve uma vez que Alceu Valença Pingos de Saudade, que em 1978 ganhou o 1º Festival de Música apareceu por lá e cantou uns 20 minutos, de improviso”, lembra, Sertaneja, promovido pela Rádio Record. reconhecendo o talento de repentista do artista pernambucano. Um disco sobre o Rei do Baião, Salve Gonzagão 100 anos, deu “Fui experimentando e ele foi direitinho”, diz o antenado compoa Téo Azevedo o Grammy em 2013, na categoria melhor álbum sitor, autor da bem-humorada embolada O Papo no WhatsApp, de raiz. Ele conheceu o ídolo quando ajudava Salvino pelas feiras, gravada por Caju & Castanha (“É porque quando a pessoa/ Tá com uma jiboia enrolada no pescoço, no começo dos anos 1950. no zap conversando/ Não olha pra quem tá perto/ Não quer ninComeçou a fazer versos e conversou com Luiz Gonzaga, ganhou guém perturbando/ É só de cabeça baixa/ No aparelho teclando”). A força criativa de Téo Azevedo pode se manifestar a qualelogios e um dinheirinho. Foram se reencontrar anos depois, em Belo Horizonte – o mineiro fez um calango (um ritmo musical quer momento. No comecinho de dezembro, durante passagem presente no interior de Minas e Rio de Janeiro), e o mestre gra- por Belo Horizonte, ele recebeu um jornalzinho na rua. Viu um vou no LP 70 Anos de Sanfona e Simpatia, em 1983: A Peleja do texto sobre Jimmy Hendrix. Começaram a brotar versos sobre Gonzagão x Téo Azevedo. o “gênio musical do planeta guitarra” – “Com Little Richard na Gonzaga pediu ainda uma letra que falasse de Santa Luzia, pa- banda ele tocava/era fã de Eric Clapton, que muito admirava”. E droeira da visão e do próprio músico, que nasceu em 13 de de- pode ser que aquela velha parceria com Bobby Keys seja retozembro. O tempo passou, e a música – Padroeira da Visão (Santa mada. “Vou fazer um blues disso daí, me deu vontade. Pode ser Luzia) – só foi gravada para o disco que levou o Grammy, que tem que misture”, diz. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

35


CULTURA

Os mestres do

BARRO

Artesãos fazem da arte figurativa fiel expressão do rico cotidiano cultural nordestino Texto: Arthur Maciel Nunes. Fotos: Jesus Carlos De Lucena 36

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

O

trabalho com o barro, muito presente na cultura e na economia especialmente no Nordeste, é uma das atividades mais primitivas do país. Tem influências diversas, originárias de África e Europa, mas aqui configura uma produção e organização social de natureza essencialmente indígena – mais antiga, portanto, que a própria criação do Brasil.

REVISTA DO BRASIL

ARTE VIVA Mestre Manoel Eudócio em seu ateliê no Alto do Moura, bairro da cidade de Caruaru, PE

De peças para o uso doméstico, ainda essenciais no abastecimento de água potável e no preparo de alimentos, a objetos modelados para retratar o cotidiano do povo nordestino, o barro é matéria-prima vital na cultura e na economia da região. Contam os mestres que o boneco de barro contemporâneo surgiu da visão de Vitalino Pereira dos Santos, nascido em 10 de julho de 1909, no Sítio Campos,


CULTURA

MESTRE DOS MESTRES Dizem os outros mestres que foi Vitalino Pereira dos Santos quem traçou o caminho do reconhecimento dessa arte dentro e fora do Brasil

zona rural de Caruaru (PE). Ele traçou o caminho do reconhecimento dessa arte dentro e fora do Brasil e influenciou o trabalho de outros artistas no estado. A primeira obra de sucesso de Mestre Vitalino, um gato maracajá acuado em uma árvore por um cachorro e um caçador, até hoje é modelada pelos seus descendentes. Vitalino, que chegou a ter uma banda de pífanos, mudou-se da zona rural nos anos 1940 para Alto do Moura, lugar que se tornou referência em cerâmica figurativa, a apenas cinco quilômetros do centro de Carua­ru. Lá formaria a grande escola da arte na região ao lado de Manoel Eudócio, que partiu em fevereiro último, aos 85 anos, José Antônio da Silva, o Zé Caboclo (1921-1973), e Manoel Galdino (1929-1996). Sobrinha de Manoel Eudócio e filha de Zé Caboclo, Marliete Rodrigues, 59, é especialista na produção de peças em miniatura, de dois a três centímetros. A maior parte é destinada a colecionadores e a exposições, como o Salão de Arte de Pernambuco, onde já foi premiada tanto pelo público como pelos jurados. Segundo Marliete, uma de suas peças figura no acervo particular da ex-presidenta Dil-

DELICADEZA Trabalho de pintura no ateliê do mestre Sussula, em Tracunhaém, PE

REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

37


CULTURA

SANTAS OU MULHERES COMUNS Mais antiga representante da arte figurativa em Tracunhaém, Maria Amélia da Silva celebrizou as bonecas como marca de seu trabalho no barro

ma Rousseff. “Gosto de retratar momentos vividos em família. Às vezes também sou pega por um sonho que me marca e retrato isso no barro”, diz. A artesã começou a trabalhar aos 6 anos, observando os gestos do pai. Tradição mantida pela artista. “A gente estimula as crianças a brincar com o barro. Foi assim que eu comecei. Quando a gente gosta muito do trabalho, quando faz o trabalho com amor, ele faz parte da vida da gente o tempo todo. Desde criança eu descobri isso. Comecei copiando, mas depois percebi que também tinha que criar algo que representasse o que eu sinto e penso”, conta Marliete. Nascido na vizinha cidade de São Caetano, Manoel Galdino, o Mestre Galdino, como é referendado na cidade, distingue-se dos demais pelo surrealismo de sua obra. Solte Meu Burrico, Ladrão!, A Raposa Come o Macaco, A Viagem de Maria ao Egito, Mané Pãozeiro, são alguns dos títulos dados pelo artista a suas peças. Conta Joel Galdino, filho de Manoel que dá continuidade ao talento do mes38

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

tre: “Disseram numa exposição em São Paulo que ele não era um artista. Ele ficou muito irritado e resolveu fazer uma peça de improviso. Lembrou de um primo em São Caetano, vendedor de pão, que quando era indagado sobre a vida botava uma mão na cabeça e estendia a outra dizendo: ‘Ah, meu Deus, me ajude!’ Assim nasceu o Mané Pãozeiro”. A obra é um marco do estilo de Mestre Galdino. Lábios enormes e destacados, boca e lábios agigantados, barriga protuberante, um misto de gente e bicho. Tais quais os dentes serrilhados, as escamas, os totens, uma gama de elementos que encontra acolhimento justamente na diversidade carnavalesca de Pernambuco e é sempre presente na composição dos Galdino, pai e filho.

Tracunhaém

A 67 quilômetros de Recife, na zona da mata, o tamanho das peças e a cor púrpura do barro distinguem os personagens retratados pelos mestres da arte figurativa. Caruaru é feita das cores de tantos são

REVISTA DO BRASIL

seus folguedos e diversa é sua cultura e a sua gente. Já Tracunhaém é quase lívida, com seus campos queimados e sua agricultura familiar expropriada pela monocultura da cana-de-açúcar. Aqui rareiam as árvores, mais ainda os frutos, em um império de cinzas que caem do céu sem trégua, rangendo no ar em estalos quentes de folha carbonizada, fruto das queimadas de cana que resistem aos avanços da tecnologia agrícola. É uma cidade extremamente quente, a 10 quilômetros do centro da vizinha Nazaré da Mata, um dos berços do maracatu rural de Pernambuco. O Caboclo de Barro de Mestre Sussula, Edvaldo José de Andrade, é uma das poucas peças originais dos artesãos de Tracunhaém que recebem acabamento de pintura. É um retrato fiel do colorido e das formas que compõem a fisionomia e a indumentária do caboclo de lança do maracatu rural. Mas a maioria é da cor pura do barro cozido, tons que variam entre o vermelho, o marrom e o amarelo. Os artistas têm predileção por santos, de 50 centímetros a 1,5 metro


CULTURA

é a peça que distingue a obra do artista, produção que hoje é mantida pelos filhos Guilherme e Marcos Borges e pelo sobrinho Zenildo Gomes. É uma das peças mais difundidas em Pernambuco, presentes em praças de Recife e coleções particulares espalhadas por todo o Brasil. NO SANGUE Filha e sobrinha de mestres, Marliete Rodrigues é especialista na produção de peças em miniatura

SANTOS DE CARA BONITA Zé do Carmo: “Todos nós somos anjos”

ou mais, como São Francisco, e também outros personagens religiosos como Moisés, ou ainda a Maria Grávida, imagem que consagra a obra do mestre Joaquim José da Silva, o Zezinho de Tracunhaém. Até os 19 anos, Mestre Zezinho trabalhava no corte da cana na cidade próxima de Vitória de Santo Antão, até ter sua arte figurativa elogiada pela cronista Marliete Pessoa, no jornal Gazeta de Nazaré, nos anos 1960. Foi quando tomou coragem e resolveu investir na arte profissionalmente. O sucesso veio com um São Francisco em tamanho natural e com a peça que é tida pelo artista como a sua predileta, uma imagem de Maria grávida, sentada e aconchegada pelo marido José, este com um pássaro pousado em seu ombro esquerdo.

Mais antiga representante da arte figurativa em Tracunhaém, Maria Amélia da Silva, 92 anos, celebrizou as bonecas como a marca de seu trabalho no barro. No papel de santas canonizadas ou de mulheres simples do cotidiano da cidade, as imagens têm em comum as mãos espalmadas, a cabeça inclinada sobre um dos ombros e a face invariavelmente erguida para o céu. Além da delicadeza e harmonia dos traços e formas alcançadas. Arte que começou a desenvolver “ainda menina”, segundo os cálculos dela entre os 6 e os 8 anos, por incentivo do pai. Das figuras humanas simples e bíblicas à figura feroz e mítica do leão, foi nesse ponto que se destacou o talento de Manoel Borges da Silva, ou Mestre Nuca, morto em fevereiro de 2014. O Leão Cacheado

Goiana

“Minha mãe, Joana Isabel de Assunção, artesã, fazia boneco de barro, arte culinária, comida típica do Nordeste, em panela de barro que ela mesma confeccionava. Costureira, bordadeira, desenhava à mão livre qualquer modelo de vestido para as madames da alta sociedade de Goiana. Artesã completa, católica praticante da igreja dos Homens Pretos de Goiana, queria que eu fosse padre. Meu pai, Manoel de Souza dos Santos, padeiro, nas horas vagas fazia máscaras de barro, principalmente para brincar o carnaval. Graças a Deus eu sou filho de artesãos.” A fala é do mestre ceramista José do Carmo Souza, representante de Goiana como Patrimônio Vivo da Cultura de Pernambuco. “Todos nós somos anjos”, difunde Zé do Carmo. Dessa filosofia construiu seu arsenal de anjos e santos nas garras e traços de personagens típicos do Nordeste, como cangaceiros, tocadores de pífano, triângulo, sanfona e zabumba. “Um dia, enquanto caçava, era moleque ainda, tinha uns 12 anos, vi um passarinho e observei bem as asas dele, pensei em botar aquelas asas nos bonecos que eu fazia. Comecei a fazer anjos e santos com a cara das pessoas que via nas ruas. Minha mãe não gostou, achou errado e mandou que eu fizesse as imagens com jeito de santo europeu. Eu fiz e foi bom que vendeu bem, todo mundo queria santo com cara bonita. Quando ela faleceu, em 1972, voltei a desenvolver minhas peças com a cara de gente da terra”, conta o artesão. As peças de todos esses mestres do barro encontram-se espalhadas por várias cidades do Brasil, em museus e coleções particulares, principalmente. Em Pernambuco, um acervo público pode ser apreciado no Museu do Barro de Caruaru, no centro da cidade. Neste espaço, apenas de Mestre Vitalino existem 66 peças originais do artista. É raro e lindo de ver.

REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

39


COMPORTAMENTO

Do preconceito à

CRIMINALIZAÇÃO Com fins terapêuticos e tradicionais reconhecidos em poucos países, o porte da ayahuasca – bebida psicodélica amazônica utilizada em rituais indígenas e religiosos – tem levado a prisões pelo mundo Por Carlos Minuano

40

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL


COMPORTAMENTO

JAIRO GALVIS HENAO/FLICKR/CC

E

BRIAN VAN TIGHEM/ALAMY/LATINSTOCK

Fervura dos ingredientes da ayahuasca: substâncias proibidas em vários países

ra madrugada de 31 de agosto de 2016 quando o brasileiro Eduardo Chianca aterrissou em Moscou. Para ele, que se deslocara de Lisboa à capital russa, a data até então marcava o início de mais uma jornada de trabalho, que abrangeria cinco países, num período de 47 dias. Terapeuta holístico, ele levava quatro garrafas plásticas de dois litros cada, com uma bebida marrom escura, conhecida como ayahuasca ou chá de santo daime. Na inspeção alfandegária, o brasileiro viu seu plano de viagem mudar radicalmente. A perícia russa detectou que a bebida que ele levava continha DMT (n-dimetiltriptamina), substância alucinógena proibida em centenas de países, inclusive a Rússia. Desde então, o terapeuta segue preso, acusado de tráfico internacional de drogas. De acordo com a embaixada russa no Brasil, a pena prevista é de mais de 15 anos. Procurada pela reportagem da Revista do Brasil, a embaixada informou que a quantidade de DMT contida nas garrafas do brasileiro era de 1,5 quilo, quantidade elevada de acordo com a lei local. “Ele está sendo acusado de um crime especialmente grave. De acordo com os órgãos competentes russos, não há fundamento para uma pena mais leve”, informou o órgão. A família do brasileiro questiona a dosagem de DMT informada no laudo russo. “Estamos procurando auxílio para rea­lizar aqui no Brasil uma nova análise da quantidade da substância”, diz Patricia Alves Junqueira, mulher de Chianca. “Eduardo é um terapeuta, que infringiu inadvertidamente uma lei russa, mas não é um traficante”, ressalta. Na última audiência sobre o caso, em 29 de novembro, a Justiça russa decidiu prosseguir com as investigações por mais dois meses. A literatura científica sobre a ayahuasca cita concentrações variáveis de DM. Oito litros da bebida teriam, em média, em torno de 5 gramas, observa Luís ­Fernando Tófoli, professor de Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Isso indica o quanto é absurda a medida russa de quase um quilo e meio de dimetiltriptamina”. Mais pro-

vável, na opinião do especialista, é ter havido confusão no registro ou na mensuração. “É fundamental que se lute para uma contraprova dessa análise”, completa. A prisão do brasileiro não é caso isolado. Ao mesmo tempo que cresce pelo mundo o consumo da ayahuasca, bebida psicodélica amazônica utilizada em rituais indígenas e religiosos, avança também uma onda de intolerância e perseguição contra a beberagem em diversos países. Nos últimos seis anos foram mais de 70 prisões por porte do chá do Santo Daime. “A maioria respondeu a processos por tráfico de drogas e vários casos chegaram aos tribunais”, afirma a advogada espanhola Constanza Sánches, especialista em política internacional de drogas e coordenadora do Fundo em Defesa da Ayahuasca (ADF, na sigla em inglês), que oferece assessoria jurídica para casos de prisão e processos por porte no mundo todo.

Proibição e globalização

O uso da ayahuasca, tal como de outros psicodélicos, tem sido objeto de inúmeras pesquisas científicas que vêm confirmando o potencial terapêutico dessas substâncias e feito aumentar o interesse sobretudo pelo chá de origem amazônica, atualmente consumido nos cinco continentes. Um cenário, no entanto, que contrasta com entraves legais em muitos lugares, como na França, que desde 2005 se tornou o único país onde a ayahuasca é especificamente proibida. A proibição por lá ocorreu após um processo envolvendo seis pessoas, pertencentes ao grupo religioso brasileiro Santo Daime, denunciadas por tráfico de drogas e crime organizado, de acordo com Constanza Sanchés. “A sentença de 2004 condenou os acusados por diversos delitos, como aquisição não autorizada de entorpecentes, importação ilegal, porte e uso ilícito de drogas, entre outros.” Segundo a advogada espanhola, a defesa recorreu à Corte de Apelação de Paris, que absolveu os acusados em janeiro de 2005, com o argumento de que a bebida se diferenciava do DMT sintético, proibido no país. A nova sentença revogou a condenação em primeira instância e or-

REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

41


PAULA NOGUEIRA

PAUL HESSELL/FLICKR /CC

COMPORTAMENTO

PSICOTRÓPICA Folhas de chacrona e cipó de mariri: ingredientes principais do santo daime liberam a controvertida substância DMT

denou a devolução do chá confiscado ao grupo religioso. “A absolvição gerou um alarme entre as autoridades francesas, o que acabou levando à aprovação do decreto de 20 abril de 2005, que incluiu a ayahuasca na lista de substâncias proibidas”, diz a advogada. Segundo ela, também foram proibidas as plantas utilizadas na composição do chá e seus princípios ativos (Banisteriopsis caapi, Psycotria viridis, harmina, harmalina, entre outros). “A partir de então, a França passou a ser o primeiro país a proibir expressamente a ayahuasca e tornando ilegal qualquer uso dela. E o chá ainda é alvo de preconceito por sua relação com cultos religiosos.” É difícil afirmar com precisão o número de prisões por porte de ayahuasca, porque muitos casos que ocorrem no mundo não se tornam públicos. Segundo a ADF, também não existem estatísticas sobre o aumento do uso da ayahuasca globalmente, o que torna qualquer comparação de crescimento do número de processos relativa e difícil. Ou seja, o número de prisões pode ser ainda maior do que se imagina. Só na Espanha foram 42 nos últimos anos. “Na Espanha, a ayahuasca não está especificamente proibida, mas tampouco é permitida”, observa. A questão é que o 42

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

chá, produto da decocção de duas plantas, o cipó Banisteriopsis caapi e a folha da espécie Psycotria viridis, tem como princípio ativo o alucinógeno DMT que, desde a Convenção de Viena sobre Substâncias Psicotrópicas, em 1971, consta da lista de substâncias proibidas da Organização Mundial de Saúde (OMS). A DMT é proibida em todos as nações signatárias dessa convenção. No caso da ayahuasca, isso pode representar restrições e controles mais ou menos rígidos. Apesar da multiplicidade de situações jurídicas relacionadas ao chá amazônico, a advogada as divide em três tipos: países em que existe um vácuo legal a respeito da bebida psicodélica, outros em que está especificamente proibida e, por último, onde é permitida e, eventualmente, com regulamentação de determinados usos. O uso religioso está permitido e regulamentado no Brasil, Canadá e Estados Unidos, e o tradicional (indígena) no Peru e na Colômbia. “No entanto, ao permitir especificamente determinadas utilizações, outras práticas estão sendo deixadas às margens de legalidade, como o consumo para fins terapêuticos, destinados ao desenvolvimento e crescimento pessoal, cada vez mais frequentes”, ressalta Constanza. No Peru, desde 2008, o uso tradicio-

REVISTA DO BRASIL

nal da ayahuasca praticado pelas comunidades nativas amazônicas é reconhecido como patrimônio cultural. Foi o único país que, ao aderir à convenção de 1971, fez uma referência à bebida psicodélica. Na Colômbia também não existe uma regulação específica para a ayahuasca, mas o uso tradicional está indiretamente protegido pela legislação aplicada aos povos indígenas. Porém, a advogada alerta que essa “proteção sem regulamentação” tem acarretado consequências negativas. “A falta de controle específico tem favorecido a multiplicação de centros de tratamento, muitos deles de qualidade duvidosa, em particular no Peru.”

Defensores

O projeto de assessoria jurídica da ADF está ligado ao crescimento do número das prisões e de processos judiciais envolvendo a ayahuasca. Segundo a advogada Constanza Sanchés, desde 2009 começa um acirramento do preconceito e da perseguição contra o chá no mundo todo, com numerosas detenções por porte, importação e consumo do chá amazônico. O primeiro trabalho de apoio legal foi em um caso no Chile, ocorrido no centro terapêutico Manto Wasi onde haviam sido realizadas sessões com ayahuasca.


Na ocasião, duas pessoas foram presas por porte e acusadas de tráfico. A defesa elaborou relatórios científicos, periciais, e até uma conferência sobre a bebida psicodélica foi realizada no país, com a participação de especialistas do mundo todo. Na sentença, juízes reconheceram que a experiência havia sido benéfica para as pessoas que participaram das cerimônias e determinaram que a ayahuasca, nesse caso, não poderia ser incluída na proibição da DMT. Nos últimos anos, segundo Constanza, têm havido prisões em todo o mundo relacionadas com igrejas ayahuasqueiras, com pessoas que organizaram cerimônias, e especialmente que importam ayahuasca de países como Peru, Brasil e Colômbia. “Muitas pessoas compram ayahuasca pelo correio, e ao receber a encomenda em sua casa e confirmar a entrega são detidas por policiais, disfarçados de funcionários dos correios”. De acordo com a advogada, em muitos casos as pessoas detidas haviam comprado uma pequena quantidade pela internet, sem saber que estavam violando a lei. Sobre as razões pelas quais a Espanha tem apresentado o maior número de de-

ARQUIVO PESSOAL/REPRODUÇÃO

COMPORTAMENTO

PRESO COMO TRAFICANTE Eduardo Chianca, terapeuta holístico brasileiro, foi detido no aeroporto de Moscou acusado de transportar substância alucinógena, o chá de santo daime

tenções, a advogada se esquiva. “Não são fáceis de identificar os motivos, mas certamente existem vários, entre eles, o aumento das medidas de segurança nos aeroportos, intensificadas desde os ataques de 11 de setembro de 2001, principalmente em relação ao transporte de líquidos.”. Entre os casos na Espanha, Constanza destaca um, recentemente julgado, e cuja sentença saiu há alguns meses. “Come-

çou por causa da importação de 11 litros de ayahuasca, o acusado enfrentou três anos e meio de prisão”. A pessoa, segundo a advogada, era membro de uma associação que realiza um consumo compartilhado de ayahuasca e de outras plantas amazônicas, portanto, sem comercialização, o que foi fundamental na resolução deste caso. A defesa alegou que, por isso, o uso não poderia ser criminalizado como tráfico. Esta é talvez a decisão mais importante na ayahuasca produzida no sistema judicial espanhol até agora”, conclui a advogada da ADF. “Obviamente, há casos com um impacto maior sobre resultados de processos futuros e decisões políticas na matéria”, observa Constanza. Ela cita como exemplo o caso do grupo religioso União do Vegetal (UDV) que em 2006 chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos. “Depois de sete anos de litígio, o Tribunal considerou que proibir o uso sacramental da ayahuasca não estava em conformidade com a lei de liberdade religiosa no país e autorizou o uso do chá e sua importação, de modo similar ao que ocorreu com a Igreja Nativa Americana para o uso religioso do peiote.”

Festival de cinema Um sinal contundente do crescimento do interesse mundial pela ayahuasca foi a primeira edição do Ayafilm, festival de cinema exclusivamente dedicado ao chá amazônico, realizado em outubro de 2016 no Acre. A mostra exibiu 36 filmes, documentários e ficções. Um dos filmes exibidos no festival, Santo Daime, Império da Floresta, conta um pouco da história sobre os desdobramentos do uso ritual em grupos religiosos sincréticos. Dirigido por André Sampaio, o documentário faz parte da série Encanteria sobre religiosidade popular brasileira. Seguidor do grupo religioso ayahuasqueiro, o diretor destaca que a narrativa do filme utiliza um olhar de dentro para fora, segundo ele, o ponto de vista daqueles que vivenciam a doutrina em seus cotidianos. “Não é um filme sobre a ayahuasca em sua generalização, mas sobre um fenômeno cultural em especial”, afirma Sampaio. O Ayafilm se realizou durante a segunda Conferência Mundial de Ayahuasca, organizada em 2016 no Brasil pela fundação espanhola de pesquisa Centro Internacional de Educação, Pesquisa e Serviços Etnobotânicos (Iceers).

DIVULGAÇÃO

Cena do Santo Daime, Império da Floresta

REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

43


curtaessadica

Por Xandra Stefanel

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

THALES LEITE/DIVULGAÇÃO

Fotografia e empatia

As trocas, experiências e relações que o fotógrafo paraense Alexandre Sequeira abraçou em suas andanças pelo país estão expostas no Museu de Arte do Rio (MAR) até 26 de fevereiro. A mostra Meu Mundo Teu reúne, mais que obras, processos de encontros com pessoas e convivências que foram mediadas pelo olhar sensível e pela fotografia de Alexandre. A exposição apresenta seis projetos que mostram o modo como ele se relaciona com o outro, com o mundo e com a arte. Imagens, memórias, narrativas, sons e objetos fazem da visita uma espécie de imersão nos relatos dos encontros do fotógrafo. De terça a domingo, das 10h às 17h, na Praça Mauá, 5, centro do Rio de Janeiro. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada) e grátis às terças-feiras. Mais informações: (21) 3031-2741.

Humor de Mouzar

Resistência nas prateleiras

Mouzar Benedito está de volta. Seu novo livro, Alzheimer, Impeachment e Outras Sacanagens (Ed. Books and Writers, 182 págs.), lançado em dezembro, é um romance de humor ambientado em São Paulo durante o processo de impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff. “Imagine um velho de esquerda, com Alzheimer, sendo bombardeado diariamente por notícias sobre o processo de impeachment e um assanhamento da direita! E duas cuidadoras que são a favor do impeachment discutindo com ele. E ele só falando sacanagens e cantando musiquinhas safadas…”, anunciou o autor em seu blog, no site da revista Fórum. R$ 40 (em média).

Depois de ter passado pelas telas de cinema, o longa-metragem Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, está disponível em DVD e Blu-Ray. O filme lançado em maio do ano passado no Festival de Cannes, na França, conta a história de Clara (Sonia Braga), uma jornalista e escritora aposentada que mora no Aquarius, último prédio de estilo antigo da Avenida Boa Viagem, em Recife. Ela resiste bravamente às investidas de uma construtora que pretende derrubar o edifício para erguer um novo empreendimento. Especulação imobiliária, imprensa marrom, a vida depois de um câncer e depois dos 60… Aquarius é uma obra completa: com ótimas atuações e roteiro impecável, o filme é um grito de resistência. O DVD traz cenas extras, making of e comentários de Kleber Mendonça e de Sonia Braga.

44

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL


KEVIN D’ARK/DIVULGAÇÃO

Lutar como uma menina “O que significa pra mim ‘Lute como uma menina’? Mudança! A gente está quebrando o tabu de que só os meninos são fortes.” É esta frase de Marcela de Jesus que abre o documentário Lute Como Uma Menina, dirigido por Flávio Colombini e Beatriz Alonso. O longa-metragem apresenta as histórias de várias estudantes que participaram do movimento secundarista que ocupou escolas e foi às ruas para lutar contra o projeto de reorganização escolar imposto pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). A relação com a família, com os meninos das ocupações, os enfrentamentos contra os diretores e contra a violência policial, a militância feminista e os sonhos dessas meninas são mostrados no filme, que está disponível no YouTube. O que começou como uma luta contra um projeto que previa o fechamento de quase cem escolas, acabou trazendo mudanças profundas na vida de vários adolescentes. “A gente é aquilo que a gente vive. E as meninas das ocupações se transformaram pela vivência que elas tiveram”, relata no filme Dafne Cavalcante, da Escola Estadual Silvio Xavier. Além de mostrar os bastidores das ocupações nas escolas,

Lute Como Uma Menina acaba sendo uma fonte de esperança no poder de mobilização de manifestações populares. “Eu enxergo esta luta como sendo muito maior do que contra a reorganização escolar e o fechamento das escolas. É um modo de dizer que este sistema de ensino está falido, que ele não funciona mais e não faz sentido pra ninguém (…) Eu vejo aqui todo mundo cozinhando junto, construindo uma comunidade, criou-se uma unidade que a gente não tinha antes – não só em uma escola, mas com todas. Aqui dentro, todo mundo cozinha, lava, limpa e o tempo inteiro tem um debate surgindo. Isso me deixa muito comovida porque é muito perto do que eu sonho para uma escola”, declara Joana Noffs, da Escola Estadual Alves Cruz. O filme está no link http://bit.ly/lutecomoumamenina.

Testamento de Fidel

Em homenagem ao líder cubano morto em 25 de novembro, a editora Boitempo lançou uma nova edição da única autobiografia de Fidel Castro, escrita a quatro mãos a partir de uma entrevista de mais de 100 horas feita pelo jornalista espanhol Ignacio Ramonet. Fidel Castro: Biografia a Duas Vozes (R$ 79, 624 págs.) mostra os bastidores de momentos importantes da história contados pelo dirigente cubano. A obra resgata sua trajetória desde a educação jesuíta de filho de latifundiário até sua transformação em guerrilheiro e principal protagonista da Revolução Cubana, passando também pelas polêmicas sobre as perseguições a homossexuais e dissidentes políticos. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

45


ROSANO MAURO JR

Cláudia (Débora Falabella) e Roberto (Marcos Veras) com o filho

Paternidade e Down

Roberto (Marcos Veras) tinha certeza de que o nascimento do filho seria o marco para uma nova vida. E era. Porém, ele não esperava que Fabrício (Pedro Vinícius) tivesse Síndrome de Down. Ainda no hospital, quando ele e sua mulher, Cláudia (Débora Falabella), recebem a notícia, o pai tem a impressão de que seu mundo ruiu. Baseado no livro homônimo autobiográfico de Cristóvão Tezza, O Filho Eterno acompanha durante 12 anos as mudanças que a paternidade traz para a vida do escritor: os obstáculos, as conquistas e as pequenas e grandes descobertas trazidas pela relação com o filho. O longa-metragem dirigido por Paulo Machline estreia nos cinemas em dezembro.

Histórias do samba

Direitos na prateleira

Para celebrar os 100 anos do ritmo nacional, a Deck lança o duo CD e DVD Guardiões do Samba, um documentário musical que passeia pelas histórias e pelas várias vertentes do gênero. O álbum e o DVD registram quatro rodas de samba em bares e casas do Rio de Janeiro, além de trazer depoimentos de Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e Gilberto Gil, entre outros. O DVD tem 17 músicas interpretadas por Walter Alfaiate, Gilberto Gil, Dudu Nobre, Nei Lopes, Coletivo, Xangô da Mangueira, Claudio Camunguelo, Monarco, Nelson Sargento, Tia Zélia da Mangueira e Nadinho da Ilha. O CD traz mais 12 faixas nas vozes de Teresa Cristina, Pedro Miranda, Moacyr Luz, Wilson Moreira, Moyseis Marques, Chico Salles, Cláudio Jorge e Cristina Buarque. R$ 38.

O Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista, oferece um acervo temático na área de direitos humanos. Entre os mais de 15 mil exemplares estão obras que abordam os direitos das mulheres, dos idosos, das crianças e da população LGBT, aborto, discriminação racial, violência urbana e imigração, entre outros temas. Fazem parte da coleção livros didáticos, paradidáticos, dicionários, enciclopédias, jornais, revistas, gibis e materiais multimídia. A maioria pode ser emprestada por usuários matriculados na biblioteca. De terça a sexta-feira, das 10h às 19h, e aos sábados, das 10h às 17h. Avenida Inácio Monteiro, 6.900, Cidade Tiradentes, (11) 3343-8900.

46

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL


Choro de rio Exatamente um ano depois da tragédia de Mariana (MG),

o escritor Leo Cunha e o ilustrador André Neves lançam o triste e poético Um Dia, Um Rio (Editora Pulo do Gato, 32 págs.), um livro infantil em forma de lamento e de grito de socorro tardio de águas que nada podem contra a lama tóxica da mineração. A obra trata de forma lírica o desastre ambiental que atingiu a Bacia do Rio Doce depois do rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015. A fala doce e amargurada do rio relembra os tempos em que levava vida e beleza por onde passava. R$ 43,50.

Para meninas e meninos

Múltipla Laerte

Feminismo e equidade de gênero para crianças de 3 a 6 anos. Pode até parecer impossível, mas a ilustradora Pri Ferrari conseguiu transformar um assunto sério em um livro fácil e divertido que vai ajudar mães, pais e crianças a desconstruir juntos pequenos hábitos e crenças que limitam o potencial infantil. Coisa de Menina (Companhia das Letrinhas, 48 págs.) mostra que as meninas podem ser o que elas bem quiserem: astronautas, arqueólogas ou qualquer outra profissão que der na telha. Com humor e leveza, a autora questiona quando a sociedade “decidiu” que meninos usam azul e brincam de carrinho e meninas usam cor de rosa e brincam de boneca, e como essas “determinações” passaram a influenciar na escolha das profissões. R$ 35.

Depois de seis anos sem publicar livro, a cartunista Laerte Coutinho lançou em novembro Modelo Vivo, um recorte de sua multiplicidade artística que traz tiras, histórias em quadrinhos clássicas e uma inédita e, como o título anuncia, desenhos de nus humanos. Organizado por Toninho Mendes, o livro mostra a diversidade e o caos do universo da autora de Piratas do Tietê: as dúvidas, as mulheres, a filosofia, os gângsteres, os palhaços e traços de modelos vivos coabitam nas páginas com total liberdade. Os desenhos de modelos são resultado de um curso livre que a autora fez em 2013 com o filho Rafael Coutinho. Publicado pelo selo Barricada, da Editora Boitempo, a obra traça uma espécie de retrato histórico de Laerte, uma das mais talentosas cartunistas brasileiras de todos os tempos. R$ 49. REVISTA DO BRASIL

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

47


FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA C.N.P.J.(MF) nº 01.044.756/0001-03 Balanço Patrimonial dos exercícios findo em 31 de dezembro (em Reais) P A S S I V O 2015 2014 A T I V O 2015 2014 CIRCULANTES CIRCULANTES Empréstimos e Financiamentos 5.305,24 0,00 Caixa e equivalentes de caixa Fornecedores 0,00 2.154,18 Caixa e Bancos 7.003,35 7.602,23 Obrigações Fiscais, Tributárias 2.784,32 3.843,59 Aplicação Financeira 109.129,98 172.046,85 Obrigações Sociais 9.533,07 15.188,80 DIREITOS REALIZÁVEIS Outras Obrigações 0,00 0,00 Outros Créditos 88.763,59 749.810,38 Provisão Para Férias e Encargos 50.994,83 61.971,53 TOTAL DOS ATIVOS CIRCULANTES 204.896,92 929.459,46 TOTAL DOS PASSIVOS CIRCULANTES 68.617,46 83.158,10 ATIVOS NÃO CIRCULANTES PASSIVOS NÃO CIRCULANTES Realizável a Longo Prazo Exigível a Longo Prazo Crédito de Instituidores 1.880.000,00 1.180.000,00 Outras Obrigações 4.393.174,51 4.261.926,91 1.880.000,00 1.180.000,00 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 4.393.174,51 4.261.926,91 PERMANENTE Edificios 278.538,81 278.538,81 PATRIMÔNIO LÍQUIDO Máquinas e Equipamentos 85.408,30 85.408,30 Fundo Patrimônio Social 348.976,18 348.976,18 Móveis, Utensílios e Instalações 171.578,90 171.578,90 Doações 340,00 340,00 Veículos 33.900,00 33.900,00 Deficit Acumulado -2.380.800,70 -2.473.168,02 Computadores e Periférico 218.664,60 218.664,60 Déficit/Superavit do Exercício -171.134,14 92.367,32 Marcas e Direitos 13.265,73 13.265,73 TOTAL DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO -2.202.618,66 -2.031.484,52 (-) Depreciação Acumulada -627.079,95 -597.215,31 TOTAL DO PERMANENTE 174.276,39 204.141,03 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 2.054.276,39 1.384.141,03 TOTAL DO ATIVO

2.259.173,31

2.313.600,49

Demonstração de Resultados dos exercícios findo em 31 de dezembro (em Reais) DESCRIÇÃO ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM Contribuições, Doações, Convênios e Eventos De Mantenedores (-) Devolução Convênios não Aplicado Contribuições e Doações Eventual Promoções e Eventos Institucionais (-) Custo Eventos Promocionais TOTAL ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM

2015

2014 1.719.000,00 -25.995,66 32.579,61 31.149,80 -2.058,49 1.754.675,26

CUSTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Custo Com Pessoal Encargos e Contribuições Sociais Benefícios Com Pessoal Depreciação Impostos, Taxas e Contribuições Serviços Profissionais Externo Atendimento e Atividade Social Manutenção, Conservação e Reparos TOTAL DO CUSTO PROJETO SOCIAL

-496.244,46 -228.565,35 -151.334,18 -29.864,64 -5.506,53 -45.164,79 -91.281,62 -6.573,69 -1.054.535,26

-799.573,15 -333.313,79 -298.460,89 -34.678,45 -4.549,45 -52.545,12 -150.195,02 -13.295,90 -1.686.611,77

RESULTADO FINANCEIRO Receitas Financeiras (-) Despesas Financeiras TOTAL DO RESULTADO FINANCEIRO

12.192,16 -3.691,67 8.500,49

24.075,19 -4.400,99 19.674,20

OUTRAS ARRECADAÇÕES SOCIAIS LÍQUIDA

7.642,53

4.629,63

-171.134,14

2.259.173,31

2.313.600,49

Demonstração do Fluxo de Caixa para os exercícios findo em 31 de dezembro (em R$)

809.810,90 0,00 49.681,10 8.145,10 -379,00 867.258,10

SUPERÁVIT / DÉFICIT DO EXERCÍCIO

TOTAL DO PASSIVO

92.367,32

ATIVIDADES OPERACIONAIS Superávit (Déficit) do período Aumento (diminuição) dos itens que não afetam o caixa: Depreciação e amortização Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo investimentos Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo imobilizado Redução (aumento) do ativo Contas a receber Outros Créditos Aumento (redução) do passivo Fornecedores Obrigações sociais e fiscais Provisão de férias Outras obrigações Geração (utilização) de caixa das atividades operacionais

2015

2014

-171.134,14

92.367,32

29.864,64 0,00 0,00

34.678,45 0,00 0,00

0,00 -38.953,21

0,00 -718.262,56

-2.154,18 -6.715,00 -10.976,70 131.247,60

-15.451,71 7.008,18 -14.934,72 214.863,45

-68.820,99

-399.731,59

ATIVIDADES DE INVESTIMENTOS Aquisições de ativo imobilizado Aquisições de ativo intangível

0,00 0,00

-5.844,00 0,00

Geração (utilização) de caixa das atividades de investimentos

0,00

-5.844,00

ATIVIDADES DE FINANCIAMENTOS Recebimento de empréstimos e financiamentos Pagamento Devolução de Convênio Recebimentos e doações integradas ao PL

5.305,24 0,00 0,00

0,00 0,00 0,00

Geração (utilização) de caixa das atividades de financiamentos 5.305,24 Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes Caixa e equivalentes no início do período Caixa e equivalentes no fim do período

-63.515,75 179.649,08 116.133,33

Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes

-63.515,75

0,00 -405.575,59 585.224,67 179.649,08

-405.575,59

Demonstração das Mutações Patrimoniais dos exercícios findo em 31 de dezembro (em Reais) DESCRIÇÃO DE 2013 AUMENTO DO PATRIMÔNIO Transferência Superávit Doações Integradas ao PL DÉFICIT ACUMULADO Déficit do Exercício

DE 2014 AUMENTO DO PATRIMÔNIO Transferência Superávit Doações Integradas ao PL

PATRIMÔNIO DOAÇÕES E SUPERÁVIT/ TOTAL SOCIAL SUBVENÇÕES DÉFICIT ACUMULADO 348.976,18 340,00 -2.473.168,02 -2.123.851,84 0,00 0,00

0,00 0,00

0,00 0,00

0,00 0,00

0,00

0,00

92.367,32

92.367,32

348.976,18

0,00 0,00

0,00 0,00

DÉFICIT ACUMULADO Superávit do Exercício 0,00 0,00 -171.134,14

-171.134,14

DE 2015

0,00 0,00

340,00 -2.380.800,70 -2.031.484,52

348.976,18

0,00 0,00

340,00

-2.551.934,84

-2.202.618,66

Nota 01 – Contexto operacional de entidade A “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” é uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos e de natureza filantrópica, fundada em 1995, com os seus atos constitutivos registrados no “3º. Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São Paulo” em janeiro de 1996, conforme microfilme nº. 258.727. Conforme preceitua o artigo 5º, do Capítulo III, do Estatuto Social, a “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” tem por objetivo: “I) eleger as crianças e os adolescentes, especialmente aqueles que estiverem em condições sociais e econômicas desfavoráveis, como segmento prioritário de sua ação; II) fazer respeitar os direitos assegurados à criança e ao adolescente referentes a: i) ensino obrigatório; ii) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; iii) atendimento em creches e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade; iv) ensino noturno regular adequado às condições do educando; v) programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando de ensino fundamental; vi) serviço de assistência social visando a proteção à família, à maternidade e à adolescência, bem como o amparo às crianças e adolescentes que deles necessitem; vii) acesso às ações e serviços de saúde, tudo conforme prevê a Lei 8.069 de 13.07.1990”. De acordo com o Estatuto Social da Entidade, todo benefício e promoção de seus assistidos, “crianças, adolescentes e seus familiares”, é inteiramente gratuito. A origem da arrecadação financeira da Entidade está fundada em doações de pessoas físicas e jurídicas, e de parcerias com o setor público e privado que comungam com os objetivos sociais, assistenciais, da promoção da pessoa humana e filantrópicos da Entidade. Nota 02 – Apresentação das demonstrações contábeis As demonstrações contábeis foram elaboradas em observância às práticas contábeis adotadas no Brasil e, em atendimento às Resoluções do Conselho Federal de Contabilidade – CFC n° 1.121/08, que aprovou a NBC T 1 – Estrutura


INFORME PUBLICITÁRIO

Conceitual para Elaboração das Demonstrações Contábeis e a Resolução CFC nº 1409/12, que aprovou a ITG 2002, e que revogou a Resolução CFC n° 877/2000 – NBC T 10.19, que estabelece critérios e procedimentos específicos de avaliação, de registros dos componentes e variações patrimoniais, de estruturação das demonstrações contábeis, e as informações mínimas a serem divulgadas em notas explicativas das entidades sem finalidade de lucro. A Entidade, por ser sem fins lucrativos, bem como por estar desobrigada segundo a legislação fiscal, não adotou a prática de reconhecer os efeitos da inflação nas demonstrações contábeis até 31 de dezembro de 1995. A Depreciação do Imobilizado é calculada pelo método linear.

Nota 08 – Exigível e Realizável a longo prazo A administração da entidade avalia a natureza dos casos, as ações existentes e as possibilidades de êxito ajustando a provisão para passivos contingentes conforme requerido. Em 31 de dezembro de 2015 as contingências estavam relacionadas à ação judicial de ordem previdenciária, relativa à questão com o INSS sobre a imunidade da cota patronal. A opinião dos assessores jurídicos é que o risco de perda é remoto, sendo que a administração da entidade, em uma postura conservadora, mantém registrada em 31 de dezembro de 2015 provisão no montante de R$ 4.393.174,51 (em 31 de dezembro de 2014 – R$ 4.261.926,91) considerado suficiente para fazer face às contingências.

Nota 03 – Resumo das principais práticas contábeis As práticas contábeis mais significativas adotadas na elaboração das demonstrações contábeis são: a). as receitas e as despesas são reconhecidas pelo regime de competência. As receitas são apuradas através dos comprovantes de recebimento, entre eles, avisos bancários, recibos e outros. As despesas são apuradas através de Notas Fiscais e recibos, em conformidade com as exigências fiscais e legais; b). as doações e contribuições destinadas ao custeio dos Serviços Sociais da Entidade, foram contabilizadas em contas de receitas. As despesas de custeio da Assistência social, são apuradas através de documentos hábeis, em conformidade com as exigências fiscais e legais e estão registradas no grupo “Custo da Assistência Social”; c). ativos e passivos circulantes – os ativos são demonstrados pelos valores de realização, incluindo, quando aplicável, os rendimentos e as variações monetárias auferidos; os passivos registrados, são demonstrados por valores conhecidos ou calculáveis, incluindo, quando aplicável, os correspondentes encargos e a variação monetária incorrida; d). a entidade não mantém Provisão para Devedores Duvidosos em decorrência de suas finalidades filantrópicas e assistenciais; e). o Ativo Permanente se apresenta pelo custo de aquisição ou valor original, visto que a entidade não procedeu à Correção Monetária de Balanços em exercícios anteriores. A Depreciação do Imobilizado é calculada pelo método linear; f). a Provisão de Férias e Encargos foi calculada com base nos direitos adquiridos pelos empregados até a data do balanço, incluindo os encargos sociais correspondentes; g). em razão de sua finalidade social, assistencial, filantrópica e sem fins lucrativos, a Instituição não está sujeita ao recolhimento de impostos calculados sobre o superávit do exercício, e nem distribui qualquer parcela de seus resultados a associados, parceiros, dirigentes, conselheiros ou mantenedores.

Nota 09 – Desenvolvimento do Trabalho Neste exercício de 2015, a Entidade desenvolveu seu trabalho de assistência social nas seguintes áreas: DEFESA E PROMOÇÃO DE DIREITOS 1. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA Objetiva a reintegração familiar, comunitária de crianças e adolescentes que fazem das ruas do Centro da Capital de São Paulo seu espaço de moradia e sobrevivência, são realizadas atividades pedagógicas no próprio espaço das ruas visando a reflexão sobre a situação em que se encontram e a construção de novas e concretas possibilidades e, posteriormente, firmadas parcerias nas comunidades de origem e com serviços da rede pública a fim de garantir a permanência daquela criança ou adolescente na família.

Nota 04 – Títulos e Valores Mobiliários Histórico / Conta – Em reais 2015 2014 Certificados de Depósito Bancário Banco Bradesco S.A – Invest Plus l 0,00 40.055,60 Banco Bradesco S.A – CDB DI 108.676,61 131.568,08 Banco Bradesco S.A – Poupança 0,00 0,00 Banco Itaú Unibanco – Poupança 204,87 192,94 Caixa Econômica Federal - Poupança 248,50 230,23 Totais 109.129,98 172.046,85 Nota 05 – Outros Créditos Histórico / Conta – Em reais Cheques em Cobrança Adiantamento de Férias e Salários INSS a Recuperar Instituidores Catho Online Outros Créditos a Receber Totais Nota 06 – Imobilizado Histórico / Conta Custo em reais

2015 2014 255,00 255,00 9.278,53 15.271,73 20.835,76 21.399,35 51.000,00 710.500,00 79,90 79,90 7.314,40 2.304,40 88.763,59 749.810,38

Depreciação Líquido acumulada

Taxas anuais de depr. 2015 2014 2015 2014 2015 2014 -% Edifícios 278.538,81 278.538,81 (136.195,51) (125.053,87) 142.343,30 153.484,94 4 Móveis e utensílios 149.741,03 149.741,03 (145.245,24) (143.723,64) 4.495,79 6.017,39 10 Direitos de uso 13.265,73 13.265,73 (1.813,00) (1.813,00) 11.452,73 11.452,73 20 Máquinas e equipamentos 85.408,30 85.408,30 (75.583,77) (70.561,13) 9.824,53 14.847,17 10 Veículos 33.900,00 33.900,00 (33.900,00) (31.640,00) 0,00 2.260,00 20 Computadores 218.664,60 218.664,60 (213.419,72) (204.108,08) 5.244,88 14.556,52 20 Instalações 21.837,87 21.837,87 (20.922,71) (20.315,59) 915,16 1.522,28 10 Totais 801.356,34 801.356,34 (627.079,95) (597.215,31) 174.276,39 204.141,03 Nota 07 – Doações, contribuições, patrocínios, convênios e parcerias com órgão privados e públicos a). Contribuições de órgãos privados A Entidade recebe doações e contribuições de pessoas físicas e jurídicas. Nos exercícios de 2015 e 2014, as doações e parcerias com órgãos privados estão assim representadas: MANTENEDORES 2015 2014 Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo 647.810,90 1.557.000,00 APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo 6.000,00 6.000,00 FETEC Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito de São Paulo 120.000,00 120.000,00 AFUBESP Associação dos Funcionários do Grupo Santander/Banespa, Banesprev e Cabesp 36.000,00 36.000,00 Total mantenedores 809.810,90 1.719.000,00

2. NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO Objetiva fomentar ações de melhoria, aprimoramento e disseminação de conhecimentos e métodos para o enfrentamento das situações de risco que envolve crianças, adolescentes, famílias e comunidades. Para isso, oferece cursos de formação e consultoria a equipes de profissionais que realizam atendimento direto a crianças e adolescentes em situação de risco, suas famílias e comunidades, efetivando assim a proposta qualitativa das ações. Nota 10 – Imunidades, isenção, gratuidade e aplicação de recursos em obras e programas sociais Em face de seu caráter exclusivamente beneficente, filantrópico e assistencial, sem finalidade de lucro ou econômico, a entidade usufrui de imunidade para o Imposto de Renda – IRPJ sobre o Lucro, a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL, e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. A Contribuição ao Programa de Integração Social – PIS é de 1% sobre os proventos da folha de pagamento. Benefícios com imunidades e isenções 2015 2014 Imunidade da COFINS 26.612,78 54.281,27 Imunidade do PIS (excedente ao pago s/folha pagamento) 1.121,13 4.168,66 Imunidade do IRPJ 0,00 23.091,83 Imunidade da CSLL 0,00 8.313,06 As gratuidades concedidas por meio das obras e programas de assistência social, nos termos do artigo 3º., inciso VI, do Decreto nº. 2.526/98, foram aplicados em suas finalidades institucionais, conforme estabelecido no Estatuto Social da Fundação Projeto Travessia, a seguir apresentada: Histórico / Conta – Em reais 2015 2014 Arrecadação bruta (excluído convênios) 887.092,79 1.783.380,08 Gratuidade aplicada (excluído convênios) 1.054.535,26 1.686.611,77 A gratuidade oferecida e aplicada nas finalidades institucionais pela Entidade, totalizaram um montante de R$ 1.054.535,26 no exercício de 2015, e R$ 1.686.611,77 no exercício de 2014, excluído convênio com órgãos público, encontra-se registrada no grupo “CUSTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL”, respaldada em documentação hábil, e escriturada em livros próprios revestidos das formalidades legais. Nota 11 – Serviços de terceiros Refere-se, principalmente, a serviços prestados por consultores e oficineiros contratados para desenvolver os programas e atividades da fundação. Nota 12 – Patrimônio Social Está demonstrado pelo montante dos superávits apurados, líquidos dos eventuais déficits, a valores históricos, que vêm sendo destinados integralmente à manutenção e ao desenvolvimento dos objetivos sociais da entidade. A Fundação vem apresentando déficits circunstanciais, devido à ação judicial de 2002 em face do INSS, no sentido de assegurar seu direito constitucional de isenção de recolhimento da quota patronal. Devido a essa questão, conforme mencionado na “nota 08”, há a apropriação de R$ 4.393.174,51, referente ao provisionamento da dívida e um ativo de R$ 1.880.000,00 referente a cartas de garantias de instituidores. Quando essa situação for regularizada, esses valores serão revertidos, gerando Patrimônio Líquido positivo, conforme simulação abaixo: D E S C R I Ç Ã O SALDO DIVIDA CARTA DE QUOTA FUNDO CONTÁBIL PROVISIONADA INTENÇÃO PATRONAL PATRIMONIAL 2014 AJUSTADO Saldo Fundo Patrimonial 349.316,18 0,00 0,00 0,00 349.316,18 Déficit Acumulado -2.380.800,70 4.393.174,51 -1.880.000,00 0,00 132.373,81 Superávit do Exercício -171.134,14 0,00 0,00 131.247,60 -39.886,54 PATRIMONIAL LÍQUIDO -2.202.618,66 4.393.174,51 -1.880.000,00 131.247,60 441.803,45 A entidade não concede remuneração, vantagens ou benefícios aos seus associados, membros da diretoria, conselheiros, instituidores, benfeitores ou equivalentes, nem distribui resultados, lucros, bonificações, dividendos, participações ou parcela de seu patrimônio. Nota 13 – Evento Subsequente A Fundação Projeto Travessia, no curso normal de suas operações, esta envolvida em ação judicial de natureza tributária, contra a União Federal, para que seja reconhecida a IMUNIDADE TRIBUTÁRIA quanto ao recolhimento da Contribuição Previdenciária Patronal, desde 2002, sendo a sentença julgada procedente e transitada em julgado. Após o reconhecimento judicial da imunidade referente a Contribuição Previdenciária Patronal, a Administração da Fundação Projeto Travessia entende ser relevante a comunicação do fato em Notas Explicativas, visto continuar aguardando a manifestação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, após efetuado requerimento do cancelamento do débito.

b). Convênio com órgãos públicos No exercício de 2015, não firmamos convênio com órgãos públicos.

Francisco Fernandes C. Silva CRC/SP 1CE 003489/T-5

Marta Soares dos Santos Diretora Financeira

Juvandia Moreira Leite Diretora Presidente


FLÁVIO AGUIAR

H

A cobra vai fumar

JEON HAN /FLICKR /CC

avia muita gente festejando na Feira de Natal da Na América Latina à deriva, a direita continuará, com Macri Igreja da Memória, em Berlim, quando um ensan- na Argentina e Temer no Brasil. Temer talvez caia, mas deve ser decido jogou um caminhão em cima delas. Matou substituído por alguém igual ou pior. O pior governo da história, 11, feriu 48 e ainda assassinou o motorista, um o pior presidente, o pior chanceler, o pior Legislativo e o pior Judipolonês que tentou evitar a catástrofe. Metáfora ciário seguem a levar o país ao ridículo internacional. Através do Pací­fico, chegamos à Ásia: o militarismo japonês eficaz para um 2016 de tantos acontecimentos está de volta, graças ao conservador Shinzo Abe. destrutivos e deprimentes. A União Europeia só As tensões em torno da China crescem, embora não desmontou porque Angela Merkel a contém. Parece uma senhora que conheci, das mais ninguém em 2017 vá rosnar para o dragão chinês. respeitáveis, favelada da Brasilândia, em São As Coreias continuarão a se enfrentar. Paulo: quando a tempestade caía, segurava as A distância continuará sendo um tema do paredes do barraco de um lado, com o marido nosso tempo. Refugiados buscarão abrigos ­ fazendo o mesmo do outro. Merkel vai tentar o na ­Aus­trália, que hesita em recebê-los. Mas quarto mandato, mas sua política de abertura ­será destino mais interessante do que o Medi­ aos refugiados pode ruir. Terá de fazer concesterrâneo – onde o recorde de mais de 5 mil sões à direita, que semeia e colhe em solo fértil afoga­mentos em 2016 poderá ser quebrado este ano. Na ­África, a ­Líbia continua destroçada, de oportunismo, ódio e ressentimento. o Egito, voltou à estaca z­ ero da democracia, os Na França, François Hollande desistiu p­ ara ­países saarianos continuam ameaçados pelo não perder. A escolha ficará então entre o Boko Haram. Uma boa notícia: a vacina contra joio e a erva daninha. François Fillon, arqui­ o Ebola, efetiva segundo a OMS, será produzida conservador, promete trucidar 500 mil empregos p­ úblicos, mas terá talvez o voto útil do eleitor em massa. Mas a África do Sul continuará convulsionada por denúncias de corrupção. da centro-esquerda para barrar Marine Le Pen, E no Oriente Médio? Na Síria, o governo de a xenófoba que promete uma versão atua­lizada Para terminar Bashar al-Assad terminou o ano melhor do do America, love it or leave it. Na Espanha, as es- com uma nota querdas hesitaram e deram fôlego a ­Mariano Ra- de esperança, o que começou, com a reconquista de Aleppo. O joy, um dos governantes mais medíocres que o Papa continuará Estado Islâmico termina pior, perdendo posi­ país já teve. Na Itália, sobe Beppe Grillo, mistura sendo o dirigente ções na Síria e no Iraque. A Turquia perdeu de Berlusconi, Donald Trump e Michel Temer, de esquerda mais pontos nesses conflitos, e teve de enfrentar comediante, farsante, de carona na antipolítica. relevante do uma perigosa situação interna, com um golpe O Reino Unido pisa no tubo que leva oxigênio mundo de hoje de Estado fracassado e uma repressão feroz. à União Europeia, e arrasta a questão de como Israel, por seu turno, tentará reverter a decisão do Conselho de Segurança da ONU cone quando sairá. A votação do Brexit foi erro de cálculo do primeiro-ministro David Cameron, pressionado devi- denando seus assentamentos ilegais em território palestino. do à ascensão do Partido Independente do Reino Unido (Ukip), Vladimir Putin, fortalecido em 2016, será assombrado pelos que defendia o Brexit. Chamou o referendo, mas não combinou fantasmas de Lênin e Trotski no ano do centenário da Revolução com os eleitores, perdeu e botou um continente na UTI. A direita de 1917. A ver como se sai desta. Para terminar com uma nota sobe por todos os lados, e ameaça virar a arca de Noé. de esperança, o Papa continuará sendo o dirigente de esquerda Atravessando o Atlântico, não se sabe o que esperar. Mas será mais relevante do mundo de hoje. Ele que se cuide. ruim. Até para o próprio Atlântico, que verá suas águas se tornaPS: Enquanto estas notas eram escritas, dois homens rem mais violentas. O novo presidente dos Estados Unidos não ­ensandecidos, movidos a ódio e intolerância, assassinavam a acredita em aquecimento global. Vai cortar verbas da Nasa para o socos e pontapés o ambulante Luiz Carlos Ruas, em São Paumonitoramento do derretimento polar. Além disso, porá em risco lo. Ruas defendia uma travesti chamada Brasil. Mais uma meo acordo nuclear com o Irã, a reaproximação com Cuba, a espe- táfora eficaz para um 2016 de tantos acontecimentos destrutivos rança de controle sobre o mundo das finanças, a paz mundial etc. e deprimentes. 50

DEZEMBRO 2016 / JANEIRO 2017

REVISTA DO BRASIL


ASSISTA AO SEU JORNAL DAS 19H15 ÀS 20H, DE SEGUNDA A SÁBADO

Notícias, reportagens, entrevistas, colunistas no Brasil e no mundo, dicas, cultura e mundo do trabalho com o olhar da democracia e do desenvolvimento econômico com inclusão social

NA GRANDE S. PAULO: canal 8.1 TV digital NO ABCD: canal 12 da NET EM MOGI DAS CRUZES: canal 46 UHF analógico e canal 13 NET Digital BRASÍLIA: Rede Cidade Livre, canal 10, das 19h às 19h30 www.tvt.org.br


Previna-se das armadilhas da desinformação. Acompanhe aqui a cobertura dos principais fatos no país e do mundo. E siga nas redes sociais nosso jornalismo crítico, cidadão e transformador

www.redebrasilatual.com.br


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.