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OLHARES
from Cultcom #6
O jornalismo me formou artista
_ POR RAFAEL SANCHES ator pelo Teatro-Escola Célia Helena e jornalista pela Faculdade Casper Líbero
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QUANDO ENTREI NA faculdade de Jornalismo, tinha quase certeza de que era isso que queria para a minha vida. Digo quase porque a decisão foi tomada naquele momento pós-colégio, em que nós “temos que” escolher o nosso futuro, mesmo sem conhecermos direito nosso presente. Curioso é que no último ano de escola tive meu primeiro contato com o teatro. Eu me apaixonei por aquilo. Mas é aquela coisa, né? “Por que não escolhe uma profi ssão de verdade?”. E guiado por essa pergunta acabei arquivando o teatro na gaveta dos sonhos e segui para o mundo corporativo.
Resultado: depois de quatro anos de estudos e experiências em redações percebi que estava infeliz, confuso e insatisfeito. Eu tinha absoluta certeza de que não seria jornalista. Pelo menos não só isso. A vida tem muito mais a oferecer, e eu sentia que tinha talento para outras coisas que me interessavam mais. Em 2015, fui convidado para encenar a peça “Corpo Condenado”, do meu amigo dramaturgo Alex Francisco. Foi como uma salvação. O sonho saiu da gaveta e resolvi que estava na hora de mudar de vida. E não poderia ter feito uma escolha melhor.
Por algum tempo passei a renegar o jornalismo. Acontece que, aos poucos, fui entendendo que minha formação não tinha sido um desperdício, mas sim um elemento agregador para a minha construção como artista. Lembrei que Nelson Rodrigues (1912-1980) era jornalista. Descobri que Brad Pitt e Wagner Moura também se formaram em jornalismo. E percebi como o jornalismo me construiu como uma pessoa que está sempre antenada a tudo, com um senso crítico apurado sobre os fatos do mundo, elemento fundamental para um profi ssional da arte. O fato de ter entrevistado muita gente e convivido em redações me ensinou a lidar com os mais variados tipos de pessoas, saber trabalhar em grupo e suportar, digo, compreender e dialogar com chefes rígidos – quando não estúpidos e mal-educados.
Meus anos como jornalista também me ajudaram a trilhar outros caminhos dentro da arte, como roteiro, dublagem e locução. Afi nal, passei a ser um leitor assíduo de fato quando entrei na faculdade – antes detestava ler, confesso. E quem lê muito, acaba aprendendo a escrever direito, além de construir um repertório gigante de referências, coisa que todo bom roteirista deve ter. Fora o período como colaborador na rádio universitária, que me presenteou com uma consciência vocal da qual não sabia que tinha.
Ainda tenho absoluta certeza de que não quero que esteja escrito na minha lápide apenas: “Aqui jaz Rafael Sanches, jornalista”. Mas posso dizer que sou muito grato pelo jornalismo, por toda a base que ele me deu, pela formação como pessoa e, principalmente, por me dar a certeza de que o que eu amo é fazer arte. c
Ilustração Cauê Miranda / Instagram @tocaue
Fanático por esportes e novelas
_ POR RAONY PACHECO jornalista, diretor da RP2 Sport Marketi ng e professor do Projeto Conectados
SOU APAIXONADO POR esportes e isso fi ca evidente para quem me conhece pela primeira vez, confesso. Gosto de falar sobre as conquistas histórias de atletas em jogos olímpicos, de partidas memoráveis sobre futebol e, obviamente, como cada história esportiva torna-se fascinante.
Histórias. Aí um ponto que me faz ter um amor paralelo ao esporte, que não fi ca atrás na questão do “fanatismo”, igual ao de qualquer torcedor que veste as cores do seu time, compra o seu ingresso e vai ao estádio. Que amor é esse? Novelas.
As novelas na TV são uma evolução das radionovelas. Uma vez, perguntei para a minha vó como as pessoas se preparavam para escutar as histórias de romance e suspense pelo rádio. Ela me disse que todos se reuniam na sala, era um total silêncio à espera de cada fala, cada som. Os comentários, no dia seguinte, arrastavam-se entre homens e mulheres. Peguei essa pitadinha de curiosidade para já apresentar um ponto em comum. Afi nal, os esportes também eram transmitidos pelas rádios. Primeira grande conquista do futebol brasileiro, por exemplo, em 1958, o título da Copa do Mundo, na Suécia, foi transmitida pelo rádio. O clima nas casas para ouvir os jogos? Igual ao de cada episódio da radionovela.
Essa comparação, evidentemente, não consegui formatar na minha cabeça quando eu era mais novo, de fato. Mas é importante ressaltar que só existe o presente se o passado não for esquecido. E na sequência da minha analogia, não posso deixar de falar que cada novela me encanta pelo texto, interpretação dos atores e a forma como cada edição de um capítulo se transforma em injeção de ânimo para no dia seguinte, no mesmo horário, no mesmo canal, ligarmos a TV e não piscarmos a cada cena.
Isso tem tudo a ver com o esporte. Um time ou um atleta, para ser campeão, deve-se aplicar a mesma metodologia dos atores e atrizes para obter vitórias. Existe o estudo do texto. Um time tem que estudar o adversário. As cenas devem ser gravadas diversas vezes para sair perfeita. Um atleta tem que treinar muito para se aperfeiçoar e vencer. O autor escreve cada capítulo. O treinador transforma cada treino em “capítulo” vitorioso para sua equipe ou atleta. Já pararam para pensar nisso?
No caso do futebol, acredito que as semelhanças são ainda maiores. Um time tem que ter um “elenco” forte para ser campeão. As novelas de sucesso possuem total “entrosamento” entre seus integrantes. Se o todo não caminhar bem, não tem emoção, não tem audiência, não tem gol. Sem contar que o último capítulo dá o mesmo “frio na barriga” que antes de uma disputa de título de Copa do Mundo sendo decidida nas penalidades máximas.
Depois de ler tudo isso, não deu vontade de saber se você é apaixonado por esporte, se você é um noveleiro? c

Ilustração Cauê Marcos de Miranda