O SÃO PAULO - 3099

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www.arquisp.org.br | 27 de abril a 3 de maio de 2016

Espiritualidade Um pequeno estojo e uma grande lição Dom Carlos Lema Garcia

H

Bispo auxiliar da Arquidiocese e vigário episcopal para a Educação e a Universidade

á cerca de um mês, visitei uma escola estadual da Capital e a vice-diretora me contou um episódio ocorrido, naquele mesmo dia, numa turma de alunos de 9 e 10 anos. Em dado momento, um aluno sentiu a falta do seu estojo. Imediatamente, a sala se agita: os colegas entreolham-se e iniciam a busca do estojo desaparecido. Pouco tempo depois, o estojo aparece debaixo de uma mesa, no fundo da sala. “Como o estojo foi parar ali embaixo? Quem foi?” São perguntas sem resposta... A professora explica que não se deve tirar as coisas dos outros sem a sua permissão, nem que seja um lápis. Mas, como costuma acontecer nessas situações, ninguém assume a culpa. Até que um menino avisa a professora que viu um dos colegas jogar o estojo debaixo daquela mesa. Deu-se lugar a uma espécie de “delação premiada”. O autor do pequeno furto é chamado à diretoria. Jura, nervoso: “Não fui eu... Não sei de nada! Minha mãe não pode saber... senão, vai me castigar...” A diretora deixa o menino numa sala sozinho, em silêncio, recomendando-lhe que se acalme e espere passar o nervosismo. Está de castigo, sem o saber. Em seguida, quando

o menino está mais sereno, a diretora continua conversando sobre o ocorrido e lhe lança uma pergunta: “O que tinha dentro do estojo?” Nesse instante, o menino se trai: “Ah! Professora, tinha muitas coisas: caneta azul e vermelha, borracha, durex, uma tesourinha...” Sem perceber, acabara de confessar o furto... No dia seguinte, a mãe do menino veio à escola e pediu para entrar na sala de aula do seu filho. Diante de todos, fez seu filho declarar ao colega: “Me perdoa, porque eu peguei o seu estojo. Nunca mais vou fazer isso!” A lição foi clara: penso que os alunos daquela classe jamais se esquecerão do dever de respeitar os bens dos outros. Esse episódio nos leva a considerar a importância da participação da família e da escola na formação dos alunos. Os professores têm uma grande influência sobre a formação dos seus alunos: convivem com eles durante meses e anos, conhecem seus pontos fracos e fortes, descobrem seus talentos e capacidades etc. Podem ajudar os pais a conhecerem melhor seus filhos, trocar impressões sobre a orientação formativa para cada um. Junto com os pais, os professores podem encaminhar seus alunos na vida escolar, ajudando-os a enfrentar suas limitações, a superar seus receios, a abrir horizontes etc. Aliás, o Papa Francisco, na recente Exortação Apostólica Amoris Laetitia, insiste na colaboração dos professores e pais na educação dos filhos: “Os pais necessitam também da escola para assegurar uma instrução de base aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca

a podem delegar totalmente” (n. 263). “A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento. Este é um princípio básico: ‘qualquer outro participante no processo educativo não pode operar senão em nome dos pais, com o seu consenso e, em certa medida, até mesmo por seu encargo’... parece-me muito importante lembrar que a educação integral dos filhos é, simultaneamente, ‘dever gravíssimo’ e ‘direito primário’ dos pais. Não é apenas um encargo ou um peso, mas também um direito essencial e insubstituível que estão chamados a defender e que ninguém deveria pretender tirar-lhes.” (n. 84) Ao referir-se às escolas católicas no mesmo Documento, o Papa vai mais longe e destaca que “realizam uma função vital de ajuda aos pais no seu dever de educar os filhos. (...) As escolas católicas deveriam ser incentivadas na sua missão de ajudar os alunos a crescerem como adultos maduros que podem ver o mundo por meio do olhar de amor de Jesus e compreender a vida como uma chamada para servir a Deus”. (n. 279) A lição aprendida com o episódio do estojo serve de estímulo aos professores, para assumirem o seu papel de educadores e, assim, ajudarem – sem pretender substituir - os pais na educação integral dos seus filhos. Dessa maneira, o contínuo intercâmbio educativo entre a escola e a família contribuirá para a formação de bons cristãos e cidadãos responsáveis, tão necessários em nossos dias. Isso é o que a Igreja espera das nossas escolas e das nossas famílias.

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Fé e Cidadania Show de hipocrisia Cônego Antonio Manzatto Sim, foi verdadeiro show com direito a transmissão ao vivo pela televisão por aproximadamente 12 horas, e com cada deputado buscando seus 15 segundos de fama. Foi espantoso ver a imensa maioria dos parlamentares trabalhando em um domingo, eles que são tão ciosos de seus finais de semana. Mas podemos ficar tranquilos que isso não vai se repetir tão cedo. Já nas semanas seguintes, o expediente foi normal. Podemos ter certeza de que quando forem votar a reforma da previdência ou outros projetos para confiscar direitos de quem trabalha, não haverá transmissão ao vivo e nem a farão aos domingos. Aquilo era apenas um show. O Brasil pôde ver o linchamento moral de uma mulher que não foi acusada de crime algum. Convenhamos que as chamadas “pedaladas” são apenas desculpa para um procedimento de impeachment já decidido, tanto que se não for feito neste processo, imediatamente se seguirá outro, e mais outro. Decidiu-se que ela deve sair da Presidência e seu partido do poder, e isso se fará atropelando a ética, a democracia e tudo o mais que tentar se apresentar. Haverá sempre uma aparência jurídica, para o que se prestarão juristas saudosos dos holofotes ou ansiosos por eles. Ao votarem, os parlamentares afirmavam fazê-lo pelo País, pela família, pelo cachorrinho ou pelos amigos, sem nem aludirem ao parecer que votavam e sua fundamentação jurídica. Havia ali parlamentares votando que nem sequer leram o tal parecer. O que se votava era o projeto de retirar do cargo a presidente eleita pelo voto popular e tirar de cena seu partido. Curioso ainda que muitos corruptos notórios e eméritos anunciavam um voto contra a corrupção, e a sessão foi presidida por quem, corrupto notório, é réu em processo já estabelecido. Não é hipocrisia corruptos votarem pelo impeachment da presidente por causa da moralidade, já que ela nem é acusada de crime de corrupção? Consumado o impeachment, o poder será entregue ao partido que tem mais do que antecedentes de corrupção e a pessoas envolvidas em crimes dessa natureza. Mas tudo já está resolvido, porque uma vez o poder entregue a quem é confiável, a operação Lava Jato poderá terminar, pois terá conseguido seu objetivo. Políticos envolvidos serão como que anistiados, uma vez que os meios de comunicação se encarregarão de tornar a operação esquecida. Tais políticos poderão permanecer no poder mesmo se corruptos, porque afinal são serviçais fiéis e dóceis ao comando da Casa Grande. Basta ver quem patrocina a encenação e financia os movimentos que lhe dão aparência de suporte popular. É disso que trata o impeachment e, por isso mesmo, é golpe contra a democracia. As opiniões expressas na seção ‘Fé e Cidadania’ são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.


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