Primeiro

O

real valor da vida está em sentir emoções que nos façam acreditar que estamos vivos. Desse modo, todo o conceito de ser real está conectado aos ideais que cada um carrega dentro de si, sejam nos pensamentos, sentimentos e até mesmo nas primeiras impressões sobre um determinado assunto ou acontecimento.

Com a inquietude em descrever os fatos como são, os estudantes do 4º período de Jornalismo da Faculdade Canção Nova, se inspiraram em histórias reais para produzir este livro. A obra reúne relatos de pessoas que fazem parte do cotidiano, e que mesmo passando despercebidas por vezes, carregam traços e relatos marcantes sobre suas experiências.

Em busca de pautas, os estudantes procuraram histórias verídicas, como: a primeira vez em que o preconceito foi sentido na pele, a primeira vez que uma pessoa adulta sonhava em concluir os estudos, a primeira vez de uma carona com uma pessoa desconhecida, entre outras. Para ilustrar tais acontecimentos, cada aluno produziu ou adquiriu sua fotografia de acordo com o assunto proposto.

Pensando nisto, conceitos como empatia, reciprocidade, compaixão, solidariedade e respeito, mostram que atitudes e escolhas afetam a vida de todos. Por isso, se torna necessário que os fatos sejam contados tais como são, porque cada um tem sua própria perspectiva do mundo onde mora, das dificuldades e também das conquistas.

Seja bem-vindo e tenha uma excelente primeira vez conosco!

EXPEDIENTE

Editorial

Faculdade Canção Nova R. Carlos Pinto Filho, s/n - Vila Cacarro, Cachoeira Paulista - SP, 12630-000

DIRETOR Rodolfo Anderson B. Aquino DIRETOR ACADÊMICO Henrique Alckmin Prudente COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO Vaniele Barreiros da Silva PROJETO GRÁFICO Gustavo Ribeiro REVISÃO GRÁFICA Áthina Sousa e Juliandra Ribeiro REPORTAGEM Larissa Emmanuelli Freire Amanda Almeida Juliandra Ribeiro Ana Lívia Gonçalves Amanda Cruz Áthina Sousa Daisyane Rodrigues Carla Zanon

Como voluntário

dA CHEGADA À ILUMINADA SÃO PAULO

CAMINHANDO ATÉ APARECIDA

PRIMEIRA VEZ...

ÍNDICE

Contato com o Jornalismo

De volta À escola

de uma carona

AO RIO DE JANEIRO

DE UM PRECONCEITO

O primeiro contato com...

Jornalismo

Por Larissa Emmanuelli Freire

E

u sempre gostei muito de arte, cultura, dança e teatro. Dancei por muitos anos, fui professora de dança, tive academia de dança, fiz teatro e sabia que queria uma profissão nessa linha. Pensei em terapia ocupacional, psicologia, mas o jornalismo poderia me proporcionar tudo isso, ao meu ver. Sempre falei muito, gostei de televisão e tinha como inspiração a Glória Maria”, relata a jornalista Drª Vaniele Barreiros, 38 anos, professora dos cursos de Jornalismo e Rádio e TV na Faculdade Canção Nova (FCN), em Cachoeira Paulista.

Ioná Piva Rangel, 34 anos, professora também nos cursos de Jornalismo e Rádio e TV da FCN, conta que tinha dificuldade com matérias de exatas mesmo sendo uma aluna esforçada, mas sua paixão pelas ciências humanas foi intensificada quando aos 14 anos participou de uma oficina sobre jornalismo.

Bruna Nunes Correia da Silva, 22 anos, graduanda do 8º período do curso de Jornalismo da FCN, relembra que decidiu ser jornalista porque é uma pessoa muito comunicativa, no sentido de ser curiosa. “Sempre quis saber o ‘porquê’, o ‘como’ e o ‘quem’ das coisas, ou seja, sempre quis saber o lide da vida.

Desde criança brincava de fazer jornal, mas nunca tive em mente se aquilo fosse virar profissão, mesmo assistindo telejornais, no domingo o Fantástico, e lendo revistas eletrônicas”, diz.

Mas nem tudo são flores, como toda profissão, o jornalista, ou futuro jornalista, também enfrenta dificuldades ao longo do processo.

Vaniele suspira, recordando que chegou a iniciar o curso de Economia, pois o pai a princípio não queria que largasse a primeira graduação, que era em uma universidade pública, e não queria pagar a faculdade particular.

“Chorei muito, fui parar no hospital de tanto chorar – me deu muita dor de cabeça - ele ficou com pena de mim e resolveu pagar. Depois, o difícil era conciliar trabalho com estudo. Minha realidade era de três cidades no mesmo dia: saía de Três Rios, onde morava, e ia para Barra do Piraí, onde trabalhava, mais tarde voltava para Três Rios para pegar o ônibus a Petrópolis, onde eu estudava, e no fim voltava novamente para Três Rios para dormir. Ficava fora de casa das 6 da manhã a 1 da manhã”, explica.

Ioná afirma que a principal dificuldade que encontrou foi pela inserção do mercado de trabalho no interior ser muito fechado. “Hoje, ainda temos algumas opções, como o setor de turismo católico que impulsiona empresas na área de comunicação. Mas quando eu fazia faculdade, essa realidade era diferente”.

Já Bruna, por ser nova na área, acredita que não se deparou com dificuldades surreais. “No começo, foi um pouco árdua a parte da produção, que sem dúvida é uma das partes mais importantes do jornalismo, que se resulta no produto final, que é a notícia e as reportagens. Tem que ter um cuidado, por ser a base de tudo que constitui informação. E quando você é novo, cru e no primeiro ano da faculdade, acaba cometendo erros, como esquecer de perguntar o nome certo da sua fonte, de checar o local, porque é tudo uma novidade”.

Entretanto, as três mulheres se distinguem na experiência do primeiro contato jornalístico. “A primeira entrada na Rádio, ao vivo, foi desastrosa. Chovia muito naquele dia, e procurei um lugar silencioso para entrar no ar. Com meu celular e um antigo Walkman para usar como retorno, parei embaixo de uma marquise para ligar para a rádio e fazer um flash. Quando me colocaram no ar, retirei o fone e dei a minha matéria. Quando notei, meu celular estava desligado. Meu editor me ligou, gritando muito, dizendo que tinha ficado horrível, pois o fone do celular captou somente o barulho da chuva. Precisei me recompor para finalmente fazer a minha primeira entrada ao vivo, que graças a Deus deu tudo certo. Aquele dia trabalhei até a apuração ser finalizada e dar o flash ao vivo dos candidatos eleitos em Três Rios”, narra Vaniele de maneira pensativa.

Ioná, animada, recorda que a primeira matéria publicada no jornal impresso foi sobre uma festa na cidade onde morava. “Era a festa da banana, a primeira dada pelos agricultures que cultivava a fruta. Fiquei muito feliz quando vi a matéria sendo publicada em um jornal impresso, para mim foi uma grande satisfação, era como se fosse o resultado de um esforço e de um trabalho tão suado”.

“O meu primeiro contato jornalístico foi na faculdade. A primeira matéria que fiz foi sobre Teatro Capitólio, na cidade de Cruzeiro, com uma colega de classe. Falava sobre a obra do Teatro Capitólio que tinha sido abandonada. Foi muito legal, porque sempre gostei de teatro e até já me apresentei nesse mesmo local. Foi o meu primeiro contato com fonte, com o escrever, e lembro até do professor corrigindo muitos erros, e foi ai que percebi que não bastava ter apenas as informações se não sabe como contar e noticiá-las. Foi um balde de água fria, mas ao mesmo tempo prazeroso”, expõe Bruna, rindo ao lembrar que tudo que

pensava que era notícia estava equivocado.

Trazendo o gancho dos primeiros contatos com a fonte, Bruna revela que foram fontes oficiais. “Entrevistei uma secretária da cultura e um ex-prefeito. E é bem diferente de uma matéria que fiz depois, que continha fontes personagens. É um contraste e tanto, já que as oficiais são objetivas, e as personagens vivenciaram tal fato, mas não deixa de ser interessante, por conta do diálogo que o jornalista cria ao agir e reagir as respostas, um com mais seriedade e o outro com uma aproximação”.

“Todos os meus contatos com fontes normalmente eram muito tensos: prisão – envolvendo acusados, advogados, policiais, familiares de acusados, mas mesmo assim sempre tive bons contatos e um bom relacionamento com fontes. Quando fazia ronda, era bem recebida em delegacia e hospital. Acho que esse meu primeiro dever de casa foi bem feito”, descreve Vaniele, orgulhosa.

O mercado de trabalho para jornalistas é bastante diversificado e a concorrência é alta, por outro lado, estimula os profissionais a buscarem novidades e correr atrás de áreas ainda pouco exploradas – e assim, apesar de estar saturado em alguns segmentos, o mercado para jornalistas vai expandindo e absorvendo mais mão de obra para atender às novas demandas.

“O primeiro emprego foi em um jornal impresso bem pequeno, tive que aprender a diagramar na marra. Isso foi antes de entrar na faculdade, logo que acabei o ensino médio e fazia economia. Mais tarde trabalhei na Light, empresa de Energia Elétrica, e trabalhava com comunicação interna, mas meu registro era como Auxiliar Administrativo”, revela Vaniele.

A professora Ioná cita que seu primeiro trabalho na área foi em assessoria de imprensa da Secretaria de Educação de Lorena, e lá exercia a função de organizar eventos e escrever releases para divulgar as ações da Secretaria, e também montar um jornal mensal sobre essas ações.

“Meu primeiro estágio foi na WebRádio da Faculdade Canção Nova, um projeto que começou em 2018, e a coordenadora do curso de jornalismo, Vaniele Barreiros, me incentivou a fazer. Sempre gostei da rádio e não tinha feito um estágio ainda. Foi muito incrível, pois tinha que produzir dois programas diferentes, além de ser programadora, ai tinha que entedender direitinho como tudo funciona. E como naquele semestre, coincidentemente estava tendo aulas sobre rádio, eu aplicava todo o conhecimento adquirido ali”, narra Bruna, satisfeita pelas experiências que adquirou.

Mesmo seguindo a carreira jornalística, Ioná e Vaniele optaram também pelo mestrado, para ministrar e preparar o material didático das aulas conforme orientação e conteúdo previamente distribuído, aplicar provas, desenvolver trabalhos em aula e esclarecer dúvidas dos aspirantes a jornalistas. “Engraçado que foi uma sugestão de um colega da pós-graduação. Após a apre-

Todo futuro jornalista tem a ideia de mudar o mundo algum dia. Ele não se limita. Vontade, capacidade e curiosidade são palavras que aparecem frequentemente em seu vocabulário.

sentação de um trabalho o Evandro disse: Vani, você poderia dar aula... você apresenta tão didaticamente. Foi a primeira vez que pensei nisso. Comecei a distribuir os currículos e fui chamada pra dar aula. A primeira vez que entrei em uma sala de aula de faculdade, nervosa, com medo, mas quando os alunos entraram, eu tive certeza de que alí era meu lugar”, diz Vaniele.

“Quando terminei a faculdade, fiz uma especialização, e já trabalhava com televisão, e um professor da época da faculdade me convidou para ter essa experiência, por conta de toda a minha trajetória, de na época tinha sete anos, em telejornalismo, que eu poderia contribuir para um curso aqui na região. E aceitei. No começo, fiquei bem apreensiva, porque me achava muito nova, que não tinha tanta bagagem para poder partilhar em sala de aula. Porém foi uma experiência apaixonante, e me fez largar o mercado de trabalho para me focar apenas na docência, inclusive depois fiz até o mestrado. Não me arrependo”, conta Ioná.

No caso de Bruna, no último período, está realizando o temido TCC. “O meu tema fala sobre a produção da notícia, e a importância dela para os diálogos sociais que o jornalismo constrói. A produção, desde a apuração até a edição final, são construídos os diálogos. O jornalista, primeiramente dialoga com os dados que chegam até ele, depois ele capta e confirma com as formas, depois costurar isso em seu texto, dialogando com ele, e após isso publica-se para dialogar com o receptor. Meu TCC está sendo uma experiência desafiadora, mas ao mesmo tempo dá uma sensação de orgulho, porque é meu!”.

Sendo jornalista, adquire-se diversas experiências marcantes por experimentar momentos históricos e imutáveis, podendo ser boas ou ruins,

mas todas de aprendizado. “Por incrível que pareça foi em um trabalho da faculdade. Fui cobrir um evento de Rafting em Três Rios, e meu pai me acompanhou. Ele ficou falando o tempo todo com as pessoas: ‘Minha filha é jornalista’. Ahhh foi um fofo. E a pior experiência foi descobrir que o jornalismo não pode ser feito em sua essência. Foi mais um motivo pra eu escolher a docência. Aqui, trabalho com as premissas do jornalismo. Isso que me realiza”, confessa Vaniele.

“Para mim, todas as experiências são válidas. Até a que tirou meu sono, e que no final deu tudo certo, só tinha que tentar! Portanto não tive experiências ruins, mas a mais marcante, foi quando produzi uma revista, e eu era repórter de uma matéria sobre ansiedade, e foi uma matéria particularmente pessoal, por eu sofrer de ansiedade, faço até terapia por causa disso. Tinha muito de mim ali. Foi a primeira vez que minha matéria tinha tantas fontes!”, relata a universitária.

Embora, cada jornalista siga seu próprio caminho e vivencie suas experiências, o processo é o mesmo.

“Jornalismo é doação, de seu tempo, de sua compreeensão e de uma parte de você. É deixar-se mergulhar dentro daquela realidade, daquele espaço, diante de pontos de vistas distintos”, opina Bruna.

“Jornalismo é amor. Engraçado como que as pessoas que fazem jornalismo são apaixonadas pela profissão. É viciante, inebriante e apaixonante.

Não me vejo fazendo outra coisa. É amor, é amor pelo próximo, é servir o outro, é servir a sociedade. É estar a disposição. É ganhar dinheiro pra ler, pra escrever, é ganhar para contar história, conhecer pessoas, pra falar, pra ouvir. As pessoas nos olham com desconfiança, com confiança, dependem de nós, acreditam em nós. Não tem profissão melhor”, finaliza Vaniele.

Primeira vez...

De volta a

escola Por Amanda Almeida

Segundo dados de 2019 da Síntese de Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 7,6% dos adolescentes brasileiros de estão em situação de evasão escolar, quando o aluno deixa de frequentar as aulas. De acordo com a pesquisa, o fenômeno é mais comum na zona rural, com 11,5% de evasões entre adolescentes, do que em áreas urbanas, com 6,8%.

A

funcionária pública Raquel dos Santos Pinto Almeida, de 49 anos, teve que interromper o sonho de estudar ainda aos 11 anos, pois a escola mais próxima ficava a 11km de sua casa e as únicas opções na época eram se mudar para mais perto da escola ou abandonar os estudos. Como a situação de sua família era precária e não havia transporte escolar, Raquel se viu obrigada a deixar a escola.

Nove anos depois, ela se deparou com a oportunidade de voltar a estudar quando o prefeito decidiu atender ao pedido de moradores do bairro e disponibilizar um carro para realizar o transporte dos estudantes do bairro da Bocaina até o Distrito de Campos de Cunha, a 11km, onde estava localizada a escola mais próxima.

Ela narra com grande emoção o momento em que pôde, finalmente, voltar a estudar, “A felicidade era tanta que não cabia no peito, mais que depressa fiz minha matrícula e lá fui eu estudar no meio das crianças de 10 e 11 anos. Foi uma experiência nova, já adulta aprendendo com as crianças e entre a gente nasceu uma grande amizade que continua até hoje”. Raquel conta que apesar da enorme conquista em voltar a estudar passou por muitas dificuldades durante o ano, pois a estrada que utilizavam para ter acesso ao Distrito era de terra vermelha e chão batido e na época de chuva era impossível passar por lá de carro, o que obrigava ela e os outros estudantes a realizarem o percurso de 11km a pé.

Além disso, conta com ares de saudade e admiração que durante esse tempo um professor da comunidade trabalhava para realizar a abertura do “ginásio escolar” no bairro da Bocaina. “Enquanto fazíamos o nosso trajeto, digo nós porque era eu e mais 10 alunos usando esse transporte escolar, o saudoso professor Agenor Fernandes estava lutando, trabalhando em prol da nossa comunidade, buscando a abertura do ginásio escolar na Bocaina”, explica.

Em março de 1991 foi realizada uma grande festa no bairro em comemoração da implantação do “ginásio”, onde as crianças teriam direito de estudar do pré-escolar até a 8º série do ensino fundamental perto de casa.

Em 1992, Raquel decidiu cursar o supletivo para terminar os estudos mais rápido, e revela que lutou muito para convencer os pais a permitirem que ela se mudasse para a cidade de Cachoeira Paulista para dar continuidade aos estudos. No domingo, véspera de se mudar, ficou sabendo pelo professor Agenor que seria realizado um concurso público com uma vaga para seu bairro: “O professor me incentivou muito a fazer esse concurso e eu acabei desistindo de ir embora, meus pais deram pulos de alegria, porque tudo que eles mais queriam era que eu não fosse embora, na mesma hora eles foram para Campos de Cunha, fizeram minha matrícula e pediram abrigo para mim na casa de uma sobrinha da minha mãe”.

Em março do mesmo ano fez o concurso, passou em primeiro lugar e em agosto começou a trabalhar. Ela conta que ali começou seu dilema, pois precisava estar no serviço às 8 da manhã e não tinha condução para ir. Saía da aula às 22:30 e dormia em Campos

A funcionária pública Raquel dos Santos Pinto Almeida, de 49 anos, em sala de aula recordando seus tempos de estudante.

fotografia

Foto: Amanda Almeida

de Cunha. Para não desistir dos estudos outra vez, passou a fazer o trajeto de 22 km, ida e volta, na maioria das vezes a pé, vez em quando conseguia uma carona, até concluir o Ensino Médio em 1995.

Após isso, ainda havia nela o sonho de continuar estudando, mas como não tinha condições de fazer uma faculdade na época, acabou deixando esse sonho para depois.

Com o casamento em 1998, o nascimento da filha e, posteriormente, o nascimento do filho, esse sonho ficou adormecido. O tempo foi passando e 17 anos depois da conclusão do Ensino Médio, no dia 09 de outubro de 2012, Raquel recebeu uma mensagem no facebook que dizia que a UNITAU (Universidade de Taubaté), através do Governo Federal, estava oferecendo 60 vagas para o curso de Licenciatura em Educação no Campo, na área do conhecimento de Ciências da Natureza e Matemática.

“Chamei minha filha e pedi para ela me ajudar a entrar no site e descobrir o que teria que estudar para fazer o vestibular, não encontramos nada mas mesmo assim fiz a inscrição, só por garantia, já que faltava apenas um dia para o encerramento das inscrições e o vestibular já seria na semana seguinte”, explica.

Raquel diz que não se sentia animada, pois achava que não tinha chance de passar e, faltando apenas dois dias para o vestibular, comentou com o diretor da escola em que trabalha, em Campos de Cunha, que não faria o vestibular pois não tinha chances de passar e teria que faltar no trabalho, mas, novamente, teve incentivo.

Na quarta-feira seguinte o resultado foi divulgado e ela se lembra do nervosismo em verificar o resultado e da surpresa ao ver que havia sido aprovada. “Confesso que chorei de tanta felicidade e ao mesmo tempo senti medo, porque depois de tanto tempo recomeçar e agora eu tinha uma família e tudo era mais difícil, mas recebi muito apoio do meu marido e resolvi aceitar esse desafio”.

Após a matrícula, a avisaram que a aula inaugural seria realizada em Novembro de 2012, ao que ela se desesperou, pois inicialmente as aulas só teriam início em janeiro de 2013.“Eu queria estudar, mas ao mesmo tempo tinha medo, minha realidade era outra, já estava com 42 anos e nunca tinha gostado de matemática, como ia estudar isso agora?”, eram muitas perguntas para si mesma. Tinha medo de começar e não conseguir continuar.

“Felizmente tive o apoio do meu esposo e da minha família e enfrentei o desafio, foram 4 anos sem férias, porque estudava em período integral durante os meses de Janeiro e Julho e durante os outros meses do ano os professores iam até Cunha para apresentarmos trabalhos e pegar novas propostas de pesquisa”, diz.

Ela fica emocionada e algumas lágrimas escapam ao relembrar os desafios para concluir a faculdade, o medo de não dar conta, o cansaço físico e mental.

Em 2017, vinte e seis anos após a abertura do ensino fundamental no bairro da Bocaina, aconteceu a colação de grau e aos 47 anos de idade se formou professora, como os muitos que a ajudaram a persistir na vida acadêmica.

Primeira vez...

v

como

oluntário Por Juliandra Ribeiro

“Ser voluntário é um ato de amor”

Quem nunca ouviu essa frase?

Trabalhar com voluntariado é mais do que isso, envolve empatia, ciência e sensibilidade.

A

palavra voluntário, segundo o dicionário online, expressa aquilo que não é forçado, que só depende da vontade; espontâneo. O voluntariado ou simplesmente trabalho voluntário, se empenha em promover ações de interesse social e comunitário. Parece até mesmo um ideal bíblico: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (João 13:34).

No entanto, tal ação, embora nobre, passa desapercebida muitas das vezes. Isso porque olhar para o próprio umbigo é melhor do que estender a mão para quem está no caído ao chão. Será isso verdade?

“Para mim, empatia é se colocar no lugar do outro. É buscar agir com as pessoas do mesmo modo que gostaríamos que agissem conosco. E o teatro é um dos lugares em que mais se trabalha essa questão, conhecer o potencial e valorizar o outro”, explica o ator e professor de teatro, Rodolfo Oliveira.

Foi em 2016, em parceira com a Fatec (Faculdade de Tecnologia de Cruzeiro), que Rodolfo vislumbrou um projeto que hoje que se tornou um divisor de águas na vida de muitos jovens, a OTEFAC (Oficina de Teatro da Fatec de Cruzeiro).

O professor, que leciona de forma voluntária, explica que na primeira edição o curso de teatro era oferecido apenas aos alunos da Fatec, e que mais tarde passou a ser aberto para ao público.

“Procuro trabalhar nos alunos a valorização daquilo que eles têm de melhor, fazer com que acreditem que são capazes de criar personagens. Desse modo, aprendem a trabalhar em equipe, a lidar com a timidez, a ter desenvoltura e respeito pelo próximo”, diz.

Além disso, ele lembra com carinho de quando criou e dirigiu

uma peça em prol de um evento feito pelo Asilo São Vicente de Paulo, na cidade de Cruzeiro. A partir dali, nasceu à vontade de continuar a produzir, dirigir e dar aulas de forma voluntária.

“Eu gostaria de deixar o legado de que deve se acreditar nos sonhos sempre, pois tudo o que estou vivendo foi sonhado nos anos 2000”, diz. Rodolfo explica que desde criança sabia que queria ser ator, e em 2004 decidiu se mudar para São Paulo para poder tirar a DRT (Documento de Registro Técnico).

Já faz quase quatro anos que a OTEFAC foi criada, e os frutos desse projeto estão depositamos na melhora da autoestima dos alunos, que buscam nos sonhos a esperança de um futuro melhor.

Um estudo publicado pelo jornal científico Psychosomatic Medicine: Journal of Biobehavioral Medicine, mostra que ajudar pessoas traz benefícios tanto para a saúde física quanto mental.

Nessa pesquisa, os participantes foram submetidos a duas etapas, as quais consistiam em ajudar pessoas próximas e necessitadas, fazer doações para a caridade ou realizar ações em benefícios próprios.

Logo após isso, os voluntários passaram por um scanner de ressonância magnética funcional, que buscou avaliar as áreas específicas do cérebro que foram ativadas por essas ações.

Foi constatado um aumento na ativação da área septal (uma região central ligada ao cuidado parental em animais, ou seja, como as diferentes espécies cuidam de seus filhotes). Do mesmo modo, percebeu-se uma redução nas atividades da amígdala, que tem como relação à produção de uma resposta diante a um sentimento de medo e estresse.

Pensando nisto, os resultados destacam os benefícios exclusivos de dar suporte direcionado (ajudar as pessoas) e mostra como as vias neurais podem auxiliar a saúde.

Segundo o PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), o voluntariado pode ser definido quando uma pessoa exerce um tipo de trabalho sem nenhuma remuneração em dinheiro ou benefícios, com o objetivo de produzir bens ou serviços para terceiros, isto é, pessoas não moradoras do domicílio e não parentes.

De acordo com a pesquisa Outras Formas de Trabalho, da PNAD Contínua, em 2017 o trabalho voluntário era realizado por 4,4% da população, enquanto em 2018 passou para 4,3%. A amostra contou com pessoas de 14 a 50 anos ou mais, e analisou os grupos que participavam das atividades de voluntariado, a frequência com que faziam e a média de horas.

Os resultados mostraram que o desempenho era maior em mulheres e entre pessoas ocupadas.

A aposentada Marilza Ferrari, com um olhar sereno e tímido, diz que mensalmente monta em torno de 80 cachorros-quentes para serem distribuídos aos moradores de rua da cidade de Cruzeiro. “Faço parte da Igreja Paroquial da Imaculada Conceição, que juntamente com outras igrejas da cidade, realizam um trabalho de distribuição de lanches para os mendigos e pessoas necessitadas. O trabalho é feito de segunda a sexta, e uma vez por mês eu me comprometo a montar os cachorros-quentes. Já faz quase um ano que comecei a fazer isso”, explica.

Ela revela que já trabalhou em escola pública e cozinhava para mais de duzentos alunos, e isso fez com que ganhasse experiência. “Tudo que faço é com muito carinho, tento sempre pensar no próximo”, diz. Após ter se aposentado esse ano, Marilza confessa que pensa em ser mais ativa no trabalho voluntário e que até mesmo pegou uma ficha em uma instituição para se inscrever.

Além disso, conta que já ajudou muita gente que a parou na rua e se sensibiliza com cada história, pois quando criança a família também já passou por muitas dificuldades. “Um fato que me marcou foi quando uma mãe, ao lado de sua filha, estava desesperada na rua, segurando uma conta de luz. Dei todo o dinheiro que tinha. Quando tenho eu dou, mas quando não, fico triste, pois realmente gostaria de ajudar”, encerra.

Por fim, para ser voluntário não precisa de algo grandioso, pequenos gestos cotidianos podem mudar a vida de muitos. Afinal, o segredo não está na quantidade de tempo que se realiza o trabalho voluntário, mas na qualidade que se dedica para transformar o mundo de cada pessoa. É como diz o escritor francês e autor de obras como O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry, “a verdadeira solidariedade começa onde não se espera nada em troca.

O ator e professor Rodolfo Oliveira durante uma apresentação de teatro

Foto : Imagine Fotografia

A

Primeira vez...

de uma

CARONA

Por Ana Lívia Gonçalves

Foto: Guilherme Ferreira

pós várias tentativas, respostas diretas, olhares muito desviados durante toda entrevista, poucas reações e incômodos frequentes em todas as perguntas, foi possível uma conversa e um entendimento maior sobre a rotina de um militar que trabalha fora da cidade em que mora.

Soldado do corpo de bombeiro em Jacareí, Domingos Sávio Ferreira Gonçalves, morador da cidade Lorena, interior de SP, aos 23 anos de idade enfrentou o desconhecido nas estradas: a primeira carona para ir trabalhar.

Com um frio na barriga, um medo e muito insegurança foi como ficou na beira da Dutra esperando a parada de algum carro que fosse atender seu pedido de carona. Piscando a lanterna e vendo muitos ônibus e caminhões passarem direto, começou a pensar que talvez aquela não fosse a melhor saída para ir trabalhar, em meio aos pensamentos um ônibus encostou e o levou.

Cabisbaixo e com a voz tremula relatou que os pais nunca apoiaram essa ideia de trabalhar fora e depender de caronas para ir e voltar. Sempre sonharam com um filho militar, mas que não precisasse enfrentar essa realidade, Domingos acrescenta que não se escolhe a cidade, apenas é preciso cumprir as ordens.

“Eu não me sinto seguro tendo que fazer isso, mas é a forma mais econômica”, há 24 anos vive essa experiência e relata com um sorriso no rosto que nunca sofreu nenhum mal, nunca foi assaltado e todas as pessoas o trataram bem.

O fato de estar fardado causa medo e por vezes impede de receber caronas, as pessoas não acreditam que pode ser um militar de verdade, pensam que é só uma forma de disfarçar um assalto ou aproveitar da bondade de alguns.

Nesse tempo de caminhada acabou construindo amizades e deixando marcas por onde entrou, se tornou conhecido e as pessoas param sem medo, pois já sabem que é uma pessoa de confiança e depende daquilo para chegar ao serviço e ajudar outros.

No batalhão que trabalha existem 24 pessoas prestando serviço e dessas menos

da metade dependem de caronas, apenas 10 tem o desafio de a cada dois dias passarem pela dúvida de quem será a carona da vez. A rotina é intensa, cada minuto precisa ser bem calculado para chegar a tempo no serviço.

Domingos se levanta às 4 da manhã para tomar banho, se alimentar e vestir a farda. Caminha até a Dutra e fica no ponto, que é estratégico para facilitar a parada dos veículos. Até umas 4:40min precisa já ter conseguido a carona para chegar antes das 7 horas em Jacareí e pegar o ônibus na entrada da cidade que o deixa próximo ao batalhão.

Na hora de voltar para casa o desafio continua, a única diferença é que está claro e não se usa mais lanterna, apenas o dedo para apontar que precisa de uma carona. Nem sempre consegue uma que o leve direto para cidade, às vezes precisa pegar mais de uma e isso acaba fazendo com que a demora para chegar no destinos seja maior.

Vencendo sempre esses desafios e se esforçando para crescer dentro dessa área militar, se preciso for passa dias fora de casa, deixa a família e vai ajudar aqueles quenecessitam de seu serviço.

Com um olhar sendo desviado, uma voz mais baixa, Domingos conta que o pai era uma pessoa que sempre sonhou em ir à formatura de sargento, prestigiar essa conquista, mas faleceu um mês antes do ciclo se encerrar e chegar a colação.

Decidiu dedicar cada esforço, e até mesmo a falta de vontade de continuar depois, ao pai que deve estar muito feliz e não gostaria de vê-lo triste.

Marcas na Estrada Na hora de voltar para casa o desafio continua, a única diferença é que está claro e não se usa mais lanterna, apenas o dedo para apontar que precisa de uma carona. Nem sempre consegue uma que o leve direto para cidade, às vezes precisa pegar mais de uma e isso acaba fazendo com que a demora para chegar no destinos seja maior.

Em meio aos desafios, momentos tristes e marcantes, fatos engraçados acontecem e marcam a vida, Domingos relata que certo dia resolveu se acomodar no ônibus e acabou dormindo, o motorista passou pela cidade de Jacareí e o levou junto, quando acordou já era tarde, estava próximo a São Paulo, teve que voltar todo o caminho e acabou se atrasando para o serviço.

Outra vez apertou o botão de sinalizar a descida, mas não estava funcionando, já teve vez que passou do ponto e depois de muito tempo conseguiu contato com o motorista, pois a porta que da acesso a ele estava trancada, a consequência foi a mesma, precisou voltar todo o caminho e chegou atrasado.

Já trocou pneu de caminhão junto com o motorista, já teve que aguentar cheiro de cigarro em um caminhão fechado, já parou em pontos que os caminhoneiros pegam carga e ficou horas esperando o caminhão ser carregado. Hoje ele conta rindo, mas na hora o sentimento era de raiva, pois queria muito chegar em casa ou tinha medo de se atrasar para o serviço e ser punido.

Além disso, ele relata a importância de perguntar aos motoristas para qual cidade estão indo ou já cumprimentar informando qual seu destino, pois ajuda a saber se é uma carona que vale a pena pegar ou só vai atrasar a viagem, nem sempre da para ficar escolhendo muito, mas as vezes é preferível esperar por alguma que te deixe o mais próximo possível do seu destino.

Os cuidados são sempre os mesmos, conversar com o motorista, principalmente se for um caminhoneiro, para evitar que ele durma enquanto dirige, estar atento ao horário, se for de ônibus

Na mochila é só o necessário, tudo que for possível deixar no batalhão ajuda para não fazer com que se carregue muito peso e canse com mais facilidade, pois as vezes o tempo de espera é longo e a caminhada também pode ser. “Eu fui aprender isso depois de muitos anos, portanto carreguei pesos desnecessários e ganhei uma coluna bem ruim”, relata o Sargento, rindo por ter demorado a compreender isso.

Hoje ele ensina os companheiros mais novos a como sobreviver nas estradas, o que deve ser feito, como se sentir seguro e em dias de sol ou de chuva cumpre com a rotina, dependendo de caronas.

Primeira vez...

Da minha Chegada à Iluminada

São Paulo Por Amanda Cruz

Ilustração: Áthina Sousa

M

udar do Sul para a região Sudeste não era um sonho, como de muitos brasileiros que vivem no Nordeste com a ilusão e atração de morar em uma metrópole como São Paulo, por exemplo. Para Geraldo Padilha Gai, sair de casa foi um acaso e a situação muito menos passava pela cabeça do carreteiro.

Porém, por questão de trabalho, São Paulo tem maiores oportunidades, o que fez pesar na decisão do trabalhador.

Segundo estudo da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do Rio Grande do Sul (Seplag), o estado possui déficit migratório. Somente em 2018, ocorreu diminuição de 0,12% da população.

O portal do governo informa ainda que: “Um aspecto que se destaca no trabalho elaborado pelo pesquisador Pedro Zuanazzi, do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Seplag, mostra que em oito anos (2010–2018) o RS é o que mais perdeu participação perante a população brasileira na comparação com os demais Estados do Sul e Sudeste. Passou de 5,6% em 2010, para 5,4% no ano passado, dois décimos que representam 347 mil pessoas.”

Assim, como parte da estatística gaúcha, Geraldo nos recém completados 43 anos, está em São Paulo há pouco mais de 16 anos. Sempre bem humorado com a profissão que “enche a boca” para falar que gosta. Atualmente, é funcionário de uma transportadora de cargas em Lorena, no interior de São Paulo. Mora na mesma cidade, mas não é um local fixo. O motorista contou que já está há quase 20 dias sem passar na cidade da empresa.

Os ventos ainda não o trouxeram de volta, as estradas do Brasil são a verdadeira residência. Por longos períodos fora, é quase impossível encontra-lo na cidade do Vale do Paraíba.

Já tive a oportunidade de conhecê-lo, mas para a entrevista naquele momento, não consegui.

Foram longos bate-papos por WhatsApp, todos em áudio. No perigo e contra as regras, conversava dirigindo. O motorista não para. Esteve na Bahia no fim de semana e naquele momento em plena segunda-feira, já estava descarregando em Bebedouro na grande São Paulo e depois seguiria para São José do Rio Preto, cidade do mesmo estado.

Natural de Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul, morava com os pais e dois irmãos mais novos. Na maioridade ingressou no Exército e foi lá que descobriu a paixão por dirigir caminhões. Tornou-se motorista do quartel e mecânico, exercendo a atividade por seis anos. Logo depois, um primo comprou uma carreta e o convidou para acompanhar nas viagens e aprender a trabalhar com transporte de cargas.

Nesta época um dos momentos mais marcantes aconteceu na vida do motorista, antes da decisão da mãe mudar para BalneárioCamboriú, Santa Catarina. Questionei sobre o motivo da mudança, e pensativo relembrou com detalhes: “Daí eu comecei a viajar. A mãe estava trabalhando lá, ruim de emprego...O pai não trabalhava por que teve derrame depois. E morreu meu irmão do meio, Rodrigo...

Ele morreu com 23 anos, dormindo dentro de casa...”. Com longas pausas, a voz mudou e se tornou trêmula ao continuar o relato: “...A mãe já trabalhava em Balneário (acho). Tinha uma amiga de Cruz Alta que trabalha lá, daí ela foi e começou a trabalhar. Com a morte do Rodrigo, resolveu todo mundo mudar: ela, o pai e o Leandro (irmão mais novo). Vendemos a casa que tínhamos lá...”.

Por fim, parou e terminou emocionado parecendo ter segurado o choro e com um forte aspiro no nariz terminou: “... E vieram morar ali.”

“O resgate do passado

derrubou o motorista, que não é muito alto - apenas 1,76m, mas é grande e forte no estilo “plus size”.

Para ser um carreteiro o que não deve faltar é domínio para manobrar o volante e conduzir o câmbio de seis marchas”

Entretanto, a direção nos acontecimentos da vida, só Deus para dar forças para continuar a guiar. Apesar da perda do irmão e do pai, algum tempo depois e a ida da mãe e do irmão mais novo para Santa Catarina. Continuou na estrada com o primo e conta sorridente da história da primeira viagem. Inexperiente na época se diverte com a lembrança da situação: “Logo na primeira vez que viajei, nós ‘carreguemos’ de Cruz Alta para Belo Horizonte com aquele “volvinho” dele...Nossa, que sofrimento!

Depois para Brasília e Teófilo Otoni com milho.

Meu Deus do céu! (risos). Carreta com duas ou três rodas isoladas e sem freio...Nossa Senhora!

O caminhão esquentava dentro...Meu Deus do céu!”

“E aquela coisa...Tudo novo, novidade, lugar novo...”. Recorda da chegada à região. “A primeira vez que vim a São Paulo, vi alí a Dutra... Todo aquele mundo de luz. Cheio de luz de cidade grande”. Ao perguntar sobre o que pensou ao avistar a cidade, com ironia respondeu: “O que eu ‘tô’ fazendo aqui? O que eu vim fazer nesse lugar?” E se explicou assustado com dúvida que a resposta causou: “Gostei sim do que vi, mas é novidade que eu não era acostumado!”.

Geraldo sempre foi educado com as pessoas, tranquilo e sorridente com todos. No tempo em que passei com o motorista, observei a lealdade com os amigos carreteiros e muito justo em diversas situações. Ao sentar, cruza sempre os braços e conversa com serenidade.

Nenhum assunto passa sem tirar os sorrisos dos outros ao contar histórias das estradas. Ao falar sobre problemas, não dá muita importância, evita discussões e dá um jeito da conversa mudar rapidamente.

Nessa área, ter um grande círculo de amizades é muito comum. Luciene Santos é esposa de outro motorista, Marcelo Ewerling, amigo do Geraldo e eles já fizeram muitas viagens em comboio. Disse ela agradecida que “Babuja”, como é conhecido entre eles, é uma pessoa muito boa e que por diversas vezes já foram socorridos pelo carreteiro na estrada. Luciene é baiana e Marcelo é gaúcho, mas de São Leopoldo no Rio Grande de Sul e, assim como o amigo, veio para São Paulo e por aqui ficou.

Na rotina, acorda muito cedo para estar no cliente na hora certa. Até quando não trabalha, levanta com os pássaros. O chimarrão é sua companhia diária como costume da tradição gaúcha. Carrega balançando o “porta-chimarrão” com a cuia e a garrafa térmica com água quente.

Assim, divide carinhosamente com a pessoa que estiver próxima. Ao me oferecer uma vez, recusei por não gostar e disse caçoando do motorista: “Sou filha de pernambucanos.

Amamos cuscuz e chá de mate não é para nós!”.

O motorista respondeu com deboche e rindo: “Aaah, tá bom!”

“Babuja” está dividido entre Sul e Sudeste, mas não pretende voltar para casa no momento.

“ E aquela coisa...

Tudo novo, lugar novo...

A primeira vez que vim a São Paulo, vi alí a Dutra...

Todo aquele mundo de luz.

Cheio de luz de cidade grande”

Não era um sonho, mas o vislumbre pela grande cidade ainda não acabou e sem previsão de encerramento já que construiu a vida na região paulista. Viaja sempre sozinho, pois é separado. Já tem filhos de dois relacionamentos anteriores e se dá muito bem com eles. Embora, os tumultos do trabalho e a distância, a família vive em constante contato pelas facilidades tecnológicas. Quando há oportunidade, o motorista retorna para vê-los.

Ele é conhecedor de quase todo o Brasil.

Tive ainda a curiosidade por fim, em saber se ele teria algum destino favorito. “Ah, eu não tenho nenhuma viagem preferida. Qualquer canto que eu vou, gosto de ir. Preferido é lá para baixo, para a casa da mãe quando vou para lá.

Mas, não tem essa de gosto de ir ‘para tal lado’...

Eu gosto e eu vou para aonde o vento soprar!”, respondeu com bom humor.

U

Primeira vez...

RIO de JANEIRO Por Àthina Sousa

“

Morando apenas há 240 km do Rio de Janeiro, nunca tinha ido à cidade maravilhosa. Como toda paulista de interior, Milena ficou com receio de ir para a cidade grande por causa de toda a violência que os noticiários relatam, porém não desistiu, era uma chance de ver de perto uma copa do mundo e vários atletas renomados”

ma das cidades mais conhecidas do Brasil, um dos pontos turísticos mais procurados pelos estrangeiros, o carnaval mais falado do mundo, inspiração para várias letras de músicas são alguns dos atributos dado ao Rio de Janeiro.

A cidade do maracanã, sede da copa do mundo em 2016, com belas praias, fez com que Milena dos Santos, 38, pósgraduada em fisiologia do exercício e prescrição do treinamento, se escrevesse para trabalhar nas olimpíadas do Rio.

Morando apenas há 240 km do Rio de Janeiro, nunca tinha ido à cidade maravilhosa.

Como toda paulista de interior Milena ficou com receio de ir, para a cidade grande por causa de toda a violência que os noticiários relatam, porém ela não desistiu, era uma chance de ver de perto uma copa do mundo e vários atletas renomados.

‘‘Saí de Lorena e peguei o ônibus para o Rio, estava nervosa não conseguia falar com meu ex-namorado, eu ia ficar na casa dele, ao meu lado sentou uma senhora de saia me lembro bem de sua roupa’’, conta. Quando lembra, ela sorri e se ajeita no sofá, e explica com riquezas de detalhes a roupa da senhora: saia cinza, e um conjunto de blusa e casaquinho xadrez, no mesmo tom da saia. “Sou muito curiosa e virei para a senhora e perguntei se ela era evangélica, não percebi o enorme crucifixo de metal em seu pescoço’’, ri novamente.

Durante a viagem até o Rio Milena descobriu que a senhora, era uma freira, a irmã Terezinha, não se lembra de qual

Legenda

Foto: Amanda Almeida

congregação, e como quase todo viajante contou para a irmã a história de vida. Contou que estava indo para Rio de Janeiro pela primeira vez, para o treinamento da Copa, mas o receio estava na falta de contato com o seu ex-namorado e não sabia onde iria ficar durante o treinamento.

“Quando contei pra freira que não tinha onde ficar, ela virou pra mim e falou que iria me ajudar, não levei a sério. Mas, tenho fé e antes de entrar no ônibus tinha entregado a viagem nas mãos de Deus’’. Minha entrevistada ficou com o olhar longe e mostrou os pelos dos braços arrepiados ao contar a história.

Ao chegar a rodoviária freira falou que tinha arrumado um lugar para Milena ficar, ela ficou feliz e ao mesmo tempo com medo de ser alguma emboscada.

Na sua cabeça só passava o tráfico de pessoas ou de órgãos, ela sempre via esse tipo de reportagem nos noticiários.

“Fui com a irmã, mas mandei mensagem rápida para uma amiga e contei o que estava se passando, nesse momento pensava no meu filho pequeno que tinha deixado em casa’’, conclui um pouco agitada.

Milena seguiu a senhora até um ponto de táxi, que a levou pra um local desconhecido. Durante todo o percurso se comunicou com a amiga, todo local que se passava informava um ponto de referência.

“Parecia história de filme, quando o táxi parou eu vi um prédio grande e uma igreja, me acalmei um pouco. A irmã não deixou dividir a corrida do táxi com ela e pagou só.

Ao entrar no prédio e me deparar com um hospital tive certeza que ia perder um rim’’, diz rindo, e lembrasse que contou mentalmente quais órgãos do corpo poderia viver sem.

Dentro do hospital conheceu outras freiras que a levaram para um quarto onde as irmãs dormiam e ela iria ficar e logo depois para comer algo, porque a irmã Terezinha que lhe ofereceu abrigou tinha que ir embora pois estava só de passagem. Milena conta que o hospital era muito chique, ela foi levada para um restaurante dentro do

próprio local, porém ficou com medo de comer e ter que pagar, porque tudo parecia caro. Segundo ela cometeu mais uma gafe perguntando se aquele hospital era público, “perguntei a irmã que estava comigo se aquele refeitório era de todos, e ela falou que era só dos médicos, e brincou:‘você realmente não tem noção de onde está?’

Eu na tinha mesmo’’, Milena faz algumas expressões faciais engraças ao contar essa parte.

Ela não fazia idéia que estava hospeda em um hospital particular, na Casa de Saúde São José, localizada no bairro Humaitá em Botafogo, é uma das instituições de saúde mais antigas da cidade, e um dos hospitais mais renomados do país.

‘’Não tive a oportunidade de agradecer a freira que me convidou para pousar lá, mas agradeci pelo acolhimento das irmãs, e fui embora antes do previsto, iria passar duas noites, porém fui embora antes, fiquei com vergonha’’, segundo Milena era tudo muito calmo, ela sendo uma pessoa extrovertida e comunicativa, achou que estava incomodando.

Só depois de um tempo ela percebeu o perigo que correu ao aceitar carona e pouso de uma pessoa desconhecida, hoje ela não faria novamente, mas conta que naquele dia estava tão feliz por conseguir participar da copa do mundo que não pensou no perigo que poderia está correndo.

O número de desaparecidos no Brasil aumenta a cada ano, segundo dados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), cerca de 400 pessoas desaparecem por mês na capital do Estado do Rio. Grande parte dos desaparecimentos são registrados nos municípios da Baixada, em média por dia são registrados 15 desaparecimentos.

Além disso, à Secretária Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSODH) divulgou que de janeiro a agosto de 2019, só na capital do Rio, a Delegacia de Descobertas e Paradeiros (DDPA) registrou 1.427 pessoas desaparecidas.

Primeira vez... de um

PRECONCEITO Por Daisyane Rodrigues

“

O seu primeiro dia de aula na escola se tornou uma lembrança triste, com os olhos lacrimejados ela conta, que as meninas não queriam brincar, por ela ser ‘diferente’, era a única negra na sala”.

Foto: Regiane Santos

A

primeira vez que Maria Lúcia Ferreira sofreu preconceito ficou marcado em sua memória. O seu primeiro dia de aula na escola se tornou uma lembrança triste, com os olhos lacrimejados conta que as meninas não queriam brincar, por ela ser “diferente”, era a única negra na sala. Na adolescência as coisas não mudaram, sendo que, no ensino médio vieram os apelidos maldosos por causa da cor da pele e o cabelo encaracolado.

Após alguns anos, na sua nova fase, recém-formada em Marketing, outro acontecimento, “Uma vez no meu local de trabalho aconteceu uma situação desagradável, onde eu falava constantemente com uma pessoa por telefone, e a tal sempre elogiava meu trabalho. Um dia essa cliente foi visitar a empresa e eu a atendi. De inicio já percebi que ela não queria ser recepcionada por mim. A visitante pediu para chamar a Maria Lúcia e falei que era eu. Ela não acreditou e me falou assim: Pensei que você fosse alta, loira e bonita. Questionei, perguntando o porquê de achar isso, ela me respondeu que eu era educada demais pra ter a minha aparência”. Maria Lúcia conta que conseguiu lidar com a situação, mesmo estando em uma recepção com várias pessoas que presenciaram tal atitude.

“Para os negros as coisas são mais difíceis, existe uma necessidade de se provar melhor do que o outro, todos os dias, para conseguirmos sobreviver nessa sociedade”, diz Maria após se emocionar ao lembrar-se dos acontecimentos citados.

Com uma família intei-

ramente negra, ela enfatiza que existem muitas dificuldades para as pessoas negras na sociedade brasileira. “Somos uma maioria em um país onde existe uma classe pequena, mas dominante de pessoas brancas que ditam as regras”, diz Maria. Com uma visão positiva do futuro, ela pensou que o racismo contra os negros teria fim.

Hoje, casada e com um filho de 8 anos, o Claudemir, ela percebe que o racismo ainda existe. O pequeno está no 3º ano do ensino fundamental e sofre por não ter muitos amigos.

Maria conta com um olhar de tristeza e com uma voz de choro que o filho chegou da escola e a perguntou por que só tem uma amiga, se isso acontece por sua cor de pele ser diferente das outras crianças.

Quando uma mulher se torna mãe, sonha que seu filho tenha uma vida boa, longa, com amigos, família, cercado de pessoas de bem e ao ouvir aquelas palavras, Maria revela que começou a chorar e disse “filho, não tem nada de errado com a cor da sua pele e não tem problema ter só uma amiga, se a sua amizade for verdadeira”.

Tais atitudes exercidas pela sociedade passam despercebidas, como isolar uma criança por causa da sua cor da pele, não aceitar ser recepcionada por uma pessoa que se graduou para prestar determinados serviços por ser negra e usar expressões que são carregadas de racismo, percebe-se que pouco é feito para acabar com a discriminação racial. Maria Lúcia diz que ao ver seu filho sofrer racismo, ela sofre em dobro e espera que

as coisas mudem e que o preconceito no geral acabe e que a sociedade aprenda a viver com as diferenças para que seu filho possa ter um futuro sem discriminação e com oportunidades como qualquer outra pessoa.

O racismo é crime e qualquer tipo de preconceito baseado na ideia da existência de superioridade de raça, manifestações de ódio, aversão e discriminação de pessoa ou grupo está qualificada por Lei, passível de punição como violação dos Direitos Humanos.

Discriminação refere-se ao ato de fazer uma distinção.

Racismo é um caso particular de discriminação em que o indivíduo, pelas características físicas que determinam sua raça, pode sofrer tratamentos diferenciados de modo negativo que interferem em suas oportunidades sociais e econômicas, ou o colocam como alvo de segregação.

Qualquer pensamento ou atitude de separação por raça é classificado como racismo.

Primeira vez...

Caminhando até

Aparecida Por Carla Zanon

Foto: Áthina Sousa

Pessoas de longe ou de perto, vão ao Santuário Nacional.

Primeira, segunda ou terceira visita, não importa, todos querem viver uma experiência de fé e gratidão.

U

ma primeira experiência vivida, seja ela positiva ou não, deixa marcas, reflexões, sensações únicas que é possível antecipar ou prever. Que podem trazer metas, desafios e anseios, e deixam questões: se vale a pena viver novamente essa primeira vez?

Ao percorrer 35 quilômetros de asfalto, oito horas de uma longa caminhada, Juliana Rosa Silva foi à pé para a cidade de Aparecida, interior de São Paulo. O relato de uma jovem de 22 anos que mora em Lorena, município vizinho e próximo à capital da fé, teve uma experiência marcante na ida ao Santuário Nacional.

A primeira vez foi no ano de 2014, saiu da cidade de Pindamonhangaba, com cerca 164 mil habitantes, rumo ao santuário nacional, trilhou uma longa jornada que causou um cansaço físico, pés machucados, pernas doloridas, e um olhar de quem já pensava, que no próximo ano, não iria repetir a caminhada.

“Eu disse para mim mesma, que nunca mais iria e que iria demostrar meu amor por Nossa Senhora de outras maneiras,” afirma Juliana. No ano de 2015, ainda no cursinho prévestibular, sabia que precisava passar em uma universidade que fosse pública, pois os pais não tinham dinheiro para bancar os estudos. Com a chegada dos vestibulares uma tia que tinha guardado dinheiro para os estudos da filha, que faleceu, se ofereceu para pagar o vestibular para Juliana.

Primeira parte resolvida, decidiu fazer promessas para Nossa Senhora, promessas essas

que não eram difíceis de se cumprir como ela relata, mas o anseio era grande: passar em uma universidade.. Quando foi para a segunda fase de dois vestibulares, compreendeu que Nossa Senhora já estava realizando o pedido tão esperado, de passar em uma faculdade pública.

Ela logo percebeu que não estava dando o melhor para aquilo e então novamente “falou” com Nossa Senhora em uma simples oração, e pediu que ela intercedesse pela segunda fase do vestibular, cumprindo assim, aquilo que disse que nunca mais faria: ir à pé para o Santuário Nacional.

Ela conta que fez uma oferta a mãe Aparecida, “eu iria oferecer a ela aquilo que tinha decidido que, devido ao cansaço físico, nunca mais ofereceria, ir mais uma vez pra Aparecida a pé.”

Foi no final da primavera de 2015, Juliana retornou para umas de suas promessas que não pensava em voltar atrás, mas agora dessa vez, teria um novo propósito, seu coração estava em gratidão por ter recebido a graça da virgem Maria de passar em uma faculdade pública, “era como se eu pudesse de um jeito justo e pautado na fé, retribuir a ela todo cuidado e zelo que teve por mim naquele ano difícil”, conta com um sorriso largo e com expressões de quem não havia se arrependido em ter feito a segunda experiência à pé até o Santuário Nacional.

Pessoas pagam promessas todo ano para Nossa Senhora Aparecida, o santuário recebe cerca de 12 milhões de peregrinos por ano, e Juliana faz parte desse número de pessoas que peregrinam aos arredores da basílica.

Quando se aproxima a data da festa da padroeira do Brasil, muita gente começa a percorrer a longa, ou curta, jornada até os pés da imagem negra da padroeira do Brasil. Juliana superou suas dificuldades físicas, e seguiu firme no propósito até os dias de hoje.

“Agora eu vou sempre, tento ir pelo menos uma vez pra Aparecida a pé, seja de Pindamonhangaba, de Lorena, de onde for e de onde der! Porque eu entendi que pra pagar tudo o que Nossa Senhora fez e faz pra mim, teria que andar o oceano Atlântico inteiro, mas enquanto isso não é possível, vou fazendo o que é possível pra mim.”

A primeira vez para Juliana não foi a primeira, pois ela não teve nenhum propósito firme e concreto para ir até Aparecida. Por isso, considera a sua primeira vez, a segunda ida ao Santuário Nacional, pois nessa decisão de repetir aquilo que já havia feito, viu que agradeceria a mãe Aparecida por já estar ajudando no processo seletivo que almejava passar, até que para ela, não foi tão ruim experimentar algo que já havia feito, mas que agora tinha um novo propósito.

As marcas desta experiência, levou Juliana a olhar para a sua história de vida de forma diferente, pois aquilo que marcou de forma negativa, se viu repetindo no ano seguinte, mas com novos propósitos, novos horizontes, para embarcar a nova jornada, rumo ao Santuário Nacional, em agradecimento à mãe Aparecida, pelas graças alcançadas.