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VACINAS DEMOCRÁTICAS Depois de virar líder política, falta a Dilma virada econômica

DIEESE, 6O ANOS Produção de conhecimento mantida pelos trabalhadores

nº 112 novembro/2015

O ESTRAGO DE ALCKMIN População reage ao plano de fechamento de escolas do governo de São Paulo

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ÍNDICE

EDITORIAL

6. Na Rede

Notas que foram destaque na RBA no mês que passou

10. Política

Quando a economia também põe em risco a democracia

14. Mauro Santayana MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL

O Brasil que deveria estar acima de disputas político-partidárias

16. Trabalho

Dieese, 60 anos. Conhecimento a serviço dos trabalhadores

22. Educação

Ajuste fiscal tucano em SP pega em cheio o ensino público

Painel Sonegômetro: combate à sonegação poderia captar mais recursos do que o ajuste

30. Ambiente

Quem faz o país andar

Pará: privatização da água afeta a saúde e o bolso de famílias

A

36. Entrevista

Rodrigo Ogi, da adrenalina do spray às crônicas rimadas do rap

40. História

Romaria de Nossa Senhora da Abadia

42. Viagem

Kalunga, terra de resistência, consciência e liberdade negra

Seções Cartas 4 Marcio Pochmann

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Emir Sader

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Lalo Leal

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Curta essa dica

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Atitude 50

SÉRGIO AMARAL

Superada a tese da superioridade branca, restou a desigualdade

queda da atividade econômica afeta cofres públicos de todas as esferas de poder. Quando era concluída esta edição, governantes – União, estados e municípios – buscavam meios de fazer o Congresso apoiar a recriação da contribuição de até 0,38% sobre movimentações financeiras, a CPMF. A medida é de baixo impacto no bolso e alto impacto no combate à sonegação, por mapear a compatibilidade das movimentações com a renda dos movimentadores. A proposta pode ser considerada um acerto no varejo, embora no atacado o governo deixe a desejar – já que não discute impostos justos sobre fortunas, ganhos sobre lucros, grandes propriedades. A política de juros, por sua vez, causa danos múltiplos: tira investimentos em produção, a arrecadação cai, crescem os gastos com investidores na dívida pública, a economia encolhe, a renda e os empregos idem. E como se verá nesta edição, ausência de democracia econômica põe em risco a democracia política. A estimativa negativa para o PIB nacional neste ano, entre -2% e -3%, só pode ser revertida mais à frente se o governo rever a dose de ajuste e tomar a frente na promoção do crescimento. Ainda mais porque o país já vem de crescimento perto de zero em 2014 – o que só não foi mais dramático porque a atividade apresentou variações diferenciadas. No Nordeste, cresceu 3,7%; no Sudeste, caiu 0,8%, segundo dados do Banco Central. Isso se deve, em parte, ao impacto maior de políticas de transferência de renda, escolarização, qualificação profissional, estímulo a arranjos produtivos locais, investimentos em infraestrutura, em enfrentamento à seca, entre outras medidas envolvendo governos federal, dos estados e prefeituras – o que revela a responsabilidade dos poderes públicos na escala das microeconomias. Em São Paulo, por exemplo, a ausência de políticas locais de desenvolvimento derruba a participação do estado na riqueza nacional. E isso não é de hoje. Em 1995, a riqueza produzida no estado correspondia a 37,8% do PIB nacional. No ano passado, caiu para 28,7% – perda de meio ponto a cada ano de gestão tucana. O resultado são quedas sucessivas na arrecadação e na qualidade dos serviços públicos. Entre eles, a educação, exposta a um estrago que só não será maior do que o inicialmente imaginado pelo governador Geraldo Alckmin porque este deseja o Planalto em 2018. E não há blindagem da imprensa que faça milagre. Quando a população sente na pele, reage. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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CARTAS Panair E ainda existem idiotas pedindo a volta da ditadura, episódio vergonhoso na história do Brasil. E pensar que a maioria desses canalhas morreram sem punição é de dar asco. ("Do céu para a sucata", ed. 111) Cássia Farias

www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Blend Images/Getty Images (lápis); Kevin David/Sigmapress/Folhapress (manifestantes); Roberto Stuckert Filho/PR (Dilma) e Sidney Corrallo/AE (Dieese) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 131 mil exemplares

Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Deusdete José das Virgens, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos Lima, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior

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Frente Brasil Nós, democratas e progressistas do Brasil, temos todos de fortalecer essa Frente, em nome do que dissemos nas urnas e em nome do que o Brasil conquistou nestes útlimos 12 anos. Do contrário, não será apenas a perplexidade diante de um golpe, como aconteceu em 1964, mas um descrédito nas instituições cujo saldo será mais danoso do que a ditadura. (“De frente para o Brasil”, ed. 111) Gilberto Gavão Marco Aurélio Mello Muito boa a entrevista com Marco Aurélio Mello, perguntas muito bem colocadas e respostas à altura – tirando o julgamento da AP 470, onde os ministros, em minha modesta opinião, perderam o rumo. Sem dúvidas, Marco Aurélio é um dos mais centrados da casa. (“Não é bom, Gilmar”, ed. 111) Nilson M. M. Quintanilha Realmente, foi uma grande vitória do povo brasileiro a proibição das “doações” empresariais. Obviamente, bancos, construtoras, planos de saúde etc. não doam dinheiro desinteressadamente. Por exemplo, Eduardo Cunha teve sua campanha financiada pelos planos de saúde. Sua atuação na Câmara foi sempre de defender os interesses dessas empresas. Agora, acabou, empresa não pode "doar" pra ninguém. Roberto Locatelli

Nesse tempo militar tudo era muito melhor. Não tinha mortos, eram desaparecidos. Não tinha corrupção, era tudo encoberto. Nao tinha punição para a elite, os donos da Rede Globo se tornaram os mais ricos do Brasil. Para muitos era muito melhor. Ao não saber a verdade, são mais felizes. Sandro Trecapelli

Crise A crise é antes (e mais) política do que econômica. Única saída, política de base progressista e desenvolvimentista. O sistema financeiro não responde às políticas do governo e trava o desenvolvimento nacional. A única saída que resta à Dilma é voltar-se às bases progressistas que a elegeram e, mesmo, às que estiveram às margens; voltar-se aos movimentos sociais, voltar-se a micro e pequenas empresas, agricultura e negócios familiares e de vizinhança; voltar-se a políticas sociais, educação, saúde e segurança pública, a reformas políticas e tributária; e abandonar o sistema de metas inflacionárias. Não atino outro

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


caminho. ("A CUT contra a recessão", edição 110) Odorico Nilo

Vandré Grande homem, grande músico. Sinto-me privilegiada por ter vivido essa época. ("Em busca da beleza", edição 110) Magda Santos Como opinião pessoal, assento que censura não se faz apenas proibindo que algo seja do conhecimento da sociedade mas omitir informações também o é. O PIG, e sua expressão máxima brasileira, a Rede Goebbels, tem pós-doutorado nisso. Seleciona da realidade apenas o que interessa a ele e aos biltres a ele associados. “Liberdade de imprensa”... sei, me engana que eu gosto. Luiz Mourão Gosto muito de Vandré e acho que ele foi muito injustiçado nos festivais por não ter tido o reconhecimento que merecia. Uma de suas músicas que gosto muito é Pátria Amada Idolatrada Salve Salve, que foi magistralmente gravada pelo cantor Manduka, com participação da cantora Soledad Barros. É uma pena que essa música tenha sido pouco divulgada no Brasil. Saudade do Vandré. Que bom seria se fosse feita uma grande comemoração pelos seus 80 anos. Elena Osawa Amo as musicas do Vandré. Para mim, Pátria Amada Idolatrada Salve Salve é uma das mais bonitas, dentre muitas outras composições maravilhosas. Amo a interpretação do Manduka e da Soledad Bravo. Manduka é outro admirável poeta, que não teve o reconhecimento que deveria! Mas, salve Vandré. Fabiana Dias Basicamente retratando fatos vividos por brasileiros (anos atrás e estendendo-se até dias de hoje), são letras muito fortes, verdadeiras. E saber que não pudemos cantá-las é muita tortura. Então, de que valem letra e música do Hino Nacional Brasileiro? Quanta cultura perdida por este Brasil afora. Que bom se pudésse-

mos resgatar tudo o que foi perdido (enterrado por força) e ter de novo a beldade cultural de tempos que fomos obrigados a deixar de viver. Maria José dos Santos Rêgo

Educação Em se tratando da má qualidade da educação brasileira – sou professor aposentado da rede oficial do Distrito Federal – não culpo nenhum governante. Culpo a sociedade brasileira que nesse aspecto se contenta com as migalhas que caem da mesa – migalhas cada vez mais minguadas, diga-se de passagem. No Chile os estudantes não aceitam nada sem ir pras ruas. Na França também não. O Brasil merece. ("Para se livrar do dever de casa", edição 110) Marcvs Antonivs

Permitam-me discordar do que a professora Bebel afirma – que a educação deteriorou quando incluiu a classe pobre e, em consequência, a classe “rica” se afastou. Então, por que muitos professores têm seus filhos em escolas particulares? A educação começou a piorar a partir do momento em que professores aceitaram o que os governos impunham. As greves sempre foram em busca de melhores salários... Tenho 75 anos e conheci a escola boa, professores respeitados, alunos respeitosos, desempenhos avaliados realmente etc. A aceitação de medidas como aprovação automática, nivelamento de alunos, extinção de disciplinas, criação de outras, aprovação por conselhos, e muitas outras medidas foram enfiadas goela abaixo, e permanecem. (“A omissão deseduca”, ed. 107) Clovis Justo da Siva

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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

Nobel, democracia e paz

O Nobel da Paz anunciado em 9 de outubro foi dado a quatro entidades tunisianas que atuaram conjuntamente pela reorganização democrática do país: a União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT), a Utica (entidade patronal), a Ordem Nacional dos Advogados (Onat) e a Liga Tunisiana de Direitos Humanos (LTDH), que formam o Quarteto de Diálogo Nacional. O secretário-geral da UGTT, Houcine Abassi, presente ao evento da CSI (leia ao lado), pediu “solução humanitária de urgência” para a questão dos refugiados e atribuiu a premiação ao reconhecimento dos que lutam por regimes democráticos estáveis e pela paz. A central celebrou a premiação para a sociedade civil de um país em desenvolvimento. “É um honra para minha organização, e um prêmio a todo movimento sindical”, disse Abassi. bit.ly/rba_nobel_paz 6

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Mundo de desajustes

O movimento sindical deve estar preparado para enfrentar “ajustes fiscais” dirigidos a diminuir o tamanho do Estado e atingindo trabalhadores. Essa avaliação foi feita pelo professor brasileiro João Felício, presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), maior entidade trabalhista global, no conselho geral da entidade, realizado em 12 de outubro, em São Paulo. “Nunca se procura taxar a riqueza. O lugar onde mais vão buscar recursos é na classe trabalhadora. Enquanto se busca ajustar as contas públicas à custa dos mais fracos, a sonegação global soma US$ 3 trilhões anuais.” Para o dirigente, ex-presidente da CUT, um desafio da CSI, cuja presidência assumiu em 2014, é desenvolver ações mundiais conjuntas em todos os continentes. “A gente ainda não conseguiu.” bit.ly/rba_ajustes

Bancária na UNI Finance A diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo Rita Berlofa foi eleita presidenta da UNI Finance. A UNI (sigla em inglês para Rede Sindical Internacional) é uma central global que reúne 900 entidades representantes de 20 milhões de trabalhadores do setor de serviços, com escritório em Edgardo Nyon, Suíça. O segmento bancário Lozia faz homenagem reúne 237 sindicatos do ramo, com à nova 3 milhões de pessoas em suas bases. presidente A eleição ocorreu durante a 4ª da UNI Conferência Mundial da entidade, em 23 de outubro, na Turquia. “É a primeira vez que alguém de fora da União Europeia é eleita. E também que uma mulher ocupará o cargo. Vejo isso como um reconhecimento do trabalho feito no Brasil, um reconhecimento dos princípios cutistas que norteiam nossa ação sindical”, declarou Rita, que considera um dos principais desafios o enfrentamento às práticas antissindicais nos Estados Unidos contra os trabalhadores do setor. bit.ly/rba_uni_finance

ROBERTO PARIZOTTI/CUT

João Felício: “O lugar onde mais vão buscar recursos é na classe trabalhadora”

UNI GLOBAL UNION

FETHI BELAID/AFP/GETTY IMAGES

Houcine Abassi


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Unaí: mortos não serão esquecidos

THIAGO SILVA/SBSP

RENATO ALVES/MTE

Acordos sem perdas

Metalúrgicos de Sorocaba: campanha vitoriosa

FOGUINHO/SMETAL SOROCABA

Enfim, o julgamento Demorou 11 anos e nove meses, mas os acusados de serem mandantes da chacina de Unaí começaram a ser julgadas. A primeira sessão do júri ocorreu em 28 de outubro, na Justiça Federal de Belo Horizonte, com o fazendeiro Norberto Mânica no banco dos réus. Em 4 de novembro, seria a vez de Antério Mânica, irmão de Norberto e ex-prefeito da cidade ao noroeste de Minas Gerais, onde em 28 de janeiro de 2004 quatro funcionários do Ministério do Trabalho (três fiscais e um motorista) foram executados a tiros. O julgamento inclui dois acusados de serem intermediários entre mandantes e pistoleiros. No ano passado, três executores foram condenados. bit.ly/rba_unaí; bit.ly/rba.chacina

VICTORIA EGURZA/TÉLAM

Segundo turno indigesto O ânimo da militância Daniel Scioli: kirchnerista ficou afetado de favorito a incerto com o fato de a eleição presidencial na Argentina ter se encaminhado para segundo turno. A conhecida tendência dos hermanos de passar da euforia à depressão pode ter efeito negativo: são apenas quatro semanas, até 22 de novembro, para curar feridas. Antes, ainda que Daniel Scioli não ganhasse no primeiro, sairia como favorito. Partiria de uma boa diferença em relação a Mauricio Macri, fator que desapareceu. Scioli ficou longe do que as pesquisas apontavam e perdeu votos em relação às previas de agosto. Para piorar, Anibal Fernandes – militante da primeira linha do kirchnerismo – perdeu na província de Buenos Aires para uma candidata conservadora. Outras derrotas no interior consolidaram o fortalecimento da direita, em suas várias facções. bit.ly/rba_argentina_eleicao

Bancários aprovam acordo

A conjuntura atrapalhou, mas algumas das principais categorias com database no segundo semestre conseguiram fechar acordos com, pelo menos, a inflação acumulada no período, barrando a intenção patronal de impor perdas salariais. No caso dos bancários, que têm convenção coletiva nacional, foi necessária uma greve que durou 21 dias, até 26 de outubro, para garantir reajuste de 10% nos salários e de 14% nos vales alimentação e refeição, além do prêmio de participação nos lucros ou resultados (PLR) – bit.ly/rba_bancários. Os metalúrgicos na base da CUT no estado de São Paulo também precisaram fazer paralisações por fábrica para arrancar aumentos com base na variação do INPC – bit.ly/rba_metalúrgicos. Também no estado, os químicos conseguiram acordo com reposição da inflação a partir de 1º de novembro. As campanhas refletiram as dificuldades do momento. No primeiro semestre, por exemplo, segundo o Dieese, os acordos com aumento real (acima da inflação) foram 68,5% do total, ante 92,7% em 2014. bit.ly/rba_quimicos REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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DANILO RAMOS/RBA

Ocupação garante conquista A prefeitura de São Paulo desapropriou o edifício Prestes Maia, no centro, para destiná-lo à moradia das famílias que já ocupam o local. O prédio de 22 andares é considerado a segunda maior ocupação vertical da América Latina. O custo da negociação com os proprietários foi de R$ 22 milhões. O prédio deverá passar por uma reforma antes de ser entregue às 378 famílias. Elas deverão ser incluídas na faixa do Minha Casa, Minha Vida que atende a famílias com renda de zero a três salários mínimos. O registro do imóvel fica em nome da mulher. Os moradores Mais estiveram próximos de sofrer uma reintegração de posse, mas a Justiça suspendeu a ação. O Decreto de Interesse Social da prefeitura data de agosto de 2013. O edifício foi construído nos anos 1960, está abandonado há cerca de 30 anos e devia R$ 9 milhões em IPTU, não pago desde 1986. bit.ly/rba_prestes_maia Cultura: ações em longo prazo na periferia

Política para a cultura

PERIFERIAEMMOVIMENTO.COM.BR

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O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães considera importante o Brasil ter assento no Conselho de Segurança da ONU. Entre as razões, alerta que a Amazônia pode ser usada como argumento para a ruptura de paz firmada em acordos internacionais, a ser usado ao sabor da conveniência dos países desenvolvidos considerarem. A afirmação foi dada durante gravação do primeiro programa Entrevista Coletiva, produzido pelo coletivo Jornalistas Livres, com apoio da TVT. Guimarães exerceu cargo de secretário-geral das Relações Exteriores do Itamaraty e de ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, no governo Lula. Foi o alto representante-geral do Mercosul e teve papel importante nas articulações para formação do Brics. “A criação do Banco dos Brics permitirá ao países membros acesso a linhas de crédito sem ter de submeter ao crivo de organismo como FMI e Banco Mundial. Ou seja, sem ter de se submeter, e isso afeta o cerne do mecanismo internacional de controle”, diz. bit.ly/rba_samuel_pinheiro

Ativistas culturais da capital paulista elaboaram um Projeto de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo, com objetivo de financiar a formação intelectual, a elaboração e a realização de ações em longo prazo. “Reconhecemos a importância dos programas já existentes. Mas quem quer ir além, aprofundar conteúdos, consolidar a prática, viver da arte, e não fazer isso só quando tem um tempo, precisa de mais apoio e condições”, afirmou Luciano Carvalho, integrante do coletivo teatral Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes e um dos organizadores do Movimento Cultural das Periferias. Os ativistas defendem que os artistas da periferia tenham apoio para estudar, desenvolver, produzir e viver da arte. bit.ly/rba_politica_cultural

WILSON DIAS/ABR

Samuel Pinheiro e a ONU

Edifício Prestes Maia: lar para 378 famílias


MARCIO POCHMANN

Juros e inflação no Brasil

Os gestores da política econômica do país atuam em posições contraditórias. Enquanto Fazenda e Planejamento clamam por austeridade fiscal, o Banco Central esbanja recursos do setor público

A

s instituições operadoras da política econômica no país indicam atualmente não assumir uma posição convergente. De um lado, a postura dos ministérios da Fazenda e Planejamento aponta mais fortemente no ano de 2015 em favor do cumprimento do programa de austeridade fiscal. De outro, o Banco Central caracteriza-se por esbanjar recursos do setor público. Isso não é um fato novo. Mas enquanto os ministérios econômicos cortam gastos públicos, sobretudo nas áreas sociais e de investimento, o BC aumenta as despesas financeiras por decorrência fundamental da elevação da taxa de juros e do uso de swaps cambiais. A cada 1% de ampliação na taxa de juros, o custo da dívida pública cresce, por exemplo, em quase R$ 14 bilhões ao ano. Por conta disso, o Brasil pode chegar a comprometer quantia equivalente a 8,4% de todo o Produto Interno Bruto de 2015 somente com pagamento dos serviços da dívida pública. O que equivale a quase 45% do orçamento público. Como se sabe, o governo Dilma mudou a estratégia na condução da política econômica neste início do segundo mandato presidencial. Em vez do gradualismo, que tradicionalmente marcou os governos liderados pelo PT desde 2003, observa-se a predominância do choque de medidas econômico-financeiras. Tal como Maquiavel, que sugere fazer o mal de uma vez só, o Brasil assistiu a um só golpe a decisão governamental de provocar simultaneamente o choque de juros, de câmbio, de liberação dos preços administrados, de aumento da carga tributária e de redução dos gastos públicos a partir de janeiro deste ano. Dez meses depois, os resultados alcançados indicam situação econômica mais desfavorável. Ademais da elevação da inflação e da queda na atividade econômica, constata-se a piora das

finanças públicas, com aumento no grau do endividamento do setor público. Isso sem mencionar a inflexão na trajetória dos indicadores sociais, que vinha, desde 2004, convergente com a redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade na renda do trabalho. No que se refere especialmente ao Banco Central, que afirma seguir objetivamente o combate à inflação, cabe analisar melhor o seu desempenho e eficácia nessa tarefa. Duas comparações apresentam-se importantes a serem consideradas. A primeira relacionada aos meses de abril de 2013 e de setembro de 2015, período em que cuja taxa anual de juros subiu de 7,25% para 14,25%, equivalendo à elevação acumulada de 96,6% no custo do dinheiro. São 30 meses de trajetória altista da taxa de juros básica do Banco Central. Em relação ao comportamento da taxa de inflação acumulada em 12 meses, percebe-se que ela passou de 6,6% em março de 2013 para 9,5% em setembro de 2015. Isto é, crescimento acumulado no mesmo período de tempo de 43,9%. Noutras palavras, para cada aumento de 1 ponto percentual na taxa básica de juros do Banco Central, a inflação aumentou quase meio ponto nesses dois anos e meio. A segunda comparação a ser feita relaciona os meses de julho de 2011 e de março de 2013, uma vez que convergem para o comportamento de queda de 42% na taxa básica de juros do Banco Central. Nesse período, a taxa de juros caiu de 12,50% para 7,25% ao ano. No caso da taxa de inflação, por outro lado, assistiu-se também à sua queda relativa de –4,3%, pois passou, em julho de 2011, de 6,9% acumulada nos últimos 12 meses, para 6,6% em março de 2013. Em síntese, constata-se que a cada 1 ponto percentual a menos na taxa básica anualizada do Banco Central, a taxa de inflação acumulada em 12 meses caiu 0,1 ponto percentual. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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POLÍTICA

DEMOCRACIA ECONÔM Dilma conseguiu reunir as forças em defesa do mandato e afinou discurso em direção a sua base social. Mas enquanto não mudar a condução de sua política econômica, não terá sossego

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RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

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assado pouco mais de um mês de uma reforma ministerial calculada pelo governo como meio de reorganizar sua base no Congresso, os resultados ainda não são palpáveis. Paira no ambiente político, no entanto, a sensação de que o mandato de Dilma Rousseff ganhou fôlego. Tornaram-se frequentes os sinais de que o Planalto pretende corrigir um defeito antigo: a ausência de diálogo. As reuniões com governadores, prefeitos e parlamentares de partidos que em tese compõem a coligação governista – mas não dão segurança sobre de que lado estarão em votações importantes para fechar o ano – tornaram-se mais frequentes nas agendas da presidenta e dos ministros escalados para tocar a articulação política: Jaques Wagner (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo). Por votações importantes entenda-se as que devem transformar em leis medidas provisórias fundamentais para o Executivo, os projetos de adversários que podem transformar planos do governo em pesadelos e, por fim, os que podem levar adiante no Legislativo um processo de impeachment. A fragiliza-

COM A VERDADEIRA BASE DE APOIO Dilma no congresso da CUT ao lado de Carmen Foro, Lula, Vagner Freitas e José Mujica: discurso duro e otimista

ção de um dos principais inimigos declarados do governo petista, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ainda não bastou para o governo pôr ordem na base. Atolado em evidências de que tem dinheiro sujo depositado em contas na Suíça, Cunha só não foi destroçado politicamente por ser a penúltima cartada da oposição, inclusive a midiática, no in-

tuito de manter o governo acuado. O tratamento dado a ele e seus familiares por lideranças de PSDB, DEM e SD – a tropa de choque do golpe –, pelos jornais e por setores do Judiciário chega a ser mais indecente do que as suspeitas que a qualquer momento podem encerrar seu mandato. Além desses respiros, a presidenta fez gestos mais contundentes em direção à


POLÍTICA

MICA, A PRÓXIMA FASE

base social que proporcionou a vitória eleitoral do ano passado. Ensaiados desde o início do segundo semestre, com a recepção de movimentos sociais e eventos no Planalto, esses sinais tiveram como ponto alto a participação de Dilma na abertura do congresso da CUT, em 13 de outubro. Confirmada de última hora, a presença deixou uma marca de otimismo entre seus apoiadores pelo discurso mais

duro desde 2014 dirigido aos opositores. Dilma definiu sem rodeios os que pretendem “criar uma onda” que leve ao “encurtamento” de seu mandato como golpistas e “moralistas sem moral”. “Vivemos uma crise política séria no nosso país, que se expressa na tentativa de nossos opositores de fazer um terceiro turno. Jogam sem nenhum pudor no quanto pior, melhor. Pior para a popula-

ção e melhor para eles. Envenenam a população todos os dias nas redes sociais e na mídia. Espalham o ódio e a intolerância”, afirmou a presidenta. Ela mandou indireta a Cunha de que não negociaria sobre a situação dele – “Jamais negociaremos com os malfeitos” – e desafiou detratores: “Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra?”. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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POLÍTICA

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DINO SANTOS/CUT

Antes de partir para o ataque contra os adversários, porém, Dilma começou sua intervenção na defesa, tentando explicar “escolhas dolorosas” de início de mandato, em busca de governabilidade e equilíbrio fiscal. Voltou a afirmar que os programas sociais são o “centro e espírito deste governo” e o objetivo de fazer uma transição para um “novo ciclo de desenvolvimento”. “Não estamos parados. Sabemos que existem dificuldades econômicas. E fazemos tudo para que o país volte a crescer.” A presidenta deixou o local após concluir seu discurso. Não presenciou as falas que se seguiram. Teria ouvido do presidente reeleito da CUT, Vagner Freitas, que a central rejeitará qualquer tentativa de “golpe” e irá às ruas para defender a democracia e a manutenção de conquistas sociais, mas que caberá ao governo tomar decisões políticas com mais diálogo e menos rigor fiscal. Freitas cobrou redução dos juros, ampliação do crédito do ­BNDES para micros e pequenas empresas, tributação dos mais ricos e ressaltou: “O ajuste não pode sufocar o país. Com essa política econômica é impossível retomar o crescimento com distribuição de renda. Não é possível que o ajuste seja a única proposta econômica para o Brasil”. Em seguida, Lula registrou com entusiasmo que Dilma começou a fazer história como líder política. “É essa Dilminha que elegemos”, disse, ao defender que a presidenta precisa de “paz” para exercer o mandato, e que isso exige também mudanças na economia. “Não tem um país no mundo que tenha feito ajuste e que tenha melhorado a economia”, afirmou o ex-presidente, alertando para o risco de adotar o discurso “da direita”, de que é preciso ter desemprego para não haver inflação. “A impressão que passamos à sociedade é que adotamos o discurso dos que perderam a eleição.” Mas a eleição não foi totalmente perdida pelo campo conservador, como observou, no dia seguinte, o sociólogo Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “Há uma pauta regressiva e antipopular. Ho-

GERARDO LAZZARI/RBA

É a economia, companheira

Há uma pauta regressiva e antipopular. Hoje a direita não está unificada em sua tática, mas está na estratégia de fazer um programa de contrarreformas” Guilherme Boulos

Quem faz mudança social é o povo organizado, não é dirigente de movimento. A política foi sequestrada pelos empresários” Gilmar Mauro

je talvez a direita não está unificada em sua tática, mas está na estratégia de fazer um programa de contrarreformas”, avalia Boulos, que vê três táticas distintas em operação pelo conservadorismo: uma, capitaneada pelo “moleque chamado Aécio Neves”, de anular o resultado das urnas por meio de processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); outra “mais esperta e mais perigosa”, representada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e pelo ex-presidente Fernando Henrique, que não quer o impeachment, mas “sangrar” o governo até 2018 com objetivo de destruir moralmente as conquistas; e uma terceira posição, que seria a de Michel Temer e José Serra, que trabalha pelo impeachment via Congresso. “Neste cenário complexo e difícil estamos diante do desafio de evitar dois erros fundamentais. O primeiro seria, em nome de enfrentar o ajuste fiscal, subestimar a ofensiva conservadora e o golpis-

mo, achando que essa onda antipetista é só contra o PT. Tenho clareza que esse antipetismo que está nas ruas é antiesquerda. O problema deles é com as causas populares. Se alguém da esquerda achar que vai tirar algum caldo dessa onda, vai é se afogar nela”, alertou. “O segundo erro a evitar seria, em nome da necessidade clara e definida de combater o golpismo da direita, silenciar sobre o ajuste fiscal e ignorar ataques a direitos. Achar que fazer crítica é fazer o jogo da direita também é um erro cruel, um tiro no pé, porque nos tiraria a capacidade de dialogar com os trabalhadores e com a maioria que está insatisfeita.” Para Boulos, esse diagnóstico põe a esquerda no fio na navalha. “Temos de defender a democracia, mas não apenas a democracia política. Precisamos também defender a democracia econômica. Não há democracia no mundo em que 1% da população tem mais do que os ou-


POLÍTICA

tros 99%. Precisamos recuperar um espaço que perdemos de se fazer política, as ruas, e não há espaço vazio. Se o perdemos, a direita vem e toma.” Os debates do congresso da CUT conduziram a alguns consensos em relação ao momento das esquerdas. Um deles foi essa constatação de que a democracia política por si só não se sustenta. A associação foi feita em vários momentos por personalidades o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, o presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), João Felício, e o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Gilmar Mauro. Os oradores apontaram para situações de golpes contra a democracia econômica em direção à qual os governos da América do Sul vêm tentando caminhar desde o início do século 21. Garcia lem-

brou que a ausência do acesso das maiorias da população a conquistas materiais e sociais ao final das ditaduras sangrentas do século passado quase frustraram as sociedades. Mas, para ele, foi com a democracia que a reconstrução dos movimentos sindicais e sociais e dos partidos de esquerda após os períodos autoritários levou à conquista dos governos pós-neoliberais. “Chile, Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, todos foram sacudidos pela vontade popular por mais igualdade”, observou. “Foi essa a demanda que moveu a revolução democrática em curso no continente.” E seria esse processo social o maior ameaçado pelas pretensões golpistas, das quais fazem parte as corporações mais preocupadas com a competitividade em escala global do que com a realidade social dos países em que atuam, co-

mo lembrou João Felício. “Sabemos que muitas se envolveram na derrubada de governos democráticos e muitas participaram em episódios de tentativas de desestabilização.” Mais que desestabilização, “tempestade”, classificou Gilmar Mauro. “Mas quem tem raízes não teme tempestade. No mundo todo os movimentos sociais sofrem ataques”, destacou, traduzindo como democracia econômica combater a “coisificação do ser humano”. Para ele, inverter essa lógica é disputar a democratização dos recursos do petróleo, do direito à educação, à informação, à terra. “Quem faz mudança social é o povo organizado, não é dirigente de movimento. A política foi sequestrada pelos empresários.” Com reportagens de Helder Lima, Paulo Donizetti de Souza e Vitor Nuzzi

O predomínio dos interesses empresariais no Congresso é objeto de advertência do diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho. A esquerda, além de buscar a unidade nas diversas frentes de resistência que vêm se formando no âmbito dos movimentos sociais, precisa de uma estratégia institucional. Para Toninho, o campo progressista deve evitar erros para que não seja “atropelado pela direita e perca o trem da história nas próximas eleições”. Em sua avaliação, cita o que considera equívocos na formação de alianças eleitorais, lembrando que o PT se coligou em Pernambuco, por exemplo, com a centrodireita e não elegeu nenhum deputado – se tivesse saído sozinho, teria elegido três. “Em Brasília, se tivesse saído sozinho elegia dois, mas na coligação elegeu um cara da extrema-direita. Essa lógica dos partidos de querer fazer aliança para ter mais recursos

do fundo partidário contribuiu para distorcer a representação, favoreceu os conservadores.” O analista ilustra o teor nocivo dessa falta de coerência no processo de discussão do orçamento da União para 2016. O relator, deputado Ricardo Barros (PPPR), sugeriu corte de R$ 10 bilhões do Bolsa Família. “Absurdo completo sobre um programa social estrutural do governo. Isso significa que não há coerência nessa vontade da base”, avalia Toninho. Barros é vice-líder do governo na Câmara. “Esses caras entraram para implementar sua própria agenda e não a do governo. As forças à esquerda no espectro político não estão percebendo isso e não vão para o enfrentamento. Fica nessa coisa de compor e fazer concessões, não faz o menor sentido”, critica. O diretor do Diap admite que a atual legislatura piorou em relação à anterior em parte como resultado da campanha “moralista, justiceira, de associar a esquerda a corrupção, houve

JEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO

Deseducação política

SEM COERÊNCIA O relator do Orçamento da União para 2016 sugere corte de R$ 10 bilhões do Bolsa Família

uma série de movimentos que foram determinantes para a alteração dessa composição”. E teme que isso piore nas próximas eleições. Para o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília, os ataques indiscriminados da oposição ao governo, sobretudo aos programas sociais, seguem uma lógica perversa. “A eficiência do governo está sendo colocada em xeque principalmente pelo problema da corrupção,

que não tem relação direta com os programas sociais, mas trabalha a percepção das pessoas no sentido de dizer que o governo não cumpre bem seu papel. E aí surge uma confusão traiçoeira. Em vez de discutir o aperfeiçoamento do processo, você começa a discutir o fim do processo, algo do tipo ‘então vamos acabar com isso, vamos acabar com o Estado’. É uma opção de não avançar na solução dos desequilíbrios estruturais e históricos da sociedade.”

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MAURO SANTAYANA

O Brasil dos jatos e o Brasil da Lava Jato Neste singular momento da vida nacional, o país está dividido, cada vez mais, em dois que parecem não compartilhar a mesma realidade ou o mesmo território

P Seria bom se o Brasil da Lava Jato se concentrasse em prender os corruptos, aqueles com milhões de dólares em contas na Suíça, e não em libertá-los – como está fazendo com o Sr. Paulo Roberto Costa 14

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ara o Brasil da Lava Jato, do impeachment, da mídia seletiva e conservadora, o que defende a volta da ditadura, a tortura e a quebra do Estado de Direito, este é um país podre, quebrado, mergulhado até o talo na corrupção, política e economicamente inviável até não poder mais. Para o Brasil dos jatos Gripen, cuja transferência de tecnologia a presidenta Dilma Rousseff foi negociar em outubro na Suécia, o Brasil da Força Aérea, da Aeronáutica, do Exército, da engenharia, da indústria bélica, da indústria pesada, da indústria naval, da indústria de energia, do petróleo e do gás, do agronegócio, da mineração, este é o país que, mesmo com todos os seus problemas, depois de anos e anos de abandono e estagnação, pagou a dívida com o FMI; voltou a pavimentar e a duplicar rodovias; retomou obras ferroviárias e hidroviárias; retomou a produção de navios e passou a fabricar plataformas de petróleo, armas, satélites, sistemas eólicos, mergulhando, na última década, em dos maiores programas de desenvolvimento de sua história. Seria bom se o Brasil da Lava Jato se concentrasse em prender os corruptos, aqueles com milhões de dólares em contas na Suíça, e não em libertá-los – como está fazendo com o Sr. Paulo Roberto Costa, dispensado até mesmo de sua prisão domiciliar –, no lugar de manter aprisionados, arbitrariamente, quase que indefinidamente, dirigentes de partido sem nenhum sinal ou prova de enriquecimento ilícito e executivos de nossas maiores empresas. A maioria delas ligada, direta ou indiretamente, a um amplo e diversificado programa de rearmamento e infraestrutura que engloba a construção de nossos novos submarinos convencionais e atômicos; de nossos novos caças Gripen NG BR; do nosso novo avião cargueiro militar multiuso KC-390 – a maior aeronave já fabricada no Brasil; de 1.050 novos tanques blindados Guarani; de nossos novos rifles de REVISTA DO BRASIL

assalto IA-2; de nossos novos sistemas de mísseis de saturação e de cruzeiro, como o Astros 2020 e o AVTM-300 da Avibras – com alcance de 300 quilômetros; de nossos novos mísseis ar-ar como o A-Darter; de nossos novos radares como os Saber; de nossos novos e gigantescos complexos petroquímicos e refinarias de petróleo, como Abreu e Lima e Comperj; de nossas novas plataformas de petróleo com capacidade para produção de centenas de milhares de barris de óleo por dia; de nossas novas e gigantescas usinas hidrelétricas, como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte – a terceira maior do mundo; de nossa nova frota de navios da Transpetro, do tipo Panamax, com capacidade de transporte de 650 mil barris de combustíveis cada um; de nossas novas embarcações de guerra, que voltamos até mesmo a exportar; de nossos novos satélites de comunicações; ou de portentosas obras de engenharia como a ponte sobre o Rio Negro, em Manaus, e a ponte Anita Garibaldi, em Laguna, Santa Catarina. Esse é o Brasil da estratégia, do longo prazo, que a mídia conservadora nacional optou, há muito tempo, como fazem os ilusionistas das festas infantis, por esconder com uma mão, enquanto mostra como uma grande novidade, com a outra mão, o Brasil de uma “crise” e de uma “corrupção” seletiva e repetidamente exageradas e multiplicadas ao extremo. Há um Brasil que deveria estar acima das disputas político-partidárias, que cabe preservar e defender. Quem quiser fazer oposição precisa, se quiser chegar ao poder, mostrar, com um tripé baseado no nacionalismo, na unidade, e no desenvolvimentismo, que estará comprometido com o prosseguimento desses programas, fundamentais para o futuro da Nação. Com todos os seus eventuais problemas, que podem ser solucionados sem dificuldades, eles conformam um projeto de Nação que não pode ser interrompido, cuja sabotagem e destruição só interessa aos nossos inimigos, muitos dos quais, do exterior,


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tão da corrupção sem partidarismo e seletividade, preparando-se para o pleito do próximo ano, já que não há melhor lugar do que uma urna para que o desejo e a determinação – e até mesmo a eventual indignação – de um povo livre, civilizado e democrático possam se manifestar. Seria bom, muito bom, se o Brasil da Lava Jato, o do impeachment, o de quem defende uma guerra civil e o “quanto pior, melhor” permitisse, em benefício do futuro, da soberania e da economia nacional, que o Brasil dos jatos Gripen, da oitava economia do mundo, dos US$ 370 bilhões de reservas internacionais, de uma safra agrícola de 200 milhões de toneladas, o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos – e que pertence não a um ou a outro partido, mas a todos os brasileiros – pudesse continuar a trabalhar.

PASSO PARA O FUTURO A presidenta Dilma na cabine de um jato Gripen: transferência de tecnologia

ROBERTO STUCKERT FILHO/PR

se regozijam com o atual quadro de fragmentação e esgarçamento da sociedade, antevendo o momento em que retomarão o controle de nosso destino e o de nossas riquezas. Seria bom que o Brasil da Lava Jato – considerando-se os que comandam a operação homônima – trabalhasse com responsabilidade e cidadania em sua missão, separando o joio do trigo, prendendo quem tiver de prender, mas evitando, no lugar de incentivar, os danos colaterais para empresas e projetos estratégicos que empregam milhares de pessoas, nos quais já foram investidos bilhões e bilhões de dólares – protegendo e não arrasando, como já está ocorrendo, parte da indústria pesada e da engenharia nacionais. Seria bom se o Brasil da Lava Jato – considerando-se os que torcem pela “operação” – tratasse a ques-

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A PARTILHA Dieese foi criado há 60 anos por sindicatos desconfiados dos índices oficiais. Tornou-se caso único de convivência entre diferentes visões políticas, em nome do conhecimento a serviço dos trabalhadores Por Vitor Nuzzi

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NO ESCURO Greves dos bancários, têxteis, gráficos, marceneiros e metalúrgicos, entre 1951 e 1954, levaram à constatação: sindicatos precisavam de números confiáveis para negociar

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JUCA MARTINS/OLHAR IMAGEM/1979

A NOITE, 06/07/1951. ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO

m 18 de setembro, um grupo de 24 alunos recebeu o certificado de conclusão de curso superior em Ciências do Trabalho. Era a formatura da primeira turma organizada pelo Dieese, iniciada em 2012, completando um percurso histórico de 60 anos. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos foi criado em dezembro de 1955 com a ideia, entre outras, de ser um centro de estudos e formação, aproximando-se da academia, mas tendo como base o mundo do trabalho. Completadas seis décadas, o instituto consolidou-se no cenário econômico como referência de análise. Para isso, teve de superar obstáculos políticos e financeiros. A convivência entre técnicos e dirigentes sindicais teve momentos ásperos, mas o Dieese conseguiu equilibrar-se entre o rigor científico e o atendimento a demandas, cada vez mais complexas, dos sindicatos. Paraninfa da turma, a socióloga Heloísa Helena de Souza Martins, diretora técnica do Dieese de 1966 a 1968, falou aos formandos sobre a conjuntura em que o instituto foi criado: “Explicar os dilemas de uma sociedade envolvida com o projeto desenvolvimentista com ênfase no processo de industrialização era o desafio dos intelectuais e pesquisadores comprometidos com a ideia da superação das desigualdades e injustiças sociais”. E destacou a figura do primeiro diretor, José Albertino Rodrigues, que alimentava uma utopia socialista, mas também defendia a necessidade de uma “compreensão científica da realidade brasileira”.


TRABALHO

DO SABER

CONTRAPONTO Durante os anos de hiperinflação, e índices manipulados pelo governo, o Dieese fez a diferença

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TRABALHO Heloísa Martins recorda de momentos tensos, quando chegou a ouvir de um dirigente: “Não vim aqui para ter aulinha de estatística. Quero discutir o nosso reajuste”

Lenina Pomeranz: “A gente tinha muito apoio do núcleo duro”

FOTOS: ACERVO IEA/USP (LENINA); ALEXANDRE MACHADO (HELOÍSA); MARCIA MINILLO/RBA (BARELLI)

“Ouça o que eles (sindicalistas) falam, observe o comportamento”, foram recomendações que a socióloga Heloísa, indicada a Albertino pelo professor Azis Simão, recebeu ao chegar ao Dieese, “o primeiro que levou a discussão do sindicalismo para a universidade”. E lembra de uma conversa com Azis: se a universitária queria estudar o movimento sindical, deveria aproveitar a oportunidade para conhecê-lo “por dentro”, conviver com as questões do dia a dia. “Pude compreender, então, que antes de se constituírem como problemas teóricos, eram problemas sociais”, disse a paraninfa aos formandos. Ela chegou para ajudar a calcular o Índice do Custo de Vida (ICV) na cidade de São Paulo. Eram duas pessoas para fazer coleta de preços em feiras livres e centros comerciais. Professora doutora aposentada e colaboradora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Heloísa observa que desde o começo Albertino enfatizava a importância da objetividade e do critério científico. O instituto deveria produzir conhecimento para sustentar a prática.

Desmascarar

A inflação também está na gênese da criação do Dieese. Era tempo de grandes greves e negociações, e os sindicalistas desconfiavam do índice oficial, na época calculado pela prefeitura paulistana. Fundador do instituto, o dirigente bancário Salvador Losacco contou – em depoimento de 1987 ao pesquisador Miguel Chaia – que a ideia era formar um organismo que estudasse e calculasse o custo de vida, inclusive para “desmascarar” o índice oficial. As primeiras conversas nesse sentido surgiram no Pacto de Unidade Intersindical (PUI), formado nos anos 1950. “O Dieese é fruto desse pacto”, diz o sociólogo Fausto Augusto Júnior, autor de uma dissertação de mestrado, em 2010, para a Faculdade de Educação da USP, justamente sobre o ICV como “produção de conhecimento” entre 1955 e 1964. Primeiro, houve uma apropriação do conhecimento produzido pela ciência histórica. E a aproximação entre intelectuais e sindicalistas avançou à medida que o ICV adquiriu solidez. “A ideia de ‘perda salarial’ e ‘reajuste necessário’ contribuiu para se revelar o constante arrocho salarial sofrido pelos trabalhadores, transformando assim o ICV/Dieese em instrumento de 18

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Walter Barelli: “Tem uma coisa que ninguém tira do Dieese, que é a característica técnico-científica”

denúncia e bandeira de luta política contra a carestia”, escreve Fausto na dissertação. Ao analisar os boletins daquele período de dez anos (1955/1964), o técnico – que hoje atua na subseção do Dieese no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – nota as tentativas de “fazer a migração de um texto acadêmico para o sindical”. Assim, o instituto foi conquistando campos de negociação, observa Fausto. E atuando em diversas frentes. Enquanto isso, muitos dirigentes sindicais tornaram-se gestores públicos. “Isso demanda mais conhecimento.” A economista Lenina Pomeranz, professora na Faculdade de Economia e Administração da USP, lembra dos primeiros tempos, em uma sala “grande, mas escura” e com uma máquina Olivetti chamada de “jacaré, muito barulhenta e grandona”. Além do ICV, o Dieese começou a organizar um fichário de empresas, analisando os balanços que saíam nos jornais, o que representava um subsídio a mais na mesa de negociação. Apesar de alguma incompreensão por parte dos sindicalistas em relação à importância da estatística, Lenina avalia que a relação com os dirigentes era de intercâmbio e confiança. “A gente tinha muito apoio do núcleo duro.” Diretora técnica a partir de 1962, no lugar de Albertino, ela saiu em setembro do ano seguinte, para fazer um curso na Polônia. Só voltaria em 1967. Heloísa Martins recorda momentos mais tensos, como em uma reunião sobre política salarial em que um dirigente lhe disse: “Não vim aqui para ter aulinha de estatística. Quero discutir o nosso reajuste”. Ou quando convocou uma reunião para um domingo de manhã, incluindo trabalhadores da base, em São Paulo. “Técnico não fala com trabalhador, fala com dirigente. Nós falamos com trabalhador”, ouviu. Também não era incomum reclamarem do índice de inflação apurado, argumentando que determinado produto estava aumentando muito de preço.

Científico

A ata de fundação do Dieese foi assinada às 20h30 de 22 de dezembro de 1955 por 19 entidades, no sétimo andar do Edifício Martinelli, centro de São Paulo, prédio onde ficava a sede do Sindicato dos Bancários – e para onde a entidade voltou em 1993. Teve dezenas de presidentes, mas apenas seis diretores técnicos. Entre eles, ninguém permaneceu mais tempo do que o economista Walter Barelli, cujo nome se confunde com a


TRABALHO

Zenaide Honório destaca o papel do conselho formado pelas centrais: “Acho que mostrou a importância do Dieese e o papel que desempenha no movimento sindical”

instituição. “Tem uma coisa que ninguém tira do Dieese, que é a característica técnico-científica”, diz Barelli, que permaneceu 22 anos à frente da direção técnica, de 1968 a 1990. Formado em Economia na USP em 1964, ele não teve formatura, porque a cerimônia ocorreria justamente no dia do golpe e havia um carro de combate diante da faculdade – ele seria o orador. Essa conduta técnica às vezes provocava queixas. Convidado por Heloísa para trabalhar no instituto, Barelli lembra que muitas vezes o índice de inflação calculado pelo Dieese era inferior ao oficial. “E era dureza falar para o dirigente sindical. Você tem de ser fiel à metodologia.” No final dos anos 1950, conta, o ICV passou a ter três faixas, conforme a renda familiar, padrão mantido até hoje. Diretor técnico de 1990 a 2003, o economista Sérgio Mendonça também testemunhou algumas crises internas por causa do resultado das análises feitas pelo instituto. Como no Plano Cruzado, em 1986, quando o Dieese apontou aspectos negativos e positivos e recebeu críticas dos sindicalistas, principalmente da CUT, mas também da então CGT. Dizer que o Plano Real, lançado em 1994, seria duradouro “incomodou muita gente”, lembra Sérgio. “Havia um movimento mundial de estabilização das economias. Não era muita novidade imaginar que o Brasil também se estabilizaria, como aconteceu.” Também houve algum atrito quando algumas entidades resolveram criar seus próprios departamentos econômicos. “Acho que hoje essa tensão está superada”, avalia o ex-diretor, atualmente secretário de Relações de Trabalho do Ministério do Planejamento.

Diversidade

A recomendação para os técnicos sempre foi a de não externar posições políticas. Já a direção sindical procurou blindar o instituto de posições partidárias. Dirigente pré-1964, Luiz Tenório de Lima, o Tenorinho, integrante do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), atestou essa preocupação em depoimento ao próprio Dieese, dez anos atrás. “Nunca aceitamos – inclusive eu não aceitei, mesmo como dirigente do Partido Comunista, reagi e não permiti, como outros companheiros não permitiram – que um partido comunista instrumentalizasse o Dieese, fizesse dele, vamos dizer assim, um trampolim político para certas ocasiões. Nós nunca fizemos isso para garantir a unidade daqueles que vinham com o Dieese.”

Clemente Ganz Lúcio: “Há um esforço de ser sempre muito transparente, mostrar a metodologia”

Barelli também se recorda de uma recomendação feita por Albertino: “Não deixe os dirigentes sindicais perceberem qual é a sua tendência política, senão eles perdem o respeito”. Autor do livro Intelectuais e Sindicalistas – A Experiência do Dieese, Miguel Chaia afirma na obra que o instituto nasceu de uma consciência operária: só os trabalhadores poderiam promover o conhecimento de sua situação. “Escudando-se no binômio ciência-trabalho, cria sua própria natureza e evita confrontos ideológicos e partidários, quando referentes à diversidade da classe trabalhadora”, escreveu. O pesquisador lembra ainda que a conquista da legitimidade tornou o Dieese referência não apenas para o mundo sindical, mas para vários setores da sociedade. Com turbulências, o departamento conseguiu estabelecer uma relação de equilíbrio entre as diversas forças políticas que o sustentam. O atual diretor técnico, Clemente Ganz Lúcio, no cargo desde 2003, diz que há clareza sobre o papel do instituto: “O propósito da instituição é ser uma assessoria técnica. Nossa posição tem uma influência, mas não é deliberativa. Há um esforço de ser sempre muito transparente, mostrar a metodologia”. Além disso, existe um acordo político para que as disputas sindicais não se reflitam no Dieese. Um conselho formado por oito centrais sindicais, com três representantes de cada, ajusta a dar essa sustentação e tornar o departamento uma espécie de território neutro. “Acho que isso mostrou a importância do Dieese e o papel que desempenha no movimento sindical. Facilitou o diálogo com as centrais”, afirma a presidenta do instituto, Zenaide Honório, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). A presidência é ocupada em sistema de rodízio: a cada mandato – o atual vai até 31 de janeiro de 2017 –, revezam-se dirigentes da CUT e da Força Sindical. Em termos históricos, pode-se dizer que de alguma maneira essa alternância ocorreu desde o princípio: Salvador Losacco (Bancários de São Paulo) foi o primeiro presidente e Remo Forli (Metalúrgicos de São Paulo), o sucessor.

Sobrevivência

Se a questão política foi relativamente resolvida, a financeira continua sendo um problema. Barelli se refere a um “padrão Dieese” de resistência a crises. “O Dieese sempre viveu com REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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FOTOS: VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL (SÉRGIO); JORDANA MERCADO (ZENAIDE); SECRETÁRIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (CLEMENTE)

Sérgio Mendonça: “A grande escola é o trabalho coletivo”


ALEXANDRE MACHADO

TRABALHO

FESTA Formatura da primeira turma do curso superior de Ciências do Trabalho: instituto pensado para produzir conhecimento

dificuldades financeiras”, diz Sérgio Mendonça, que nos anos 1990 passou por um período doloroso, com corte de áreas e demissões. “Estou aqui há mais de 30 anos. Não tem tempo fácil”, acrescenta Clemente. “O Dieese tem um equilíbrio de longo prazo, operado por um desequilíbrio recorrente permanente. O nosso grande problema é o padrão de financiamento de curto e médio prazo.” As receitas do Dieese vêm das entidades filiadas e de convênios com órgãos públicos, como o que mantém a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), um dos vários estudos permanentes do instituto, junto com o que apura o custo da cesta básica, o poder real de compra do salário mínimo e o comportamento das negociações salariais. A relação varia – este ano, 60% da receita deve vir do movimento sindical. O momento econômico difícil causa preocupação. “Vamos trabalhar para

atravessar essa crise sem tormentas”, diz Zenaide. Durante a ditadura, houve uma tentativa do governo de sufocar financeiramente o Dieese. Segundo Barelli, o ministro Julio Barata (à frente da Pasta do Trabalho no pós AI-5) reuniu os delegados regionais e determinou que os sindicatos não podiam contribuir para o instituto – na época, a contabilidade das entidades tinha de ser aprovada pelo Ministério do Trabalho. Os sindicalistas conseguiram driblar a medida. Chaia anota, em seu livro, que nos anos 1970 um sindicalista ligado à Arena (partido da ditadura), Orlando Malvezi, foi eleito deliberadamente para a presidência “como tática para evitar as crescentes pressões contra a instituição e os ataques contra os técnicos”. Até hoje, o instituto não tem sede própria. A atual, no centro de São Paulo, pertence ao poder público. A estrutura compreende 64 subseções – escritórios atuantes em entidades sindicais – em nove estados, 18 escritórios regionais e 342 funcionários, sendo aproximadamente 200 técnicos, dos quais 150 economistas. “A grande escola do Dieese é trabalhar técnica e coletivamente”, define Sérgio Mendonça. “É uma escola de formação. A gente aprendeu a trabalhar para a classe trabalhadora.” Com o tempo, a pauta também se ampliou, observa o economista. “Nos anos 50, 60, quando o inimigo da classe trabalhadora era a inflação, o Dieese atuava quase monotematicamente. Hoje é uma agenda voltada para as políticas públicas. É uma sociedade bem mais complexa.” As demandas contemporâneas levaram à criação da escola do Dieese, um sonho antigo. “É um campo de conhecimento não clássico, mas interdisciplinar, trazendo o escopo de produção do Dieese”, diz Clemente. Com isso, também se combate uma visão de que o trabalho é um simples recurso, um insumo, desconsiderando o fator humano. “O conflito básico (as relações capital-trabalho) não é mais objeto de atenção.” Para ele, isso se reflete na academia tradicional, que já teria dedicado mais espaço ao estudo desse universo.

Consciência a partir da realidade Um episódio que deu visibilidade – e credibilidade – ao Dieese aconteceu no segundo semestre de 1977. Na edição de 31 de julho, o jornal Folha de S.Paulo publicou um relatório do Banco Mundial, revelando que o índice oficial de inflação no Brasil em 1973 (perto de 15%) não era válido – os preços no atacado teriam variado, na verdade, 22,5%. O indicador que mais se aproximava da realidade era o do Dieese (26,7%). Imediatamente suspeitou-se de manipulação. O ministro da Fazenda na época era Delfim Netto. 20

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No dia seguinte ao da publicação da reportagem, uma segunda-feira, Barelli conta que recebeu dois telefonemas: dos presidentes do Sindicato dos Bancários de São Paulo (Francisco Teixeira) e do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (atual ABC), Luiz Inácio da Silva, o Lula. Queriam que o Dieese calculasse as perdas causadas pelo fato de o índice oficial ter subestimado a inflação. “Choveu pedido do país inteiro. Foi importante para criar um fator mobilizador para o movimento sindical.” Aquele fato impulsionaria as

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campanhas salariais do ano seguinte. Dias depois de divulgado o relatório, o ministro Mário Henrique Simonsen foi à Câmara dos Deputados falar do assunto. Em setembro, ele e seu colega do Planejamento, Reis Velloso, se reuniram com sindicalistas. O empresário Herbert Levy, filiado à Arena e na ocasião dono do jornal Gazeta Mercantil, chegou a comentar que “o tal do Dieese” é que estava certo. Para Barelli, o instituto ajudou a criar “uma consciência de perdas, de espoliação, usando os dados da realidade”.

Em 1990, o Dieese viveu outro confronto, já no governo Fernando Collor. O então porta-voz da Presidência da República, Cláudio Humberto, questionou cálculos do Dieese sobre a inflação, tentando desqualificar o instituto ao lembrar que Barelli, então licenciado, trabalhava na assessoria econômica do candidato Lula. A ilação provocou uma reação indignada do economista: “O movimento sindical tem a sabedoria de nunca pedir para que o Dieese manipule. A classe operária é muito mais digna do que os governantes”.


EMIR SADER

A Guerra Fria do século 21 O fortalecimento do bloco Rússia-China, mesmo em inferioridade militar, econômica e tecnológica, projeta para a primeira metade do novo século uma nova configuração de poder no mundo

“É

a mais significativa virada nas re- taurou o clima da nova Guerra Fria. As represálias lações entre as grandes potências econômicas das potências ocidentais contra a Rússia desde o colapso da União Sovié- causam danos reais a esse país, que reciclou compras tica”, confessa a revista The Econo- de produtos agrícolas da Europa para a América Lamist em editorial, depois de enun- tina e faz um movimento estratégico fundamental de ciar que a dominação norte-americana está sendo acoplamento da sua economia à da China, enquanto desafiada, com capa em que jogam cartas os chefes revela seu novo poderio militar na Síria. de Estado dos Estados Unidos, da Rússia e da China. Foi-se configurando um bloco que questiona a A operação militar russa na Síria e os acordos a que hegemonia do bloco ocidental dirigido pelos Estaos norte-americanos foram obrigados a chegar para dos Unidos, tanto no plano econômico como polítentar evitar choques entre seus bombardeiros e os tico e militar. Os Estados Unidos continuam sendo potência hegemônica no mundo, de Moscou terminam de constituir a mas ficou para trás – como constata ideia de que há uma nova Guerra Fria The Economist – o período de cerca em curso. A Rússia intervém num de duas décadas e meia de sua hegepaís que considera sua área de influência e empurra Washington a um monia absoluta no mundo. Hoje se acordo que formalize essa definição. pode dizer que, com o Brics (o bloco Tudo se encaminhava, há dois que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), já existe uma esanos, para uma convergência de interesses entre os Estados Unidos a pécie de multipolaridade econômica Rússia, quando esta, valendo-se da no mundo, com uma arquitetura distinta da de Bretton Woods – apoiada incapacidade norte-americana de no FMI e no Banco Mundial – em criar as condições políticas para atacar a Síria, conseguiu impor os meios China e Rússia desafiam a processo de construção, centrada no para o acordo. O ataque à Síria seria o hegemonia americana na sul do mundo. As alianças da Rússia capa da revista inglesa prenúncio do ataque ao Irã – sempre com a China constituem o eixo dessa nova configuração – que incorpodesejado por Israel – e da generalização de conflitos na região e com a Rússia. ra América Latina, ou parte dela, e parte da Ásia. O acordo abriu as portas para o entendimento com Os elementos de força do campo dirigido por o Irã – com o isolamento de Israel e Arábia Saudita Washington estão no plano militar, tecnológico e – e tudo permitia prever um tempo de mais acordos econômico, mas os próprios Estados Unidos, como entre norte-americanos e russos. De repente, explo- principalmente Europa e Japão, vítimas de prolondiu a crise na Ucrânia, um limite para a Rússia e para gada estagnação econômica e intranscendência poos Estados Unidos. A Rússia não podia permitir que lítica, estão em processo de decadência. Enquanto um país nas suas fronteiras ingressasse na Otan – fe- o bloco dirigido por Rússia-China, mesmo em inrindo os acordos assinados por Mikhail Gorbachev e ferioridade militar, econômica e tecnológica, está Ronald Reagan. Washington não podia tolerar que a em processo de fortalecimento. A primeira metade Rússia recuperasse a Crimeia impunemente. do novo século encontrará uma nova configuração Foi o estopim que reverteu aquela tendência e ins- de poder no mundo. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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EDUCAÇÃO

AJUSTE À MODA TU Governo Alckmin chama de medida “pedagógica” gesto de fechar escolas, economizar com educação, superlotar mais as salas, aumentar a evasão, piorar o ensino público e estimular o privado Por Cida de Oliveira 22

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REVISTA DO BRASIL

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pretexto de pre­parar es­ co­las para atender a “demandas específicas” conforme as faixas etárias, e em tese melhorar o ensino na rede pública, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), resolveu fechar 94 escolas em 36 municípios distribuídos pela Região Metropolitana, litoral e interior, e extinguir o ensino noturno, inclusive dedicado à suplência, no conjunto da rede. Isso sem consultar quaisquer setores da sociedade, apenas algumas diretorias de

ensino. A salvação dessas unidades está agora nas mãos de prefeitos. A decisão de Alckmin prevê que parte da lista já está liberada para ser assumida por prefeituras – se isso não acontecer, a escola será fechada. Para justificar o desmonte, a Secretaria da Educação pretende fazer funcionar, já no começo do próximo ano, 2.197 escolas em ciclo único. Dessas, 799 receberão apenas o ensino médio, 832, os anos iniciais do ensino fundamental e 566, os anos finais. Há 315 que continuarão oferecendo ensino fundamental


EDUCAÇÃO

Desmonte

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é o número de escolas fechadas pelos governos tucanos de Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra entre 1995 e 2007 na capital paulista. Algumas foram transformadas em unidades administrativas da Secretaria da Educação ou em unidades da PM. O governo vendeu os terrenos das extintas José Alves de Camargo Vila Mafra, na Vila Formosa, e Martim Francisco, na Vila Nova Conceição, que deram lugar a condomínios

EDSON LOPES JR/A2 FOTOGRAFIA/GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

DEFESA DO ENSINO PÚBLICO Estudantes se reuniram no dia 15 de outubro e foram em passeata até a sede do governo paulista

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é o número estimado de escolas fechadas ou transferidas no estado desde o Programa de Reorganização das Escolas da Rede Pública Estadual­, de 1995 Fonte: Gilberto Cunha Franca – Urbanização e Educação: Da escola de bairro à escola de passagem/FFLCH-USP 2010

UCANA e médio. Nessa primeira etapa, não serão “reorganizadas” 2.635 unidades. Deverão ficar para as próximas fases do processo de “reorganização”, a partir de 2017, colocando em risco grande parte delas. Alckmin alega que as escolas serão “cedidas” aos municípios porque “sobram vagas no ensino fundamental e médio e faltam em creches e Emeis (escolas municipais de educação infantil)”. Mas ensino infantil não é responsabilidade dos estados, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e sim dos municípios. O governo que se omite em repassar recur-

DARIO OLIVEIRA/CÓDIGO 19/FOLHAPRESS

SEM TRANSPARÊNCIA Como na crise da água, governador negou as evidências

sos aos municípios para complementar o financiamento do setor, conforme determina a Constituição, ainda não procurou os prefeitos para discutir o destino das escolas, que teriam de ser adaptadas às necessidades de crianças de até 5 anos. “Acompanhamos tudo pelos jornais, pelo Diário Oficial. Não fomos procurados. Temos grande demanda por creches e pré-escolas, mas as escolas que deverão ser transferidas, segundo noticiado, não atendem à nossa necessidade. São grandes, para atender a alunos do ensino médio. E as condições desses prédios são as piores no município, que teria de investir pesado para atender de forma digna a população”, diz o secretário da Educação de Santo André, Gilmar Silvério.

Desmentidos

Era de se supor um momento de desmobilização dos professores, voltados à reposição de aulas após uma greve de três meses, e dos alunos, preocupados com o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Pode ter sido esse o raciocínio do secretário estadual da Educação, Herman Voorwald, quando anunciou, em 23 de setembro, o projeto autoritário. O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) começou a divulgar informações recebidas das es-

colas que estariam na lista de Herman. Assim como escondeu a crise no abastecimento de água e a violência de sua polícia durante a campanha eleitoral, Alckmin negou o fechamento. Não colou. O estado foi tomado por manifestações estudantis e de professores apoiadas pela comunidade. O movimento começou com debates internos e protestos no entorno de escolas da capital, da Região Metropolitana e do interior, e ganhou grandes centros. A mais recente, em 29 de outubro, o Grito pela Educação, levou milhares de pessoas à Avenida Paulista. Duas semanas antes, o Ministério Público abriu inquérito. Iniciativas começaram a ser tomadas também nas Câmaras Municipais e na Assembleia Legislativa. Santo André, no ABC paulista, tinha seis escolas na lista de Herman. A grande pressão estudantil não comoveu o governo, que vai fechar a Professor José Augusto de Azevedo Antunes, na região central, e a Valdomiro Silveira, no Jardim Silvana, próximo ao município vizinho de Mauá. Mas foi vitoriosa ao impedir que o Américo Brasiliense fosse transformado em posto do Poupatempo. Os colegas Fernanda Donegá, Alice Rodrigues, Érica de Oliveira e Paulo Roberto dos Santos, todos do 3° ano do ensino médio, estiveram nos atos, inclusive no “abraço” ao edifício tradicioREVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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GERARDO LAZZARI/RBA

EDUCAÇÃO

BAIRRO VALORIZADO Denise Elisei: “O Saboia está no centro de uma luta de classes. Os novos moradores preferem ver aqui um shopping”. Revoltados com a possibilidade de fechamento, os alunos também foram às ruas defender sua escola

DINO SANTOS/CUT

nal. “Estamos de saída, indo para a facul- sas” e que estaria reativando com seu dade, mas nos preocupamos com aqueles pacote. Não é difícil entender o que sigque precisam trabalhar e ter uma escola nificam classes com mais de 50 alunos como esta, no centro”, resume Paulo Ro- espremidos. berto. Os professores têm perda média de 15 Quando o projeto se tornou público, era minutos por aula, no esforço de atrair a cogitado o fechamento de mais de mil es- atenção da turma e fazer chamada. Os colas em todo o estado. Com conteúdos são comprometidos pela falta de tempo e esa pressão nas ruas e o debate acirrado nas redes sociais, paço para a atenção individual, reflexões e debates. Em em que estudantes e professores estampavam caruma suposição mais otimistazes com as frases “Alckta, com turmas de 40 alunos, min inimigo da educação” e um professor que dá aula para 16 turmas – o que não é ra“Alckmin exterminador do ro – tem 640 alunos. Como futuro”, circulou entre as diretorias de ensino a suspeia correção e comentários de ta de que o governo retiraria uma prova toma cerca de dez o pacote impopular para re- Douglas Izzo: minutos, ele necessitaria de piorar o verter essa imagem. Acabou “Querem mais de 100 horas somente que já estava ruim” oficializando 94. para essa atividade. Com apoio crescente, os manifestan“Mesmo trabalhando em finais de setes temem o agravamento da superlota- mana, feriados, e sem receber, não temos ção de salas, a piora do ensino e a eva- como avaliar o aluno adequadamente”, são. De acordo com a Apeoesp, a situação diz o professor de Geografia Maurício foi agravada a partir do início deste ano, Costa, da Escola Estadual Calhim Maquando foram fechadas cerca de 3 mil noel Abud, na Vila Califórnia, zona sul turmas – que o governo chama de “ocio- da capital. 24

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Em vez de justificar a desativação de prédios, a propalada “queda na demanda por questões demográficas” poderia ser convertida em melhora da qualidade do ensino. “Se é verdade o que diz o secretário, que o governo pretende melhorar a qualidade da educação, devia aproveitar para diminuir a superlotação”, diz o deputado Carlos Giannazi (Psol), da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia paulista. “Pelos critérios atuais, classes com 35 alunos são consideradas superlotadas. Imagine com mais de 50.” Localizada no valorizado bairro da Chácara Santo Antônio, zona sul da capital, a Escola Estadual Padre Saboia de Medeiros esteve na lista. Com aproveitamento de mais de 100% no Idesp – indicador de qualidade do ensino do governo estadual – e histórico de sucesso de seus alunos em vestibulares disputados, a comunidade escolar resistiu. Não aceitou a desativação de um colégio público prestigiado, com sala de recursos para alunos surdos e projetos de sustentabilidade em parceria com empresas, como reservatórios de água de chuva, coleta seletiva e horta comunitá-


DANILO RAMOS/RBA

DARIO OLIVEIRA/CÓDIGO 19/FOLHAPRESS

EDUCAÇÃO

TRADICIONAL Alunos do Américo Brasiliense, no centro de Santo André, ficaram apreensivos com o anúncio de fechamento. Comunidade “abraçou” a escola

ria, curso de fotografia, sala de leitura que tem como voluntária Sônia Mindlin, filha do bibliófilo e empresário José Mindlin (1914-2010), treinamento de rúgbi com atleta de seleção. Os 800 alunos do Saboia, a maioria trabalhadores, moradores da favela Real Parque, Capão Redondo e Guarapiranga, foram às ruas com apoio da direção. “Devemos continuar mobilizados, alertas a quaisquer manobras do governo para ten-

tar fechar o Saboia nas próximas etapas de seu projeto”, diz a diretora Denise Elisei.

Luta de classes

Para Denise, o temor se justifica pelo fato de não poder abrir novas matriculas para 2016 e o Saboia estar no centro de uma luta de classes. Os moradores antigos ou que herdaram suas casas naquele que foi um bairro operário defendem a escola e matriculam ali os seus filhos. “Para os que

se mudaram depois da valorização da região, com prédios de alto padrão, melhor fechar e fazer aqui um shopping”, diz. A parceria com a especulação imobiliária é outra aposta dos críticos do governo. De acordo com o professor da Universidade Federal de São Carlos Gilberto Cunha Franca, autor da tese Urbanização e Educação: Da escola de bairro à escola de passagem, defendida em 2010 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o governo de Mário Covas – Alckmin era o vice – extinguiu as escolas José Alves de Camargo Vila Mafra, na Vila Formosa, e a Martim Francisco, na Vila Nova Conceição. Os terrenos foram vendidos para a construção de prédios de alto padrão. Franca pesquisou as escolas desativadas a partir de 1995, quando foi baixado o chamado Programa de Reorganização das Escolas da Rede Pública Estadual, imposto pela então secretária da Educação de Covas, Rose Neubauer. Ainda não se sabe ao certo quantas escolas foram fechadas. Fala-se em 148 entre 1995 e 1996. Se forem consideradas as que o estado deixou de manter, transferindo para municípios, o número é de 864 apenas entre 1995 e 1999. No período, o número de professores caiu de 237 mil para 209 mil. Entre 1995 e 2007, os governos tucanos de Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra desativaram 34 escolas na capital paulista. Algumas foram transformadas em unidades administrativas da Secretaria da Educação ou em unidades da Polícia Militar. Agora, Alckmin vai transferir para a gestão municipal 25 prédios, a maioria em regiões periféricas ou de grande vulnerabilidade social. Apenas na favela de Paraisópolis serão três, mais duas em conjuntos habitacionais populares, e outras distribuídas por Itaquera, Parada de Taipas, Pirituba, Jardim São Luís e Piqueri, entre outros bairros. Muitas dessas unidades ofereciam classes de suplência.

Risco de evasão

O presidente da CUT São Paulo, Douglas Izzo, entende que o desmonte na periferia expõe o lado nefasto do atual projeto quando comparado ao de 1995, quando foram desativadas escolas em regiões mais REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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DANILO RAMOS/RBA

EDUCAÇÃO

ABANDONO Maria de Lourdes acompanhou a construção da Escola Prof. Victor dos Santos Cunha, onde suas filhas estudaram. Agora, ela assiste à degradação do local

centrais. “A medida de Alckmin vai aumentar em médio prazo a evasão escolar. Ao ter de se deslocar para estudar em outros bairros ou mesmo municípios, como deverá acontecer principalmente nas cidades pequenas do interior, muitos estudantes vão acabar deixando a escola.” O abandono escolar, segundo ele, é outra face do cerceamento ao direito à educação. O aluno expulso do sistema educacional terá dificuldade para reingressar. “A educação de jovens e adultos tem sido desmontada com o fechamento de salas, sobretudo no período noturno. Com o fechamento de escolas que ofereciam EJA (Educação de Jovens e Adultos), os alunos vão sendo jogados de um polo para outro, mais longe, até que desistem novamente de estudar”, afirma.

Professor de Geografia e de Sociologia na rede estadual, Douglas lembra que a primeira “reorganização”, há 20 anos, deixou marcas profundas. Na época o discurso era o mesmo: adequar os espaços para melhorar a educação. “Junto com a reorganização vieram o fechamento dos centros de formação de professores, a aprovação automática, que nada mais é que a política do desocupar banco para economizar, e a superlotação. Não houve nenhum avanço. E agora querem piorar o que já estava ruim”, diz o dirigente. Para ele, as manifestações, crescentes, refletem a crise de credibilidade do governo que esconde informações da população e não assume os graves problemas na educação, transportes, segurança e gestão da água.

Na Vila Sabrina, zona norte da capital, a aposentada Maria de Lourdes Ramos, 80 anos, viu a Escola Estadual Professor ­Victor dos Santos Cunha ser construída, há cerca de 40 anos, e ser sucateada nos últimos 20. Ali estudaram suas filhas, que depois fizeram faculdade e passaram em concursos públicos. “Não faltavam professores e o prédio não tinha a aparência degradada, de presídio, que tem hoje, cheia de grades. Nestes 20 anos, o governo abandonou a escola, que foi ficando feia e violenta, que nem os professores querem vir. Os pais foram tirando os filhos. Ficaram só os mais pobres”, desabafa. O Victor Cunha foi poupado, mas não a escola Professora Laís Amaral Vicente, nas imediações.“É muito triste ouvir que vão fechar, deixar as crianças soltas na rua sem ter escola para estudar. Se com a escola já está difícil, imagina sem”, diz a dona de casa Maria José Siqueira, 65 anos. “Deviam procurar outra alternativa que não o fechamento.” Moradora do Jardim Peri Alto, também na zona norte, a aluna Lesleiany Mithelle de Sousa critica o projeto que quase fechou sua escola, o Francisco Vocio. Para ela, é um retrocesso incompatível com o estado mais rico da federação. “O projeto é a volta ao passado, ao tempo de nossos pais e avós, que tinham de andar muito para poder estudar.” A presidenta da Apeoesp, Maria Izabel de Azevedo Noronha, a Bebel, acredita que o governo anunciou uma lista reduzida de escolas a serem fechadas para desmobilizar estudantes e professores. “Ele recuou momentaneamente. Mas vai querer levar o fechamento adiante. E a reação popular vai prosseguir.”

Sem projeto econômico O projeto tucano de “reorganização”não consta do Plano Estadual de Educação de São Paulo, em tramitação na Assembleia Legislativa. Foi tirado da cartola menos de dois meses depois de o Tribunal de Contas do Estado apontar ressalvas às contas do governador. Pelo quarto ano seguido, os conselheiros apontaram déficit orçamentário. Só no ano passado, os gastos superaram as receitas em R$ 355 milhões. Em 2013, R$ 994 milhões; em 2012, R$ 982 milhões; em 2011, R$ 1 bilhão. O tesouro estadual viu seu cofre minguar de R$ 7,9 bilhões, em 2012, para R$ 1,8 bilhão no ano passado. Caiu também a 26

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arrecadação estadual, de R$ 136,2 bilhões para R$ 131,5 bilhões. Nos seis primeiros meses deste ano, a arrecadação foi menor do que em igual período de 2014. O PIB paulista recuou 1,8% no ano passado, quando o PIB nacional ficou estável, com variação de 0,1%. A falta de investimentos em infraestrutura abala a economia do estado. Dados da Fundação Seade mostram que, em 1995, a riqueza produzida no estado correspondia a 37,8% do PIB nacional. No ano passado, caiu para 28,7%. Mesmo assim, ainda é a maior entre as unidades da federação, e contribui para puxar para baixo o PIB nacional.


LALO LEAL

TV digital, será que agora vai?

A digitalização deve ser vista como avanço para o telespectador. Além de imagem melhor, o público terá um leque maior de opções que podem servir de contraponto à televisão comercial

O

primeiro desligamento dos sinais da TV analógica no Brasil – essa que estamos acostumados a ver há mais de 60 anos em nossas casas – está previsto para este 29 de novembro, em forma de teste, na cidade de Rio Verde (GO). Só quem tiver providenciado acesso aos sinais digitais verá televisão na cidade. Ano que vem a previsão é que o desligamento passe a ocorrer em grandes centros urbanos: Distrito Federal, 3 de abril; São Paulo, 15 de maio; Belo Horizonte, 26 de junho; Goiânia, 28 de agosto; Rio de Janeiro, 27 de novembro. Até 31 de dezembro de 2018 a TV digital terá substituído a analógica em todo o país. Pelo menos é o que se espera. Já houve um adiamento, de 2016 para 2018. Pode haver outros. As possibilidades de atraso no cumprimento desse cronograma são grandes. Há entraves sérios, como dificuldade do acesso de toda a população brasileira aos televisores digitais ou aos conversores de sinal. Além do pleito das empresas de televisão de deixar de fora do sistema digital cidades com um número menor de habitantes. É mais um capítulo da tortuosa implementação da TV digital no Brasil, palco de acirrado enfrentamento entre o interesse público e aquele defendido pelos empresários da comunicação eletrônica. A disputa é pelo espectro eletromagnético por onde circulam sons e imagens, um espaço limitado e finito, e muito valioso. Uma das batalhas já vencidas pelos radiodifusores foi a obtenção, sem concorrência, dos novos canais que serão abertos com a chegada da TV digital. Onde antes circulava uma programação, agora poderão ser transmitidas quatro ou mais – é a chamada multiprogramação. Esses novos espaços foram outorgados diretamente aos atuais concessionários, sob alegação de que seriam extensões dos canais analógicos. Repetiu-se aqui a argumentação usada quando da chegada da TV ao Brasil, nos anos 1950. Os então concessionários das emissoras de rádio obtiveram as concessões de televisão sob o argumento de que

o novo veículo de comunicação era apenas uma extensão do rádio. No caso atual, esse tipo de interpretação causou até uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que não a acolheu. Ainda assim a digitalização deve ser vista como um grande avanço, e seus resultados como benéficos para o telespectador. Além de uma imagem de melhor qualidade, o público terá um leque maior de opções na TV aberta, entre as quais a presença de novos canais públicos, capazes de servir de contraponto a programações uniformes e sem ousadia, marcas da televisão comercial. O decreto de implementação da TV digital no Brasil prevê a “exploração direta pela União” de quatro canais: do Executivo, da Educação, da Cultura e da Cidadania. O primeiro já existe, é a NBR – a televisão do governo federal –, com acesso ainda muito restrito. A expansão do sinal é importante para permitir a circulação de informações sobre ações do poder público sonegadas pelos grupos privados. A TV Escola, sob a condução do Ministério da Educação, já produz conteúdos relevantes no auxílio e complementação do trabalho de professores e alunos. Com capacidade de atingir um público maior, a expectativa é que a programação torne-se mais abrangente, à semelhança do que faz com grande sucesso na Argentina o canal Encuentro, gerido pelo Ministério da Educação daquele país. Os canais da Cultura e da Cidadania não possuem referências anteriores. Saem do zero e começam agora a ser construídos. No primeiro caso, um grupo de trabalho criado no Ministério da Cultura vem discutindo os procedimentos, a programação e os mecanismos de participação social. A ideia central é exibir as obras audiovisuais financiadas com recursos públicos, além de apoiar produções e programas regionais. O Canal da Cidadania fará uso da multiprogramação. Serão quatro subcanais para cada município: o primeiro destinado ao poder público municipal, o segundo para o estadual e os outros dois para associações comunitárias, que ficarão responsáveis por veicular programação local. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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TVT

Canal 8.1 HD digital em toda Grande São Paulo; Canal 12 da NET: Grande ABCD (24h); Canal 13 da NET: Mogi das Cruzes (24h); Canal 2 da NET: São Paulo (19h às 20h30); Canal 26 da NET: Barueri, Santana do Parnaíba, Osasco, Vargem Grande Paulista, Taboão da Serra, Carapicuíba, Cotia, Embu, Itapecerica da Serra, Itapevi e Jandira (19h às 20h30); Canal 9 da NET: Brasília (19h às 20h30); Pela internet: tvt.org.br

Tevê para

CRIANÇAS Emissora estreou quatro programas para a faixa de público infantil produzidos em parceria com o coletivo Pedal 28

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om conteúdos voltados ao fortalecimento da cidadania, a TVT estreou em outubro quatro programas infantis, cada um com cinco minutos, em média. As novas atrações serão exibidas de segunda a sexta-feira, às 10h55, dentro da faixa infantil da emissora. Os programas são produzidos

em parceria com o coletivo Pedal – Pedagogias Alternativas e fazem parte de um conjunto de ações que envolvem práticas de educomunicação em escolas com metodologias inovadoras. Essa prática pedagógica consiste de interações horizontalizadas, portanto sem hierarquia, e produção colaborativa. O primeiro a estrear, em 12 de outu-


CARLOS ALBERTO/DIVULGAÇÃO

TVT

Profissão Criança

Criança Pergunta, Criança Responde

CARLOS ALBERTO/DIVULGAÇÃO

Hora do Recreio

bro, foi Hora do Recreio. O programa enfatiza os momentos de livre diálogo das crianças, ­suas brincadeiras e conversas mais inusitadas. Dois dias depois, foi a vez de Des-cionário, uma série com depoimentos de crianças que definem palavras de acordo com seu repertório e mostram que o entendimento das palavras varia bastante diante do significado oficial, sobretudo no universo infantil, despertando reflexões. No episódio de estreia, por exemplo, as crianças definem o que é a palavra “avó”, utilizando apenas seu próprio repertório, o que leva o telespectador a perceber as possibilidades de sentidos do termo na perspectiva da subjetividade ou da experiência de cada um. No dia 20 foi ao ar Profissão Criança, série

Des-cionário

baseada em pequenas cenas que ilustram como o brincar de “faz de conta”, relacionado ao desejo de profissão futura de cada criança, pode se revelar. Além das cenas de ficção, parte dos episódios é dedicada a depoimentos das crianças, que ressaltarão suas motivações na escolha de um possível trabalho futuro. E no dia 29 estreou Criança Pergunta, Criança Responde, em torno de questões sem respostas que pairam sobre a cultura e a sociedade, mas para as quais as crianças apresentam suas hipóteses. Mais do que divertido, o interessante é notar o quanto esses momentos de reflexão são importantes para o desenvolvimento da capacidade de pensar da criança e um exercício para formação de um indivíduo questionador e crítico.

As novas atrações serão exibidas de segunda a sexta-feira, às 10h55, dentro da faixa infantil da emissora

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AMBIENTE

Onde a água é abundante.

Mas falta

No sudeste do Pará, a privatização da água pela Odebrecht caiu pesado nas contas das famílias. A escolha é pagar a conta ou cortar na alimentação das crianças Por Sarah Fernandes. Fotos Danilo Ramos

A

tarde estava quente. Depois de quatro dias de viagem e de 660 quilômetros percorridos pelo sudeste do Pará, cortando latifúndios, remanescentes de florestas e pequenas vilas, uma pausa às margens do Rio Araguaia para rever o roteiro. Difícil se concentrar. Diante da imensidão de água, a exuberância da Amazônia era ofuscada 30

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pela intimidade quase paternal entre o rio e as crianças, de todas as idades e cor da pele, em meio a risadas, canções e gritinhos de alegria, que ali brincavam. Algumas estavam com os pais e mães, que pescavam ou lavavam roupa. Outras vinham sozinhas, trazendo as menores pela mão. Quem diria que a água, central na vida ribeirinha, viesse a se tornar elemento de

conflito nos municípios paraenses de São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara? Apesar da abundância de recursos hídricos, a população passou a ter de pagar, caro, pelo bem essencial que chega às suas torneiras desde que a Odebrecht Ambiental assumiu a sua distribuição. As famílias reclamam: a conta subiu e a qualidade caiu. A saída é recorrer a fontes alternativas, mesmo arriscan-


AMBIENTE

ÁGUA AOS MONTES Meninos se divertem no Rio Araguaia

DILEMA Rosa Maria, de São Geraldo do Araguaia: entre a água ruim da torneira e a água mineral, que não dá para todos

ABUSO CORPORATIVO Cavalete da Odebrecht: contas entre R$ 150 e R$ 300, em alguns casos para água sem tratamento REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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AMBIENTE

do a saúde das crianças. “Não há no Pará uma agência reguladora, que discuta valores com a prefeitura e a população. Eu tenho de garantir a operação da empresa, que é privada, e visa lucro. Não adianta ser hipócrita”, afirma uma das engenheiras da concessionária, que teve a identidade preservada. Só no Pará, a Odebrecht possui dez concessões de serviços de água e esgoto. No Tocantins, são 47. Em cada município há metas a cumprir, descritas nos planos municipais de água e esgoto. “A região amazônica tem riquezas como minério, terra, água. As empresas vêm com a intenção de se apropriar da água e do bem público. A lógica da Odebrecht é outra: mercantilizar a água. E para isso tem suas estratégias”, diz o integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Cristiano Medina. A Odebrecht é uma das empresas investigadas na Operação Lava Jato. Em julho, comprovantes bancários enviados pelo Ministério Público da Suíça comprovaram transferências entre contas da Odebrecht e ex-diretores da Petrobras. No mesmo mês, o juiz Sérgio Moro, responsável pelos inquéritos, aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra o presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e mais quatro executivos. Ele se tornou réu, sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa e está preso em Curitiba desde 19 de junho.

Ou comida, ou água

A notícia da chegada de duas pessoas de São Paulo correu a zona rural do pequeno São João do Araguaia. Famílias inteiras saíam de suas casas de madeira, em quintal de terra batida, e esperaram junto às cercas de arame farpado – um modelo de construção quase que padronizado ali. Nas mãos, as contas de água dos últimos meses, com avisos de corte. No rosto, a expressão da esperança de resolver o problema que tira o sono – e o sustento – de todos eles. “Não... Nós não somos da Odebrecht.” A apresentação de repórter e fotógrafo frustra aqueles que aguardavam uma resposta da companhia. “Mas gostarí32

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EXCESSO DE CLORO Ana Carolina, de Xinguara, tem de medicar a filha de 5 anos (acima) que está com infecção nos rins e no estômago porque tomava a água da companhia


AMBIENTE

O QUE VAMOS FAZER? Claudiborges: “Somos obrigados a pagar a água, mesmo sem poder. Muitas vezes tiro dinheiro da merenda dos meninos para dar conta desse gasto”

amos de conversar um instante. É possível?” Como as portas das casas que se abriam, abria-se um roteiro dramático: nas pequenas casas, sem banheiros acabados, onde habitam famílias numerosas, sustentadas basicamente com auxílio do Bolsa Família, os valores das contas de água consomem mais da metade do rendimento das famílias. “Às vezes é preciso escolher: comprar comida para as crianças ou pagar a água”, explica a dona de casa Marines Cardoso de Oliveira, que vive em um cômodo mais um banheiro inacabado, com o

marido e nove filhos, três deles com deficiência mental. Quando aparece oportunidade, faz bicos em um bar ou em alguma fazenda, por uma diária de R$ 30. “O Bolsa Família só dá para comprar comida para os meninos, e vez ou outra algo para eles vestirem. O dinheiro para a água vem do meu trabalho, que nem sempre aparece”, diz. Com uma conta de R$ 208,87, vencida há um mês, teme o corte do serviço. Com isso, o jeito é recorrer a um lago ali próximo, de onde criadores retiram água para o gado. “Já me deram aviso. Se eu não

pagar, vão cortar. Como eu vou fazer para ter água e dar de comer aos meninos?” A história se repete de casa em casa. Quem não consegue pagar recorre a fontes alternativas e inseguras, como poços, cisternas e os próprios rios, que tem deixado muita criança contaminada por vermes e bactérias. A Secretaria de Saúde do Pará não tem dados sobre casos de diarreia e vômito, sintomas mais comuns, porque não são de notificação compulsória. “Agora somos obrigados a pagar a água, mesmo sem poder. Muitas vezes tiro dinheiro da merenda dos meninos para dar conta desse gasto. Vai chegar a hora em que não vamos dar conta de pagar. E o que vamos fazer?”, lamenta o trabalhador rural desempregado Claudiborges Leal, que mora em uma casa de três cômodos, sem banheiro, com a mulher e cinco filhos. “Tem que tirar dos meninos, não tem jeito”, completa a servente de escola Raimunda Carvalho dos Santos, que vive em três cômodos com o marido e três filhos. A conta de julho, quando foi feita a entrevista, era de R$ 168. “Para pagar tem que tirar da alimentação das crianças e do material da escola. Como vou pagar se não fizer assim?”, lamenta olhando para o chão, envergonhada. “Se cortarem, vou ter que pegar no poço do vizinho. Mas não é boa. Fico entre a cruz e a espada.”

Água para quem?

O drama da água de São João do Araguaia começou em março de 2014, quando o prefeito João Neto Alves Martins (PTB), lançou o edital 49/2014 para se-

Cidade alagada O esforço da Odebrecht para assumir os serviços de água e esgoto de São João do Araguaia não deve durar muito: em aproximadamente cinco anos, a cidade será uma das dez alagadas na construção da Hidrelétrica de Marabá. A obra será tocada pela construtora Camargo Corrêa e a estatal Eletronorte, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O projeto terá duas eclusas e um lago. Serão inundados 1.115 quilômetros quadrados de terras em Marabá, São João do Araguaia, Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Nova Ipixuna e

Palestina do Pará, no Pará; em Ananás, Esperantina e Araguatins, no Tocantins, e São Pedro da Água Branca e Santa Helena, no Maranhão. A obra custará R$ 12 bilhões e terá capacidade de produção de 2.160 megawatts. A Odebrecht não atendeu à reportagem para falar sobre investimentos em saneamento em uma cidade que será alagada. Para Cristiano Medina, do Movimento dos Atingidos por Barragens, trata-se de empresas que disputam e administram tudo ali. “É o controle do território dos rios e a mercantilização dos recursos naturais.”

Cristiano: a Odebrecht quer o controle do território

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AMBIENTE

lecionar concessionária para os serviços de água e esgoto. Em 2007, uma lei municipal foi aprovada para atrair investimentos e “manter adequadamente esse serviço essencial”. Até então, a prefeitura distribuía gratuitamente a água sem tratamento que retirava do rio Araguaia. Porém, a gratuidade foi proibida pelo decreto que regulamentou o Plano Municipal de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário (PMAE), de março de 2014. A população não foi ouvida sobre a mudança. A única audiência pública reuniu representantes do poder público e da iniciativa privada. Para piorar, o PMAE permite que as tarifas sejam definidas no contrato de concessão. A empresa Hidro Forte Administração e Operação, de Tocantins, venceu a concorrência ao prometer a menor tarifa. Em setembro do ano passado, porém, foi comprada pela Odebrecht Ambiental Pará, que não falou sobre a negociação. Por telefone, um dos diretores, que não se identificou, disse apenas que foi criada uma subsidiária a partir da cisão das empresas. “Não temos condições de dar mais precisão pela situação contratual”, disse. A mudança é ilegal, conforme o advogado especialista em direito administrativo e societário Flávio Guberman. “Para ser legal, a possibilidade de alteração deve estar descrita no contrato.” O prefeito se limitou a dizer que possui toda a documentação e que houve opção por uma água de qualidade “porque as águas estão muito poluídas. E a Odebrecht tem conhecimento, recursos e uma trajetória em saneamento básico. Preferimos migrar”. Ele afirmou ainda que a empresa faz obras de ampliação e tratamento da água, mas não soube dizer o que está sendo feito. “Fomos surpreendidos pelos contratos com a Odebrecht. Não pudemos fazer audiência pública nem consultar a população. Quando o serviço era público, não havia cobrança. A Odebrecht assumiu, não implantou melhorias, não trata a água e cobra caro”, reclama o vereador Benisvaldo Bento da Silva (PMDB). “Passaram três meses e a conta que chega 34

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na casa das famílias fica entre R$ 150 e R$ 300. Tem pessoas que não têm renda nenhuma e têm que pagar isso”. A tarifa mínima cobrada em São João do Araguaia é de R$ 18,28 para 12 metros cúbicos, segundo a Odebrecht. Em São Paulo, por exemplo, é de R$ 20,62 por 10 metros cúbicos. Já a tarifa social, para famílias de baixa renda, é R$ 7. No Pará, onde há sistemas públicos de distribuição em muitos municípios, a tarifa média é a segunda mais barata do país: R$ 1,64 por metro cúbico, atrás apenas do Maranhão (R$ 1,62). Os dados são do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto de 2013, do Ministério das Cidades.

Água mineral

“Mãe, mãe, o retratista pode tirar retrato de eu mais o papagaio?”, pergunta Rafaela Dias Palone, de 7 anos, correndo para dentro de casa, no distrito Rio Vermelho, mais conhecido como Gogó da Onça, em Xinguara. Apesar de mais desenvolvida entre as visitadas – única com Índice de Desenvolvimento Humano médio (0,659) –, toda sua população mora em casas de madeira. A mãe de Rafaela, Ana Carolina Dias Palone, cuidava da filha mais nova, de 5 anos, que há uma semana tinha problemas no estômago e rins devido ao excesso de cloro na água. “O médico disse que muitas crianças estão doentes por causa disso. O jeito foi começar a comprar água mineral, mas é muito caro.” Segundo o posto de saúde do distrito, muitas crianças ainda adoecem por causa do cloro na água. “Antes era mais, porque os níveis de cloro eram muito altos. Para ter uma ideia, a faxineira nem estava usando água sanitária para lavar os lençóis do posto”, conta. “Depois de muita reclamação melhorou, mas as pessoas mais sensíveis, sobretudo crianças, ainda sentem dor de estômago, diarreia e vômito. Algumas também chegam com irritações na pele, porque tomaram banho com água com muito cloro.” Não há dados sobre esses casos na Secretaria de Saúde do Pará e nem na de Xinguara. “Sabemos que há três anos eram mais frequentes, mas não sabemos se por conta da água ou do alcance dos

ARRISCAR A SAÚDE VIRA ALTERNATIVA Silvia Moreira, de São Geraldo: “A água da rua vem suja ou cheia de cloro. Para tudo que preciso uso o rio”

programas do governo federal, como vacinas e vitaminas”, diz a secretária-adjunta de Saúde de Xinguara, Maria da Glória Barbosa. De acordo com a Odebrecht, são seguidos todos os padrões de tratamento de água preconizados pelo Ministério da Saúde e há monitoramento constante da qualidade da água. A prefeitura nega. De acordo com o coordenador de monitoramento Marconi Ribeiro, o acompanhamento deveria ser mensal, com o envio de amostras de diferentes locais a um laboratório central, em Conceição do Araguaia. “A última coleta foi feita em maio e não tivemos acesso aos resultados. Está parada por causa de uma licitação para compra de materiais”, afirma Ribeiro. Segundo ele, por causa do excesso de


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PESO DESPROPORCIONAL NO ORÇAMENTO Marines de Oliveira: “Às vezes é preciso escolher: comprar comida para as crianças ou pagar a água”

cloro e das contas altas, as famílias pegam água em poços. “Há muitos coliformes fecais nesses poços porque o saneamento básico é ruim. Por isso até as famílias de baixa renda acabam tendo de comprar galões de água mineral”, diz. Em Xinguara, apenas 30% da população tem acesso à água tratada, que a Odebrecht retira de uma barragem num pequeno córrego. A barragem deverá ser ampliada para triplicar sua capacidade, bem como a rede distribuidora. “Não atendemos mais porque o córrego é pequeno. Na estiagem a qualidade piora com aumento da matéria orgânica, escura, que requer mais produtos químicos. Com um lago maior e mais profundo, a qualidade melhora”, diz a engenheira da Odebrecht que não quis se identificar. A água sem qualidade é problema também a 200 quilômetros dali, em São Geraldo do Araguaia. Muitos dos moradores precisam comprar água mineral por causa do excesso de cloro. As contas são as mais caras da região: R$ 31,10 para 10 metros cúbicos. Desde agosto, o promotor de Justiça no município, Agenor de Andrade, está reunindo as reclamações. “Vamos instaurar procedimento administrativo para uma possível ação civil pública contra a Odebrecht”, afirma. O Rio Araguaia é outra alternativa a que a população recorre contra as contas caras. Na pequena São Geraldo, com suas casas de madeira e ruas de terra por onde circulam pessoas, porcos e galinhas, as roupas são lavadas onde também há pescaria. “A água da rua vem suja ou cheia de cloro. Para tudo que preciso uso o rio”, reclama a pescadora Silvia Moreira, que mora em uma casa onde só há uma torneira e um vaso sanitário, sem descarga. “Uma vizinha contou que colocou a roupa de molho e no dia seguinte apareceu manchada por causa do cloro”, diz a dona de casa Rosa Maria, de São Geraldo do Araguaia, mãe de duas meninas, uma de 10 anos e outra de 9 meses. “Às vezes a água vem muito suja, outras com bastante cloro. Chega a arder para beber. Acabamos tendo que comprar água mineral para dar para a bebê. Mas não temos dinheiro para as duas. O que vamos fazer?” REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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ENTREVISTA

Cronicas de um rimador

Para o rapper Rodrigo Ogi, o cotidiano da metrópole – a cidade cinza – é matéria-prima. Seu novo álbum, Rá!, se destaca no cenário do hip-hop. E a adrenalina das pichações é aventura superada Por Felipe Mascari e Paulo Donizetti de Souza

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O ex-pichador morou no Jardim Celeste, região do Sacomã, entre o sul e o leste de São Paulo, e conta que o local era violento. Diz que ter trilhado o caminho das pichações o ajudou driblar a vulnerabilidade às drogas e ao crime. “Aposentado” da rotina das latas de spray, o rapper relata em Noite Fria um dia de pichação. “Decidimos cair pra zona norte/ Adrenalina era o nosso esporte/ Logo que eu desci do buso eu vi um beiral de pastilhinha de 89/ Meu comparsa sorri, já pensa em subir...” Com agenda bem servida de shows, depois de década e meia de experiência, Ogi considera-se satisfeito por viver da música e dispensa ostentação. “Já consigo pagar minhas contas. Se conseguir comprar minha casa, já tá bom.” Por que você entrou no universo da pichação? Sensação de aventura?

Nos anos 90, eu morei no Jardim Celeste, e havia três tipos de caras no bairro: os que roubavam, os que usavam drogas e os pichadores. Roubar e usar droga não era a minha pegada, então posso dizer que a pichação meio que me salvou. Além do que eu queria fazer alguma coisa para me destacar, mas não do jeito que eles faziam. Então, foi onde eu comecei a rabiscar alguns muros, o que me livrou de cometer outro tipo de crime. Não é só aventura, é também para ser visto. Quando você vem da periferia não tem muita coisa, não tem um centro cultural, não tem biblioteca, não tem um jeito de se destacar, e a pichação era uma forma. A pichação é mais uma competição entre os pichadores. Na minha época não havia essas escaladas, era pichação de chão, muro, beiral, nada tão arriscado como hoje. No meu tempo tinha a competição, mas era algo mais para ser visto, se mostrar vivo para a sociedade. Quem conhece o movimento entende o que eu digo.

JAILTON GARCIA/RBA

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om 35 anos, Rodrigo Hayashi, ou simplesmente Ogi, segue como um compositor fora dos padrões do cenário do rap. “Percebo dois estranhos que me notam/ Esses canas de repente brotam/ Tento escapar, mas me abordam/ E sair fora de cena eles dois me forçam/ Um deles se chamava Delfim/ Carrasco como Adolf ”, narra o cronista em uma das faixas do disco Rá!, recém-lançado, repleto de histórias e personagens, em que as faixas se sucedem em continuidade, como um conto. Ogi é respeitado no movimento hip-hop. Nomes como Rashid e Emicida pedem sua participação em lançamentos. Seu trabalho é citado por Criolo na música Fio de Prumo (Padê Onã): “Muros de concreto infeto/ De pedra, cal, cimento e dejeto/ Aponta pra cabeça, ori/ A cidade um cronista, Ogi/ E a dobra do dorso do operário na rua/ Labirinto, fauna, sombra, luz da lua...” Nos versos, Criolo homenageia o primeiro trabalho de Ogi, Crônicas da Cidade Cinza, de 2011. O vício de observador dos detalhes da vida urbana facilita o processo de criação diferenciado, avalia. Sua vivência na “adrenalina” das pichações – outro vício, este superado junto com a adolescência, nos anos 1990, também proporciona inspiração. E o consumo obstinado de música, sobretudo os sambas de raiz do Rio e de São Paulo, cinema e literatura completam a veia criadora. A voz arranhada tempera suas rimas, e permite interpretar diferentes personagens com diversas entonações, do motoboy e do taxista, do policial e do ladrão durante tiroteio. “Gosto de misturar minha realidade com uma pitada de ficção”, conta o MC que começou a carreira no rap no coletivo Contrafluxo.


ENTREVISTA

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ENTREVISTA

Você sentia resistência da população? E por que se aposentou? Foi difícil, já que era um “vício”?

Muita. A minha família nunca aprovou, meus vizinhos também não, os pais dos meus amigos que também não. Ninguém entendia por que a gente fazia. Parei por causa da idade e dos processos. Chega a hora que cansa. Mas tem caras que ficam afastados e evitam ter contato, porque sabem que se fizer de novo, uma vezinha, voltam. Tem cara com mais de 40 anos de idade que ficou dez anos afastado, fez um, descabelou. A adrenalina vicia. Sim, é só ver o que aconteceu aos caras na Mooca (em 31 de julho de 2014, dois pichadores que tentavam atuar em um prédio do bairro foram levados por policiais militares ao apartamento do zelador e executados com tiro no peito, à queima-roupa). Eles estavam pichando, não roubando, eram bem conhecidos no meio do movimento porque invadiam qualquer prédio para rabiscar, eles não eram de roubar. Aquilo foi execução. Na década de 90, eu apanhei muito da polícia, já voltei com a cara pintada e vários hematomas, mas eu estava sujeito, porque estava fazendo coisa errada. Naquela época, a violência policial era bem grande. No começo dos anos 2000, as abordagens ficaram mais brandas. Mas, pelo que ouço, está tenso novamente. Como se descobriu no rap?

Foi através de um amigo chamado Edvan, que era DJ e tinha um irmão mais velho que apresentava as músicas para nós, e quando ele apresentou o rap eu já fiquei louco e daí pra frente comecei a acompanhar e consumir. Antes de pichar eu já escrevia rap, mas era por hobby, não levava a sério, porque as letras não tinham nada a ver com minha realidade. Até minha mãe me dizia isso. Ainda em 1993, fui escrevendo, e aprendi a contar o tempo das batidas e comecei a rimar. Mas desencanei um tempo, parei de fazer rap e comecei a pichar mais. Em 2002, comecei a ouvir uns raps mais parecidos com as ideias que eu tinha. Foi quando voltei a escrever sério. Quais eram essas ideias com que você se identificou?

Era uma música chamada Sétimo Volume da Enciclopédia Letra H, do grupo Mzuri Sana com outro grupo, o Rua de Baixo. Era uma coisa mais próxima da minha realidade, um conceito de música mais livre, não era algo falando só de crime e morte e essas coisas da quebrada. Lembrava um pouco os grupos americanos, de Nova York, que eu gosto, como A Tribe Called Quest e De La Soul, uma letra mais positiva, como rolava na época. Você começou no Contrafluxo. Como foi?

Eu já tinha um amigo da pichação, o Mascote, e a gente se reencontrou na internet. Eu já estava com a ideia de montar o grupo, e chamei o Mascote, o Dejavu, o Edy e o William. Começamos o primeiro disco, Missões e Planos, em 2004, saiu em 2005. Como você avalia sua evolução pessoal do começo da carreira para cá? 38

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JAILTON GARCIA/RBA

Tem muita violência contra quem picha?

Quando fiz o Crônicas, era outra pessoa. Aperfeiçoei, li, vi filmes. E também mudei como pessoa, evoluí Quando eu estava gravando o primeiro disco do Contrafluxo minha mãe faleceu, eu era filho único, meu pai morreu cedo. Como sou descendente de japonês, arrumei um esquema para morar no Japão. Mas de última hora resolvi ficar, sabia que daria certo. Depois que minha mãe morreu virei homem na marra. Lancei dois discos com o grupo, fazíamos muitos shows, mas eram de graça, ou dividíamos o cachê em seis, não sobrava. Profissionalmente, eu tenho mais técnica, mais bagagem. O que o inspira a rimar as crônicas?

Eu sempre tive facilidade para escrever nesse formato. Minhas redações na escola sempre contavam uma história. Sou observador, gosto de andar de ônibus, isso facilita. Seu primeiro disco, Crônicas da Cidade Cinza, tem a capa feita pel’Os Gêmeos, grafiteiros reconhecidos no mundo. Como foi? E as criações do álbum?

Eles me conheceram na época da pichação, e quando eu passei a ideia e pedi para eles fazerem a capa, fizeram numa boa. A pichação trouxe uma bagagem, qualquer lugar que você me perguntar eu conheço, já rodei os quatro cantos da cidade. Do centro, eu ia para Taipas, Jaraguá, Guaianases pichar, então fui conhecendo a capital de ponta a ponta. Mas ideia de falar sobre a cidade eu já tinha. As músicas narram contos que acontecem e se aplicam em todas as grandes cidades, não só aqui. E de onde surgiram as inspirações para o álbum Rá!, lançado recentemente? O disco aborda uma história com começo, meio e fim.


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Tinha muita coisa onírica e lúdica no álbum, e um amigo deu a ideia de colocar as introduções e interlúdio como se eu estivesse no psiquiatra. No disco, cada faixa tem uma história, e todas se encaixam em um contexto. É como se fosse um livro e cada música um capítulo. Eu gosto de seguir esse modelo. Demorei dois anos para fazer esse disco. Quando fiz o Crônicas, eu era outra pessoa, era mais novo. Agora, aperfeiçoei as técnicas, li mais, assisti mais filmes, isso ajudou a chegar nesse ponto. E também mudei como pessoa, evoluí. Você tem uma música clássica chamada Eu tive um Sonho, que conta a história de nordestinos na capital. A onda migratória agora é outra. Como você vê a xenofobia em São Paulo?

Atualmente está mais para os imigrantes que vêm de fora, principalmente os haitianos. Esse bairro onde moro é muito errado. Vejo panelaço direto aqui. Antes tinha uma banca de jornal aqui na rua, mas agora o dono abriu uma revistaria. Eu fui lá durante as eleições do ano passado, e ele perguntou em quem eu votei, respondi que foi na Dilma, então ele começou a me xingar, e eu apenas disse: “Não vamos discutir mais. Só analisa, antes do Lula você tinha uma banca de jornal capenga, agora, você progrediu”. Mas não adianta. Hoje está mais aflorada a divisão na cidade?

Está. Aliás, por que não falam da corrupção que havia antes? Ninguém está vendo que nesse governo está havendo mais denúncias do que antigamente, a corrupção era mais encoberta. O pior é que o Aécio não soube perder a eleição e fica nessa onda de impeachment. Pô, teve passeata de estudantes sobre as escolas que o Alckmin quer fechar, por que esse povo que se veste de verde e amarelo para ficar falando groselha, pedindo volta da ditadura, não vai ajudar os estudantes? Estão falando de crise, mas provavelmente a crise deles é não poder ir a Miami duas vezes por mês. Você se arrependeu de ter votado na Dilma?

Não, tem muita coisa lá dentro que não depende só dela. É um jogo de poder, só estando lá pra saber. Ela me inspira confiança. Aécio é que não dava. Minha mãe era funcionária pública federal, e a época do Fernando Henrique Cardoso foi a pior fase da vida. E na cidade, tem observado mudanças?

O transporte coletivo continua ruim. Se você vai no terminal do Parque Dom Pedro, vai ver um monte de gente enlatada. Agora tem esse lance das ciclovias... Ontem, um amigo meu estava andando e chamaram ele de comunista, só porque estava andando de bicicleta.

Como foi seu trabalho na Fundação Casa?

Trabalhei lá um ano e meio, entre 2005 e 2006. Fiz serviço na unidade do Tatuapé, quando era aquela guerra, cheia de rebelião. Me jogaram logo na pior, mas me dei bem, porque eu era uma distração para eles. Uma ONG gostou do disco Missões e Planos do Contrafluxo, acharam as mensagens positivas e convidaram a gente para fazer o trabalho lá. Dávamos aula de rima para a molecada, mas era difícil, porque eles mal sabem ler, então eles iam fazendo de cabeça. O funk de crime já dominava naquela época, então tínhamos que tentar mudar um pouco a cabeça da molecada. Mas por essa experiência pude perceber a situação da educação. Havia muitos analfabetos, só nas minhas aulas 90% só sabia desenhar o nome, não sabia ler e escrever, e era uma molecada de 14 a 17 anos. Foi uma experiência bacana, mas não voltaria ali. Nunca fizeram nada comigo, mas ao mesmo tempo que eles me davam sossego espancavam um funcionário. Era ruim de ver. A mentalidade deles é diferente, não têm perspectiva de nada. A ideia deles é roubar, comprar uma moto, um tênis e uma roupa de marca, não pensam em estudar. Ainda fui transferido para a unidade do Brás, que já não é na mão dos moleques, era difícil se manifestarem na aula porque eram contidos. Uma vez, consegui fazer um menino retraído cantar, aí entrou um guarda na sala e queria bater no menino, mas não deixei. Foi quando eu saí, não concordei com aquilo, e a diretoria achou que desacatei o guarda. É impossível ressocializar na Fundação Casa, não tem tratamento bom. E se colocar em presídio de adulto, piorou. Não é por aí, é com educação. Você gosta de MPB, samba?

Eu gosto de um sambista paulista do Bixiga, o Geraldo Filme, ouço Germano Mathias, Adoniran Barbosa. No samba carioca, sou fã de Sidney da Conceição e Aniceto do Império. Ouço música brega, Elino Julião e Roberto Muller, são muitas referências. Das gerações mais novas sou fã de Metá Metá, do Thiago França, Juçara Marçal, Kiko Dinucci (o trio que forma o grupo), que mistura vários gêneros. Gosto de Rodrigo Campos, ótimo letrista, curto Criolo e Emicida. Busco conhecer, ajuda nas batidas que produzo. Você consegue viver de música?

Desde que lancei o primeiro disco, comecei a fazer show e consigo viver disso, pago minhas contas com música. Não fiquei rico, mas pagar as contas consigo. Nem quero ficar rico, só pagar uma casa. Ficar velho, fazendo shows e sem comprar uma casa é difícil. Mas sem essa coisa de glamour, isso eu não acho legal, porque você não consegue sair na rua, todo mundo fica em cima de você, isso não é meu intuito.

Nunca fizeram nada comigo, quando trabalhei na Febem,mas ao mesmo tempo que eles me davam sossego espancavam funcionário. Era ruim de ver. A mentalidade deles é diferente, não têm perspectiva de nada

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HISTÓRIA O professor Juarez: “comportamento orquestrado”

A ciência já desconstruiu teses que atribuíam a uma suposta inferioridade genética a origem da discriminação racial. As estruturas da sociedade, porém, ainda estão em débito com o senso de igualdade Por Letícia Vidor

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uarez Macaco.” “Unesp cheia de macacos fedidos.” “Negras fedem.” As frases nas paredes de um banheiro no campus Bauru da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), no final de julho, escancaram o racismo crônico brasileiro. O desprezo não poupa ninguém com raízes africanas. Mesmo alguém que tenha vencido a discriminação e alcançado título de docente numa universidade estadual. Aos 55 anos, Juarez Tadeu de Paula Xavier, professsor do curso de Jornalismo, cravou, em entrevista à TV Unesp: “Os banheiros sempre serão porta para esses comportamentos. Mas de forma tão orquestrada assim é a primeira vez que eu vejo”. 40

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O preconceito de raça tem raízes profundas, do tempo em que o homem habitava as cavernas. Embora sua origem tenha explicação na necessidade de defesa para garantir assim a sobrevivência, a discriminação resulta de aspectos biológicos articulados com sociais e ambientais ao longo do tempo. No século 19, quando apenas os povos europeus eram considerados civilizados, raça era considerada fundamental para definir o potencial “civilizatório” de uma nação. Segundo a teoria predominante na Europa na primeira metade do século 19, o evolucionismo social, a espécie humana é uma só, mas se desenvolveria em ritmos desiguais e passaria pelas mesmas etapas até atingir o último nível que é o da “civilização”.

CRISTIANO ZANARDI/FOLHAPRESS

Racismo à brasileira No topo estaria a “civilização” europeia e na base, os povos negros e indígenas. Uma teoria criticada por considerar apenas critérios ocidentais de progresso. A partir da independência do Brasil, em 1822, a identidade nacional foi para o centro do debate. Estudiosos estrangeiros viam o país como um laboratório racial por causa da miscigenação. O naturalista alemão Von Martius, ao defender que a trajetória social brasileira funde o branco, o negro e o índio, venceu em 1844 o concurso “Como escrever a História do Brasil”, de um recém-criado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Com o fim da escravidão, em 1888, e a proclamação da República, em 1889, é concedida igualdade jurídica a todos os


HISTÓRIA

O livro A Curva Normal (1994) tentou consolidar um suposto conceito de raça. Segundo seus autores, os norte-americanos Charles Murray e Richard Herrnstein, a inteligência seria mais generosa entre os brancos, especialmente os mais ricos. Sem fundamento científico, o trabalho remete ao pensamento da metade do século 19, aferindo os “limites” da raça negra, biologicamente incapaz de se adaptar à “civilização” que se impunha. A ciência, no entanto, mostra que existe apenas uma raça humana: a que surgiu na África. Em 2002, pesquisadores norte-americanos, franceses e russos se dedicaram a comparar 377 partes do DNA de 1.056 pessoas provenientes de 52 populações de todos os continentes. Concluíram que 95% da diferença genética entre os seres humanos está nos indivíduos de um mesmo grupo, e que a diversidade entre as populações é responsável por menos de 5%. Ou seja, o genoma de um africano pode ter mais semelhanças com o de um norueguês do que com o de alguém que tenha nascido na África, de família negra. A descoberta veio a confirmar que raças são populações que apresentam diferenças significativas quanto à frequência de seus genes, embora exista entre diferentes raças um grande número de genes em comum, como aqueles que formam o fígado, por exemplo, conforme explica o pioneiro da genética humana no Brasil, Oswaldo Frota-Pessoa (1917-2010).

Para ele, o conceito de raça é comparativo porque a “raciação” é um processo longo e contínuo, produzindo raças dentro de raças, é o grau de diferença entre as raças varia. E mesmo que um grupo étnico indique o conjunto de suas características culturais e genéticas, as raças não são estáticas porque representam estágios de evolução em constante mudança.

O bem da mestiçagem

O determinismo racial começou a ser descartado a partir de 1933, com a publicação de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. O mestiço é alçado à principal marca da originalidade nacional e os símbolos étnicos negros são transfor-

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brasileiros. Em 1890, é promulgado o primeiro Código Penal republicano. Quatro anos depois, o médico baiano Nina Rodrigues publica As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Sua intenção era definir critérios diferenciados de cidadania para negros e brancos. Ganhava força o determinismo racial, teoria criada na segunda metade do século 19 por cientistas europeus. Para eles, a raça determinava as características físicas, o caráter e o comportamento dos indivíduos. A preservação de “tipos puros” seria o remédio contra a degeneração racial e social causada pela mistura de raças. Temiam as características físicas e psicológicas do mestiço, até então desconhecidas. Acreditavam que a miscigenação poderia inviabilizar o Brasil como nação.

mados em símbolos nacionais. Exemplo disso é o samba carioca, consagrado no país e no exterior como ícone da diversidade racial e cultural. Surgido na década de 1910, nos redutos negros dos bairros da Saúde, Gamboa e Cidade Nova, nas casas das lendárias “tias baianas”, como a famosa Tia Ciata, o samba foi ganhando espaço no Brasil e no mundo. Tanto que, em 1922, Paris recebeu o conjunto musical Oito Batutas, do qual faziam Pixinguinha e Donga – que assina ao lado de Mauro de Almeida a autoria de Pelo Telefone (1917), o primeiro samba gravado. A obra de Freyre foi divisor de águas para o entendimento do racismo como

subproduto de conflitos de classes, pondo abaixo qualquer interpretação de ordem biológica, genética ou evolucionista. Último país a abolir a escravidão, o Brasil ainda preserva o preconceito contra afrodescendentes, embora em diversas pesquisas a maioria declare não ser racista. O racismo definido pelo cientista social Florestan Fernandes (1920-1995) como “o preconceito de ter preconceito” leva muita gente a chamar uma pessoa negra de mulata, escurinha ou moreninha. A partir de 1989 o racismo passou a ser um crime inafiançável. A pretensa igualdade racial, porém, não se ampara no cotidiano. Os indicadores sociais também não são um atestado de fé para nossa democracia racial. O Censo do IBGE 2010 mostra que 52% da população se autodeclara negra e parda. Mas do total dos 10% mais pobres do país, 70% são negros. A renda média mensal dos que não têm instrução é de R$ 1.284 entre os brancos e R$ 1.038 entre os negros. Entre as brancas, essa média é de R$ 925, e de R$ 658, para as negras. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2014 a chance de um adolescente negro ser assassinado era 3,7 vezes maior do que a de um adolescente branco. Algumas iniciativas vêm sendo tomadas para combater o racismo. Há cinco anos foi promulgado o Estatuto da Igualdade Racial, que determina a promoção da igualdade de oportunidades. Por meio dele foi criado o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, para articular políticas das três esferas do governo, as cotas nas universidades e no serviço público, além da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Há ainda a Lei 10.639/03, que determina o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos currículos de Ensino Fundamental e Ensino Médio nas escolas. É possível que a partir do momento em que seja posta em prática, a disciplina possa contribuir com a formação de uma nova visão a respeito de nossa formação. Como a lei mal saiu do papel para a maioria das escolas, essa omissão ilustra tanto o racismo oculto brasileiro como o papel omisso do sistema educacional em suas origens. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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VIAGEM

Kalunga, terra livre Na Chapada dos Veadeiros, norte de Goiás, o maior território de remanescentes de quilombolas do país abriga um patrimônio da resistência e da consciência negra Por Sérgio Amaral (fotos e texto)

Janda da Cunha Pereira e seus filhos Gabryela e Janderley no rio das Almas. Quilombo do Vão das Almas, Cavalcante, Goiás

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cidade de Cavalcante, 320 quilômetros ao norte de Goiânia, teve suas origens na atividade do garimpo de ouro. O trabalho duro era feito pelos negros escravizados. Os fugitivos do Arraial de Cavalcante se esconderam nos vãos de serra do Rio Paranã. E ali esse povo tem sobrevivido por muitos anos como um verdadeiro território de liberdade conquistada arduamente. O território Kalunga se estende para os municípios de Monte Alegre e Teresina e é banhado pela bacia do Rio das Almas. O Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga tem 230 mil hectares de cerrado, e cerca de 5 mil pessoas moram lá ou trabalham no entorno. É o maior território remanescente de quilombolas do Brasil. Sempre em agosto é realizada a Romaria de Nossa Senhora da Abadia. A tradição tem mais de 200 anos, de cunho original religioso e que retoma traços da história brasileira, do ponto de vista dos negros, que construíram um arraial com capela e casas de adobe, usado apenas para esse festejo. O evento recebe cada vez mais turistas e pesquisadores de todo o país. A impressão do forasteiro é de estar num cenário dos pintores Jean-Baptiste Debret ou Johann Moritz Rugendas, ao qual vão se incorporando elementos contemporâneos. Nos últimos tempos, a religiosidade se mistura ao profano. Geradores de energia a gasolina iluminam o arraial, que vai sendo ocupado por bares e restaurantes abertos para receber forasteiros, e multiplicam-se mascates de miudezas, como óculos escuros, e outros exotismos. Existe a tensão entre o som da sanfona, das cirandas, cânticos, do pandeiro quadrado e das violas e o som dos automóveis, que reproduz as músicas mais tocadas nos centros urbanos. Esses conflitos são resolvidos pelo Imperador, que é o organizador da festa. Mas nem tudo está ao alcance desse mediador, num território que mistura a tradicionalidade de seus fundadores com a cultura rude das sociedades que se desenvolveram sem senso de civilidade. Ali o Estado se apresenta para de alguma maneira intervir onde o poder do Imperador não chega. A maioria das famílias é beneficiária do Bolsa Família, há uma pequena escola, mantida de manhã pela prefeitura de Cavalcante e à tarde, pelo 44

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Festejos da Romaria de Nossa Senhora da Abadia: o Imperador e seu séquito, a capela e o cortejo noturno


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Gabryela (acima), Julio e Gleison: o percurso até a escola municipal tem trilhas estreitas na mata e travessia de rio

Joveci Francisco dos Santos fabrica tijolos de adobe com técnicas ancestrais: terra crua, água e palha, com secagem ao sol REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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Dona Dirani Francisco Maia e sua neta Leila

governo de Goiás. O Ministério Público no estado desenvolve campanhas para combater violências como a doméstica e a prostituição de meninas quilombolas. Na edição de agosto da festa de Nossa Senhora da Abadia, houve um mutirão organizado pelo órgão para discutir o assunto com moradores e visitantes. A região, integrante da Chapada dos Veadeiros, tem rios e o cerrado ameaçados pelo agronegócio e pela construção de hidrelétricas. A reportagem visitou Vão de Almas e seus quilombolas em duas oportunidades. A primeira em maio de 2014 para conhecer alguns aspectos do cotidiano dos kalungas e seus fazeres ancestrais. Retornou para a romaria em agosto deste ano para presenciar a festa. Na documentação fotográfica, são destacados os aspectos ancestrais desse patrimônio da resistência e consciência negra. 46

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Zelmira Fernandes da Cunha e seu filho Jarlei


curtaessadica

Por Xandra Stefanel

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Daniel Dias

Guilherme Borrajo

GUSTAVO CARVALHO/DIVULGAÇÃO

MARCIO RODRIGUES/DIVULGAÇÃO

Natalia Mayara e Rejane Candida

JONNE RORIZ/DIVULGAÇÃO

Superação

O Metrô da cidade do Rio de Janeiro sedia até o final de novembro a exposição Super Atletas, com mais de 30 fotos de importantes brasileiros que representaram o Brasil nas maiores competições de paradesporto do mundo. Depois de ter passado pelas estações Maracanã e Carioca, a mostra fica em cartaz de 11 a 26 de novembro na estação Ipanema. As imagens feitas por 14 fotógrafos

Mateus Evangelista

MARCIO RODRIGUES/DIVULGAÇÃO

FERNANDO MAIA/DIVULGAÇÃO

Bruna Alexandre

apresentam cenas de superação de atletas que tiveram de ultrapassar muitos obstáculos antes de chegar ao pódio. Verônica Hipólito e Yohansson Nascimento, do atletismo, Talisson Glock, da natação, Ricardinho e Jefinho, do futebol, e outros 27 esportistas compõem a mostra, que tem visitação gratuita. Informações em www.exposuperatletas.com.br. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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CURTAESSADICA

Aventuras As expressões culturais e o cotidiano de diversos povos captados pelo fotógrafo, etnólogo e babalaô franco-brasileiro Pierre Verger estão em cartaz no Museu Afro Brasil, em São Paulo, até 30 de dezembro. As Aventuras de Pierre Verger reúne cerca de 270 imagens registradas por ele em diversas partes do mundo. Além de fotografias e vídeos, a mostra traz 11 ilustrações do artista visual baiano Bruno Marcello (Bua), com representações reais e ficcionais de diversos episódios vividos por Verger, o que acaba traçando um paralelo entre sua obra e a popular série de quadrinhos As Aventuras de Tintim, do belga Hergé. De terça a domingo, das 10h às 18h, no Parque Ibirapuera. R$ 3 e R$ 6. Informações: (11) 3320-8900.

Alger, Argélia, 1935

Suavidade

Angústia

Chegou às lojas em meados de outubro o quarto disco solo de Roberta Campos. Com 12 faixas, Todo Caminho é Sorte traz a voz doce da mineira em canções próprias sobre o amor e a vida. Com Fernanda Takai, ela compôs Abrigo, um folk tristonho sobre solidão e ausência. Amiúde tem participação de Marcelo Camelo nos vocais e de Marcelo Jeneci nos teclados. A única faixa que não é de autoria da cantora é a delicada e nostálgica Casinha Branca, versão fiel ao sucesso lançado por Gilson e Joran no final da década de 1970. Com uma pegada essencialmente folk, o álbum foi lançado em formato digital e o CD será lançado no final do mês, ambos pela Deck Disc. R$ 28,90 (preço sugerido para o CD).

O jornalista norte-americano Héctor Tobar acaba de lançar no Brasil o livro Na Escuridão (Objetiva, 328 págs.). A obra, sobre o resgate dos 33 mineiros presos durante o desabamento da mina San José, no Chile, em 2010, deu origem ao filme Os 33, com Antonio Banderas, Rodrigo Santoro e Juliette Binoche. A grande reportagem conta essa história a partir do ponto de vista dos mineiros: não apenas sobre os 69 dias em que ficaram presos sob centenas de metros de rochas, mas também sobre a vida que os levou até lá. Aceitação da morte, o desespero trazido pela escuridão, o silêncio desesperador e o som destrutivo das pedras. Tobar, que teve acesso exclusivo aos mineiros, conta uma história de terror e traz ao leitor as sufocantes lembranças daqueles homens. R$ 30 (e-book) e R$ 45.

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Fábula antibullying Era uma vez, um patinho que nasceu com uma cor diferente da de seus irmãos e dos outros animais de sua espécie… Não, esta não é a fábula O Patinho Feio, do dinamarquês Hans Christian Andersen, mas sim a história do novo livro do escritor gaúcho Esteban Rey Fontan. A Lenda do Patinho Azul (Versus Editora, 48 págs.) apresenta as dores, os sonhos e as angústias de uma avezinha que luta diariamente contra humilhações e desconfianças. Em sua jornada, encontramos uma raposa astuta e hipócrita, uma coruja perspicaz e algumas galinhas carinhosas. Com ilustrações de Cledson Bauhaus, o livro infantil é uma ferramenta antibullying, contra discriminações e pró-amizade. R$ 35.


CURTAESSADICA

Ife, Nigéria

FOTOS: FUNDAÇÃO PIERRE VERGER/DIVULGAÇÃO

Kidal, Mali, 1935

Adolescência Oito anos depois de lançar um documentário sobre seu pai (Person), a atriz, cineasta e apresentadora Marina Person leva aos cinemas Califórnia, seu primeiro longametragem de ficção. Cheio de elementos autobiográficos, o filme acompanha a história de Estela, uma adolescente de 17 anos em 1984. Em meio às já conturbadas descobertas dessa fase da vida, a garota percebe que não poderá fazer a viagem dos sonhos. Seu maior ídolo, tio Carlos (Caio Blat),

ALINE ARRUDA/DIVULGAÇÃO

Rio Niger, Gao, Mali

está voltando da Califórnia muito doente, situação que vai mudar definitivamente a forma como a menina vê o mundo. Passando pelo ambiente de redemocratização, o surgimento da aids e a efervescente cultura pop, o filme de Marina traz uma trilha sonora fundamental para apresentar a época: The Cure, David Bowie, New Order, Echo and The Bunnymen, Joy Division, Titãs, Paralamas, Metrô e Kid Abelha. Estreia em 3 de dezembro. REVISTA DO BRASIL NOVEMBRO 2015

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ATITUDE

Mãos à obra e pés na terra

FOTOS: JOKA MADRUGA/MST

Feira de produtos da reforma agrária, realizada em São Paulo, mostrou lado menos conhecido da atividade do MST

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urante quatro dias, de 22 a 25 de outubro, uma feira movimentou o tradicional Parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, inaugurado em 1929 e um reduto de apreciadores do ambiente interiorano. Os “feirantes” eram novidade para a megalópole. Vieram de 23 estados e do Distrito Federal, de assentamentos e acampamentos. Alguns viajaram dias e noites para participar da 1ª Feira Nacional da Reforma Agrária, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ao expor os produtos feitos por trabalhadores rurais de todo o país, o MST pretendia exibir uma face menos conhecida, mas intensa, o resultado das ações dos sem-terra. Eles mostraram centenas de itens, de frutas a artesanato, passando por leite, arroz, café, açúcar mascavo, doces, queijo, mate, cachaça 50

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artesanal, feijão, sucos, rapadura, mel, castanhas, farinha. Umaextensa produção que reflete a diversidade brasileira no campo e mostra, ainda com vários desafios a superar, a organização dos assentados e acampados em cooperativas. A ideia também era debater a importância de desenvolver outros modelos de produção no campo, alternativos ao agronegócio, alertar para o perigo dos agrotóxicos e ressaltar o significado da agricultura familiar para a alimentação. Em torno de 150 mil pessoas passaram pela feira, que reuniu ainda uma área de alimentação, com pratos de todas as regiões. Foram vendidas 220 toneladas de produtos. E a cantoria também correu solta. Além de músicos, alguns anônimos, que tocavam em várias áreas da feira, o palco recebeu gente como Pereira da Viola, Chico César, Zé Geraldo e o grupo de mulheres percussionistas Ilú Obá de Min.


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