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Nº 100 Os leitores celebram

ECONOMIA O legado de Celso Furtado e Aloysio Biondi

TERCEIRIZAÇÃO Bancada empresarial volta ao ataque

nº 100 outubro/2014 www.redebrasilatual.com.br

Para Lula, reeleição de Dilma significa avançar nas mudanças iniciadas no país há 12 anos. Mas elite e mídia jogam por retrocesso. “O povo tem de estar alerta”

Lula exclusivo

‘QUEM ARRUMOU A ´ CASA FOMOS NOS’


Revista do Brasil,

na sua casa.

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ÍNDICE

EDITORIAL ALICE VERGUEIRO/FUTURA PRESS/FOLHAPRESS

6. Na Rede

Notas que foram destaque da RBA no mês que passou

10. Entrevista

Lula: mídia e oposição tentam golpear a democracia

16. Rádio

Bancada empresarial tentará emplacar a terceirização

18. Brasil

Congresso mais conservador aumenta importância das ruas

24. História

O legado de Celso Furtado para o pensamento econômico

100% do lado do Brasil

28. Economia

A importância do jornalismo de Aloysio Biondi para a atualidade

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32. Mídia

Revista do Brasil, há 100 edições, missão 100% cumprida

36. Futebol

O esporte mais popular do país resiste aos anseios por mudança

42. Viagem

OTÁVIO NOGUEIRA/FLICKR/CC

Paraty. Pedras, matas, mares, cachaças e livros

46. Curta essa dica Mouzar e Ohi desvendam o tupi nosso de cada dia

Seções Emir Sader Marcio Pochmann

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Lalo Leal

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Crônica

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sta edição número 100 da Revista do Brasil é brindada com as presenças de Aloysio Biondi, Celso Furtado e Luiz Inácio Lula da Silva – personagens que, cada um a seu modo, dedicaram talento, intuição e conhecimento à construção de um mundo melhor. Mostraram com sua experiência no jornalismo, na ciência econômica e na política que cada uma dessas áreas traz consequências para a emancipação de uma nação e a qualidade do planeta. Para esses três pensadores do Brasil, o papel do Estado é fundamental como instrumento de promoção de desenvolvimento social e humano. Foi com essa visão que os governos de Lula e Dilma puseram as empresas públicas e o Estado brasileiro para funcionar. Em 2002, final dos governos do PSDB, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, principais agentes de financiamento habitacional e agrícola, tinham R$ 0,2 bilhão em operações de crédito. Em 2013, suas operações de crédito somaram R$ 1 bilhão. A receita operacional da Petrobras, de R$ 69 bilhões em 2002, chegou a R$ 305 bilhões em 2013. E a empresa, que permaneceu sob controle majoritário do Estado, responderá por grande parte dos investimentos do país em educação e saúde decorrentes dos royalties do pré-sal. O Brasil reduziu o desemprego a menos da metade de 2003 para 2013. Criou 20 milhões de postos de trabalho com carteira, 11 milhões surgidos após a crise global de 2008. O percentual de brasileiros vivendo abaixo da pobreza caiu de 35% para 16%. O salário mínimo em São Paulo, que mal comprava uma cesta básica, passou a comprar duas. O PIB por habitante evoluiu de R$ 18,6 mil para R$ 24,1 mil. A derrubada dos juros pagos aos bancos fez com que essa despesa caísse de 13% para 6% do PIB, permitindo que em um década os investimentos em políticas sociais aumentassem de 13% para 16% do PIB. Direitos dos tralhadores foram preservados e ampliados. Por isso, Lula classifica como tentativa de golpe na democracia a orquestração midiática em torno da oposição a Dilma Rousseff que privilegia os ataques e não as comparações. Ele acredita que a presidenta terá mais um mandato para aprofundar mudanças iniciadas há 12 anos, e admite que os movimentos social e sindical e seu próprio partido devem rever suas práticas e voltar a se alimentar de utopias. O próprio governo deve repensar alianças, o diálogo com a sociedade e a prioridade a reformas cruciais, como na política e na mídia. Mas o ex-presidente adverte que a escolha em 26 de outubro se dá entre projetos opostos: seguir na direção de um país mais justo e menos desigual, com Dilma; ou retroceder na história de desrespeito aos trabalhadores em benefício de uma elite. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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CARTAS www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Diego Sartorato, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Hylda Cavalcanti, João Peres, Moriti Neto, Natália Mendes, Rodrigo Gomes, Sarah Fernandes e Tadeu Breda Iconografia: Sônia Oddi Capa Fotos de Gerardo Lazzari/RBA (Lula), Jailton Garcia (Aloysio Biondi) e Secom-CUT (protesto) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Carlos Cordeiro, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Deusdete José das Virgens, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Roberto Salvador, Raimundo Suzart, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior

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Ciência política O professor Wanderley Guilherme dos Santos decifra com maestria a mercantilização dos relacionamentos, em concomitância a uma desenfreada alienação e desumanização dos processos sociais e culturais(“Aoposiçãoquercolheroquenão plantou”, edição 99). A exagerada ampliação das instituições de ensino esbarrará na irreversível necessidade do tempo de maturação, a propiciar a absorção efetiva deste conhecimento. Nosso mestre acerta em cheio quando diz estarmos a viver em uma sociedade da antipatia. Ralph de Souza Filho Mais democracia Mudança política não cai do céu nem da cabeça de líderes ou de iluminados, mas de movimentos coletivos que busquem o bem comum (“Mais crescimento, democracia, cidadania”, edição 99). E onde buscá-los, sem mexer nos interesses daqueles que só lutam pelos próprios bens? Estão no Congresso, nas grandes empresas e não querem a reforma política, a tributária ou as que ameacem seus privilégios. Maria de Lourdes Fioravante Mais cidadania A classe trabalhadora precisa se informar, se politizar e fugir das amarras da mídia (“Mais crescimento, democracia, cidadania”, edicão 99), que faz com que as coisas sejam entendidas ao contrário do que são. Arnaldo Araújo Dias

Marina e os bancos O editorial da edição 99 (“Marina e o sistema financeiro se assumiram”) é bem lulo-petista mesmo. O Lulinha paz e amor quando quis ser eleito enveredou pelo mesmo caminho. Antes, com seus pensamentos vermelhos, só levou pau. O governo petista que aí está há mais de uma década, nada fez de bom para o desenvolvimento do país, a não ser se vangloriar do tal Bolsa Família que criou uma horda de vagabundos. Alguém acha que o “Barba” em algum momento de seu governo ousou contrariar os interesses dos banqueiros? José Adilson Rebello Enxergo nas entrelinhas do editorial da edição 99 um quê de sindicalista, comunista ou qualquer “ista” que queiram; criticando a candidata Marina de forma covarde. Percebe-se a tendência desta revista no apoio ao PT, mesmo com tantos escândalos, principalmente no setor energético, mais claramente na Petrobras. Será possível que vocês apoiem tantas falcatruas e ações desastradas que estão levando a empresa a uma situação tão crítica? Por acaso vocês compraram ações lá atrás dessa empresa? Viram como elas estão? Disney De Cunto

Língua portuguesa Gostei de saber que no Brasil este órgão de informação se preocupou e destacou o aniversário de oito séculos de Língua Portuguesa (“Ela dá o que falar há 800 anos”, edição 99), haja vista o fato de a mesma constituir o maior patrimônio da lusofonia. Em Portugal só meia dúzia de órgão de informação se referiram à efeméride e apenas foi tornado público um interessante Manifesto subscrito por cerca de 30 personalidades. Ora, a Língua Portuguesa merecia mais, muito mais. Jorge Rodrigues

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


EMIR SADER

Enquanto os brasileiros votam A crise global faz sete anos, não tem prazo para terminar, pressiona economias para a recessão. O maior dilema hoje é generalizar as políticas mercantis ou universalizar direitos

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m julho de 2007, o banco de investi- roso sistema que havia construído – o Estado de mentos Bear Steans anunciava a quebra bem-estar social, que durante pelo menos três déde duas das suas filiais de investimentos cadas garantiu pleno emprego e direitos para todos. de alto risco (conhecidos como hedge As políticas de austeridade vão eliminando direifunds). A contaminação global dessa tos, antes de tudo dos mais frágeis, os imigrantes, quebra não tardou. Começaram quebras em ca- os idosos, os jovens, enquanto a riqueza se concendeia na França, na Alemanha. Começou assim a tra mais nas mãos do 1% mais rico, entre os quais primeira fase da crise econômica mundial, a dos estão os executivos das grandes corporações e os títulos chamados de subprime. banqueiros. Havia que salvar os bancos, proclamava o presiEsse é o maior dilema da humanidade hoje: genedente dos Estados Unidos, Barack Obama. Foram ralizar as políticas mercantis, que seleciona as pessalvos, mas a dimensão da superprodução – pela soas pelo nível do seu poder aquisitivo, ou universaampliação sem fundamento dos créditos bancários lizar direitos. O que diferencia atualmente a Europa e alguns países da América Latina é a – levou a economia norte-americana opção em torno dessas duas alternatià recessão, seguida pelo mesmo fenô- A diferença entre meno nos países da União Europeia. as propostas que vas. Por isso aumentam as desigualdades, a pobreza e a miséria na Europa, A crise começava pelo sistema se enfrentam enquanto elas diminuem nos países bancário, promovido a eixo da eco- nestas eleições nomia mundial pelos processos de está entre a de latino-americanos que optam por sudesregulamentação neoliberal. Tor- resistir à recessão perar o neoliberalismo. naram-se o setor mais sensível e, ao com medidas A crise no centro do capitalismo mesmo tempo, a ponta do iceberg da reativas ou se não tem prazo para terminar e pressiona nossas economias para a receseconomia. A crise só não foi maior somar aos ventos são. A diferença entre as propostas pelo crescimento da economia chi- da crise com nesa e de países da América Latina, duros ajustes que se enfrentam nestas eleições está entre a de resistir à recessão, imentre os quais o Brasil. fiscais plementar medidas reativas, como se Sete anos depois, quando no Brasil candidatos da oposição propõem o retorno aos havia feito já no começo da crise. Ou se somar aos programas neoliberais, as políticas de austeridade ventos da crise e implementar, novamente, como dos governos dos Estados Unidos e da Europa jo- nos anos 1990, duros ajustes fiscais. gam álcool no fogo da crise e só a multiplicam. Se Os brasileiros decidem entre estas duas alternano começo da crise eram os bancos que podiam tivas. Se tiverem os olhos postos na crise no cenquebrar – e foram acudidos porque se quebrassem tro do capitalismo, não devem ter dúvidas sobre o as telhas cairiam na cabeça de todos; eles foram melhor caminho, tanto do ponto de vista econômisalvos, estão bem, obrigado –, no retorno da crise co como social. Seguiremos na contramão das tenforam os países que quebraram. Os bancos se sal- dências gerais no mundo da globalização neolibevaram e os países – como Grécia, Espanha, Portu- ral, mas estando do lado dos poucos países que não gal – foram à falência. entraram em recessão e seguiram diminuindo a poNa reação à crise, a Europa destrói o mais gene- breza, a miséria e a desigualdade no mundo atual. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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redebrasilatual.com.br

Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

DANILO RAMOS/RBA

Beijos, com carinho

A declaração mais do que infeliz de um candidato nanico à Presidência foi o estopim para uma manifestação em São Paulo de ativistas LGBT. Trezentas pessoas foram à avenida Paulista para um “beijaço” coletivo. Era uma reação a declarações homofóbicas

do candidato durante debate em rede nacional. Os manifestantes reivindicaram a aprovação do projeto que criminaliza a homofobia, cuja tramitação está parada por pressão conservadora. Outros políticos foram criticados. bit.ly/rba100_beijos

Atrás dos responsáveis A Comissão Nacional da Verdade está na contagem regressiva para apresentar o seu relatório final, em dezembro. Mas ainda promove atividades na tentativa de esclarecer episódios e responsabilidades durante a ditadura (1964-1985). O grupo de trabalho sobre sindicalismo, por exemplo, se reuniu para analisar casos envolvendo empresas brasileiras, em comparativo com o que se passou durante a ditadura argentina. “Das grandes empresas, é mais fácil perguntar quem não estava no esquema”, diz um dos integrantes da comissão. 6

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Na cidade de São Paulo, uma parceria entre a prefeitura e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República pode jogar luz a uma questão que há décadas intriga militantes e angustia familiares. As ossadas da vala clandestina do cemitério de Perus, encontradas em 1990, serão analisadas agora pela Unifesp. Além disso, a prefeitura instalou no final de setembro a sua comissão da verdade, para apurar responsabilidades da administração municipal durante o período autoritário. O caso de Perus certamente será uma das prioridades. bit.ly/rba100_empresas


Lula, a conduta oposicionista tem um caráter golpista como os enfrentados por Getúlio Vargas, JK, Jango, de produzir um resultado que não seja a verdadeira vontade das urnas. “É uma grande articulação política da qual nós temos que nos defender pela política, esclarecendo o povo. A eleição é um debate de programas e de futuro e não uma chantagem política organizada sistematicamente para derrotar um outro candidato.” bit.ly/tarso_genro

Quero votar pra presidente

JUCA MARTINS/OLHAR IMAGEM

“Estamos num processo eleitoral muito difícil. Há uma campanha organizada pela grande mídia contra a reeleição da presidenta Dilma que está alcançando as raias de uma manipulação eleitoral.” A reação do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), foi postada em vídeo no Facebook, na semana em que todos os portais e veículos de grande circulação difundiram “denúncias” que partiram de pessoas investigadas pela Polícia Federal envolvendo a Petrobras com objetivo de atingir o PT. Para Tarso, candidato à reeleição em seu estado, o uso das acusações de maneira orquestrada pela imprensa concentra os ataques em seu partido e dispensa Aécio Neves (PSDB) de dar explicações sobre casos de corrupção envolvendo os tucanos em Minas Gerais ou no governo federal. Por trás disso, denuncia o governador, estaria a intenção dos “grupos políticos, midiáticos e conservadores” de fazer um “ajuste” no Brasil. “A ordem é desconstituir a política, desconstituir a força dos partidos, derrotar Dilma e acabar com os programas sociais que têm gerado equilíbrio social no Brasil”, declarou. Para o ex-ministro da Educação e da Justiça no governo

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Tarso vê “golpismo” da oposição

Depois de quase 30 anos sem poder exercer o direito de voto, em 1989 os brasileiros voltaram a eleger seu presidente da República. Foi a primeira eleição direta desde 1960, uma retomada da democracia, como define um cientista político. O país tinha passado pelo frustrado movimento pelas eleições diretas, em 1984, e ainda convivia com alguns “fantasmas” conservadores, em um momento de reordenação política e ideológica mundial, com a queda do Muro de Berlim e, pouco depois, o fim da União Soviética. Este ano, o Brasil vive a sua sétima eleição presidencial seguida, uma sequência inédita na história do país. bit.ly/rba100_1989 REVISTA DO BRASIL Nº 100

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REDEBRASILATUAL.COM.BR

FERNANDO NEVES/FUTURA PRESS

Antes da eleição, Alckmin negava o óbvio

O período eleitoral foi uma oportunidade a mais para a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), formada em 2008, sensibilizar a sociedade e reivindicar mais ações do poder público contra a discriminação. Em setembro, a comissão organizou sua sétima caminhada em defesa da liberdade religiosa. Além de adeptos da umbanda, candomblé, espíritas, judeus, católicos, muçulmanos, bahá’ís, evangélicos, Hare Krishnas, budistas, ciganos, wiccanos, seguidores do Santo Daime, evangélicos, ateus e agnósticos, como informa em seu site, a CCIR também inclui o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Ministério Público e a Polícia Civil. Segundo dados do IBGE de 2012, o número de adeptos do catolicismo tem caído, apesar de a religião ainda ter 64,6% da preferência da população (tinha 73,6% no levantamento anterior, de 2000). Em contrapartida, religiões evangélicas estão em ascendência, com 22,2% da população – antes possuíam 15,4%. As religiões de matriz africana somam apenas 0,3% da população brasileira. Para pesquisadores, o crescimento da representação política do fundamentalismo nasce nesse processo, em que o número de católicos diminui e o de evangélicos cresce. bit.ly/rba100_afro

PAULO FISCHER/BRAZIL PHOTO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Procissão homenageia Iemanjá nas ruas do Rio de Janeiro

TOMAZ SILVA/ABR

Gritos de liberdade

A sede aumenta

O governo de São Paulo insiste em negar o óbvio, mas a falta de água se tornou realidade no estado. A Sabesp diz que não há nem haverá racionamento. Mas as reclamações persistem. Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostra centenas de relatos, com reclamações de usuários apontando interrupção frequente do fornecimento. bit.ly/rba100_agua 8

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Documentos, por favor

Era um protesto contra a lei estadual que proibiu o uso de máscaras em manifestações em São Paulo. O contingente policial que foi à Praça Roosevelt, na região central, era equivalente ao de pessoas, em torno de 200, que resolveram participar do ato. E elas foram impedidas de sair dali para uma caminhada. Motivo: alguém deveria apresentar RG e se apresentar como liderança no ato. bit.ly/rba100_policia


MARCIO POCHMANN

A plutonomia reage no Brasil Os endinheirados representados pelas atividades financeiras e pela mídia oligárquica ilustram a ausência de ética econômica e social em sua oposição frontal ao governo Dilma

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passagem para o século 21 trouxe consigo o conceito de plutonomia que reconfigurou a trajetória recente da democracia, inicialmente nos ­países ricos. Segundo comunicado da corporação financeira Citigroup emitido em 2005 aos seus clientes mais ricos, a sociedade estadunidense seria controlada pelo segmento de maior renda, uma vez que seria ela a detentora recente da maior riqueza acumulada de todo o conjunto da população. Com isso, a principal influência no jogo da democracia política concentrou-se fundamentalmente numa minoria da plutonomia. E a sua maior ameaça viria das exigências políticas da parte majoritária da população em relação à redução das desigualdades dos rendimentos causadas pela crescente concentração da riqueza. A plutonomia pode ser definida como ausência de ética econômica e social, caracterizada, por exemplo, quando a ganância em torno de ganhos financeiros é determinante sobre as decisões de governos. A rápida difusão da plutonomia se deu a partir do reinado das políticas neoliberais, responsáveis pelos ganhos extraordinários obtidos por poucos em função da desregulação dos bancos e da ampliação dos privilégios às empresas de mídia especializada. Dessa forma, um pequeno grupo articulado e formado pelo capital financeiro e oligopólios midiáticos passou a influenciar direta e indiretamente as decisões na esfera pública, com cada vez mais legitimidade nos processos eleitorais. Em síntese, a plutonomia expressa a condição em que a economia passou a ser alimentada pelas fortunas dos ricos, dependendo delas e não mais da majoritária parcela do rendimento do conjunto da população para se expandir. Ao mesmo tempo, a gestão da economia passou a ser cada vez imunizada em relação à democra-

cia, o que tornou cada vez mais rebaixada a jus­ tiça como perspectiva do funcionamento das forças do mercado. Ao contrário do consenso construído anterior­mente, a melhora nas fortunas dos ricos foi libertada do bem-estar material do conjunto da população. Esta realidade em curso nos países ricos tem s­ ido contestada desde 2002, com a eleição do presidente Lula, por duas vezes, e da presidenta Dilma. Já são 12 anos em que a plutonomia que até então governava o Brasil passou a permanecer à margem do processo político principal. Com a ênfase no combate à exclusão social, especialmente a pobreza e desigualdade de renda, as administrações do PT privilegiaram entre 2003 e 2012 a elevação do bem-estar social, funda­mentalmente dos mais vulneráveis. O resultado observado no período se deu na forma de redução na desigualdade da renda, com o avanço do rendimento do trabalho sobre a somatória das rendas da propriedade (lucro, juro, aluguéis e renda da terra). Essa identidade de que as fortunas dos ricos não se encontram liberadas do avanço do bem-estar material dos pobres redesenhada a partir da ­primeira década do século 21 no Brasil segue ­recorrentemente testada pelo processo eleitoral. Um r­ esultado preliminar a ser percebido rapidamente pela votação eleitoral de 2014 é a reação inegável da ­plutonomia no país. Exemplificação disso pode ser notada pela opção que a maior parte dos endinheirados, representados pelas atividades financeiras e oligarquias midiáticas, aponta como convergência a candidatura presidencial que faz oposição frontal ao governo Dilma. Nesse sentido, o segundo turno eleitoral indicará se o Brasil passará a se encaixar no regime da plutonomia ou continuará a buscar um governo de maioria democrática da população. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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A Dilma tem dito: “Não haverá prejuízo para o trabalhador brasileiro”. O mundo inteiro reconhece o que o Brasil fez. Temos emprego, e esse é um valor extraordinário

GERARDO LAZZARI/RBA

ENTREVISTA

Povo deve ficar alerta com o que está em jogo Para Lula, a mídia agride a democracia e esconde o debate de projetos. O de Dilma, de avançar nas políticas que respeitam os trabalhadores e que estão mudando o Brasil. E o de Aécio, que leva ao retrocesso Por Paulo Donizetti de Souza e Vitor Nuzzi 10

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ENTREVISTA

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arece que foi ontem, mas aconteceu em 2002. O metalúrgico, sindicalista e fundador do PT Luiz Inácio Lula da Silva tornava-se presidente da República, em sua quarta tentativa. Derrotou o partido que, hoje, 12 anos depois, diz ser o da “mudança”. O PSDB de Aécio Neves já tem até ministro anunciado, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que insiste: é preciso “arrumar a casa”, a economia está uma bagunça. Como assim?, pergunta Lula. “Ele, na verdade, é um desarrumador de casa. Quem arrumou a casa fomos nós.” Para o ex-presidente brasileiro, a expressão do economista é um eufemismo para aumento do desemprego, redução de ganhos salariais e tirar aquilo que o povo conquistou nestes 12 anos. Em meio ao vale-tudo da reta final da eleição, Lula recebeu a Revista do Brasil para uma reflexão sobre a necessidade de aumentar a consciência política das pessoas. “Se ficar só na agressão pessoal ou partidária, a gente não politiza a sociedade.” Lula pede ao povo para ficar alerta em relação às propostas em jogo: manter uma política que busque reduzir as desigualdades, projeto personificado por Dilma; ou devolver o poder a um grupo que governa para apenas uma parcela dos brasileiros. Segundo ele, a imprensa trabalha contra o PT, esconde a comparação de projetos e desqualifica os debates. “Gostaria que na campanha houvesse um crescimento da consciência política da população”, diz. Pouco mais de um ano atrás, o senhor deu uma entre­ vista falando que “estava no jogo”. Agora, não acha que o jogo ficou mais bruto?

Os adversários estão mais raivosos. O que é uma contradição com todo o discurso que eles fazem ou faziam, que o PT era agressivo... Agora, o PT está muito tranquilo e eles estão muito agressivos. Em alguns casos, com campanha de denúncias e difamações que somente a extrema-direita tinha competência de fazer. O jogo sempre vai ser duro quando o PT está numa disputa. Porque o PT conseguiu mudar o jeito de governar o Brasil, conseguiu estabelecer uma nova relação entre o Estado e a sociedade, entre o governo e os setores organizados da sociedade. Isso incomoda essas pessoas, porque eles não querem que as pessoas participem. Chegamos ao cúmulo de estarem raivosos porque as pessoas que votaram na Dilma são “desinformadas”, “informados” são só os que votaram neles. Acho que esse ódio que está sendo divulgado, essa campanha feita diuturnamente contra o PT, que não é de hoje – isso é desde que nós nascemos, mas mais marcadamente depois que chegamos ao governo – fez com que a campanha fosse mais radicalizada. Nós temos uma estratégia de campanha, temos uma candidata competente, que tem experiência de vida, e estamos preparados para qualquer embate. Gostaria que a campanha, ao terminar, além da somatória de votos, tivesse um crescimento da consciência política da sociedade. Que as pessoas saiam do processo eleitoral gostando mais de política, se sentindo participativas, dispostas a exigir e a cobrar mais dos eleitos. Eu espero isso. Se ficar só na agressão pessoal ou partidária, a gente não politiza a sociedade.

A queda de qualidade na oposição, que não privilegia o debate de projetos, tem a ver com o perfil do Fer­ nando Henrique?

Neste momento há um esforço muito grande, enorme, de uma parte da imprensa brasileira de tentar ressuscitar o Fernando Henrique Cardoso. Tem muita gente que tem 30 anos hoje e nem lembra que o Fernando Henrique Cardoso foi presidente da República. Há uma tentativa de ressuscitá-lo como porta-voz de um partido que não se comporta como partido de oposição, porque não tem um programa alternativo para a sociedade. O que tem, na verdade, é uma imprensa partidarizada. A grande oposição no Brasil hoje não é o PSDB, é a imprensa. Enquanto o candidato espera o ano inteiro para ele ter 45 dias para ter o horário na televisão, eles fazem campanha 24 horas por dia durante o ano inteiro, não tem limite. O Fernando Henrique tem hoje pouca ascendência sobre a campanha eleitoral, tem pouco voto. E acho que é por isso que o PSDB, desde que ele deixou a Presidência, não utiliza ele em debate. O Aécio utilizou mais porque, para ganhar dentro do PSDB, precisou do apoio do Fernando Henrique, que, como todo mundo sabe, historicamente não é muito simpático ao Serra. A qualidade da oposição caiu. Aliás, a qualidade do debate político caiu muito. E Fernando Henrique tem responsabilidade nisso, porque puxa para baixo o debate, quando ele poderia elevar. Essa que ele disse agora, que quem votou na Dilma é a parte mais desinformada da sociedade, do Nordeste, é de uma grosseria elitista que jamais poderia sair da boca de um sociólogo. O cara estuda, mas a massa encefálica tá pronta na cabeça dele. Ele não pode mudar. Ele pensa exatamente assim, que o Brasil tem de ter uma camada pobre que não tem direito a nada. Hoje, o cidadão tem mais cidadania, mais salário, política de transferência de renda, crédito consignado, crédito rural, tudo melhorou. Então, o mundo que ele vê é do tempo que ele governava. Por isso, rebaixa tanto o debate político e econômico. Assim como em 2010, logo depois do primeiro tur­ no houve manifestações nas redes sociais contra os nordestinos. Vivemos uma certa separação, principal­ mente, entre Sudeste e Nordeste?

Acho que o nível de consciência política às vezes acirra esse debate. Mas se você olhar historicamente, grande parte dos políticos nordestinos sempre achou que São Paulo age com eles como os Estados Unidos age com outros países. Que São Paulo é uma espécie de Estado imperialista. E ao mesmo tempo São Paulo leva sempre vantagem, porque é o mais rico. O que nós começamos a fazer? Começamos a estabelecer uma política de desenvolvimento que levasse em conta a diminuição das desigualdades regionais. Permitir que o país fosse mais igual, tivesse mais escolas, diminuísse a mortalidade infantil, o analfabetismo, que tivesse mais empresas e mais emprego no Nordeste. E esse foi o grande mote que fez com que o Nordeste crescesse mais do que São Paulo. E você percebe que a importância da economia paulista em relação ao PIB tem diminuído. Não é só porque tem perdido empresa, é porque o Nordeste tem ganhado empresa e gerado desenvolvimento mais rápido. O que é normal. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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ENTREVISTA

O que está acontecendo cheira a tentativa de golpe, e coloca em risco o processo democrático. O que foi prometido para esses senhores na delação premiada? Foi só diminuir a pena ou “se o PT for derrotado, poderá ter mais coisas?”

E as pessoas começam a ter direitos, a exigir mais, e aí fomenta essa divergência que eu acho absurda. Não é só no Brasil. No mundo inteiro sempre foi assim. Quando a camada mais pobre ou uma região começa a ascender socialmente, aqueles que já ascenderam começam a ficar com raiva. E gente que eles não conheciam, que antigamente não conseguia entrar no shopping. Isso vai criando um certo rancor… Esse pensamento, graças a Deus, está na cabeça de uma minoria. E não tem preconceito com nordestino rico, contra o negro rico. O preconceito está ligado à possibilidade econômica das pessoas. Eu fico triste quando um homem como Fernando Henrique Cardoso abre a boca para falar uma bobagem dessa. Com o debate de projetos escondido no noti­ ciário, o destaque de todos os jornais são as “denúncias” do diretor da Petrobras investi­ gado, do doleiro. De que forma esse clima afe­ ta a campanha da presidenta Dilma?

Eu tenho a impressão de que neste país tem sempre uma tentativa de golpe. Tem sempre um Carlos Lacerda querendo derrubar alguém. Você tem um processo em que as pessoas estão fazendo delação premiada, esse processo está nas mãos de um ministro da Suprema Corte, porque não pode vazar, porque depois da delação é possível investigar se é verdade. Estranhamente, como a Suprema Corte reivindicou o processo para lá, o juiz convoca as pessoas para depor e coloca na internet o depoimento, quase como se fosse uma ação política, quase como se fosse “vamos fazer um depoimento agora para dar material de campanha para os adversários do PT”. Se daqui a três ou quatro meses for provado que não é verdade aquilo que ele falou, o prejuízo está feito. É gravíssimo o que está acontecendo, às vezes me cheira a tentativa de golpe mesmo, de colocar em risco o processo democrático. O que foi prometido para esses senhores na delação premiada? Será que foi só diminuir a pena ou será que foi prometido “se o PT for derrotado, poderá ter mais coisas?” É um processo insidioso, porque não tem nenhum momento na história do Brasil em que o governo investigou mais qualquer denúncia contra qualquer pessoa, Ministério Público, do Tribunal de Contas, Controladoria Geral da República, Lei de Acesso à Informação. Acho que isso é uma tentativa de fazer interferência no processo eleitoral, a 15 dias das eleições. Num debate na Globo News entre o minis­ tro Guido Mantega e o Armínio Fraga, Man­ tega enfatizou ganhos sociais decorrentes das escolhas econômicas do governo, o Ar­ mínio insistiu em arrumar a casa...

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Quando o Armínio Fraga fala em arrumar a casa, é porque não tem coragem de dizer que é preciso ter um pouco de desemprego, na lógica dele, é preciso diminuir os ganhos salariais e o salário mínimo, acabar com essa política de transferência de renda, e é preciso dificultar o crédito. Se pudesse falar fora do processo eleitoral o que ele ia fazer, era exatamente isso. Por isso fala “arrumar a casa”. Ele não é nenhuma arrumadeira, porque quando ele estava no Banco Central ajudou a desarrumar a economia deste país. A inflação estava 12,5% quando eu cheguei na Presidência da República, o Brasil devia US$ 30 bilhões para o FMI, viviam ele e o Malan (ex-ministro Pedro Malan) nos Estados Unidos buscando dinheiro para fechar a conta no final do mês, tínhamos um desemprego de quase 13%, o salário dos trabalhadores não aumentava, o salário mínimo não aumentava... Então, ele, na verdade, é um desarrumador de casa. Quem arrumou a casa fomos nós, que provamos que é possível aumentar o salário mínimo, o salário das categorias organizadas, que é possível fazer política de transferência de renda e ao mesmo tempo é possível controlar a inflação. É importante que o povo saiba claramente que o que está em jogo é um projeto de volta ao que nós já conhecemos há muito tempo neste país, a um passado em que os trabalhadores fazem greve e não ganham nada. A crise internacional ainda causa impactos na economia do Brasil?

O Guido Mantega e a presidenta Dilma têm dito que esta é uma crise do capitalismo, feita pelo sistema financeiro, no coração do sistema financeiro, e que os trabalhadores não têm de pagar. Logo que saiu a crise, em 2008, o Gordon Brown (ex-primeiro-ministro do Reino Unido) fez uma visita ao Brasil e foi uma coisa que a imprensa deu muito destaque quando eu disse: “Olha, é importante que vocês saibam que não são os negros da África, os índios da América Latina, os responsáveis por essa crise. Os responsáveis são os loiros de olhos azuis”. E a Dilma tem dito categoricamente: não haverá prejuízo para o trabalhador brasileiro com essa crise. Apesar do negativismo da imprensa brasileira, há um reconhecimento no mundo inteiro do milagre que o Brasil fez. Embora o PIB não esteja crescendo tal como todos nós gostaríamos, a verdade é nós estamos com desemprego menor do que muitos países que conhecemos e são desenvolvidos. E esse é um valor extraordinário, o emprego, e as pessoas ainda tendo aumento real de salário. A campanha do Aécio também fala sobre di­ minuir os bancos públicos... Mas é importante a gente lembrar que essa gente queria privatizar todos os bancos públicos. O que incomoda para eles os bancos públicos? Quando estou-


rou a crise em 2008, numa conversa que tive por telefone com o presidente Obama, comecei a mostrar que seria importante que nos Estados Unidos tivessem um sistema financeiro mais ou menos igual ao nosso, que temos três bancos públicos fortes, e temos bancos privados fortes. Eu citava o Banco do Brasil, a Caixa, o BNDES, como os três instrumentos que me permitiram acionar para tirar o Brasil da crise. Logo que veio a crise, nós liberamos R$ 100 milhões do compulsório na expectativa de que o sistema financeiro utilizasse o dinheiro para financiar o mercado. O que aconteceu? Pegaram e compraram títulos do governo. Ou seja, fomos obrigados a fortalecer os bancos públicos. Foram o Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES que não deixaram este país entrar na bancarrota. São esses bancos que fazem o crédito para a agricultura, que financiam o Minha Casa, Minha Vida, a agricultura familiar. Esses bancos têm uma importância extraordinária para este país. E eles querem acabar. Na nossa visão de Estado, os bancos públicos têm um papel extraordinário de equilíbrio no mercado financeiro. Eles se incomodam porque o BNDES está emprestando muito dinheiro que eles gostariam de emprestar. Emprestem! Agora, se tiver gente precisando de dinheiro e os bancos não querem emprestar, o governo vai ajudar, porque queremos que se empreste para o desenvolvimento do país. Então, eu acho que o povo tem de ficar alerta. O “arrumar a casa” deles é tirar aquilo que o povo conquistou neste período de 12 anos. É diminuir o papel dos bancos públicos ou vender. Eles já queriam fazer isso 12 anos atrás. Eles querem vender o patrimônio do país, e por isso eu acho que eles não vão ganhar as eleições, porque o Brasil aprendeu que os bancos públicos têm um papel extraordinário no desenvolvimento da nossa economia. Esse debate muito concentrado em inflação, superá­ vit, PIB, não acaba marginalizando a discussão sobre a política industrial?

Na verdade, se discute política industrial, o governo tem propostas de inovação. Nós demos um salto de qualidade na indústria automobilística. Faz quatro anos consecutivos que o Brasil é o terceiro ou quarto país a receber investimento direto. Este ano vamos chegar a US$ 67 bilhões. No tempo deles, acho que o máximo que conseguiram foi US$ 19 bilhões, e faziam festa. Quando eu estava na Presidência, muitas vezes eu discutia com o Palocci (Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda), com o Meirelles (Henrique Meirelles,ex-presidentedoBancoCentral),comoGuido(Mantega,então no Planejamento, hoje na Fazenda), uma coisa que não é muito aceita pelos economistas. Você tem de discutir superávit e meta de inflação, sim. Mas vamos discutir meta de crescimento. Tentar estabelecer compromisso de controlar a inflação e de fazer a economia crescer. Não é uma discussão fácil, porque eles (economistas) acham que não combinam as duas discussões. É um debate que nós precisamos fazer. Se eu não tiver uma meta, eu não vou atrás. Quando eu estava na Villares, a gente recebia um lote de peças e uma cartela que dizia em quantos minutos era pra fazer cada peça. Então, eu acho que na economia nós também precisamos inovar. Estabelecer meta de crescimento, de investimento, ciência e tecnologia, dar desafios para a gente mesmo cumprir.

RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

ENTREVISTA

DEBATE ECONÔMICO não é só inflação, dívida pública. É geração de emprego, poder do salário, ganhos sociais, industrialização, investimento em infraestrutura. Quando o Brasil tenta fazer, teima, consegue

Entraria emprego na meta do Copom, que considera basicamente a situação inflacionária?

Veja, o governo estabelece meta. O Banco Central só tem como instrumento os juros. O governo tem outro instrumento, que é cortar o crédito. Quando chegamos na Presidência da República, no Brasil inteiro tinha apenas R$ 380 bilhões em oferta de crédito. Hoje, só no Banco do Brasil deve ter R$ 675 bilhões ou mais. Você tinha opção entre reduzir a taxa Selic e cortar crédito. Eu dizia: cortar o crédito é cortar na veia. A taxa Selic pode demorar seis meses para surtir efeito. Agora, quando você corta o crédito é no dia seguinte. Então, eu era favorável... Aumentava a taxa Selic e diminuía a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). E nós fomos manuseando isso, e deu certo. A TJLP é bem menor que a taxa Selic. A gente não pode usar a palavra “subsidiado” porque a Organização Mundial do Comércio vai encher o saco, mas você pega a Caixa Econômica, o Minha Casa, Minha Vida. Se a pessoa tivesse de comprar uma casa de R$ 60 mil pelo sistema financeiro normal ela pagaria R$ 900 por mês. Ela paga R$ 50, porque é subsidiado. E se não for subsidiado, como o pobre vai ter casa? É como o programa Luz para Todos. No tempo do Fernando Henrique tinha o Luz no Campo, em que o cara tinha de pagar tudo. Mas o cara que está no meio do mato não pode pagar. Vamos levar pra ele. Isso custou quase R$ 20 bilhões aos cofres públicos, mas esses cidadãos têm o direito de serem tratados como o cara que mora na Av. Paulista, em Copacabana, ou na Marechal Deodoro... E nenhuma empresa privada vai levar energia se não tiver retorno. Então, o Estado tem de levar. O debate econômico é estreito?

Acho que o debate econômico tem de ser mais plural. Hoje, nós não temos mais debate econômico porque você não tem economista, é só analista de mercado, analista de mercado, analista de mercado. O debate passa por isso. Tentamos fazer isso, e a Dilma tenta fazer, é mapear quais os setores em que o Brasil é competitivo. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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ENTREVISTA

Sabe o que acontece? Vou te dar um exemplo. Na agricultura, o Brasil é altamente competitivo. Nós temos tecnologia, terra, água, sol. Esse é um setor em que o Brasil pode avançar. O setor de papel e celulose, podemos ter uma indústria extraordinária neste país. Na indústria química, o Brasil pode se tornar competitivo. Precisamos abrir novos mercados para que a gente possa competir com os chineses, os americanos, os alemães, naquilo que a gente pode competir. E essa discussão de desenvolvimento tem de estar ligada ao debate econômico. Debate econômico não é só inflação, dívida pública... É geração de emprego, poder do salário, ganhos sociais do povo brasileiro, industrialização, investimento em infraestrutura. Quando o Brasil tenta fazer, teima, consegue.

E com relação à reforma política? Parece que agora to­ do mundo é a favor. Foi feito um plebiscito, propondo uma Constituinte exclusiva, mas pouco se discutiu nos meios de comunicação. É possível amadurecer esse de­ bate em direção à reforma política efetiva?

Eu acho que a reforma política passa a ser a mais importante neste momento. Porque é impossível você lidar com Congresso com 32 partidos. Um partido tem oito, outro tem cinco, quatro, três, dez, 20, 30... E não são partidos ideológicos. São agrupamentos de interesses que não produzem uma coisa boa. A reforma política vai ter de ter cláusula de barreira. Tem de valorizar a questão partidária. O financiamento público. Na minha opinião, nós deveríamos transformar o financiamento privado em crime inafiançável. Hoje é muito difícil num país como o nosso fazer uma política de coalizão. Agora, eu acho difícil ela ser feita com o atual Congresso.

O PT e o PSB foram aliados históricos. Nesta eleição, se separaram. Qual o impacto dessa separação? Tem vol­ ta, ou a opção do PSB pelo Aécio aumenta a distância?

Primeiro, eu sou muito agradecido à minha convivência com o PSB durante todo o tempo em que estivemos juntos. Na medida que o PSB decide ter candidato e toma a decisão de ser oposição ao nosso governo e ao PT, escolheu um caminho. Isso necessariamente não precisa ser definitivo, pode ter sido nestas eleições, quem sabe em outra a gente possa estar junto. Eu não tenho como pedir para as pessoas não serem candidatas, porque eu só cheguei à Presidência da República pela minha teimosia. Acho que o fato de o PSB ser vice do Alckmin (em São Paulo) é uma coisa ideologicamente delicada, mas cada partido tem de ter autonomia. Espero que o PSB tenha consciência do que está fazendo, porque eu acho que ele vai perder mais do que ganhar nesse processo. Vamos esperar terminar o processo eleitoral, tem muita coisa para acontecer. (Um dia depois desta entrevista, o ainda presidente do PSB, Roberto Amaral, divulgou carta lamentando adesão do partido aos tucanos, afirmando ser uma contradição com a história da legenda.) RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

A palavra “mudança” virou meio que um mantra nes­ ta eleição. Todo mundo fala em mudança, embora não fique muito claro qual. Não há contradição entre aque­ las reivindicações de mudanças, no ano passado, e esse crescimento conservador no Congresso?

Eu dizia, logo depois das manifestações de junho: não pode ter desgraça pior para uma nação do que a negação da política. Quando você nega a política, o que vem depois é pior. Em qualquer parte do mundo. E a quem interessa negar a política? Neste país, neste momento, a uma parte da elite, sobretudo a uma parte dos meios de comunicação. Desacreditar a política. Faz parte de uma política de dominação. E eu vejo que deputados reacionários foram eleitos com votações estrondosas, em vários estados. Por isso que eu acho que a reforma política é importante. Por isso é que eu digo: se você não está satisfeito com a política, entre na política, porque o político perfeito pode estar dentro de você. O Congresso Nacional que vai tomar posse em fevereiro é a cara da consciência política da sociedade brasileira no 6 de outubro. Ninguém pode reclamar. O que precisa é ninguém esquecer o partido e o deputado em que votou. Porque muita gente faz muita bravata contra a política, mas meia hora depois não sabe em quem votou. É o cara ter no voto um ato de desprezo, quando na verdade ele tem de votar com a certeza de que está colocando uma pessoa em que confia. Quando eu vejo a Marina falar “uma nova política, uma nova política”, qual é a nova política? Por mais que a gente creia em Deus, a gente não consegue governar com a Bíblia. A gente governa com a Constituição. E com o Congresso Nacional. Penso que o que aconteceu nas ruas não teve muito a ver com esse processo eleitoral. A América do Sul teve um boom de governos de es­ querda­. O Evo deve ganhar na Bolívia, no Uruguai a Fren­ te Ampla é favorita. No Chile, voltou a Michelle Bachelet. Agora, está todo mundo de olho no Brasil. Qual o peso da eleição em relação ao futuro do continente?

CANDIDATO EM 2018? Peço a Deus que, nesses próximos quatro anos, a Dilma faça um belo governo e que o PT e seus aliados construam quadros mais jovens, inteligentes, competentes. E que eu possa ser apenas cabo eleitoral. Agora, jamais diria a você “não sou”

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A inspiração pode ser muito grande. Se a Dilma ganhar, isso pode ajudar que outros povos se inspirem, primeiro em votar em mulher, segundo votar em uma pessoa de esquerda. No Uruguai, temos um pequeno problema, que a direita se organizou, terá um


ENTREVISTA

ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO (EM R$ BILHÕES)

112,3 87,5 37,1

36

50,2

PSDB

PSDB

PT

PT

PT

1995

2002

2007

2011

2014

GASTOS SOCIAIS

(% EM RELAÇÃO AO PIB) 14,4%

16,2%

12,2%

12,9%

PSDB

PSDB

PSDB

PT

PT

1995

1999

2002

2007

2011

11,2%

DESEMPREGO NO MUNDO DEPOIS DE 2008 FONTES: IBGE/FMI/MINISTÉRIO DA FAZENDA

PAÍS

2009

2011

2013

MÉDIA 2009/2013

Espanha 18,0% 21,7% 26,4% Grécia Irlanda

9,5% 17,7% 27,3% 12,0% 14,6%

22,2% 18,2%

13%

13,6%

Portugal

9,5% 12,7% 16,3%

13,0%

França

9,5% 9,6% 10,8%

10,0%

Itália

7,8% 8,4% 12,2%

9,5%

EUA

9,3% 8,9% 7,4%

8,7%

Reino Unido

7,7%

7,9%

8,1%

7,6%

Alemanha 7,8% 6,0% 5,3%

6,3%

Brasil

6,3%

8,1% 6,0% 5,4%

embate muito duro, mas acho que o Tabaré (Vázquez) ganha as eleições. A vitória do (Juan Manuel) Santos na Colômbia foi importante, porque ele demonstra ter mais equilíbrio para discutir as coisas do que o ex-presidente Uribe. Fico torcendo para que a Cristina (Kirchner) consiga eleger o seu sucessor na Argentina e que seja uma pessoa que tenha uma boa visão do Brasil e da integração sul-americana. Penso que a Dilma ganha no Brasil. E depois eu penso que nossa agenda tem de retomar com mais força a questão da integração da América do Sul, criar os instrumentos multilaterais que faltam, e fazer ela acontecer de fato e de direito. Nós ainda não exploramos 10% do potencial de integração, seja do ponto de vista do desenvolvimento econômico ou do desenvolvimento social. A integração não é apenas uma questão de venda e compra, é dos sindicatos, é cultural, política. Nosso Parlamento latino-americano precisa funcionar. Ainda faltam algumas coisas para consolidar. E a gente não pode perder de vista a importância da integração.

Pouco antes de 2010, o senhor foi contra um projeto que permitisse um terceiro mandato, por achar prejudicial à democracia. E agora as pessoas o têm como nome certo para 2018.

Deixa eu dizer uma coisa: quando falei que estava no jogo, era também porque eu tinha saído de um câncer. E eu não tinha a menor noção do que era um câncer, uma sessão de quimioterapia e depois de radioterapia. Eu não desejo pro meu pior inimigo que ele tenha qualquer tipo de câncer para fazer a dosagem de quimioterapia que eu fiz, e depois a radioterapia. Quando você está debilitado, muitas vezes pensa que acabou. E aí quando eu me senti bem, eu disse “tô no jogo”, porque vou voltar a fazer política, vou voltar a viajar pelo Brasil, ajudar a Dilma naquilo que ela entender que eu posso ajudar, voltar a ter uma relação com o movimento sindical, que está voltando a ser economicista outra vez, é preciso que a gente não perca o debate político nunca. O debate político é que dá dimensão da grandeza que nós temos. Em 1979, eu fui chamado de traidor por 100 mil metalúrgicos, com um baita dum acordo. Em 1980, nós não fizemos acordo, perdemos milhares de trabalhadores, não ganhamos nem a inflação, e viramos heróis. Porque tínhamos um discurso político, criamos o PT, criamos a CUT. Outro dia, conversando com alguns companheiros sindicalistas, disse que está faltando um pouco de política na categoria. Falta debate, entender o Brasil, entender o mundo. O papel do Brasil no mundo. Está faltando também uma reformulação no PT, que precisa voltar a acreditar em produzir algumas utopias. Por isso falei “tô de volta”.

Quando o Armínio Fraga fala em arrumar a casa, não tem coragem de dizer que defende desemprego, diminuir ganhos salariais, acabar a transferência de renda. Se pudesse, diria isso. Por isso fala “arrumar a casa”. Ele estava no BC e ajudou a desarrumar a economia deste país

O senhor se considera “no jogo” para 2018?

De sã consciência, eu poderia dizer: não sou candidato, já vou estar com 72 anos, vou cuidar da minha vida. Agora, quando você é um ser político, pertence a um partido, é a causa que conduz você... Em 1978, eu dizia assim: eu não gosto de político e não gosto de quem gosta de política. Eu era um ignorante, na verdade. Três meses depois, eu estava num palanque apoiando Fernando Henrique Cardoso para o Senado. Dois anos depois, eu estava criando um partido político. Dois anos depois, eu estava candidato a governador. Quatro anos depois, a deputado constituinte. Três anos depois, a presidente da República. Vinte anos depois, cheguei à Presidência. Então, a gente nunca pode falar “não sou”. Peço a Deus que nestes próximos quatro anos, a Dilma ganhando as eleições – e vai ganhar, se Deus quiser – faça um belo de um governo e que o PT e seus aliados construam quadros mais jovens, inteligentes, competentes. E que eu possa ser apenas um cabo eleitoral. Agora, eu jamais diria a você “não sou”. Jamais. Hoje não vejo nenhuma necessidade. Tem tanta gente aí que vai crescer, que vai amadurecer... REVISTA DO BRASIL Nº 100

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93.3 FM: Litoral paulista. 98.9FM: Grande S. Paulo. 102.7FM: Noroeste paulista www.redebrasilatual.com.br/radio

ROBERTO PARIZOTTI/CUT/AGOSTO 2013

RÁDIOBRASILATUAL

RESISTÊNCIA Sindicatos não dão trégua a tentativa de aprovar terceirização

A volta do monstrengo Bancada empresarial no Congresso retoma esforço pela votação do projeto que “legaliza” o emprego irregular de mão de obra terceirizada

F

echadas as urnas, o Congresso Nacional pode reabrir a caixa de maldades. O Projeto de Lei 4.330, que se propõe a regular a prática da terceirização em todos os ramos de atividade, pode ser posto em votação já no mês de novembro. Quem fez o prognóstico foi o próprio deputado federal Sandro Mabel (PMDB-GO), autor do projeto, que tramita na Câmara há dez anos e jamais obteve consenso para ser aprovado na Co16

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missão de Trabalho da Casa. Mas mesmo quando não passa por uma comis­são especial, o presidente da Câmara pode levar o projeto a votação direta­mente ao plenário. E é o que o presi­dente Henrique­ Eduardo Alves (PMDB-RN) vai fazer, garante Mabel. A informação saiu durante seminário promovido pela Confederação Nacional da Indústria no início de setembro. A reunião foi uma reação a um outro seminário, promovido semanas antes pelas

centrais sindicais e pelo Fórum Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, com a finalidade de manter as entidades de trabalhadores antenadas com as movimentações das bancadas empresariais no Congresso. No evento dos empresários, ficou explícita a intenção de retomar seu lobby no Legislativo tão logo fossem encerradas as eleições de 5 de outubro. A procuradora Carolina Mercante, do Ministério Público do Trabalho de


MABEL Autor do PL 4.330 é, antes de deputado, empresário

GABRIELA KOROSSY/CÂMARA DOS DEPUTADOS

RÁDIOBRASILATUAL

Segundo ela, a opção por votar após as eleições elimina o “custo político” dos parlamentares ao decidir sobre o assunto. “Se votassem em julho, fatalmente haveria um impacto negativo nas candidaturas. Em novembro não há esse risco.” Carolina observa ainda que, numa hipótese de a oposição se eleger, diminui a chance de o presidente eleito teria mais adiante exercer seu poder de veto sobre uma decisão do Congresso ruim para os trabalhadores. “Mas se o programa da oposição está em harmonia com o interesse empresarial no que diz respeito à terceirização, isso significa que não vetaria. É um grande perigo.” bit.ly/radio_pl4330

OPORTUNISMO Henrique Alves esperou eleições para pautar projeto nocivo a trabalhadores

São Paulo e integrante do fópara que fosse levado a votarum, acompanhou o semináção acabou frustrado diante rio como ouvinte. E contou à da reação do movimento sindical, especialistas e organirepórter Anelize Moreira, da zações de magistrados da esRádio Brasil Atual, o que ouviu no encontro. fera trabalhista. Carolina manifesta preo“Trata-se de um projeto cupação com a disposição remuito polêmico porque pervelada no seminário de que os mite a terceirização em qualquer atividade empresarial, empresários desencadeiem em qualquer setor. Ou seja, um corpo a corpo em seus PREOCUPAÇÃO permitiria a um hospital terestados e procurem os parla- Carolina: PL 4.330 daria respaldo a mentares sob sua influência precarização do ceirizar médicos, ou a uma para que encaminhem a vo- trabalho universidade terceirizar protação do PL 4.330. O projeto fessores, ou banco terceirizar atenderia aos interesses dos empresários atividade bancária. O projeto viabiliza a por trazer “segurança jurídica” a práticas terceirização sem limites. E, na visão dos irregulares de contratações terceirizadas empresários ali presentes, seria muito faque acabam sendo contestadas na Justiça vorável por trazer o que eles chamam de do Trabalho. No ano passado, um esforço ‘segurança jurídica’”, diz a procuradora.

GUSTAVO LIMA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Longa data O PL 4.330 está no Congresso desde 2004. Ao começar a transitar pela Casa, foram feitas diversas tentativas de discussão quadripartite – com representantes de Legislativo, Executivo, empresários e trabalhadores –, com objetivo de se chegar a um texto consensual, que assegurasse a dita “segurança jurídica” pretendida pelos empresários, desde que se eliminassem os aspectos mais nocivos aos trabalhadores. Da forma como está, a prática da terceirização beneficiaria apenas os patrões, ao reduzir custos e aumentar lucros. Segundo pesquisa do Dieese, trabalhadores terceirizados ganham 27,5% menos do que o empregado contratado diretamente. A procuradora Carolina Mercante alerta que a aprovação do PL 4.330 diminuiria a capacidade de fiscalização por parte de órgãos públicos. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também integrou o movimento de setores sociais que impediram a votação de ir adiante, no ano passado. Para a entidade, o projeto embute nada menos que uma reforma trabalhista e sindical. “Alterando a legislação do trabalho no Brasil com 15 artigos que nos iludem e quatro que destroem tudo o que já foi construído em termos de garantias para os trabalhadores”, afirmou na ocasião o diretor legislativo da Anamatra, Fabrício Nogueira. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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BRASIL

Pressão popular é alternativa à ofensiva conservadora Congresso com menor bancada sindical e programas sociais no centro do debate eleitoral fermentam desafio: crescer sem perder direitos

À

s 20h13 de 4 de dezembro de 2001, o presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves (PSDB), proclamava o Projeto de Lei 5.483, de flexibilização da CLT. Aprovado naquela Casa, o PL seguiria para o Senado, e de lá de só sairia para o arquivo, no começo do governo Lula. Mas o risco representado por aquele texto – entre outras coisas, permitir que acordos “negociados” entre empregadores e empregados pudessem prevalecer sobre direitos básicos garantidos em lei – vem à lembrança com o resultado das últimas eleições. O Parlamento de perfil mais conservador e com menos representação dos trabalhadores pode indicar alguma fragilidade na defesa de direitos, muitas vezes identificado pelo setor empresarial como custos que impedem o crescimento. Esse é um dos desafios que saem da eleição: crescer sem perder direitos. A comparação entre as candidaturas presidenciais que foram para o segundo turno facilita a percepção de quem está mais disposto a defender essa premissa. “Houve redução grande da bancada sindical (na Câmara) e manutenção da bancada empresarial”, diz o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Ele 18

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avalia que isso fez aumentar a importância da reeleição da presidenta Dilma Rousseff, para no mínimo barrar a ofensiva patronal, uma vez que a ala dos empresários no Congresso tem várias propostas no sentido da chamada flexibilização – como o PL 4.330, sobre terceirização, até agora barrado por atuação sindical, mas que pode voltar à pauta em novembro (leia mais à página 10). “Com essa bancada sindical, a força dos trabalhadores na resistência pode reduzir bastante”, afirma Queiroz. “Se Dilma não for reeleita, é praticamente certo que essas mudanças virão.” Em agosto, o diretor do Diap já alertava sobre a iminência de uma ofensiva patronal “assustadora” em 2015. Dos atuais 83 deputados da bancada sindical, o número parcial aponta para 46 a partir de 2015. A bancada empresarial, com 273 cadeiras, pode crescer, embora o balanço provisório mostre 190. A avaliação é de que novamente o poder econômico dominou as campanhas e saíram vitoriosos os candidatos com maior volume de financiamento privado – mais um argumento a favor de uma reforma política que dependa mais da participação da sociedade e menos do Parlamento para acontecer. As representações partidárias passaram de 22 para 28, das 32 existentes – os nanicos cresceram. Um levantamento

aponta 248 milionários eleitos – candidatos com patrimônio acima de R$ 1 milhão. Destes, 39 são do PMDB e 32, do PSDB. Deverá tomar corpo o trabalho de um grupo de parlamentares que, pelo perfil que apresentam, poderão criar empecilhos na apreciação de matérias voltadas para áreas como direitos humanos e os movimentos sociais. Tende a esquentar a discussão sobre temas como a redução da maioridade penal e direito dos homossexuais, por exemplo. “Nomes como o pastor Marco Feliciano (PSC), em São Paulo, e Jair Bolsonaro (PP), no Rio de Janeiro, são exemplos disso”, avalia Queiroz, do Diap. Outro fator que chamou a atenção foi a grande quantidade de eleitos para o Congresso que defenderam, como bandeiras de suas campanhas, maior flexibilização do estatuto do desarmamento – muitos daqueles que anteriormente chegaram a ser conhecidos (sobretudo durante a tramitação do Código de Execuções Criminais, em 2008), como a “bancada da bala”. Para Queiroz, esse resultado é consequência de vários fatores reunidos, como os altos custos de campanha, o que favorece o poder econômico, e as cruzadas moralistas favorecidas pelos meios de comunicação. Mas também chegam ou se mantêm no Parlamento brasileiro nomes que se iden-


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GUSTAVO MIRANDA/AGร NCIA I GLOBO

MARCHA DAS CENTRAIS, 2013: pauta trabalhista em jogo

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Governos em disputa

tificam – de fato, e não no difuso conceito “marinero” – com o novo na política, caso do deputado Jean Wyllys, reeleito pelo Psol fluminense com quase 145 mil votos. Ele agradeceu em rede social e expressou seu RR entendimento sobre o processo político. PP x PSB “Não escondi os temas ‘polêmicos’ que meu mandato defende, principalmente aqueles que são evitados pelos outros candidatos por conta do custo eleitoral AM que esses temas produzem (sendo PMDB x PROS a legalização da maconha, descriminalização do aborto, a regulaAC mentação da profissão do sexo e o casamento igualitário os mais coRO PT x PSDB nhecidos deles), pois acho que uma PMDB x PSDB campanha não serve apenas para ganhar votos, mas também para debater com a sociedade”, afirmou o parlamentar. Destaque da bancada sindical, o deputado Distrito Federal reeleito Vicente Paulo da Silva, o VicentiPSB x PR nho (PT-SP), ex-presidente da CUT e atual líder de seu partido na Câmara, diz que o conservadorismo mais acentuado do Congresso irá exigir maior mobilização Primeiro turno popular. Ele identifica a possibilidade de Segundo turno votação de projetos nocivos aos direitos humanos e a conquistas trabalhistas.

Estados

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PDT x PSB

PT x PMDB PMDB x PSD

CE

MA

PA

RN

PCdoB

PMDB x PSDB

PB PI

PSB

PE

PT

AL SE

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PSDB x PSB

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PSDB x PMDB

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PT x PSDB

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PMDB x PRB PSDB

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ser interpretada também como sinal de controle de gastos – não só do governo, mas das famílias. Um agente do mercado declarou logo após o primeiro turno que a ida de um “candidato amigável ao mercado” traria pelo menos três semanas de “esperança” à Bolsa. A adesão do chamado mercado – leia-se especulação, nesse caso – acirrou ainda mais a gangorra das ações e fez aumentar a convicção sobre quem seriam os setores privilegiados em um governo Aécio. O neurocientista Miguel Nicolelis expressou a sua preocupação ao postar em uma rede social: “A crença cega, sem crítica, nos arautos do mercado financeiro, passa a ser a maior ameaça ao modelo atual de desenvolvimento social do Brasil”. No campo político, Aécio ganhou apoios de perfil conservador ou nitidamente de direita. Candidato pelo PSC,

GABRIELA KOROSSY/CÂMARA DOS DEPUTADOS

PMDB x PT

Na briga pelos governos estaduais, 13 já resolveram a questão no primeiro turno. O PMDB levou quatro (Alagoas, Espírito Santo, Sergipe e Tocantins), o PT ganhou três (Bahia, Minas Gerais e Piauí) e o PSDB, dois (Paraná e São Paulo). Os outros ficaram com PCdoB (Maranhão), PDT (Mato Grosso), PSB (Pernambuco) e PSD (Santa Catarina). Enquanto o Parlamento e os comandos dos governos estaduais se reorganizam, na disputa pelo Palácio do Planalto, por mais que pairem críticas à atual gestão, apresentam-se dois projetos distintos. Basta ver as prioridades apresentadas pelas candidaturas. Anunciado como ministro da Fazenda em um eventual governo tucano, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga é cauteloso ao falar de temas sociais, mas caudaloso na defesa do chamado tripé econômico (câmbio flutuante, cumprimento da meta de superávit fiscal e da meta de inflação), uma combinação que pode 20

AP

EXCEÇÃO Jean Wyllys não fugiu da polêmica e foi reeleito com 145 mil votos


GUSTAVO LIMA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

BRASIL

PASSO ATRÁS Vicentinho: Congresso mais conservador exigirá mobilização

Pastor Everaldo já se manifestou a favor do tucano. O Clube Militar, formado por militares reformados e saudosos de 1964, declarou, em retórica dos tempos do golpe, que o líder do PSDB é a esperança para salvar o país da “sovietização”, promovida por um governo de origem comunista. “A volta do Estado mínimo é apenas um dos retrocessos previsíveis no projeto neoliberal e antidesenvolvimentista de Aécio Neves”, escreveu, em artigo, o professor Eduardo Fagnani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também coordenador da Plataforma Política Social. “Não há nada mais velho e antissocial do que o enganoso ‘culto da austeridade’, remédio clássico seguido no Brasil dos anos de 1990 e aplicado na Europa desde 2008 com resultados catastróficos”, compara. “Não há como conciliar política econômica que concentre a renda e política social que promova a inclusão.”

Na Câmara dos Deputados, segundo o Diap, a renovação foi de 46,8%, sendo 275 reeleitos e 238 nomes que entram em janeiro – percentual mais ou menos em linha com as cinco eleições anteriores, mas bem abaixo de 1990 (62%). PT (70 deputados), PMDB (66) e PSDB (54) continuam com as maiores bancadas. Mas dos três grandes partidos, com mais de 50 deputados, apenas o PSDB cresceu. Dos sete partidos médios a partir de 2015, com entre 20 e 49 deputados (PSD, PP, PSB, PR, PTB, DEM e PRB), somente o PSB, o PTB, o PRB e o PR cresceram. Uma notícia boa foi o aumento da representação feminina, que subiu de 47 para 51 deputadas. Dos três maiores partidos, o PT perdeu 18 cadeiras e o PMDB, cinco. Já o PSDB ficará com dez a mais a partir de fevereiro. O resultado disso será um poder Legislativo mais pulverizado, onde as articulações com o governo federal para aprovação de matérias terão de ser feitas de forma bem mais individual, entre as lideranças dessas siglas propriamente, e bem menos em blocos, conforme aposta Queiroz, do Diap. Para o analista político, a redução das bancadas decorre, entre outras razões, da criação do PSD, Pros e Solidariedade. As três legendas tiveram importantes adesões durante o período de trocas partidárias, o que acarretou em perda de parlamentares em todos os grandes e médios partidos, com exceção do PT. Na avaliação do cientista político, o próximo presidente da República terá de negociar com vários partidos “no varejo” (ou seja, caso a caso) para formar maioria pontual.

DINO SANTOS/CUT

Bancada de trabalhadores diminui

OITAVA EDIÇÃO DA MARCHA, em São Paulo, este ano

Segundo ele, acima de tudo, o poder de fogo destas negociações ficará na mão dos partidos médios (muitos dos quais fisiológicos). “Num cenário desses, as chances de reformas estruturais são praticamente nulas. Ou haverá pressão popular ou o toma-lá-dá-cá tende a aumentar”, ressalta. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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BRASIL

Parece não haver dúvida de que o atual governo, comandado por Dilma Rousseff (PT), deu sequência ao de Lula no combate às desigualdades e na busca por melhor distribuição de renda, com programas sociais e políticas como a de valorização do salário mínimo. O nível de emprego se manteve e houve melhorias salariais, embora o país continue sendo socialmente injusto. Curiosamente, o resultado das urnas, com cres-

cimento do pensamento conservador, aparentemente se chocou com os movimentos do ano passado. Para a professora Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos, uma explicação estaria no baixo número de jovens envolvidos nas eleições e no número alto de abstenções. “Há um desinteresse muito grande pela política, pelos políticos. Os protestos do ano passado

tinham demandas progressistas e até imaginávamos que muitos deles passassem a se envolver com partidos tradicionais, mas isso não ocorreu”, afirma a professora. A base social que dá apoio a Dilma espera avanços relacionados ao crescimento com manutenção de direitos. E vê com apreensão um possível retorno de políticas pró-mercado representadas por Aécio e seu futuro ministro da Fazenda.

O plebiscito popular por uma Assembleia Nacional Constituinte para mudar o sistema político teve 7,8 milhões de votos, 97% favoravelmente a mudanças, mas recebeu um expressivo silêncio dos meios de comunicação tradicionais. Para Ricardo Gebrim, da secretaria do plebiscito, a “ausência e ignorância” da mídia foram um fato sintomático. “Ao longo das eleições, os principais candidatos à Presidência votaram no plebiscito. É evidente que isso é um fato jornalístico em qualquer parte do mundo. No entanto, eles ignoraram completamente.” A importância cada vez maior da participação popular, e da apresentação de projetos de iniciativa popular, decorre também de um fato que já foi confirmado no início do mês de forma empírica. Nestas eleições, seguindo o padrão observado em anos anteriores, as desigualdades sociais se refletiram no percentual de candidaturas de negros, jovens, mulheres e indígenas, mostrando que o Congresso não é uma representação de toda a sociedade brasileira. A constatação partiu do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) que fez, pela primeira vez, um mapeamento do perfil das candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Elaborado em conjunto com a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do 22

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ALICE VERGUEIRO/FUTURA PRESS/FOLHAPRESS

A reforma e o silêncio

NAS RUAS Plebiscito por Constituinte teve quase 8 milhões de votos

Sistema Político, o levantamento mostrou que dos 25.919 candidatos, só 8.008 (ou 30,09%) são mulheres, frente a 51,04% da presença feminina no total do eleitorado. Mesmo a distribuição das candidaturas por partido acompanhou esse desequilíbrio, que apenas cumpriu a definição legal de cotas mínimas, de 30% para candidatas do sexo feminino. Já no tocante à questão racial, a maioria das candidaturas continuou formada por homens brancos (38,6%), seguidas por homens negros e pardos (30%), e depois por mulheres brancas (16,5%), mulheres negras (14,2%) e indígenas, que quase não aparecem nessa visualização

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(uma vez que foram registradas apenas 118 candidaturas indígenas no país). O estudo do Inesc também mostrou que em relação à faixa etária dos candidatos, os jovens com até 29 anos representaram apenas 6,8% das candidaturas, quando a proporção de jovens na população eleitoral brasileira é de 51% do total. A desigualdade é gritante em todos os recortes. “Muita gente acha que o percentual de 44% para negros não é tão baixo, mas precisamos ver o comportamento dos partidos em relação a esses candidatos, os poucos espaços que eles conseguiram nos guias eleitorais em relação aos outros candidatos e o tratamento

dado pelas legendas a eles”, ponderou Carmela Zigoni, assessora do Inesc, ao acentuar que o tratamento diferente dado a essas pessoas revela o tamanho da exclusão no processo eleitoral – seja racial, de gênero, por faixa etária, ou relacionada a povos indígenas e outros. Mais de 70% dos deputados federais eleitos são brancos. Para Guacira Oliveira, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), os resultados obtidos evidenciam a necessidade de uma reforma do sistema político. “Ele é incapaz de responder às lutas que estamos travando. A atual situação se mostra patriarcal”, acentuou.


LALO LEAL

A mídia no comando “As ideias da classe dominante são as ideias dominantes” dizia o filósofo no século 19 referindo-se, naquele momento, à situação alemã. Nada mais atual, neste Brasil do século 21, onde a mídia se encarrega de disseminar essas ideias

O

resultado do primeiro turno da eleição presidencial, especialmente em São Paulo, é exemplar. No estado mais rico do país, os números indicam e os contatos de rua confirmam, a existência do voto comum entre o magnata abastado do Jardins e os trabalhadores modestos, moradores das periferias. Na mídia está a explicação para essa comunhão no voto de vidas tão distantes. Ela unifica o discurso, apelando para mensagens de fácil assimilação e passa a repeti-las de forma incessante. Nesta campanha eleitoral os temas em destaque foram a tragédia de uma morte inesperada e a corrupção corroendo o país. O acidente aéreo, diante da fragilidade da oposição, serviu para impulsionar uma candidatura alternativa que, depois, provou-se inconsistente. Restou a tarefa, executada pela mídia, de inculcar na população a ideia de que o PT teria de ser retirado do poder a qualquer custo, uma vez que seria o responsável pelo maior surto de corrupção já visto no país. As duas candidaturas oposicionistas abraçaram essa bandeira com sofreguidão. Assim como fizeram os opositores de Getúlio Vargas e de João Goulart. Na atual campanha, as entrevistas realizadas pelos telejornais da Rede Globo e os debates realizados pelas emissoras tornaram-se canais de difusão de propaganda política travestida de jornalismo. Basta citar como exemplo uma pergunta feita a candidata Dilma Rousseff pelo apresentador do Jornal Nacional. Nela, a palavra corrupção foi repetida sete vezes. Ali o conteúdo da pergunta era o de menos, o que interessava era vincular a entrevistada ao mote repisado pelo entrevistador. No debate da Bandeirantes, as perguntas dos jornalistas nada mais foram do que um resumo dos editoriais da empresa para a qual trabalham. É conhecido o repúdio dos donos da emissora ao MST e à fiscalização do trabalho escravo. Além de rejeitarem

qualquer forma de participação social mais democrática e, lógico, uma lei de meios que amplie a liberdade de expressão. Essas posições políticas foram embutidas nas perguntas feitas aos candidatos. Por exemplo: “O governo federal criou por decreto o Conselho de Participação Social. É uma instância direta vista com apreensão por muitos setores. Seria uma ameaça ao Congresso Nacional e, consequentemente, ao equilíbrio institucional. Seria uma bolivarização do Brasil nos moldes chavistas (...)”. Outra pergunta editorializada: “Por considerar um assunto importante e grave, que envolve a liberdade no país, vou voltar à questão do controle social da mídia. O partido da presidente, o PT, insiste num plano de censura à imprensa, que eufemisticamente chama de democratização da mídia (...)” A reforma política tão necessária ao país deve incorporar um conjunto de regras capazes de pôr fim a essas distorções. Para começar os debates eleitorais não podem seguir filtrados apenas pelos interesses da mídia comercial. Devem ser produzidos e realizados por emissoras públicas e realizados em espaços públicos, num campus universitário, por exemplo, como ocorre nos Estados Unidos. Transmitidos nos chamados horários nobres do rádio e da TV, com tempo suficiente para que os candidatos exponham ideias e propostas, sem as interrupções constantes, vistas por aqui. Afirmações, réplicas e tréplicas fragmentadas servem apenas para fazer do debate um espetáculo televisivo, sem relação com a possibilidade de esclarecimento do eleitor. A contaminação do debate pelas pesquisas eleitorais é outro fator de distorção que necessita ser banido. Essas enquetes não podem servir de referência para a presença dos candidatos diante das câmeras. E muito menos serem divulgadas nos dias que antecedem as eleições, fato que contamina a decisão soberana do eleitor. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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HISTÓRIA

Obra detalha primeiros passos de Celso Furtado nos estudos e no jornalismo, e dá pistas do futuro daquele que viria ser o principal pensador dos problemas brasileiros Por Vitor Nuzzi 24

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ADI LEITE/FOLHAPRESS/1992

A formação do pensamento


HISTÓRIA

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araibano de Pombal, no sertão, Celso Furtado havia deixado a capital João Pessoa para, não muito longe dali, fazer um curso pré-jurídico em Recife. Era 1938, e em 17 de outubro o rapaz de 18 anos participava de um júri simulado em que apresentou um trabalho intitulado Liberalismo Econômico. Conseguiu repercussão, elogios, e em carta à mãe confessou-se atordoado. “Todos pensam que eu sou filósofo e eu tenho medo de dizer uma besteira...”, escreveu. Para a jornalista e tradutora Rosa Freire d’Aguiar, viúva de Celso Furtado – que morreu há dez anos –, o texto, com pitadas de “retórica juvenil”, resume a jovem personalidade do autor e sintetiza sua intenção ao publicar um livro que trata justamente dos primeiros passos intelectuais e na vida do futuro economista, pensador e presidente da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), autor do plano trienal de desenvolvimento, apresentado no governo João Goulart, no final de 1962. “Carta e trabalho trazem em gestação o gosto pela pesquisa intelectual, a visão interdisciplinar, o interesse pelas questões internacionais, e mesmo o recurso ao método comparativo”, diz Rosa na abertura do livro Anos de Formação 1938-1948 – O Jornalismo, o Serviço Público, a Guerra, o Doutorado. Ali, por meio de textos jornalísticos, ensaios e cartas, se percorre a trajetória de Celso Furtado pelo Rio e pela Europa, durante a guerra, na reconstrução da economia mundial. Pelo mundo e seus contrastes. Em artigo publicado em dezembro de 1948 na Revista da Semana, ele conta quando convidou “um homem do povo” para passear em Paris. Essa pessoa lhe diz que nunca tinha ido àquele local (o Jardim de Luxemburgo, um dos cartões-postais da capital francesa). Isso provoca uma reflexão sobre o fato de muitos parisienses não conhecerem lugares que o mundo inteiro conhecia. Ao falar da necessidade de a França se “expandir dentro dela”, Furtado observa que a reconstrução do país tem de atingir os alicerces. Um comentário que pode servir para praticamente todas as nações e povos.

Homem social

Em 1946, Celso Furtado havia lido os cinco volumes de O Capital (Karl Marx), os quatro de Economia e Sociedade (Max Weber) e os dois de História do Pensamento Social (Howard Becker e Harry Barnes). Apesar de ainda novo, já estavam longe os tempos em que, com menos de 20 anos, passou por 15 dias de provas escritas e orais para a Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, onde desembarcara no início de 1940 – primeiro numa pensão no Catete e depois na Lapa, em uma rua “onde não passa bonde, portanto, silenciosa”. Já tinha sido um “pobre-diabo” a se encontrar com Villa-Lobos na Cinelândia e confessado sua emoção ao conhecer o pianista ­Arthur Rubinstein. O próprio Celso aprendeu um pouco de piano, lembra a ex-mulher. “O que ele desenvolveu mais foi o ouvido e uma memória musical.” Tinha facilidade para diferenciar movimentos, estilos. E costumava trabalhar ouvindo música clássica. “Baixinho”, diz Rosa. Naquele texto gênese de 1938, o jovem estudante vai afirmar que a ingerência do poder estatal só é concebível “quando se limita à vida do indivíduo em função da coletividade”, ou seja, ao homem social. Critica tanto a Rússia bolchevista como

a Itália fascista, onde “o Estado eliminou toda e qualquer iniciativa individual, não só no terreno econômico mas em todos os setores da vida”. Para ele, os grandes estadistas se caracterizam pela profunda intuição da realidade de seu país. “Tais homens procuram compreender o seu povo antes que o povo os compreenda”, escreveu. Mais tarde, Celso Furtado irá mergulhar no estudo de temas relacionados a administração e planejamento. O Estado terá papel importante na formulação de políticas e diretrizes para o desenvolvimento. “No terceiro ano de faculdade, delineia-se o perfil do técnico de administração, que se desdobrará mais tarde no teórico do planejamento, e no primeiro ministro de Planejamento do país”, escreve Rosa. Antes disso, ele trabalha como jornalista. É repórter na Revista da Semana e revisor no Correio da Manhã. Anos depois, descobrirá que quem aplicou o teste para “suplente de revisor” foi Antonio Callado, jornalista, escritor e futuro amigo. Em abril de 1942, a revista publica uma reportagem de 12 páginas do enviado especial Celso Furtado sobre a Semana Santa de Ouro Preto, cidade histórica mineira onde ele e o fotógrafo Arnaldo Vieira passam cinco dias. Quem também estava por lá era a equipe do cineasta Orson Welles. Outro texto daquele ano citará o diretor de Cidadão Kane (1941) em um episódio trágico ocorrido no Rio. Em setembro de 1941, quatro jangadeiros viajaram pelo mar desde o Ceará para tentar se encontrar com o então presidente Getúlio Vargas e reivindicar direitos à categoria. O episódio rendeu reportagem na revista Time. Welles decidiu filmar uma reconstituição da saga dos jangadeiros, mas o trabalho terminou de forma trágica: uma onda na Barra da Tijuca atingiu a embarcação e Manuel Olimpio Meira, o Jacaré, morreu afogado. Rosa lembra, no livro, que durante a adolescência Celso construíra jangadas com amigos, “e a reportagem não assinada que fez com os três sobreviventes perpassa uma indisfarçável emoção”. Com a declaração de guerra do B­rasil a Alemanha, Itália e Japão, C ­ elso embarca, como oficial, com a Força­­Expedicionária REVISTA DO BRASIL Nº 100

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HISTÓRIA

Brasileira (FEB). Era possivelmente o que faltava para abrir de vez o interesse do ­jovem para o mundo. O período 1945-1946 é um das divisões do livro organizado por Rosa Freire, que será complementado pelo capítulo “Os Ares do Mundo” Europeu, que trata dos dois anos seguintes. Período difícil para o mundo, mas rico em reflexões e iniciativas. Celso estuda ciências políticas

na famosa Sciences Po (o Instituto de Estudos Políticos) e economia na Universidade de Paris, onde faria doutorado.

Nova ordem

Na volta ao Brasil, reassume a função no Departamento de Serviço Público (DSP, órgão estadual em que entrara por concurso em 1943), mas por pouco tempo.

Vai ser pesquisador econômico na Fundação Getúlio Vargas. Na esteira da criação das Nações Unidas e na reorganização do mundo do pós-guerra, surge, em 1948, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). É para lá que segue Celso, no início de 1949, seis meses depois do retorno à Europa. Começam os anos de afirmação, conforme a definição de Rosa.

‘Ele sempre viu economia como ciência social’

P

ara Rosa Freire d’Aguiar, quase tudo fica dos chamados anos de formação de Celso Furtado, delimitados até 1948. Tudo correu muito rápido, conforme sua descrição no livro: “Em 1940, era o rapazinho chegado do Norte para estudar direito e que, como tantos de sua geração, quis ser jornalista, sonhou em ser crítico de música e romancista. Em 1945, estava naturalmente mudado pela experiência da guerra; era bacharel de Direito, trabalhava com administração e organização, mas ainda vivia a incerteza das tentativas e tentações”. Em 1948, prestes a completar 28 anos, Celso desembarca mais uma vez no Rio, como lembra Rosa, trazendo na bagagem uma tese de doutoramento, 400 livros e muita preocupação com a administração do país. Uma demonstração de seu zelo com os problemas nacionais após respirar durante anos “os ares do mundo”, conforme expressão do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez que posteriormente seria utilizada pelo economista. Rosa destaca exatamente a visão global de Celso, mas lembra também de sua ênfase na necessidade de se cuidar do planejamento, desde que vinculado ao processo democrático. E acredita que, sem a sua formação humanista, talvez nem houvesse Sudene. “Celso sempre viu economia como ciência social.” O que ficou dos anos de formação para a fase de afirmação?

Mais fácil seria dizer o que não ficou. Por exemplo, o lado romancista. Essa tentativa literária – ele tinha um jeito bonito de escrever. Ele achou que poderia escrever ficção, mas isso não ficou, assim como a música. Ali já tem vários eixos da visão do mundo. Estava ali o método comparativo, que é uma marca da obra do Celso. Ele já está acompanhando o noticiário internacional. Para mim, já estão alguns eixos que o Celso vai continuar. É uma obra de juventude, tem de ser lida em si e por si. No caso do Celso, acho que desde aquele primeiro artigo (Liberalismo Econômico, escrito em 1938, aos 18 anos) tem algumas pistas. Ele foi depurando os textos cada vez mais. Ele era vigiado desde 1947, foi chamado de “velho bolchevi­ que”, “militante comunista”. Mas, ao falar do Estado, havia apontado um “masoquismo social” na Rússia bolchevista...

Em 1947, o Dutra tinha fechado o PC. Tinha um monte de

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comunistas (brasileiros) lá. As pessoas confundem alhos com bugalhos. Mas quando fala do Estado, ele não tinha posto o pé na Europa. Ele certamente tinha essa visão de quem está acompanhando a atualidade. Quando ele diz que o planejamento é uma faca de dois gumes, porque evidente que é importantíssimo, sem planejamento não há Exército que ganhe a guerra, mas também dá na degenerescência da sociedade. O que eu acho curioso é ele ter essa noção tão clara de que o planejamento pode ser tão importante, mas tem de ser vigiado por outras instituições democráticas. Isso era parte do pensamento dele, associar planeja­ mento, crescimento e democracia.

Aí entra o componente democrático. (Rosa lê um trecho do livro, em que Celso Furtado diz que a planificação social não é mais do que uma técnica: “É uma perigosíssima arma de dois gumes. Demonstrando que as técnicas sociais modernas tornam possível dirigir o pensamento do homem, acena para a mais perigosa das armas de opressão”.) É quando ele fala da necessidade de educação para que o homem escape do “canto da sereia” dos ditadores. Permanece atual, não?

Os perigos estão aí, né? Isso é muito a cabeça do Celso. Ele muito jovem tinha uma visão global. Consegue ver em vários espaços ao mesmo tempo.

Em outro texto, sobre os Estados Unidos (Trajetória da Democracia na América, de 1946), Celso identifica no capitalismo uma polarização de forças, a dominação da ordem econômica por grupos minoritários, que fariam pressão contra a expansão das forças democráticas. Ele já mostrava consciência de que o poder econômico po­ deria se sobrepor ao processo democrático?

Certamente, sim. Mas eu acho que seriam quase intuições. A minha ideia ao publicar esses textos era que as pessoas vejam o que ele pensava antes (de se tornar conhecido). Convém notar o peso do poder econômico. Ele mostra que isso também é um perigo, não pode deixar o planejador solto. Se é apenas para pôr um gerente, melhor não. A política é muito mais do que isso.


HISTÓRIA

Celso Furtado vai se tornar, talvez, o principal pensador dos problemas brasileiros e formulador de caminhos para a superação do subdesenvolvimento, com visão de longo prazo, histórica, apontando as desigualdades estruturais do país. Nesse caminho, não faltou quem apontasse o dedo da crítica, às vezes

pouco qualificada, como ocorreu recentemente, no calor da campanha eleitoral. Sem contar a perseguição política. Rosa conta que Celso não gostava de falar do período da guerra. Talvez por ter sido punido, em 1964, com cassação de direitos, por um governo militar e presidido por um herói da FEB, o marechal

Castello Branco. Rosa diz que na volta ao Brasil, já em meados dos anos 1980, Celso foi normalizando sua relação com o passado. “E em nossas idas a Florença, percorrendo a beira do Arno se lembraria da guerra e do blecaute, com a cidade noturna sem luz, em sua feição primitiva, ‘como Dante a percorrera’”.

– e sem querer fazer retórica, entrega o destino de uma região. Se ele não tivesse estudado Ciências Políticas na França, Direito,­ não sei se Juscelino entregaria o destino de uma região no país. Celso tinha a característica de ter uma cultura muito ampla. Ele foi recebido pelo Kennedy. Quando um presidente da Sudene passa uma tarde na Casa Branca? Não existe mais. Celso sempre viu economia como ciência social.

GERARDO LAZZARI/RBA

Em um período acirrado como é o eleitoral, nem Celso Furtado escapou. Um economista ligado a uma das can­ didaturas, Alexandre Rands, do PSB, questionou inclusive se o modelo econômico dele (Furtado) chegou a fazer sentido em algum momento...

Hoje em dia alguém ia querer voltar ao neoliberalismo, depois do que deu? Esta é uma época de vazio teórico. Mas não vai ser com propostas neoliberais que o mundo vai melhorar Ele combinou de maneira equilibrada sua formação intelec­tual/técnica com a humanista?

Eu acho que sim. Se o Celso fez a obra que fez, tentando dialogar com outras esquinas, é porque tinha essa formação humanista. Se ele tivesse feito o que hoje é um curso de Economia, mergulhado em estatísticas e modelos, talvez fosse um excelente cientista matemático. Ele teve um encontro com Juscelino em 1958. Eles nunca tinham se visto. Foi um encontro rápido, no Palácio Rio Negro (em Petrópolis, RJ, que foi residência de verão para vários presidentes), para expor o plano do Nordeste. Juscelino compra o plano dele (a Sudene seria criada em 1959)

Não foi a primeira vez. Quem tinha de ser interpelada é a candidata (Marina Silva). De certa forma, ela disse, voltando atrás em nome dele. Recebi alguns telefonemas das pessoas ligadas à candidata... Ele falou bobagem. Evidente que conhece mal a obra de Celso. Um colunista chegou a elogiar as declarações de Rands, dizendo que o país está cansado do “nacional-desenvol­ vimentismo tacanho”.

Mas, escute, eles vão por o quê no lugar? Você quer uma coisa que foi mais para o beleléu do que o neoliberalismo? Hoje em dia alguém ia querer voltar ao neoliberalismo, depois do que deu? Para mim, é uma loucura. Evidentemente, esta é uma época de vazio teórico. Mas não vai ser com essas propostas neoliberais que o mundo vai melhorar. O país teve redução da desigualdade, mas ainda tem grandes desequilíbrios regionais. Está no caminho certo?

Tem um outro debate que está nascendo agora, se o Brasil se desenvolveu ou apenas cresceu. Sem entrar no mérito, tudo isso são discussões que infelizmente não estão na campanha, que está polarizada em temas como independência do Banco Central, reforma política. Se vier uma coisa de desmonte do Estado, a meu ver vai ser um retrocesso. Você vê (na Europa) uma geração inteira sacrificada em termos de emprego para pagar uma dívida... É muito triste. Melhorou (no Brasil). Falta muito. Agora, se for para trás é pior. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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ECONOMIA

Depois daquele pontapé

PRIVATIZAÇÃO DA USIMINAS Os protestos contra o leilão da siderúrgica não conseguiram impedir a venda da estatal, efetivada em outubro de 1991

A

cena ficou marcada na história das privatizações brasileiras. Em setembro de 1991, um manifestante desferiu um pontapé em um empresário antes do leilão da Usiminas, diante da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. – o leilão seria suspenso e realizado no mês seguinte. Ali, ainda sob o governo de Fernando Collor, começava o Plano Nacional de Desestatização, que ganhou fôlego na gestão de Fernando Henrique Cardoso­e foi analisado em minúcias pelo jornalista Aloysio Biondi, autor de O Brasil Privatizado, livro de 1999 que acaba de ganhar relançamento, dando conteúdo ao debate, reaceso, sobre o papel do Estado na economia. Negócios da China para quem comprou, péssimos para o país, já dizia Biondi. Não se atingiu o objetivo anunciado, de atrair recursos para reduzir as dívidas externa e interna. Aconteceu o contrário, já 28

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que o governo assumiu dívidas das estatais vendidas e as multinacionais ou brasileiras que compraram as empresas não usaram capital próprio, mas tomaram empréstimos no exterior. Biondi fez as contas e apresentou o balan­ço, parcial, do processo de priva­ tização. Até 1998, o governo diz ter arre­ cadado ou transferido dívidas no valor total de R$ 85,2 bilhões. Mas o dinheiro que não entrou ou saiu atingiu a soma de ­R$ 87,6 bilhões. Nas palavras do jornalista, o Brasil “torrou” suas estatais e não teve redução da dívida interna. O jornalista Janio de Freitas escreve a introdução da nova edição. E identifica duas fases da política econômica pós-ditadura: a dos “planos desastrosos” contra a inflação e a do ataque do neoliberalismo, “caracterizada, sobretudo, pelas privatizações do aparelho econômico-estratégico do Estado e de vários serviços públicos”. Nesse processo, ele observa Biondi isolado

MOACYR LOPES FILHO/FOLHAPRESS

Relançamento de livro de Aloysio Biondi sobre privatizações traz à tona debate sobre papel do Estado na economia Por Vitor Nuzzi

PRIVATIZAÇÃO DO BANESPA Funcionária chora ao olhar para sede do banco durante o anúncio da venda para o Santander, da Espanha, em novembro de 2000


no jornalismo econômico. “Um outro processo se iniciava no bojo do conservadorismo: a imprensa se faz porta-voz unânime do neoliberalismo.” Em texto de 1999, em que falava do “escancaramento” da economia e da destruição de todos os mecanismos de proteção nacional, Biondi também criticava a praga do “otimismo delirante” no Brasil. Previsões nunca concretizadas vindas do governo e de líderes empresariais e políticos “absolutamente sabujos, além dos auto-intitulados analistas técnicos, também conhecidos como jornalistas chapa-rosa”. Para Antonio Biondi, filho de Aloysio, esse é um dos fatores que confere atualidade ao livro. “Está consolidado no ambiente do jornalismo econômico um pensa­mento hegemônico. Acompanha-se mais o sobe e desce da Bolsa do que se discute política industrial”, disse à ­Rede Brasil Atual. “Por que o país passa por uma desindustrialização desde os anos 1990 e quais os caminhos para a recuperação? Como a indústria pode alcançar uma posição de respeito no mercado interno e no mundo? Quando você entra no campo das propostas, encontra um vazio. Por isso a obra do Aloysio é atual. O país ainda tem sede de discutir as consequências das privatizações e o papel do Estado como indutor da economia e do desenvolvimento.” Enquanto isso, constata, a pauta jornalística atual “se resume a comentar números (inflação, juros, câmbio, a Bolsa...) sem dar-lhes significado”. A “onda” liberal passou com força também pelo Congresso, diz o professor Francisco Lopreato, do Instituto de Economia

CHRISTINA BOCAYUVA-24.OUT91/FOLHAPRESS

EVELSON DE FREITAS/FOLHAPRESS/NOVEMBRO 2000

CHRISTINA BOCAYUVA/FOLHAPRESS

ECONOMIA

PRIVATIZAÇÃO DO BANESPA Armínio Franga (3º da direita para esquerda, bate o martelo no leilão do Banespa. Ex-presidente do Banco Central é candidato a ministro da Fazenda numa ÍCONE Manifestante antiprivatização da Usiminas chuta investidor diantede Aécio Neves eventual vitória da Bolsa do Rio de Janeiro REVISTA DO BRASIL Nº 100

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NELSON PEREZ/DEZEMBRO 2000

ECONOMIA

PRIVATIZAÇÃO FRUSTRADA Henri Reichstul, presidente da Petrobras no governo FHC, preparava a empresa para o garfo do mercado

da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, em raras vezes se viu algo tão homogêneo. “Grande apoio do Congresso, da mídia, do setor empresarial em várias áreas.” Havia dois projetos naquele momento, avalia. “E o que venceu foi o projeto liberal, que tinha como um dos focos centrais a redução forte do Estado.” O Estado que exerceu papel fundamental na fase de industrialização brasileira, dos anos 1950 a 1980, lembra Lopreato. “Sobretudo pelas empresas estatais. Tiveram um papel crucial no processo de crescimento naquelas décadas.”

Receita de fora

Aí veio a crise do início dos anos 1980, que não é só do Brasil. “Uma centena de países entrou em crise, com o problema da dívida externa. Como o setor público era o principal devedor, houve uma crise fiscal. O Estado, nas mais variadas formas, tinha de pagar dívidas, o que levou a uma crise muito forte do setor público.” A máquina tinha de ser repensada. Lá fora, as gestões Thatcher (Inglaterra) e Reagan (Estados Unidos) mostravam a receita. 30

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“Também se defendeu a redução dos agentes financeiros”, acrescenta o professor da Unicamp, citando a intenção, frustrada, de privatizar Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, além do esvaziamento que foi feito do BNDES. Sobre este, uma declaração recente de Armínio Fraga, que chegou a ser indicado por Aécio Neves como seu futuro ministro da Fazenda, é sintomática. “O BNDES se agigantou nos últimos anos, e isso de certa maneira inibe o mercado de capitais. Tem muito empréstimo que eu achei que não faz o menor sentido. Defendo desmontar isso de forma gradual”, afirmou, durante palestra promovida pela revista Exame em São Paulo, em 13 de agosto. “Estão concentrando muito foco em cima dos bancos públicos, que a partir do governo Lula reassumiram um papel importante”, observa Lopreato. “Se você tira o BNDES, qual é o banco privado disposto a fazer esse papel, para fazer financiamento de longo prazo? Os bancos privados recuaram na época da crise. BB e Caixa assumiram a expansão do crédito.” Há também o caso da Petrobras, que du-

rante o governo FHC quase virou Petrobrax. “Eles culpavam todo o aparato institucional como se fosse o responsável pela crise em que o Brasil entrou nos anos 80. Era claramente uma estratégia de jogar para o mercado, trazendo investidores externos como o grande responsável para alavancar a economia brasileira”, analisa Lopreato. “Não foi bem o que aconteceu”, ironiza. Mas um processo de fato questionável, como foi o da privatização à brasileira, não deve evitar uma reflexão sobre os problemas de gestão no setor público. “Teríamos de melhorar os serviços do Estado brasileiro desde sempre. É um debate que deve ser enfrentado.” No Brasil, observa o professor, as críticas às estatais foram cortina de fumaça para justificar a estratégia liberal de privatização. E o simples repasse de empresas ao setor privado não foi sinônimo de eficiência, acrescenta. “Os serviços continuam tão ineficientes quanto, é só ir no Procon.” Em São Paulo, por exemplo, o setor de telecomunicações, privatizado, liderou o ranking de reclamações no ano passado, com mais de 75 mil queixas.


ECONOMIA

“Até o ministro Joaquim Barbosa reclamou da tarifa de celular no Brasil. E digamos que ele é insuspeito”, diz o advogado João Roberto Egydio Piza Fontes, que apresentou ações – algumas ainda correndo na Justiça – para tentar barrar alguns dos leilões de privatização, como o do Banespa, a pedido do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Segundo ele, houve casos de “atropelo total” à lei de licitações, entre outras irregularidades. “O cliente Estado frequentou gabinetes de ministros do Supremo (Tribunal Federal). Pelo menos em dois casos de que participei. Era uma verdadeira fila indiana de ministros.” Ele enfatiza que a questão não é partidária, mas geopolítica. Trata-se, segun-

do ele, de proteção do patrimônio estratégico público brasileiro. “O processo de privatização no Brasil foi mais selvagem que o da Inglaterra, que ainda tentou pulverizar o controle (acionário). Aqui, nem isso.” Piza Fontes acrescenta que privatizar, ou não, é uma opção de governo. E possível, desde que seja feita dentro da lei. Mas há empresas estratégicas que devem permanecer sob controle do Estado. Fazer relação imediata entre Estado e ineficiência embute discurso um ­ideológico “não relacionado com a verdade fática”, diz o advogado. “Os grandes quadros burocráticos europeus são estatais.” Ele acrescenta que só deixará de acreditar na importância estratégica do Estado

se “deixarem de socorrer os grandes bancos americanos ou privatizarem a Nasa”. Piza Fontes também destaca o papel dos bancos públicos no Brasil, “que sustentaram o crédito para a produção, pública ou privada”. E durante a crise mundial deflagrada em 2008, a partir da economia norte-americana, foi o Estado que entrou para socorrer o sistema financeiro e empresas (privadas). “Nessa visão liberal, o mercado é o grande condutor, capaz de bancar uma estratégia de desenvolvimento – enquanto está indo tudo bem. Na hora de crise mais profunda, é ao Estado que tem de recorrer”, diz Lopreato. “Na hora da crise, chama o papai”, brinca.

Crítico solitário Biondi: voz dissonante do jornalismo econômico

ARQUIVO DA FAMÍLIA

“O trabalho de Aloysio Biondi tornou-se uma sucessão de problemas para ministros da área econômica”, escreve Janio de Freitas na abertura do livro que reúne as análises do jornalista sobre o processo brasileiro de privatizações. Ao citar uma frase de Biondi – “Queremos o Brasil de volta” –, Janio anota uma feliz constatação histórica, relacionada ao fazer jornalístico, situando o autor como caso único no país. “Nestes tempos em que tanto mais se fala em jornalismo investigativo quanto menos a imprensa se interessa por jornalismo, é inquestionavelmente certo que Aloysio Biondi, que morreu em 2000, foi um dos pioneiros do jornalismo investigativo no Brasil. Com farta antecedência”, afirma Janio. “Ainda mais importante: fez jornalismo investigativo no jornalismo de economia. Caso único entre nós.” Biondi fazia pesquisa minuciosa e sabia “ler” números. Confrontou fundamentos econômicos e sociológicos invocados pela política da ditadura com jornalismo. Ele nota que o fim do regime autoritário não mudou, na essência, a política econômica. “Os modos de aplicá-la mudaram, mas continuaram na mesma a concentração crescente da renda, a submissão ao FMI e seu elitismo econômico-financeiro, os desatinos na agricultura, a inexistência de política industrial, e por aí afora”, descreve Janio, observando o quanto o colega vai se tornando voz isolada em seu meio. “Aloysio Biondi chama a si a tarefa de confrontar as evidências da realidade e dos interesses nacionais e, de outra parte, os argumentos falaciosos e os interesses particulares que movem a privatização.” O advogado Piza Fontes o define como personagem das trincheiras dos jornais. “Sua atuação rompeu o silêncio medíocre da imprensa sobre o problema das privatizações. No jornalismo, a solidão era total.” Segundo ele, Biondi, alguns “poucos e corajosos” do Ministério Público, sindicalistas e acadêmicos foram contra a corrente, impedindo que o Brasil caísse completamente no canto da sereia liberal. “Foi graças à resistência desses brasileiros que conseguimos enfrentar todas as crises cíclicas até hoje. Se não tivéssemos essas empresas e os bancos públicos, teríamos arrebentado o país”, afirma. No artigo em que pedia “o Brasil de volta”, em setembro de

1999, publicado na extinta revista Bundas, Aloysio Biondi citava outro ícone do pensamento nacional, tema de texto nesta edição. “Reverencialmente, peço licença ao mestre Celso Furtado para repeti-lo: ‘Nunca estivemos tão distantes do país com que sonhamos um dia’.”

Arquivo aberto ao público

Com 60 mil recortes de jornal, 3 mil livros, 3 mil revistas e 5 mil artigos, entre outros itens, o arquivo do jornalista (www.aloysiobiondi.com.br) está acessível ao público. O acervo fica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) REVISTA DO BRASIL Nº 100

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Que venham outras centenas Há 100 edições, a Revista do Brasil pratica a democratização do acesso à informação. Até aqui, uma missão 100% cumprida 100% é o povo brasileiro. Todos os que não desistimos, não esperamos e fizemos acontecer Patricia Schuster, jornalista, doutoranda da Universidade Federal de Santa Maria (RS)

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ompletar 100 meses de circulação é, no apertado mundo editorial de hoje, um feito a ser celebrado. Mais ainda num universo em que transitam algumas centenas de publicações e em quem a cada se diagnostica que os veículos impressos estão com os dias contados pelo avanço da era digital. Mas esta Revista do Brasil chegou lá. Ou melhor, está aqui, em sua mãos, pelo centésimo mês seguido. Por isso, perguntamos às pessoas o que é “100%” para elas. As respostas estão nesta e nas três próximas páginas. Era início de 2006 quando começaram as reuniões que definiriam seu perfil editorial. Por iniciativa dos sindicatos dos Bancários de São Paulo e dos Metalúrgicos do ABC – então presididos por Luiz Claudio Marcolino e José Lopez Feijóo –, formou-se um grupo de dirigentes de diversas entidades que se agregariam ao projeto, jornalistas que já haviam vivido a experiência de produção de revistas no mundo dos sindicatos, na imprensa comercial e também na chamada imprensa alternativa, e intelectuais que traziam sua experiência no mundo da pesquisa, da produção de informação. O principal consenso: era preciso parar de reclamar dos veículos e reportagens da imprensa corporativa, movida a interesses políticos, ideológicos e comerciais. E ter o seu próprio veículo. Que reconheça o papel do Estado como condutor de po-


“Mostramos que é possível produzir informação que leve em conta a realidade dos trabalhadores” Luiz Claudio Marcolino

“Ao chegar nas escolas, estimula debates entre professores, entre estudantes e entre professores e estudantes” Rosilene Corrêa

líticas públicas humanizadas, que ponham a vida das pessoas à frente de seus objetivos. Que trate a política e a economia pelos impactos que produzem na vida dos trabalhadores e suas famílias. Que valorize a qualidade e a diversidade de nossa cultura, com espaço para o novo e memória para o que nunca envelhece. Que estimule a defesa da cidadania, dos direitos humanos; e o interesse por uma leitura prazerosa, com visão crítica do presente e um olhar transformador para o futuro. Que pudesse ser consumida e compreendida como uma parceira da educação e da construção do conhecimento. Foram meses de discussão até que se chegasse a esse título e esse formato, que se tornou realidade em junho daquele ano.

JOSÉ CRUZ/ABR

ACERVO SINPRO DF

ROBERTO NAVARRO/ALESP

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“É um importante ponto de partida para enfrentar o monopólio existente no país e furar o cerco dessa cultura de dominação” José Lopez Feijóo

Para Rosilene Corrêa, diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal, entidade que participa dessa empreitada desde o início, a revista foi uma forma prática de contribuir para o fortalecimento da democracia no Brasil. “Sabemos que este ainda é um pequeno espaço. Mas temos certeza de que nossa contribuição é importante para que cada vez mais pessoas tenham acesso à informação não pasteurizada, com resultado promissor para que a sociedade brasileira exerça seu direito de reflexão”, diz. Segundo a professora, a publicação é uma ferramenta que, mais do que servir para a comunicação em si, possibilita o debate, auxilia na construção de visão crítica para quem trabalha com educação. “Ao chegar nas escolas, estimula debates entre 100% para mim é a solidariedade e a justiça social Cacá Jacomuci, professor, Sorocaba, SP

99 + 1 = inclusão de todos Lineu Kohatsu, professor e Beatriz Mafra Kohatsu, estudante, São Paulo

Brasil 100% para mim é uma periferia mais incluída na cidade Lívia Lima, jornalista do coletivo Nós, mulheres da Periferia, São Paulo

100% é evoluir como ser humano. De corpo, alma e coração. Se colocar no lugar do outro. Ter uma política mais honesta, um movimento social integrado e um mundo onde todos tenham oportunidade. Vania Federovicz, produtora cultural, São Paulo

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professores, entre estudantes e entre professores e estudantes. Os temas possibilitam a inflexão nas diferentes matérias, de forma interdisciplinar, colaborando no processo educativo, motivador para o exercício da cidadania, que exige conhecimento histórico, avaliação da conjuntura e ação para a transformação do futuro”, afirma a professora. “Comunicação e educação possuem função social, são ferramentas para a tomada de consciência de quem somos e quem queremos ser. A democratização do acesso a ambos pode nos conduzir a uma sociedade formada por pessoas que respeitam as diferenças e a pluralidade, essenciais para um país moderno e humano, com sentimento claro de que é a diversidade a nossa mais importante riqueza.” Essas características têm feito da publicação, inclusive, objeto de pesquisa acadêmica sobre as possibilidades do jornalismo. É o caso da jornalista Patricia Schuster, que desenvolve pesquisa de doutorado na área de Comunicação Midiática na Universidade Federal de Santa Maria (RS). “Como pesquisadora, posso

100% é o amor ao próximo e o engajamento social Danilo Barra, rapper e jornalista, São Paulo

100% será o Brasil sem miséria Juca Kfouri, jornalista, São Paulo

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100% é o total respeito às diversidades culturais, religiosas, sexuais e de gênero Camila Duran, estudante, Santo André (SP)

100% é viver e não ter a vergonha de ser feliz Will Carvalho, advogado, Diadema (SP)

dizer que a publicação é muito frutífera para os olhares acadêmicos. Mas principalmente como leitora, afirmo que se trata de um veículo raro, ímpar no mercado editorial brasileiro. Refiro-me não só a qualidade gráfica, mas, sobretudo, editorial. O jornalismo que tira o trabalhador da margem e o coloca como protagonista da sua história” define. “Ela é assumidamente comprometida com uma causa – inerente às organizações sindicais que a financiam – e ao mesmo tempo fiel aos princípios basilares do bom jornalismo. Ao contrários de algumas titãs, que travestem-se de jornalísticas, quando, na realidade, embalam comercial em informação.”

Referência

Para o ex-dirigente bancário Luiz Claudio Marcolino, hoje deputado estadual pelo PT em São Paulo, esse projeto de comunicação se tornou referência no universo da comunicação brasileira. “Quando conseguimos dialogar com vários sindicatos

100% um mundo livre com socialismo e liberdade Victor Petrucci, Campinas (SP)

100% é viver em paz e harmonia com a natureza João Marcos Rosa, fotógrafo, Nova Lima (MG)

100% é ter outras opções de leitura, leitura humanizada Érica Aragão, São Bernardo do Campo (SP)

100% é um país que zele e cuide da educação e ser composto por pessoas que gostem e vivenciem a arte Sonia Magalhães, artista plástica e ilustradora, São Paulo


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100% para nós é trabalhar para valorizar o Centro Histórico de São Paulo Projetos Caminhos do Triângulo, guias de turismo de São Paulo

100% é viver intensamente cada momento Ione Veloso, São Paulo

100% é um país com presente digno e as pessoas com direito a sonhar um futuro melhor Sérgio Amaral, Brasília

100% é um país em que os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos sejam praticados sempre Denise Felipe, editora, Itapeva (MG)

100% é ser respeitado como ser humano e cidadão Daniel Santos, pastor da Igreja Betesda, São Paulo

100% é a Dilma e o governo dela Celio Calmon, Brasília

sobre a importância da comunicação na vida dos trabalhadores, alcançamos um marco no processo da democracia brasileira. Mostramos que é possível produzir informação que leve em conta a realidade dos trabalhadores não apenas dentro de seu ambiente de trabalho, mas como cidadãos”, afirma. Marcolino destaca que era esse o objetivo almejado há mais de oitos anos, quando se pensou na revista já como parte de um projeto mais abrangente. “É gratificante constatar que conquistamos o espaço hoje ocupado pela Rede Brasil Atual, o portal, a rádio, os jornais, TVT, que agora está recebendo investimentos para crescer. Estamos promovendo uma alternativa de diálogo social. E, mais importante, contribuindo para a produção do conhecimento, estimulando a reflexão ou simplesmente proporcionando acesso a uma boa leitura.” Hoje assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República, Feijóo lembra que a revista nasceu da necessidade do movimento sindical de oferecer uma nova plataforma para toda sociedade, que representasse um novo paradigma em comunicação. E considera que a “longevidade” alcançada e a

100% é democracia na produção midiática Aldo Escobar, Vitória

100% é a reforma política e da comunicação, básicas para a democracia Rosiver Pavan, Secretária de Relações Internacionais CUT

ROBERTO PARIZOTTI/CUT

100% seria uma sociedade mais justa, menos preconceituosa e violenta Márcia Minillo, São Paulo

100% é amar a minha família cem por cento Luíza Peixoto, São Paulo

perspectiva de expansão dessa rede atestam o quanto a proposta é bem-sucedida. “Dialoga com a sociedade e a classe trabalhadora com assuntos que estão presentes na vida das pessoas e respeitando a sua realidade. A lógica das publicações da mídia corporativa faz com que suas pautas sejam movidas por interesses empresariais, enquanto a revista é um produto dos e para os trabalhadores, colada com as questões que dizem respeito a sua vida”, avalia. O ex-dirigente dos metalúrgicos do ABC e da CUT reitera que desde o início levava-se em conta que um único veículo não bastaria. Daí a criação do portal, dos investimentos na rádio, na TVT e na parceria com veículos comunitários. “É um importante ponto de partida para enfrentar o monopólio existente no país e furar o cerco dessa cultura de dominação. Furar esse cerco é contribuir com a democracia. E ter chegado até esse número 100 é uma celebração de nosso êxito. Agora, espero que a travessia até o número 200 se dê em menos tempo que esses oito anos e pouco. Ainda sonho com uma nova revista semanal.” REVISTA DO BRASIL Nº 100

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Quem muda o futebol brasileiro?

FERNANDO BIZERRA JR./EFE

Jogadores, jornalistas e torcedores preocupados cobram uma reestruturação que valorize o esporte mais popular do país, mas os desafios para essa evolução são grandes

CARLOS VILLALBA RACINES/EFE

PODERIO ALEMÃO Na Alemanha, as partidas são transmitidas pela TV pública e a presença média nos estádios é de mais de 40 mil torcedores por jogo durante o campeonato nacional, o mais visto da Europa. No Brasil, a média é de 15 mil pessoas

s 7 a 1 daquele 8 de julho foram a gota d’água para comentaristas, jornalistas e torcedores clamarem por mudanças que, até agora, parecem longe de se vislumbrar. É preciso lembrar, porém, que se a seleção reflete a desestruturação do futebol no país, não é o seu retrato mais fidedigno. Basta lembrar que o Brasil foi campeão mundial duas vezes (1994 e 2002) com Ricardo Teixeira na presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a finalista Argentina teve seu futebol comandado desde 1979 pelo cartola Julio Grondona, morto em agosto. Os números mostram que os problemas de comando do esporte mais popular do planeta foram mascarados por resultados eventuais. De acordo com o ranking mundial de públicos nos estádios divulgado pela Pluri Consultoria, o campeonato brasileiro foi apenas o 15º em média de pessoas por jogo na última temporada, próximo dos 15 mil, com ocupação média de assentos disponíveis nos estádios de 39%. Isso coloca o país atrás de ligas como a dos Estados Unidos, Japão e China e das segundas divisões de Inglaterra e Alemanha. O México e a Argentina também estão na frente. A ausência de torcedores desvaloriza o espetáculo e tira dos clubes brasileiros uma fonte preciosa de receita. Um ranking com as 13 principais agremiações do país feito pelo consultor de mar­ ke­ting e gestão esportiva Amir Somoggi, baseado em balanços financeiros de 2013, mostra que as bilhe­terias rendem menos aos clubes do que a venda dos direitos federativos de atletas, cotas de TV, patrocínio e publicidade, e quadro social, cerca de 10% das receitas. Algo ainda distante dos principais clubes europeus, que faturam entre 25% e 30% de suas receitas com o público nos estádios. A melhor média de público dos campeonatos brasileiros recentes aconteceu em 1987, ano em que se experimentou o embrião do que poderia ser uma solução para o fortalecimento do esporte no Brasil: a Copa União, ocasião única em que os clubes brasileiros decidiram tomar a frente da organização do campeonato. A Copa União nasceu em um momento de crise política e financeira da CBF, que anunciou em junho de 1987 que não teria recursos para realizar o campeonato nacional naquele ano. Nesse momento, 13 dos clubes mais tradicionais do país (os grandes de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, mais o Bahia) articulam a da União dos Grandes Clubes Brasileiros, o Clube dos 13. “Pela primeira vez, o torneio foi traREVISTA DO BRASIL Nº 100

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O poder da TV

A proposta do Clube dos 13 era ser uma liga que reunisse apenas os seus membros, com maior capacidade de mobilizar recursos e público para garantir um campeonato financeiramente sustentável. A CBF apoiou a iniciativa e teve como única exigência a inclusão de mais três clubes. Foram convidados Coritiba, Santa Cruz (PE) e Goiás, clubes mais populares de seus estados. O torneio teve patrocínio da Rede Globo, Coca-Cola e Varig. No entanto, a decisão de deixar de fora clubes bem classificados no ano anterior, como América-RJ, Guarani, Portuguesa e Sport Recife deixou muitos descontentes e a CBF encontrou aí a brecha para recuperar terreno, criando uma celeuma que dura até hoje sobre quem seria o campeão daquele ano. O Flamengo, vencedor da Copa União, ou o Sport, que triunfou na competição que a CBF acabou organizando. A média de pagantes naquele ano foi de 20.877, a segunda maior da história do campeonato nacional. Somado ao dinheiro de patrocinadores, o resultado apontou para a viabilidade de uma liga organizada pelos próprios clubes. É o caso das competições nacionais mais valorizadas do mundo: a liga inglesa, com valor de € 3,6 bilhões; a espanhola, € 2,5 bilhões; a alemã, € 2,3 bilhões; e a italiana, € 2,1bilhões. O brasileirão aparece na décima posição, valendo € 672 milhões, atrás de França, Rússia, Turquia, Portugal e Ucrânia, todos campeonatos organizados pelos próprios clubes. Aqui, o embrião surgido não avançou. O Clube dos 13 rapidamente aliou-se à CBF, que voltou a ser a organizadora do Brasileiro em 1988. Depois disso, a associação dos clubes deixou de lado o plano de controlar sua própria liga e passou a atuar principalmente na venda dos direitos de transmissão para a televisão – tema que, anos mais tarde, seria o motivo de seu fim. 38

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A TV é outro grande pilar da estrutura do futebol brasileiro. Os direitos de transmissão são a principal fonte de recursos dos clubes, que dá enorme poder para a Rede Globo, como demonstrado em 2011, levando ao fim do Clube dos 13. A polêmica se iniciou com a derrubada, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade, do Ministério da Justiça), de uma cláusula preferencial no contrato assinado pelo Clube dos 13 com a Globo, que permitia à empresa negociar antecipadamente a renovação do contrato e cobrir eventuais propostas de concorrentes – na prática, inviabilizando a concorrência. Com a derrubada, o Clube dos 13 organizou um processo de licitação para negociar as temporadas de 2012, 2013 e 2014. A Globo reagiu e passou a negociar individualmente com os clubes, que iniciaram um movimento de debandada. O Corinthians foi o primeiro a se desligar, no que foi seguido pelo Botafogo. Com o tem-

po, todos os times definiram sua situação com a antiga parceira, num modelo novo e mais desigual de negociação, que ampliou drasticamente a diferença paga entre os 12 clubes de maior torcida (em especial Corinthians e Flamengo) e os demais. Para Amir Somoggi, a distribuição pode ser um problema, ainda que seja normal que os clubes grandes ganhem mais. “Na Inglaterra, o formato não permite tamanha discrepância como no Brasil. Clubes de ponta como Manchester United e City não ganham 2,5 mais que do que o clube que menos ganha”, afirma. Segundo ele, a fórmula adotada pelos ingleses prevê que 50% do volume seja fixo para todos os clubes, e 50% é dividido em dois grupos de 25% cada: um que premia por desempenho – e que deveria ser implementado no Brasil, de acordo com ele – e a outro correspondente ao número de jogos transmitidos. As medidas visam a competitividade e valorizam a Premier League como um to-

TELA PERIGOSA No futebol brasileiro, a Rede Gobo dita regras: elimina concorrência, define horários e, indiretamente, diz até qual time joga ou não

KAI FÖRSTERLING/EFE

tado como produto, com licenciamento da marca e cuidado para promover cada rodada como se fossem grandes eventos”, avalia o jornalista Ubiratan Leal, em artigo no site Balípodo.


CELSO PUPO/FOTOARENA

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ABANDONO Estádio vazio é regra no “país do futebol”. O Brasil tem menos público por partida que países como Estados Unidos e China

do – beneficiando o conjunto dos clubes. “O Manchester United, por exemplo, vai ter mais partidas transmitidas, só que se exige um mínimo de jogos transmitidos pra cada clube. A liga inglesa controla tudo, é responsável pela competição e pela marca Premier League”, explica.

Mobilização

Outra opção da CBF que prejudica os clubes é o calendário do futebol brasileiro. Mas não veio deles uma reação. A divulgação do calendário causou uma movimentação de atletas dos principais clubes do país no ano passado, resultando na formação do Bom Senso FC, primeira associação que reúne jogadores de futebol em prol de melhorias no esporte. A questão das datas das competições está longe de ser trivial e é ligada intimamente às relações de poder exercidas pela confederação. A estrutura que sustenta a CBF envolve

as federações estaduais. O dirigente máximo do futebol brasileiro é eleito por apenas 47 votos: os presidentes das 27 federações e dos 20 clubes da primeira divisão. As negociações passam por uma relação de favores entre CBF e suas congêneres nos estados. O principal trunfo é o calendário, que mantém um grande espaço para os cada vez mais esvaziados campeonatos estaduais. A média de público nos campeonatos locais é um dos termômetros para o desinteresse. Os 25 principais fecharam 2013 com público médio de 2.526 pagantes por jogo, 9,4% a menos que o registrado em 2012 (2.790). O campeonato mineiro, que teve o melhor desempenho, apresentou média de 6.451 torcedores por jogo. Mesmo assim, os torneios se mantêm. O Bom Senso FC denuncia o exagerado número de partidas que os times precisam cumprir a cada ano, muito acima de seus

concorrentes europeus, expondo jogadores a uma carga de trabalho elevada e forçando os clubes a manter elencos inchados para dar conta de contusões e suspensões. Em 2013, o Bayern de Munique, que disputou todos os jogos possíveis em seu país no ano passado, tendo sido campeão de três das quatro competições que disputou, fez 59 partidas. Já o Corinthians fez 75 jogos oficias na temporada, 27% a mais que os alemães, isso porque foi eliminado precocemente da Libertadores e da Copa do Brasil – se tivesse avançado até o final em todas as competições, teria feito 85 jogos no ano, 44% a mais. Do total de jogos, 23 foram no campeonato paulista. “Há diversas maneiras de se agradar as federações, mas nada lhes dá mais prazer, estabilidade e consequente apoio ao ‘candidato’ à CBF, do que a manutenção dos estaduais. Se você prometer não tocar na galinha dos ovos de ouro, nenhum mal REVISTA DO BRASIL Nº 100

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lhe acometerá”, afirmou o zagueiro Paulo André, uma das lideranças do Bom Senso, em sua conta no Facebook. Segundo ele, a receita das federações cresceu, em média, 25% em 2013 se comparada com o ano anterior. “No total, a soma das arrecadações dessas entidades atingiu R$ 132 milhões, mesmo com a decadência técnica e de público dos campeonatos. A Federação do Rio de Janeiro, por exemplo, aumentou 32% de sua receita de 2012 para 2013. Apesar disso, 80% dos clubes da primeira divisão tiveram prejuízo durante o período da competição. Ora, para quem serve esse formato?”, questiona o jogador. O Bom Senso tem se movimentado para tentar alterar essa situação e já elaborou propostas como o estabelecimento de um número de partidas mais equilibrado entre os clubes grandes – que hoje dispu-

tam partidas em excesso – e os pequenos – que passam a maior parte do ano excluí­ dos do calendário. A CBF divulgou alterações no calendário para 2015, prevendo 25 dias para pré-temporada e diminuindo os estaduais de 23 para 19 datas. O Bom Senso FC considerou que o calendário “não foi reestruturado, apenas espremido”, sem resolver problemas como a escassez de jogos para times do interior. Ainda segundo a associação, o limite imposto de 65 partidas por jogador na temporada é um “me engana que eu gosto”, pois defende que reestruturar o calendário dos clubes não é só limitar o número de jogos dos atletas. Os membros do Bom Senso já se encontraram com a presidenta Dilma Rousseff, conversaram com o Ministério do Esporte e também foram ao Legislativo. É aí que se trava uma de suas mais recentes batalhas.

O Projeto de Lei 5.201/13, originalmente chamado Programa de Fortalecimento dos Esportes Olímpicos (Proforte) e que se tornou a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, está sendo discutido na Câmara dos Deputados e deve voltar à pauta dos parlamentares depois das eleições. O objetivo é resolver o problema da dívida dos clubes com o fisco, valor estimado em R$ 3,7 bilhões, mas que pode ser maior. De acordo com o projeto, que tem a relatoria do deputado federal Otavio Leite (PSDB-SP), os clubes teriam 25 anos para quitar obrigações com a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o Banco Central e pendências com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). No prazo de até um mês antes de uma competição, os clubes deverão apre­sentar certidão negativa de débito­ (CND) para poder participar. Caso

Quando está em discussão a dificuldade até de clubes grandes para segurar jogadores, muitos a atribuem à Lei 9.615/98, ou Lei Pelé. Mas será? “A Lei Pelé é o resultado de um processo que se iniciou com base na Lei Zico, de 1993, que trazia conceitos de uma legislação mais modernizante com pontos como a auditoria de clubes e possibilidade de transformação do clube em empresa, por exemplo. Isso era parte da lei, que incorporou um movimento que veio da Europa, onde o passe acabou e em seu lugar foi instituído um contrato de trabalho entre clube e jogador”, explica Amir Somoggi. O episódio envolvendo o jogador belga Jean Marc Bosman é um marco em relação às transferências de atletas. Depois de encerrar seu contrato com o Liège, da Bélgica, o meia foi impedido de se transferir para o francês Dunkerke, por conta de seu passe pertencer ao clube de seu país natal. Ele foi à Justiça e venceu. 40

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Com todos os países adaptando suas legislações à decisão, atletas e seus agentes e empresários ganharam maior poder de barganha. Isso foi sentido mais em alguns países do que em outros. “O problema da lei foi dar muita liberdade dentro de uma estrutura que era arcaica, e ainda hoje é”, explica Somoggi. “Mas a lei foi publicada em 1998 e entrou em vigor em março de 2001, ou seja, houve tempo para os clubes se prepararem, mas eles não o fizeram”, aponta. Como exemplo, Somoggi lembra os casos das saídas de Diego e Robinho do Santos, em 2004 e 2005. “A diretoria do clube deu fatias dos direitos econômicos para os atletas nas negociações, algo ao qual não se viu obrigado. O Santos cedeu porque a negociação estava emperrada. No geral, se fizermos as contas na ponta do lápis, os clubes perdem por conta própria, não por conta do fim da Lei do Passe”, sustenta.

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CAETANO BARREIRA/EFE

A culpa é da Lei Pelé?

Robinho e Diego, em 2003, na época ainda jogando no Santos

Se as parcerias com empresários ou grupos financeiros podem ajudar a manter atletas de ponta nos clubes grandes, por outro

lado diminuem a receita com a transferência do jogador mais adiante. A agremiação ganha no curto prazo, mas perde no longo.


MARCELO MACHADO DE MELO/FOTOARENA

ESPORTE

RARA INICIATIVA O Bom Senso denuncia a estrutura precária do futebol brasileiro, que vai do calendário às condições de trabalho

não tenha sido honrado o acordo de refinancia­­­mento, o projeto prevê o rebaixamento como punição. Em seu site, o Bom Senso critica o fato de essa ser tida como a única possibilidade de sanção. “Defendemos o rebaixamento em caso de não apresentação da CND, mas não podemos contar apenas com isso. Precisamos de mais instrumentos de fiscalização e mais tipos de punição, para não punir apenas os Málagas, mas também os Real Madrids e Barcelonas”, defende a associação. A entidade sustenta que as certidões não garantem o pagamento das dívidas, apenas que os devedores nego­ ciaram com seus credores. “Muitos clubes r­ ecebem, por exemplo, patrocínio da Caixa Econômica Federal, empresa pública que exige a CND. E nem por isso estão em dia com as suas dívidas fiscais”, diz a entidade. “Se for aprovada como está, a lei não pu­nirá nenhum clube”, diz o Bom

Senso, que se posiciona pela aprovação da lei ressaltando ainda que as “contra­ partidas aos clubes precisam ser mais ­rigorosas e fiscalizadas”. A entidade quer incluir a possibilidade de rescisão do contrato do atleta­que tiver seu pagamento de ­direitos de imagem atrasado por período ­superior a três meses. Há ainda outros pontos de divergência, como a aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para o pagamento das dívidas, que é de 5%, enquanto o governo pretende que ele se dê pela Taxa Selic, hoje em 11%. O especialista em Gestão Esportiva Pedro Trengrouse, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que é necessário também responsabilizar as confederações e federações pela situação financeira dos clubes. “No Rio de Janeiro, no campeonato estadual, nos 120 jogos da primeira fase, os clubes tiveram um prejuízo acumulado de R$ 500 mil, enquanto a federação arrecadou R$ 800 mil nesses

mesmos jogos”, disse à Agência Câmara. Algo que fica claro em todas as etapas da discussão é a responsabilidade dos ­dirigentes na atual situação do ­futebol brasileiro, seja nas federações ou nos c­ lubes. “Perceba que quem quer a mudança são as pessoas e as entidades que estão ­fora do sistema. Os dirigentes se posi­cionam de forma alheia a este processo, pois olham tão somente para a proteção dos interesses dos seus grupos e, por conta­disso, resistem à inovação, que poderia desar­rumar o controle que possuem atual­mente”, avalia Geraldo Campestrini, consultor em marketing esportivo e colunista da Universidade do Futebol. Ele destaca a importância da ação dos atletas. “As grandes mudanças no sistema ocorridas no esporte pelo mundo surgiram de atletas a partir do momento que assumiram posições mais drásticas, como greves ou ações individuais ou coletivas na Justiça”, aponta. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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VIAGEM Praia dos Ranchos, Trindade

Mar, pedras e letras

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és demasiado urbanos podem estranhar o caminho das pedras no chão do centro histórico de Paraty, entre o litoral norte de São Paulo e o litoral sul do Rio de Janeiro, em uma antiga rota do ouro, que saía do Brasil colônia para Portugal. O calçamento, chamado “pé de moleque”, é irregular – contam que até os anos 1980 as pedras estavam alinhadas, antes de serem retiradas para instalação de rede de esgoto. Mas aquelas três dezenas de quarteirões contam histórias, entre seus sobrados, igrejas e praças. E tem mares e livros também.

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Calçamento de pedras irregulares remete Paraty a cidades como Tiradentes (MG)

FOTOS VANDER FORNAZIERI

Paraty cresceu como rota do ouro brasileiro. Hoje, além da riqueza histórica e da natureza, entrou no roteiro cultural Por Vitor Nuzzi


VIAGEM

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha comparou Paraty a ­Veneza, ao observar que as duas cidades foram construídas em terrenos inadequados por motivos comerciais: havia baías com águas calmas para fundear navios. “Como atingir o coração da Europa para expandir o comércio? Em Veneza. Como trazer escravos e levar ouro do Brasil? Por Paraty”, afirmou, durante a mais recente Festa Internacional Literária de Parati, a Flip, que há dez anos introduziu um novo roteiro, desta vez cultural, à região. O evento surgiu em 2003, ainda com o nome “festival”. E era Parati com “i” mesmo, para enfatizar o convite ao visitante – “para você”. Durante cinco dias, entre julho e agosto, movimenta a região, invadida por escritores, leitores e curiosos, em lançamentos, saraus e debates. Este ano, foi feita homenagem ao escritor Millôr Fernandes, com exposição na Casa da Cultura, uma bela construção do século 18, perto da Matriz de Nossa Senhora dos Remédios e do cais. Fica ali na rua Dona Geralda, entre as ruas da Praia e da Matriz. Caminhos de pedras, por trechos que se alargam e se estreitam. À noite, uns mais iluminados, outros na penumbra.

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

VANDER FORNAZIERI

As ruas próximas ao mar são invadidas pela maré alta

Entre julho e agosto, Paraty vira a cidade dos livros

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VIAGEM

RODRIGO SOLDON/FLICKR/CC

A igreja de Santa Rita, vista do mar, faz contraste com as montanhas da Mata Atlântica: o cartão-postal mais conhecido da cidade

A mata e o mar

Situada na quarta maior baía do país (a de Ilha Grande), a cidade é um convite lógico ao passeio marítimo, por escunas, 44

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Degustação de cachaça nos alambiques faz parte da viagem

VANDER FORNAZIERI

Em uma dessas festas, o escritor Luis Fernando Verissimo cometeu uma gafe e chamou o evento de “Clip”. Anos depois, já em 2012, arrumou saídas engenhosas para consertar: o “c” poderia se justificar porque os organizadores “conspiravam” para deixar as pessoas mais inteligentes. Poderia ser ainda de cachoeiras, de conceitos, de conversa, de conhecimento ou mesmo do circo da Flipinha, a festa para crianças, voltada especialmente para os estudantes da rede pública da região. Mas poderia ser “c” de cachaça também. O local já foi sinônimo da bebida. Basta lembrar de Camisa Listrada, uma das obras-primas de Assis Valente: “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/ Em vez de tomar chá com torrada ele tomou Paraty”. A região, que já chegou a ter 200 engenhos, ainda atrai também por seus alambiques, que formam parte do roteiro turístico. Para quem gosta, o centro histórico tem algumas lojas especializadas. Ou “c” de cachoeiras. Como a do Tobogã ou da Penha, na estrada Paraty-Cunha. Ou, ali pertinho, o Poço do Tarzã, uma piscina natural. Tem também a cachoeira do Melancia, do Iriri, do Taquari... Ou a vila de Trindade, em área de proteção ambiental. A estrada que leva até lá fica a 17 quilômetros do trevo de Paraty. Ou a praia Vermelha, ou a da Lula, ou a do Sono. Ou a Ilha do Araújo.


VIAGEM

lanchas, veleiros. Só o município tem mais de 50 ilhas. O viajante pode optar por viagens de escuna oferecidas por agências locais – em geral, de cinco horas, com quatro paradas e serviço de bordo – ou pequenos pacotes fechados, com paradas em praias e mergulhos. É difícil imaginar que alguém possa ir a Paraty e não conhecer uma das mais bonitas baías brasileiras, onde a Mata Atlântica encontra o mar. Há também barcos a motor oferecidos ao visitante que caminhar pelo cais. Todos pagos, claro. Fretar um barco para um grupo menor pode, inclusive, proporcionar um passeio mais em conta e com roteiro mais flexível. Mas o ideal, por questão de segurança, é ter a indicação de alguém de confiança para essa via mais alternativa. Opções não faltam. Depende da disposição e do grau aventureiro do visitante, que pode escolher mais tranquilos ou mais puxados. Por terra (longas trilhas) ou pela água (lancha), se chega, por exemplo, ao Saco do Mamanguá, uma das belas vistas da região, um braço de mar avançando no continente – o chamado fiorde. O caminho mais rápido para lá se dá por barco, a partir da praia de Paraty-Mirim. No século 17, a região virou rota para o transporte de ouro vindo de Minas Gerais, para o Rio de Janeiro e posteriormente para Lisboa. A estratégica rota do ouro – a estrada pela mata foi preservada – também se tornou área de produção de aguardente. Veio o plantio do café. Depois, um período de decadência econômica, com o esgotamento de riquezas e a descoberta ou criação de novos caminhos, até que a cidade descobrisse o seu futuro no turismo. Por terra e pelo mar. No final do século 19, Paraty – que conseguiu a emancipação em 1667 – era cidade isolada. Até não muito tempo atrás, o acesso à cidade só era possível pelo mar, vindo de Angra dos Reis. Já nos anos 1950, o caminho por terra se dava via Cunha, por uma estrada que, para transitar, era preciso torcer para que não caísse chuva.

Queda livre no Poço do Tarzã

Cachoeira do Escorrega

FOTOS VANDER FORNAZIERI

Burburinho ou sossego O isolamento de tempos atrás ajudou a preservar a natureza e o charme de Paraty. As estradas hoje estão em boas condições, mas a viagem ainda é longa: de ônibus, são seis horas saindo de São Paulo e quatro horas e meia se a partida é do Rio de Janeiro. A partir de Ubatuba (SP) leva-se pouco mais de uma hora. De Angra dos Reis (RJ), uma hora e meia. Para desfrutar das belezas naturais com mais sossego, o ideal é ir entre depois do carnaval e o mês de maio, quando o verão ainda está firme e os preços, bem mais baixos que nas férias e feriados. Depois de agosto, a temperatura volta a esquentar e chove menos. Quem procura os burburinhos das festas, como a Flip ou o Festival da Cachaça (geralmente em fins de agosto), precisa se antecipar nas reservas e se preparar para gastar mais. Nessas ocasiões, a população de 40 mil habitantes praticamente dobra, assim como os preços de pousadas, passeios e cardápios. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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Por Xandra Stefanel

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Tupi nosso de cada dia Livro conta a origem e o significado de palavras indígenas incorporadas ao português cotidiano

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or que você está na pindaíba? Pode ser porque está desempregado ou porque o salário é baixo. Mas os índios de língua tupi há séculos já podiam ficar na pindaíba, sem esses motivos. É que pindá, em tupi, significa anzol. Iba significa ruim. Então, pindaíba quer dizer “anzol ruim”. E, para os povos que viviam em grande parte da pesca, anzol ruim é o mesmo que não ter o que comer. Pindaíba é um dos mais de 830 verbetes de Paca, Tatu, Cutia! – Glossário Ilustrado de Tupi, de autoria de Mouzar Benedito e Ohi, que assina também as ilustrações. O livro não é um dicionário, pois não tem nem formalidades, nem estrutura para isso, mas traz verbetes que contam a origem e o significado de palavras de culturas indígenas incorporadas ao português cotidiano e histórias curiosas relacionadas a elas.

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A obra apresenta informação histórica com humor. Por exemplo: jabá. Não o jabá com sentido de propina que alguns artistas pagavam (e ainda pagam) para tocar suas músicas nas rádios (mesmo porque o índio não conhecia esse tipo de jabá). Mas, originalmente, essa palavra não era sinônimo de carne seca. Jabá, em tupi, é “fuga, fugir, fugitivo”. Quando os índios escravizados pelos portugueses fugiam eles precisavam comer, mas, como não podiam parar para caçar, levavam carne seca, que passou a ser chamada de jabá.

E o que, então, Jabaquara, nome de um bairro de São Paulo e um outro de Santos, tem a ver com isso? É que “quara” é sufixo tupi que significa refúgio, entre outras coisas. Jabaquara significa “refúgio dos fugitivos”. É o mesmo que quilombo no idioma quimbundo. O Quilombo do Jabaquara, de Santos, era famoso e abrigou escravos fugitivos até a abolição da escravatura, em 1888. Uma curiosidade da língua tupi é que os nomes que os seus falantes deram aos animais correspondem a alguma característica deles. Por exemplo, jacaré significa “o que olha de lado”. Você já viu uma cutia comendo uma espiga de milho? Ela pega a espiga com as patas dianteiras e fica em pé sobre as traseiras. Por isso ganhou o nome cutia, “a que come em pé”. Paca significa esperta, ágil. Caçadores desse animal montavam armadilhas e tinham de ficar um tempão esperando escondidos até conseguirem capturá-la. Vem daí o verbo paquerar, hoje usado para uma atividade bem mais agradável e ecológica. Entre as aves, tem o jacu, que quer dizer “desconfiado, cauteloso”, assim como muitos roceiros. E por falar em caipira, está aí outra palavra tupi. Tem quem a traduza por desconfiado ou tímido, mas seu significado literal é “morador do mato”.

Cidades, rios, montanhas...

Em todos os estados brasileiros existem cidades com nomes de origem tupi, mesmo naqueles em que não se falava a


ILUSTRAÇÕES: OHI

CULTURA

língua. É que os bandeirantes falavam tupi e os jesuítas usavam esse idioma para se comunicar com os índios, daí o motivo de “criarem” uma língua a partir dos vários dialetos. Por isso, tanto bandeirantes como os religiosos usavam esta língua para nomear rios, povoados etc. No estado de São Paulo, base dos bandeirantes, há uma profusão de nomes tupis nas cidades. Pindamonhangaba, por exemplo, é o “lugar onde os homens fazem anzóis”, quer dizer, fábrica de anzol. Outra de nome curioso é Itaquaquecetuba: quicé é um tipo de taquara tão cortante quanto uma faca, tuba é coletivo. Taquaquicetuba, que depois vi-

rou Itaquaquecetuba, é um lugar com muitas taquaras do tipo quicé. Bauru, contrariando o que muita gente pensa, não tem qualquer ligação com sanduíche, mas com “cesto de frutas”. Poá é “mão aberta”. Itu é “salto, cachoeira”. Ituverava é “cacho­eira brilhante”. Alguns nomes de cidades podem até carregar semelhanças com questões bíblicas, mas são, na verdade, tupi. É o caso de Jacobina, que não tem nada a ver com Jacó, filho de Isaac­ e Rebeca na Bíblia. O nome da cidade baiana vem de “já cuã apina”, que quer dizer “cascalho limpo ou jazida de cascalho”. Foi lá que os portugueses garimparam ouro pela primeira vez no Brasil, em 1718.

Os rios com nomes tupi também se espraiam. Paraguai, por exemplo, é “rio dos papagaios”, e Tocantins, “nariz de tucano”. Da mesma forma, o idioma nomeou muitas montanhas, como Mantiqueira, que é “chuva gotejante ou chuva contínua”. No Nordeste, tem a Chapada do Araripe, palavra que significa “sobre o mundo”. De fato, há muitas palavras e expressões que parecem fazer parte da língua portuguesa: pereba, tapera, peteca, mingau, pamonha, guri, sapeca, carioca, maloca, pipoca, assim como os nomes de estádio como Morumbi, Itaquera, Pacaembu, Maracanã... Todas vêm do tupi.

Serviço

Paca, Tatu, Cutia! – Glossário ilustrado de Tupi De Mouzar Benedito e Ohi. Editora Melhoramentos, 128 páginas, R$ 49

Nheengatu e a língua geral paulista Os jesuítas queriam catequizar os povos indígenas e perceberam que quase todos os povos da faixa litorânea falavam dialetos de uma mesma língua, mas não tinham escrita. Era algo exclusivamente oral. Resolveram então “unificar” esses dialetos e criar uma escrita para eles. Em São Paulo, chamaram de “língua geral paulista” e no norte, de nheengatu, que significa “língua boa ou falar bem”. Em São Paulo e sua área de expansão, só se falava a “língua geral paulista”. Depois da guerra em que os exércitos de Portugal e Espanha se uniram para combater os Guarani, apoiados pelos

jesuítas, o Marquês de Pombal resolveu expulsar os jesuítas do Brasil, e em 1758 determinou que só se falasse português por aqui. Mas demorou bastante para que o português fosse assimilado, e muitos dos brasileiros do (atual) Sudeste preservaram o modo de falar nheengatu. No tupi não existe, por exemplo, a pronúncia do ‘l’ nem do “lh”, que acabam virando “r” na pronúncia caipira. Então, trabalho vira trabaio, por exemplo. Mulher é muié. E no tupi nheengatu não existe “r” no final dos verbos, o que foi mantido no “dialeto caipira”, por isso fala-se fazê, trabaiá, coçá, brincá... REVISTA DO BRASIL Nº 100

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FOTOS JOANA FRANÇA/DIVULGAÇÃO

Arte e utilidade

Os Karas voltaram!

Quem foi criança nas décadas de 1980 e 1990 provavelmente se lembra das aventuras de Miguel, Chumbinho, Magrí, Crânio e Calú, personagens criados pelo escritor Pedro Bandeira para a série Os Karas, voltada para o público infantil e adolescente. Depois de A Droga da Obediência (1984), Pântano de Sangue (1987), Anjo da Morte (1988), A Droga do Amor (1994) e Droga de Americana! (1999), chega às livrarias A Droga da Amizade (Ed. Moderna, 168 págs.). Passados 15 anos desde o último livro da coleção, é natural que os garotos tenham amadurecido. Como será que estão e o que aconteceu com cada um? Mesmo quem nunca leu Os Karas não terá problema, já que o novo livro conta a origem dos integrantes e os momentos mais importantes de suas aventuras. Preço sugerido: R$ 41. 48

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A mostra Ciclo Criar com o que Temos, em cartaz até 27 de outubro no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo, propõe um novo olhar sobre objetos comuns, do dia a dia. A exposição traz 14 artistas contemporâneos de diferentes países que se inspiram na obra do francês Marchel Duchamp, que revolucionou o conceito de arte ao deslocar objetos do cotidiano para o contexto de uma exposição. Na obra A Noiva, a portuguesa Joana Vasconcelos apresenta um exuberante lustre composto de 20 mil absorventes femininos. O escultor e fotógrafo Petah Coyne expõe uma peruca grisalha de ­3 metros de altura, que simboliza a decadência dos ideais norteamericanos. De quarta a segunda-feira, das 9h às 21h, na Rua Álvares Penteado, 112, Centro, (11) 3113-3651. Grátis.

Imigração, preconceito e desigualdade

Em 1990, Ifemelu e Obinze viviam a magia do primeiro amor, em Lagos. Com um governo militar linha-dura no poder, ela decide se mudar para os Estados Unidos em busca de alternativas às universidades da capital nigeriana. Em solo americano, Ifemelu depara pela primeira vez com o preconceito racial e as dificuldades da vida de imigrante. Quinze anos depois, já como blogueira prestigiada, ela decide retornar ao seu país, onde deixou suas raízes e um antigo amor. Considerada a principal autora nigeriana de sua geração, Chimamanda Ngozi Adichie conta em Americanah (Cia. Das Letras, 520 págs.) uma história de amor para fazer críticas sociais e tratar de questões ligadas à imigração, ao preconceito racial e à desigualdade de gênero. R$ 54.


Filmado em 2008, quando a gestão de Gilberto Kassab na prefeitura de São Paulo impôs uma política de caça aos grafites, o documentário Cidade Cinza, de Guilherme Valiengo e Marcelo Mesquita, discute a relação da capital paulista com a arte de rua. Depois de ter sido exibido no circuito tradicional, o longa tem circulado por cinemas populares e de rua e chega agora às locadoras. Vários grafiteiros propõem uma reflexão sobre o tipo de cidade que queremos para viver: cinza ou viva. Com trilha sonora de Daniel Ganjaman e Criolo, o filme mostra que é possível o pulsar da arte pulsar na selva de pedras. Também pode ser adquirido em versão digital para download (R$ 25) ou em DVD (R$ 50).

FOTOS: DIVULGAÇÃO

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Cidade cinza ou viva

Educação para a liberdade responsável A escola tradicional acompanha as mudanças que ocorrem na sociedade? A resposta de todos os entrevistados do documentário Quando Sinto que Já Sei é “não”. Dirigido por Antonio Sagrado Lovato, Raul Perez e Anderson Lima, o longa-metragem é um projeto independente que apresenta escolas e projetos que usam novos modelos de educação. Educadores, pesquisadores e as próprias crianças mostram que é possível à escola promover a participação cidadã, a

autonomia e a afetividade, e ser, enfim, mais humana. “Porque a educação não se faz ‘para’ a cidadania e sim ‘na’ cidadania, no exercício da liberdade responsável, para perceber o que somos, onde estamos e onde vamos com o outro”, afirma José Pacheco, educador e idealizador do Projeto Ponte, em Portugal, e colaborador do Projeto Âncora, em Cotia (SP). O filme foi financiado coletivamente e agora está disponível na íntegra e de graça em http://bit.ly/quandoeusintoquejasei. REVISTA DO BRASIL Nº 100

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CIDA DE OLIVEIRA

Chat eleitoral

Fim de noite de sábado, véspera de primeiro turno. O dia puxado vem chegando, e com ele toda a atenção para a movimentação de eleitores, candidatos, cabos eleitorais e santinhos espalhados pelas ruas, as pesquisas que vão sair ao fechar das urnas. O rádio e atenção continuam ligadíssimos. E o sono não dá o ar da graça

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o tapete, Haroldo Hobbes, encolhido, completa seu tempo de sono, que estimo em 80% da vida do felino. Mesmo que estivesse acordado, seu miado insistente em pouco ajudaria para passar o tempo – embora muita vezes parece pensar que é gente. O jeito é jogar conversa fora pela internet. À entrada do chat, que apelido usar? Nomes de heroínas, da realidade ou da ficção, geralmente funcionam bem ali: Anita Garibaldi, Olga Benário, Joana D´Arc, Anna Karenina, Scarlet O’Hara... Não, não e não. Desta vez, vou de Dilma. Dilma Rousseff. – Dilma Rousseff 48 SP entra na sala... Um certo HSP49 bufa, saindo da sala: – Ninguém merece... Flor de Liz (com “z” mesmo) se manifesta. – Flor de Liz fala para Dilma Rousseff 48 SP: uuuuuuuuuuuuuuuu Mas continua na sala. A expectativa é de que tem um estoque de vaia para soltar, assim que um Kzado Busca ou um HRomantico der uma trégua no assédio virtual. Helena de Troia entra na sala, não consegue se conter. – Helena de Troia fala para Dilma Rousseff 48 SP: Sapata, vaca... – Dilma Rousseff 48 SP fala (reservadamente) para Helena de Troia: O que é isso companheira? – Helena de Troia fala para Dilma Rousseff 48 SP: Não tem vergonha não???? – Dilma Rousseff 48 SP fala (reservadamente) para Helena de Troia: companheira, por que me ofende tanto? Não gosto de gregos... Fique com todos eles pra vc. – Helena de Troia fala para Dilma Rousseff 48 SP: ah, sim... vc só gosta de cubanos kkkkkkk – Dilma Rousseff 48 SP fala (reservadamente) para Helena de Troia: Sim, adoro Andy Garcia. Pena que não tenha ficado na ilha... O bate-bapo, mais pra bate-boca, parece ir longe. A abordagem, o tom e as palavras grosseiras repetem comentários, virtuais ou não, dirigidos à presidenta. Minha memória não registra nada semelhante dirigidos a FHC. Muito menos a Lula, que desperta tantas reações, inclusive odiosas. Questão de gênero? Na ausência de uma conversa 50

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mais amigável, de nível, melhor talvez seja contar carneirinhos. Noite de segunda-feira. Governadores, senadores e deputados eleitos, reeleitos ou frustrados. E outros candidatos com segundo turno pela frente, a tirar-lhes o sono. – Dilma Rousseff 48 SP entra na sala, ou melhor, novamente em ação. – Sério e Seletivo fala (reservadamente) para Dilma Rousseff 48 SP: ninguém merece!!!!!!.......... (assim mesmo, com todos essas exclamações e pontos). Sem a menor bola, deixa a sala. – Marcelo SP fala (reservadamente) para Dilma Rousseff 48 SP: Votei no Aécio. Mas sabe que acho você atraente??????? Dilma Rousseff 48 SP (reservadamente) para Marcelo SP: Hum... podemos falar sobre segundo turno?


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