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ESPECIAL | CAMILLA KINKER

A FOTÓGRAFA Camilla Kinker, 25 anos, começou sua relação com a fotografia na faculdade de cinema, onde aprendeu a técnica. Mas foi por meio do estilo autoral que conseguiu atingir o máximo de sua expressão como artista. Em 2017, ela acumulava experiências como editora de vídeo em uma agência, quando participou do primeiro reality show de fotografia da televisão brasileira, o “Arte na Fotografia”, do canal pago Arte1 e, hoje, exibido pela Band. “O programa mudou totalmente a forma como eu trabalhava com a fotografia. Eu a encarava como um hobby, não a tinha enxergado ainda como uma forma de expressão. Entendia a parte técnica, mas é diferente. No reality, aprendi o universo da fotografia autoral”, diz.

O programa ajudou a refinar o conceito de Camilla sobre os limites da fotografia. “Foi fundamental para me apresentar a outro lugar da fotografia, e eu entender que é isso que eu quero, me conhecer melhor. A partir dessa experiência, a imersão no campo fotográfico documental foi um caminho natural para a tradução do meu olhar sobre o mundo”, comenta.

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Mesmo que muitas vezes descubra a finalidade de um projeto fotográfico apenas quando ele está pronto, o método de trabalho de Camilla é fruto da intuição e da sensibilidade. Basta ver o ensaio “Sertão do Piauí”, onde a fotógrafa não estabeleceu um caminho para concepção das imagens, mas >

Uma das imagens impactantes do projeto “Sertão do Piauí”

“Até hoje estou absorvendo e entendeno o que passei lá. É uma parte do Brasil muito desconhecida pelo brasileiro”

captou o que lhe foi mais chamativo e sensível ao olhar, entre terra seca e gente humilde. Impactada com vídeos do projeto médico voluntário Instituto Dharma, ela decidiu ir junto com a equipe para o sertão. “Decidi uma semana antes, e não conhecia ninguém. Só me joguei e passei duas semanas no sertão. Sempre tive vontade de fazer uma viagem para sair da minha realidade, sair da zona de conforto, sair da minha bolha e abrir a cabeça”, lembra.

No sertão, figuras bem diferentes do que se costuma ver do lado sul do mapa se apresentaram ao olhar e às lentes da fotógrafa. Olhares firmes, a vida contada nas linhas de expressões, a carne secando ao sol. Mais que um ensaio, “Sertão do Piauí” reverbera como uma experiência que promoveu mudanças íntimas na maneira de Camilla encarar o mundo. “Foi mais uma experiência antropológica. Você nunca está preparado para essas situações até vivenciar aquilo”, conta. “Até hoje estou absorvendo e entendendo o que passei lá. É uma parte do Brasil muito desconhecida pelo brasileiro”, complementa ela, que capta pela lente a poesia, mesmo que em forma árida, sofrida, pouco agradável. O choque de realidade proporcionado pelo ensaio parece ser reflexo do sentimento que acompanha a autora dos cliques.

A fotografia autoral faz com que Camilla não se sinta atraída pela velocidade de consumo que as redes sociais oferecem. Até mesmo o Instagram, que costuma ser a plataforma reduto de quem admira fotografia, não é vista com complacência pela fotógrafa. “A gente se deixa levar muito pela quantidade de likes no Instagram, sabe? Estamos numa fase que isso importa muito para as pessoas”, avalia.

Apesar de ter ganhado o prêmio do reality show com uma ensaio sobre a cidade grande, Camilla revela ter uma relação conflituosa com capital paulista. “Aqui é tudo muito saturado. Muito carro, muito som, visão poluída, muitas pessoas, muita coisa. Nunca me acostumei”, conta. “Uma metrópole engole fácil a pessoa. Tem esse ritmo frenético e é sedutor, pois você se sente eficiente. Você sente que está fazendo as coisas, aproveitando seu tempo. Mas, às vezes, fazemos coisas que não gostamos”.

Trabalhando com fotografia autoral e não com encomendas exigidas pelo mercado tradicional, Camilla entende a presença masculina como predominante na sua e em diversa áreas. “Acho que homens tem preferência por vivermos

Foto Divulgação / Arte1

numa sociedade patriarcal. Isso em qualquer profissão. A mulher tem que se impor mais e provar que é capaz de fazer qualquer coisa. E eu acredito que a fotografia pode ser um campo de expressão para todos os gêneros”, diz.

Camilla tem se dedicado a projetos ligados ao público LGBTI e fotografado festas frequentadas por esse público para produzir um documento artístico como resistência ao atual governo, que ela enxerga como fonte de legitimação para discursos homofóbicos. “Eu e meus amigos nos sentimos não pertencentes ao país porque um grupo de extremadireita ganhou e a gente sempre foi minoria. A situação ficou mais complicada porque as pessoas começam a falar o que elas pensam de verdade. Ficamos com muito medo”, desabafa.

A fotógrafa estadunidense Nan Goldin, 65 anos, é uma inspiração para o novo projeto de Camilla. Goldin fotografou a subcultura gay da cidade de Nova York (EUA) entre as décadas de 1970 e 1980, além de ter realizado sua primeira mostra em Boston (EUA), retratando gays e transexuais. “Ela tem uma linguagem autoral bem forte em relação à cor, saturação e textura. É um trabalho que tem me perseguido na minha atual jornada”, conclui Camilla. c

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1. A fotógrafa Camilla Kinker (no início, da esq. para a dir.) junto aos colegas da primeira temporada do reality “Arte na Foitografia” (Arte1)

2. Fotografia que Camilla produziu para o desafio moda de rua do programa

Foto Divulgação

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