O Berro Edição 2022.1

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Grafitti na rua do sossego. Fonte_ @cajuartsfitti

OSemana de arte alterna

PUBLICAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNICAP • EDIÇÃO 2022.1
BERRO

Índice

INDEPENDÊNCIA

Educação financeira para jovens

DEMOCRACIA

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O artista sobrevive: os descasos que impedem o ganho dos músicos recifenses

Situação econômica do Brasil: Como anda a empregabilidade no país

MODERNIDADE

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O desafio da criatividade na produção cultural e o papel do algoritmo

O preço da modernidade

Semana da arte alterna

Sexta-feira, 06 de maio Ipanema, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

Catar: O outro lado do anfitrião

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NA
O
Modernidade O DESAFIO DA CRIATIVIDADE
PRODUÇÃO CULTURAL E
PAPEL DO ALGORITMO
KEVIN SPACEY E ROBIN WRIGHT INTERPRETAM FRANK E CARRIE UNDERWOOD EM “HOUSE OF CARDS”. FOTO: DIVULGAÇÃO/NETFLIX

VICTOR PEIXOTO

Influência do público é cada vez mais direta com chegada da tecnologia de dados

A arte, dentre tantos outros adjetivos que possam lhe caber, é também uma forma de comunicação, uma expressão do autor para o público, e que, portanto, se sustenta não apenas pela sua criação, mas pela sua percepção e absorção de quem a consome.

E, numa lógica capitalista de produção, essa relação faz ainda mais sentido, dado que oferta e demanda formam a base das relações mercadológicas que dominam as principais produções artísticas da atualidade, como filmes, séries e games. É aí, portanto, que o algoritmo entra na jogada.

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Antes de mais nada, é preciso entender do que se trata o algoritmo. Em matemática e ciência da computação, um algoritmo é uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema.

O problema, no caso da produção artística, é decifrar quais são as demandas do público, o que eles desejam consumir. Portanto, a partir de um filtro de dados de navegação e usabilidade, o algoritmo define quais tipos de projeto terão maior ou menor probabilidade de sucesso.

E, embora você possa duvidar, o algoritmo está muitíssimo presente na produção de filmes, games e séries, como é o caso de “House of Cards” (2013-2018), assumidamente produzida com base em informações fornecidas por algoritmos que indicavam um crescente interesse do público pelos bastidores da política norte-americana. Além disso, dados colhidos durante quase uma década também influenciaram na escolha do diretor e do elenco, uma vez que demonstravam o sucesso e aderência das obras do diretor David Fincher, que lançou o filme A Rede Social em 2010, e o alto número de interações nos perfis do ator Kevin Spacey, que interpretou o protagonista da série.

O publicitário e pesquisador de mídia e cultura, Fernando Fontanella, entende que a influência do algoritmo na produção artística é direta, mas complexa, e compara o sucesso de produções antigas reprisadas, feitas sem o recurso do algoritmo, embora, certamente, com pesquisas de mercado, com séries novas e que contam com uma base de dados quase infinita e em tempo real para sua produção.

No aspecto qualitativo da questão, Fontanella também identifica complexidade, acreditando que há um prejuízo para a criatividade ao criar fórmulas que tendem a se repetir, mas, em contrapartida, dá maior margem de segurança para os investidores, o que possibilita mais produções.

“O algoritmo acaba favorecendo tanto a criação de bolhas de conteúdo, como acaba criando uma lógica de seleção de conteúdos e formas racionalizada, extremamente determinista a partir dos dados dos usuários. Nesse sentido, eu acho que limita um pouco a criatividade, porque cria um cenário que favorece muito à ló-

gica de investir em fórmulas que já estão dando certo. Contudo, é um negócio de risco e qualquer ferramenta científica que reduz o risco estimula maior investimento. Nesse sentido, a previsibilidade do algoritmo quase se torna uma necessidade”, explica.

Como já entendemos, a arte é uma forma de comunicação entre autor e público. Mas, no caso das produções industriais como cinema, streaming e games, é, também uma relação de consumo. Não é preciso apenas “fazer”, é preciso “vender”. Neste sentido, o artista não é apenas artista, mas também um “vendedor”, o que, por vezes, pode ser algo conflitante, como explica Fontanella.

“Acho que o desafio está mesmo em entender qual o ponto de equilíbrio da autonomia desejada pelos autores e a necessidade de viabilizar comercialmente um produto cultural. Esse equilíbrio é negociado, ele se dá no próprio ato da recepção, muitas vezes. Para negociar, o autor acaba tendo que abrir mão, em alguma proporção, dessa autonomia criativa e passa a se colocar como um prestador de serviço. Claro, tem autores que não abrem mão - resta saber se eles têm público ou mecenato para sustentar essa posição, especialmente em produções culturais mais custosas financeiramente, como frequentemente é o caso do audiovisual”.

Embora o algoritmo colete uma junção absurda de dados e busque atingir o máximo de público, ele também trabalha com experiências personalizadas para cada usuário, o que implica em dizer que, diferente de uma lógica mais antiga, as produções atuais também podem ser feitas para “nichos”, e não para “massas”.

E por naturalmente já ter um alcance potencialmente limitado, tais produções são ainda mais necessitadas de dados que lhes deem segurança e diminuam a margem de erro, seja não apenas nos custos, mas no próprio conteúdo em si. Em resumo, ao passo que as produções voltadas para massa se preocupam mais com o aspecto “quantitativo”, o “On Demand” se preocupa com o “qualitativo”, embora não se possa desassociar uma coisa completamente da outra.

“Enquanto nos sistemas tradicionais, como a TV, se investia muito na audiência construída, no horário nobre, para ter o maior alcance e impacto publicitário de

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curto prazo, o “On Demand” se preocupa mais com o longo prazo, estimulando assinaturas ou pay per view. Sendo assim, para esses sistemas, a previsibilidade e a eficiência que os algoritmos oferecem é ainda mais fundamental”, explica Fontanella.

NOVO FILME DO

ARANHA” É UM EXEMPLO DA RELAÇÃO ENTRE REDES SOCIAIS E PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA. FOTO: DIVULGAÇÃO/MARVEL STUDIOS

7 Modernidade
“HOMEM

Educação financeira para jovens

ANA LUIZA DE CASTRO

Independência

Ei, conta para mim como você se vê no futuro? O que você faz para se tornar o que você deseja ser amanhã? A independência financeira faz parte dos seus sonhos para o futuro? Então chega mais perto, vamos conversar sobre educação financeira.

A independência financeira é, para muitos, o grande objetivo da vida adulta, mas você sabia que dá para começar a se educar desde cedo para adquirir independência? Quanto antes você começar a aprender sobre como lidar com o dinheiro, melhor. Mas espera, vamos começar pelo começo: O que é, afinal, independência financeira? É não depender de ninguém? Pagar as contas com tranquilidade no fim do mês ou curtir o que a vida tem a oferecer? Bom, a forma de usar o dinheiro é bem pessoal e depende das metas de cada um, no entanto se por um lado existem várias formas de ganhar e usar o dinheiro, por outro, não existe segredo: para ter uma vida equilibrada, você tem que gastar menos do que ganha ou pelo menos tem que empatar a equação ‘receita e despesa’ para não entrar no vermelho.

Você sabia que antigamente, quase toda criança tinha um cofrinho para juntar dinheiro? Minha avó dizia o dia de abrir o cofrinho era uma festa em que a família celebrava a “conquista” da criança. Vovó achava que juntar dinheiro era uma espécie de treinamento para a vida porque desenvolve a resiliência, o foco, a gratidão e valores.

Ensinar a lidar com o dinheiro era uma tarefa dos pais, uma vez que é uma habilidade como qualquer outra que precisa ser desenvolvida. A psicóloga Luciana Castro, que lida principalmente com adolescentes, explica “Atualmente grande parte dos jovens se acostumou a ter seus desejos satisfeitos imediatamente e não por mérito ou esforço próprio, simplesmente para não ficarem “complexados” em relação aos amigos. Por mais que pais possam pensar que isto é uma forma de carinho, na verdade isso acaba ajudando a formar um jovem adulto despreparado.”

Hoje as despesas familiares raramente são discutidas em casa. E na sua família, como se fala de dinheiro, aliás, se fala de dinheiro? Vocês discutem sobre as prioridades, sobre as escolhas que cabem no orçamento ou em assunto vai para de-

O QUE É INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA?

baixo do tapete? As vezes o comportamento da família faz toda a diferença. Vou dar um exemplo de algumas pessoas que contribuíram para o entendimento desta questão.

O casal Bruno Viana e Milena Andrade, ambos estudantes do Santa Maria, são exemplos de pontos de vistas distintos sobre dinheiro apesar da mesma idade. Bruno, de dezesseis anos, explica que “normalmente ganho uma mesada no primeiro dia do mês e acabo gastando com o que quero nos primeiros dias mesmo. Como jogo muito no computador, quase toda minha mesada vai para isso, e também gosto muito de colecionais tênis.” Milena, por sua vez, ganha menos que Bruno, porque ao contrário dele, que é filho único, é a caçula de três irmãs com idades próximas. Como sentia que sua mesada não bastava para satisfazer tudo que queria comprar, Milena se habituou a cozinhar e vender no colégio. Sua marca, Donna Brigadeiro, está começando, mas ela já fatura mensalmente mais do que o dobro de sua mesada original. “Eu uso parte da minha mesada em ingredientes e acabo vendendo o que cozinho. Como isso me ajuda a ter uma renda um pouco maior, aí sim eu tenho um pouco mais de orçamento se quero comprar alguma coisa”, explicou a estudante, que se dedica tanto ao hobby que pretende cursar gastronomia uma vez que concluir a faculdade.

Você sabia que o endividamento atinge o maior patamar dos últimos 12 anos? Sabia que afeta 76% das famílias no Brasil? Os dados da Pesquisa de Endivi-

damento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgada em março, pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), revelam que do total de endividados, 10,5% não têm como fazer nenhum tipo de pagamento ou tomar alguma iniciativa para quitar suas dívidas. O casal do exemplo anterior felizmente conseguiu estancar a sangria dos juros altos tomando um empréstimo a juros mais baixos: “Vi que o empréstimo seria mais vantajoso. Quitei o cartão, o cheque especial e estou pagando as parcelas do empréstimo”.

Segundo a educadora financeira Joice Fontes, é necessário ter metas definidas e planejamento para não ter dívidas. “Educação financeira não é apenas o controle de despesas ou ganhos em uma planilha de excel. É uma mudança de comportamento”.

Mas vamos com calma nem tudo está perdido. Diante do crescente endividamento dos brasileiros percebeu-se a necessidade de incluir a educação financeira na pauta das discussões, neste sentido a Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação implantou um projeto piloto que levou o assunto à rede pública de ensino médio dos estados do Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins e do Distrito Federal. Produziu mudanças nas vidas dos estudantes e familiares e rendeu ao Brasil ser considerado uma referência nesta modalidade de ensino conforme pode ser verificado no relatório The impact of high scho-

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“É UMA MUDANÇA DE COMPORTAMENTO”

ol financial education – experimental evidence from Brasil (O impacto da educação financeira no ensino médio – a experiência do Brasil, em tradução livre), do Banco Mundial. O projeto “trabalhou um conjunto de comportamentos para que os jovens façam escolhas mais conscientes, se preparando para um futuro mais tranquilo”. Os resultados do projeto foram reportados pelo Banco Mundial que constatou um aumento de 1% no nível de poupança dos estudantes que passaram pelo programa e o melhor é que as famílias também foram beneficiadas pela iniciativa. A conclusão do relatório aponta que jovens educados financeiramente podem contribuir para o crescimento de 1% do PIB do Brasil.

A meta da Estratégia Nacional de Educação Financeira e da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação agora é disseminar os resultados e estimular que a educação financeira seja adotada para alunos do ensino fundamental e médio.

A partir dos resultados obtidos foi criado o Enef com o propósito de divulgar as ações desenvolvidas pela Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) lançada pelo Decreto nº 7.397 do governo federal, em dezembro de 2010.

Atualmente a educação financeira, um dos temas transversais presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é voltada a conscientizar e desenvolver de comportamentos em relação à vida financeira, dando ferramentas para que o aluno possa perceber que ele pode ter uma vida melhor se planejando e organizando financeiramente. Assim construindo um país mais estruturado e próspero.

Em Pernambuco, existe o Programa Proendividados, vinculado ao Núcleo de Conciliação (Nupemec) para tratamento de situações de superendividamento de consumidores. O superendividamento caracteriza-se pela impossibilidade global do consumidor (devedor, pessoa física, leigo e de boa-fé) de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo nos respectivos vencimentos, diante de sua incapacidade financeira e econômica para fazê-lo. O consumidor enquadrado no Programa, caso tenha interesse, poderá receber assistência social e psicológica, além de orientação, através de cursos específicos, com o objetivo de auxiliá-lo na reeducação financeira.

Hoje podemos encontrar apoio extraescolar que ajudam a alcançar a desejada educação financeira. Existem cursos bons e gratuitos, livros especializados dos mais diversos temas, blogs com especialistas, podcasts, programas de tv e redes de apoio em cooperativas.

Além dos cursos, existem aplicativos criados com o objetivo de ajudar a controlar os gastos, planejar as despesas, e até jogos online para ajudar a desenvolver competências técnicas e comportamentais necessárias para lidar com o assunto. Além disso, o que mais tem hoje é dia são perfis superlegais para seguir nas redes, cheios de conteúdo fácil e muitas vezes completamente gratuito. Eu preparei uma listinha para você dos principais!

Além disso, a investidora e professora de educação financeira Joice Fontes se dispôs a conversar sobre a importância disso tudo para começo de conversa e divulgar também quais são as principais dicas que alguém que está começando a se preocupar em economizar ou investir deve seguir. Ela é especialista em público jovem e frequentemente faz cursos voltados exatamente para esta faixa etária.

E, por fim, o contador e analista financeiro Rafael Pontes é o exemplo da diferença de um planejamento que começa cedo. Rafael começou a se preocupar em guardar dinheiro no primeiro ano do ensino médio, quando ainda recebia mesada. “Comecei a me informar mais por que tinha metas e não sabia muito bem como alcançá-las. Minha mesada sempre foi baixa, mas me preocupei em poupar e investir ainda cedo e por isso, consegui alcançar meus objetivos. Por fim, na época do vestibular, a minha escolha profissional acabou sendo influenciada por isso”, afirma.

E você? Também tem alguma meta, ou sonho distante que não sabe como alcançar? Pensando nisso, a gente montou uma ferramenta: A sua própria calculadora de sonhos. Pegando emprestada a ideia do site meu bolso em dia, desenvolvemos um cálculo automático que te ajuda a descobrir quanto falta para você alcançar aquele objetivo e qual o prazo em que ele vai acontecer. Quer ir para um show, ou um videogame novo? Ou talvez viajar com seus amigos? Massa! Vamos descobrir quanto mais você precisa economizar?

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Independência

O preço da modernidade

RIBEIRO
JOÃO PAULO

O que o tamanho do Google nos diz sobre o aquecimento global?

Se por um lado a Internet facilita muitos aspectos do cotidiano, por outro, cria uma dependência nas pessoas, uma vez que muitas atividades precisam de conexão. Somando isso à ampla utilização de smartphones, percebemos que estamos conectados à Internet o tempo inteiro. Segundo análise de mercado digital da empresa App Annie, os brasileiros passaram, em média, quase cinco horas e meia por dia utilizando o celular em 2021. Mas internautas como o vestibulando Gabriel Santiago, entusiasta de jogos eletrônicos e das redes sociais, afirmam passar quase o dia inteiro online: “Se não estou nas aulas remotas do cursinho ou estudando, que toma quase todo meu dia, estou assistindo vídeos no YouTube ou jogando no computador. Parando para pensar, estou praticamente 24h conectado”, comenta.

No entanto, o que pouca gente reflete é que, para que a Internet exista, diversos cabos de fibra óptica estão espalhados e conectados pelo mundo, ligando milhões de aparelhos. Além disso, para que diversos sistemas operacionais e servidores funcionem, é preciso que essas informações sejam armazenadas e organizadas em um centro de processamento de dados, ou data centers. Um escritório com computador, ou o computador de Gabriel por exemplo, consome em média 200 quilowatts por hora. Imagine agora o quanto de energia elétrica é usada nos centros de processamentos de dados, os quais utilizam literalmente milhares de computadores.

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Modernidade ALTA PRODUÇÃO E CONSUMO DE ENERGIA TEM IMPACTO DIRETO NO AQUECIMENTO GLOBAL

Na verdade, não precisa nem imaginar, porque sabemos quanta energia é usada. De acordo com uma pesquisa feita pela empresa alemã Statista, em 2020, o Google tinha 21 data centers espalhados pelo mundo e consumiu cerca de 15,44 gigawatts por hora de energia elétrica. Ok, para quem não entende muito de unidades de medida de consumo de energia, pode nem ser possível concluir se isto é muito ou pouco, mas saca só: Segundo dados da Celpe, toda a cidade do Recife teve um consumo estimado de 4,13 gigawatts por hora em 2021. Ou seja, isso quer dizer que uma única empresa, apesar de seu tamanho e demanda, consome mais energia do que a capital pernambucana. Para ser mais exato, consome três vezes mais. De acordo com o físico nuclear, especialista na relação energia-meio ambiente, Heitor Scalambrini, um grande catalisador da produção energética é o sistema econômico predominante na atualidade, o capitalismo. Com inspiração na produção em massa de Henry Ford e expectativa de lucro, a oferta de energia é ampliada muito rapidamente. Do outro lado, existe uma demanda por essa energia. Olhando para o consumo do Google, todos os anos entre 2011 e 2020 apresentaram crescimento da utilização de energia em relação ao ano anterior, o que nos mostra que a tendência é que essas empresas utilizem cada vez mais os recursos energéticos.

Dessa forma, analisando a quantidade exorbitante de energia que cidades e empresas podem consumir, há dúvidas se a humanidade vai dar conta de suprir a demanda energética. À medida que as tecnologias avançam e se multiplicam, o consumo energético aumenta. E boa parte dessa energia é oriunda de petróleo, uma fonte de energia não renovável que está tornando o planeta Terra inabitável, por conta do aquecimento global. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o planeta pode ter aquecimento de até 1,5 graus Celsius nos próximos quatro anos, crescimento suficiente para aumentar ainda mais o degelo do Ártico, o que prejudica não só a vida marinha como também as cidades litorâneas, ou seja, o Recife. Caso esse aquecimento seja um pouco maior, é o suficiente para ocorrência maior de tempestades e inundações de cidades.

O professor Heitor Scalambrini também explica que o aquecimento global é causado pelo acúmulo de gases que prendem os raios solares no planeta. Esses gases são produzidos no processo de geração de energia através de fontes como o petróleo e o carvão mineral.

O atual estado do planeta nos permite entender que não é coincidência que essas duas fontes somam metade de toda produção energética do planeta, como apontam dados do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vargas. O desenvolvimento da humanidade está numa velocidade na qual será preciso gerar muita energia, mas por estar utilizando primordialmente fontes de energia que destroem o planeta, acaba paradoxalmente impedindo sua própria evolução. Em outras palavras, a humanidade não só está incapaz de pagar a conta de energia elétrica, como também está destruindo a casa que utiliza essa energia.

Hoje, de acordo com a ONU, 99% dos seres humanos respiram ar fora dos padrões ideais de qualidade, o que acaba causando cerca de 7 milhões de mortes. Já estamos sofrendo as consequências da conta não paga da humanidade, conta esta, que ainda não fechou. Ainda de acordo com a ONU, caso o aquecimento global não seja freado, nos próximos 30 anos a fome, seca, calor extremo e diversas doenças irão assolar a população mundial. Um verdadeiro cenário de Mad Max.

Em dezembro de 2015 foi firmado o Acordo de Paris, um compromisso mundial para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Hoje esse acordo conta com a assinatura de 195 países. Em 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas apontou que os anos até 2025 são cruciais para manter o aquecimento global dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Acordo de Paris. Caso contrário, não haverá solução para a crise climática. “É preciso que seja feita uma transição da matriz energética, passando dos combustíveis fósseis para a energia renovável. Uma matriz energética sustentável precisa obedecer parâmetros econômicos, ambientais e sociais, com igual peso entre eles. Mas, infelizmente, em um sistema capitalista isso é impossível”, enfatiza Heitor Scalambrini.

Manuela Sousa, ou Manu, recifense terceiranista, apesar de entender sobre o aquecimento global e suas consequências, se sente um pouco perdida sobre o que ela pode fazer: “Parece que ninguém sabe o que fazer. Os governos em geral não ajudam, até porque tem muitos negacionistas por aí dizendo que aquecimento global não é verdade, quando nós estamos claramente vendo o contrário com essas chuvas no Recife agora no mês de maio (de 2022). Eu acho horrível

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que muita gente não tá nem aí pra isso”, explica. E realmente, o que se pode fazer? Os esforços individuais têm pouco impacto. Quando olhamos para a questão hídrica, por exemplo, economizar água no banho tem um impacto mínimo quando comparado ao gasto de água da indústria agropecuária. Da mesma forma funciona para a luta contra o aquecimento global. Pode parecer cafona, mas no fim o que realmente vai mudar a conjuntura do país, frente essa questão, são as urnas. Eleger candidatos que levem a sério o futuro do planeta é fundamental. Ou, melhor ainda, não eleger os que não se importam acaba sendo ainda mais importante. Quando olhamos para a Amazônia, por exemplo, no primeiro trimestre de 2022 foi registrado o maior acumulado de desmatamento já feito pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), com um total de 941,34 km², ou, cerca de 114 campos de futebol. E o que o desmatamento tem a ver com o aquecimento global? Tudo. De acordo com uma pesquisa feita pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), o desmatamento agrava o aquecimento global por conta do desequilíbrio biológico causado, o que acaba incrementando a emissão de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa.

Por isso é importante pesquisar e debater sobre quais candidatos e candidatas estão levando o aquecimento global em conta em seus planos políticos. Afinal, esta não deveria ser apenas “mais uma pauta”, mas sim “a pauta”, já que estamos falando do futuro do planeta. Eu não sei você, caro leitor, mas dentre os mundos ficcionais que eu gostaria de participar, Mad Max está no fim da minha lista.

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INFOGRÁFICO POR JOÃO PAULO RIBEIRO

PRIMEIRA A PARAR E ÚLTIMA A VOLTAR, A CLASSE ARTISTICA FOI UMA DAS QUE MAIS SOFREU DURANTE A PANDEMIA

O ARTISTA SOBREVIVE

Independência Os descasos que impedem o ganho dos músicos recifenses

Em março de 2020, o mundo viu o nascimento de uma pandemia que mudaria os rumos da humanidade como conhecemos. Circuitos trabalhistas inteiros foram fechados, a fim de que a doença não se alastrasse mais do que já tinha, fazendo com que milhares de pessoas ficassem na sombra de suas casas durante dois anos. No entanto, nunca a humanidade esteve no mesmo barco, visto que uns grupos foram mais prejudicados do que outros. À grosseria de exemplo, o circuito musical, envolvendo shows, ensaios e gravações, foi o primeiro a fechar e o último a ter retorno presencial.

O retorno ao presencial de shows e eventos aconteceu ainda no meio de 2021, sendo legalizado no Brasil no início de 2022. Assim sendo, a União Brasileira de Compositores (UBC) fez um levantamento diagnosticando o quanto a pandemia de covid-19 afetou os músicos.

A pesquisa ouviu 611 músicos e 37 empresas ligadas ao setor. Entre os artistas, 89% afirmaram que passaram a ganhar menos dinheiro durante a pandemia O dado representa um aumento em relação a 2020, quando 86% alegaram ter sofrido perdas. A pesquisa tem margem de erro de cinco pontos e ouviu representantes de todos os estados brasileiros.

Constata-se, ainda, que 50% dos profissionais da música perderam 100% do que ganhavam! O levantamento traz ainda informações de como a pandemia forçou artistas que antes se dedicavam exclusivamente à música a buscarem outras fontes de renda. Se 46% seguem com renda totalmente proveniente da música, 18% afirmaram que começaram a procurar outras atividades por causa da pandemia, enquanto 35% afirmaram que já tinham outros trabalhos anteriormente.

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Sendo extremamente heterogêneo, o setor de cultura brasileiro sempre teve lá seus favoritos. É muito fácil dar patrocínio ao eixo Rio/São Paulo e, esticando um pouco mais, à Minas Gerais e Distrito Federal, também. Se diz que no Nordeste, por sua vez, a cultura resiste mais do que existe, o que é extremamente problemático quando comparado às outras regiões, onde se produz com uma liberdade financeira invejável.

Como visto, viver de arte e principalmente de música na pandemia ficou ainda mais difícil, no entanto esse é um problema que deve ser observado desde que Bolsonaro subiu ao poder, em 2018. Até dá pra dizer que a situação já era grave antes dele, mas a questão com o presidente era bem mais pessoal, visto que o próprio coloca os artistas como inimigos.

Bolsonaro escancarou uma parte da psique brasileira até então, apenas, suspeita. Antes dele, o descaso que existia nas alas música e política sempre foi uma questão egocêntrica em ambos os polos. De maneira muito parecida, artistas e políticos não queriam se unir por completo a favor de elaborar projetos, muito menos entre si. A gestão do Ministério da Cultura sempre teve um caráter elitista, até mesmo em governos de esquerda. Exemplos fortes vieram no período Dilma/ Temer, em que ambos os governos confiaram o Ministério em mãos mais elitistas, esfriando, assim, projetos antes defendidos por Gilberto Gil e Juca Ferreira (ministros da era Lula).

A cultura brasileira teve sua era de ouro, no entanto, no governo do ex-presidente Lula, em que o Ministério da Cultura aprovou e executou projetos onde a autoestima do artista foi enfim levada em consideração.

A jornalista, empresária e produtora cultural Melina Hickson, em uma matéria que escreveu para a Le Monde Diplomatique Brasil, reitera o governo do ex-presidente como o mais exemplar, visto que existia uma fruição e bom aproveitamento dos projetos sugeridos pela classe artística, sem falar da descentralização produtiva vigente, que foi necessária para evitar-se criar monopólios.

“Políticas públicas eficazes saíram dali, como o Plano Nacional de Cultura e os planos setoriais, que deveriam ter se tornado políticas de Estado, garantindo a permanência entre diferentes governos. Acreditava-se à época que esses ganhos seriam definitivos. Não

foram. Basta acompanhar a linha do tempo a partir do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff.”, reitera e debate Melina.

O pouco proveito de fundos culturais e a desigualdade resultante de uma elitização dos ministérios e dos governantes acabaram por ditar o que viria pela frente: um enfraquecimento da arte como um trabalho digno. Mesmo que existam questões econômicas rondando a triste realidade dos músicos, a onda conservadora trabalhou para a perdição desses artistas.

Pode-se citar diversos exemplos que provam o descaso de Bolsonaro pela cultura. A constante troca de gestores culturais mostra a incapacidade do presidente de escolher um perfil que se solidarize pelo estado que se encontram os artistas nesse país. Onde estavam as palavras em homenagem à Aldir Blanc e Moraes Moreira quando ambos compositores partiram?

Além da total falta de ciência da cultura popular, deve-se citar o desmanche do Ministério da Cultura, o colocando ao lado do Ministério do Turismo, sendo este ato o início de um enorme desvio de verba e de cuidado para as gestões culturais. Como se não bastasse tais crimes, vale lembrar da aparição nazista, em vídeo, do ex-ministro Roberto Alvim, em que copia a estética e o discursso supremacista de Joseph Goebbles, ministro da propaganda de Hitler e da Alemanha Nazista. Alvim foi substituído pela atriz Regina Duarte, a qual, mais tarde, faria uma aparição na CNN onde elogiaria as praticas de tortura remanecentes do Regime Militar de 1964, além de diminuir as mortes por Covid-19.

O músico e compositor Victor Salles reflete sobre os malefícios dessas declarações por parte dos representantes da cultura, chegando a conclusão de que a população tende a ficar mais violenta aos artistas quando expostas a esses discursos odiosos.

“Esses tipos de atitudes são um perigo direto para a liberdade desses artistas se expressarem, e desqualifica esses artistas para parcelas da população. Enfim, o que sinto que ocorre é que o Estado ativamente mina a maior parte dos artistas brasileiros, pois só promove as artes que agrada o Estado, atuando de acordo com os interesses políticos de uma minoria conservadora, o que é altamente nocivo para a arte, que deve ser apoiada, independente de quem ela é crítica.”, expressa Victor.

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O descaso pela cultura por parte do poder executivo acaba por ser intoxicante para outras populações Brasil afora. Um comportamento elitista, no qual pensar em possibilidades mercadológicas inalcançáveis para um país subdesenvolvido como o Brasil são considerados salvações econômicas, tende a desestruturar todo um mecanismo pensado para aqueles que têm outras prioridades. Ou seja, há uma normalização do pensamento de que “não é válido investir na cultura”.

Um outro exemplo de como este pensamento generalizado pode ser ruim, inclusive dentro dos meios governamentais, aconteceu recentemente, em Recife. As fortes chuvas que caíram sob a capital pernambucana, deixando cerca de 120 óbitos ao longo do período de precipitação, foram catástrofes que poderiam ser evitadas através de políticas públicas relevantes. No entanto, a solução da prefeitura do Recife foi simples: cancelar os shows dos artistas que se apresentariam no São João da cidade.

Obviamente que a solidariedade pelas perdas é extremamente necessária, até porque houveram mobilizações sociais, como os vários alojamentos distribuídos pela prefeitura ao redor da cidade, que ajudaram os sobreviventes dessa tragédia.

No entanto, houveram músicos e trabalhadores de produção que perderam seus equipamentos e suas casas, dependendo apenas dos shows para conseguirem recuperar alguma coisa através dos seus ganhos nos eventos. Em uma nota rápida e precipitada nas redes sociais, a prefeitura comunicou o cancelamento dos shows de São João, fazendo revoltar uma grande parte da camada artística pernambucana.

“Recife é um polo cultural enorme, tanto de audiovisual, como de música. Por mais que essas produções sejam desvalorizadas, os políticos têm que lembrar que essas atividades empregam muita gente. Isso vai do Staff até a galera que vende comida no show!”, reflete o radialista, produtor e músico Wilfred Gadelha, alertando fortemente a quantidade de empregos perdidos por meio do cancelamento desses eventos públicos.

No entanto, o que foi dado como algo definitivo foi apenas um susto, visto que a prefeitura correu atrás e confirmou, novamente, que haverá um retorno do ciclo junino na cidade. Acredita-se que a pressão social, feita pelos artistas, foi ouvida, mas esta é uma questão que vai muito além da oposição ao governo.

“É importante que vozes sejam ouvidas neste momento. A decisão da prefeitura foi muito precipitada, sim,

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VICTOR SALLES FOTO: ALEX BRITTO

WILFRED GADELHA

FOTO: HUGO MUNIZ

e os artistas têm que se manifestar em relação a isso. Mas é bizarro como, naturalmente, essas coisas não são resolvidas de forma racional, precisando de pressão social o tempo inteiro. A arte e o turismo são duas coisas que fazem a subsistência do estado de Pernambuco, e ainda são, também, as que mais sofrem boicote diariamente. Felizmente uma parte dos nossos governantes, como Ivan Moraes (PSOL) e Cida Pedrosa (PCdoB) têm consciência suficiente para criar políticas públicas extremamente importantes para o setor da cultura. Precisamos, como cidadãos, reforçar a necessidade dessas políticas!”, destaca Wilfred.

Victor Salles também compartilha sua opinião quanto ao que deve ser feito para as melhorias das cenas musicais ao longo do estado e do país, dizendo ainda que se mantém otimista quanto às melhorias como músico, porém sempre ciente da luta diária que deve ser feita e dos privilégios existentes por parte de outros artistas.

“Sendo um artista novo em uma cena nova, me considero otimista por ser bem recebido nos lugares onde toco e por poder experimentar a arte à minha maneira. Porém, me mantenho ciente sobre a falta de apoio que existe e que é necessário muita luta, planejamento e muito jogo de cintura para poder se promover dentro do meio (...). Acredito que o Governo do Estado deveria prezar mais sua cena, prover mais apoio para artistas pernambucanos, pois não falta coisa boa aqui e que merece ser promovida. Quanto ao governo Federal, creio que parar de atrapalhar já seria um bom começo, pois sempre se vê o Presidente da República difamar publicamente uma lei que existe para apoiar os artistas do seu próprio país (Lei N° 8.313). Além do mais, é imprescindível a recriação do Ministério da Cultura por exemplo, pois a extinção da representação de uma área tão ampla e importante quanto a cultura, que foi criado desde o começo da Nova República, reflete bem o descaso que o atual Governo Federal possui.”, finaliza Victor.

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21 Independência

CATAR

O outro lado do anfitrião

A Seleção Brasileira de futebol, comandada pelo técnico Tite, vai em novembro ao Catar em busca da tão sonhada sexta estrela de campeão do mundo. Os pentacampeões chegam mais uma vez como um dos favoritos para a primeira Copa realizada no Oriente Médio. Para conseguir isso, o país do mundo árabe desembolsou dinheiro em propaganda e infraestrutura, chegando até a construir uma cidade do zero. Mas desde que foi escolhido como sede em 2010, o país tem sido alvo de contestações políticas e humanitárias por uma cultura considerada no mínimo machista e homofóbica para os padrões ocidentais.

Apesar disso, a turista Alexandra Mota vai para mais uma Copa do Mundo. Ela, que já foi ao Mundial na Rússia e visitou alguns países do mundo árabe disse que “não vê problema na realização da Copa lá [no Catar], muito pelo contrário”. Alexandra

garante que teve boas experiências na Jordânia e nas praias do Egito quando viajou acompanhada de um amigo. “Bebi em quatro dos meus cinco dias no hotel na Jordânia, sem nenhum problema e nas praias você anda igual aqui [no Brasil]”, disse. Alexandra também comentou como alguns brasileiros nos grupos de viagem para o Catar reclamam da proibição de beber na rua (a lei do catar prevê até 6 meses de prisão e multa de 3 mil Rials – moeda local – o equivalente a R$4,5 mil) e vê isso como egocentrismo dos brasileiros. “Essa não é uma restrição exclusiva do Catar. Em Nova York, por exemplo, você também não pode beber na rua, tem hora e tem lugar. É que o brasileiro quer que os outros países sejam a esculhambação que o Brasil é”, opina.

Quando perguntada sobre as leis mais rígidas do país árabe, Alexandra diz que “tem coisas que eles

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Democracia

A primeira Copa do Mundo realizada no Oriente Médio traz consigo o dinheiro e os problemas sociais e de direitos humanos da região.

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PAOLA SCHIETEKAT, MEXICANA CONDENADA POR “ADULTÉRIO” NO CATAR. FOTO: ARQUIVO PESSOAL

vão flexibilizar, não tem como ser ao pé da letra”. Para ela, o turista é que tem que se adaptar ao local. “A gente é que tem que se adequar, você tá sendo obrigado a ir? Não. Você vai porque quer. Você tem que se atentar às leis do país”, acrescentou.

Apesar do relato de Alexandra sobre as boas experiências no Oriente Médio, o Catar tem o costume de colocar os direitos humanos em segundo plano e o tema foi levantado por algumas seleções durante as eliminatórias. Noruega, Alemanha, Dinamarca e Holanda, por exemplo, fizeram protestos antes dos seus jogos com apoio aos Direitos Humanos e levantando a questão do trabalho precário, questão denunciada pelo jornal The Guardian e pelo grupo de direitos trabalhistas FairSquare em 2021.

TRABALHO PRECÁRIO

De acordo com o jornal britânico, mais de 6.500 trabalhadores imigrantes de regiões próximas ao Catar morreram desde que o país foi escolhido como sede. A FairSquare diz que a maioria dessas mortes ocorreram durante as obras para a competição. Além dos óbitos, de acordo com relatório da Human Rights Watch, os trabalhadores estrangeiros tiveram “deduções salariais punitivas e ilegais, bem como meses de salários não pagos por longas horas de trabalho exaustivo”.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também fez cálculos de mortes e acidentes nos locais de obra. Somente no ano passado 50 trabalhadores morreram e mais de 500 ficaram gravemente feridos. As causas, segundo a OIT, foram quedas de lugares altos e objetos caindo por cima dos trabalhadores. Em defesa o Catar afirma que os números são exagerados e diz que entre 2014 e 2020 apenas 37 trabalhadores morreram, mas que 34 dessas mortes “não estavam relacionadas ao trabalho”, afirmação que foi contestada por especialistas e órgãos.

Durante as obras para a Copa da África do Sul em 2010, apenas dois trabalhadores morreram durante todo o período. Já no Brasil em 2014 esse número subiu para nove mortes e na Rússia em 2018 morreram 21 trabalhadores. Durante as obras para a Copa da Rússia, a Human Rights Watch divulgou um relatório afirmando que trabalhadores foram ameaçados de demissão se protestassem contra as péssimas condições de trabalho.

Não é a primeira vez que as obras da FIFA estão envol-

vidas em violações dos direitos humanos A professora da pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Soraya Barreto Januário comenta sobre a “uberização” do trabalho. “Esse processo de uberização tem sido visto em todo mundo, inclusive no Brasil, onde você trabalha basicamente sem nenhum tipo de direito trabalhista e segurança social. O que é chamado de empreendedorismo ou de liberdade do trabalhado, nós chamamos de precarização dos direitos trabalhistas”.

PÚBLICO LGBTQIA+

As relações entre pessoas do mesmo sexo são consideradas crimes por lei no país mulçumano. Mesmo assim, o comitê de organizadores garantiu que todos são bem-vindos, lembrando o fato de que demonstrações públicas de afeto, tanto heterossexuais como homossexuais, não fazem parte da tradição do país.

No final de 2020, a FIFA anunciou que bandeiras e camisas nas cores do arco-íris, símbolo LGBTQIA+, iriam ser permitidas nos estádios da Copa, mas essa postura mudou no início deste ano quando foi anunciado que esses símbolos seriam confiscados nos estádios. O objetivo, segundo o governo local, é “defender” a comunidade LGBTQIA+ presente no evento já que “não pode garantir a segurança de quem for assistir o torneio”, disse o major-general Abdulaziz Abdullah Al Ansari em entrevista a Associated Press. O general reforçou que a comunidade LGBTQIA+ ainda é bem-vinda no país, mas que as pessoas devem ser “reservadas”. “Aqui não podemos mudar as leis. Você não pode mudar a religião por 28 dias de Copa do Mundo”, acrescentou.

A VISÃO DA MULHER

Apesar de ter regras menos rígidas do que outros países do Oriente, as mulheres no Catar precisam seguir algumas regras de vestimenta. Não é obrigatório o uso da burca (vestimenta muçulmana que cobre o corpo) ou da hijab (que cobre os cabelos), mas é ideal que os ombros e os joelhos estejam cobertos. Além das roupas, no metrô existem vagões exclusivos para mulheres e famílias e um para homens solteiros/desacompanhados. Já nos bares, as mulheres cataris não são permitidas, apenas os homens, mas nenhuma bebida alcoólica é vendida devido às leis islâmicas.

Recentemente ganhou destaque na mídia internacional o caso da mexicana Paola Schietekat, de 28 anos. Com o sonho de trabalhar em uma Copa do Mundo,

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conseguiu realizá-lo ao entrar para o Comitê Supremo para Entrega e Legado do Mundial do Catar em 2020. Mas logo o emprego dos sonhos virou pesadelo. Em 21 de junho do ano passado Paola teve seu apartamento em Doha invadido por um conhecido dela e foi agredida por ele. Paola fez a queixa na policia local e logo buscou ajuda do consulado mexicano. Algumas horas depois foi chamada de volta ao posto policial para “esclarecer algumas informações”, mas o que ela pensava ser sobre as agressões físicas, era na verdade sobre uma “relação extraconjugal” que o agressor falou que ela teve.

“Em algumas horas, estava sendo interrogada em árabe por ter uma relação por fora do casamento. Foi o que o agressor disse. Isso automaticamente retirou a minha denúncia. Já não interessava mais a agressão, interessava uma relação extraconjugal”, disse Paola. Chegou a ser pedido a ela uma prova de virgindade, “O que inclusive é anticientífico. E o conceito é muito agressivo, violento”, acrescentou.

A mexicana foi condenada a sete anos de prisão e a 100 chibatadas (por ser muçulmana), mas antes foi dito a ela que o “problema” podia ser resolvido se ela casasse com o agressor, algo que ela negou. Paola hoje está de volta ao México, onde conta com o apoio da di-

plomacia mexicana, mas lamenta que essa ajuda não veio antes e vai continuar com o processo.

Esse caso serviu para mostrar a vulnerabilidade das mulheres na sociedade catari. Bastou a palavra do agressor, que continua livre, para que as acusações de agressão caíssem. “É o poder da palavra, e isso tem a ver com todo o sexismo construído e não necessariamente tem a ver com a religião”, disse a professora Soraya Barreto. “O agressor não foi sequer questionado no âmbito do processo legal, já que a gente tá falando da lei de um país”, acrescentou.

A falta de proteção legal assusta muitos daqueles que vão para o Mundial, principalmente os estrangeiros. O Catar usa a Copa para vender a imagem de um país bonito e rico, sem explicitar as questões sociais. Se, no Brasil, ainda é discutido qual é o legado da Copa de 2014, em meio a contestações sobre o valor despendido para a realização do evento, no Catar, mesmo antes da competição começar, já é possível contestar a postura, tanto do país anfitrião, quanto da FIFA, em relação aos padrões trabalhistas e de direitos humanos como um todo.

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COPA DO MUNDO DO CATAR ACONTECE EM NOVEMBRO DESTE ANO. FOTO: FIFA/DIVULGAÇÃO TEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO FOTO: LUIS FIM

Semana da arte alterna

Cem anos atrás, no teatro municipal de São Paulo, acontecia uma manifestação artístico cultural que marcaria a história do Brasil, e ficaria conhecida como a Semana da Arte Moderna de 22.

Um festival que reuniu diversos artistas brasileiros e estrangeiros de vários ramos da arte como pintura, arquitetura, escultura, poesia e música, deixando um legado cultural que seria estudado nos livros de história do Brasil por anos. Mas para entender o que foi a semana da arte moderna é preciso antes entender o contexto histórico que ela se encontra.

O festival tem como consequência direta uma série de acontecimentos, dentre eles o pós primeira Guerra Mundial que deixou o ocidente com uma sensação nacionalista emergente, que é justamente um dos principais motivos da concepção dos artistas naquele momento: focar na arte brasileira e na identidade artística nacional.

Modernidade

Outro ponto importante para a criação da semana foi a industrialização do país, mais especificamente de São paulo naquele momento que, junto com os horrores das tecnologias estreadas na primeira Guerra, somaram um questionamento sobre a relação do ser humano com as novas tecnologias e incentivaram os artistas a pensar sobre o desenvolvimento não como algo para destruir, mas sim como algo para ajudar o mundo a crescer como humanidade.

Além disso, o modernismo que ocorria na Europa no final do século 19 estava em processo de migração para o Brasil, sendo a maior influência para o festival. Ele propunha distanciar-se dos valores idealizados e antigos, como o rural e bucólico, passando a focar no urbano e industrial. Foi um movimento baseado na ideia que as artes tradicionais estavam se tornando ultrapassadas e que era necessário ressignificá-las. Essa busca por novidade propôs examinar cada configuração da nossa existência para trocar o que era antigo por novas formas e assim alcançar o “progresso”.

“Antes da semana de 22, a coisa mais comum eram os artistas estudarem na europa e em seguida retornarem ao brasil para falar sobre o Brasil, como mostra na Canção do Exílio, por exemplo. O que era algo bem problemático. E foi contra esse pretexto que o festival surgiu, justamente para começar a acabar com esse falso nacionalismo”. Conta Joana Silvino, professora de literatura. Tudo isso, somado com o centenário da independência, se tornou o terreno fértil para as mentes dos intelectuais brasileiros serem invadidas por epifanias e criatividade em busca da nova arte brasileira.

Porém, o estopim de fato foi o caso de Anita Malfatti, com sua Exposição de Arte Moderna (1917) chamando a atenção dos críticos e que levou as pessoas e os artistas a pensarem sobre a situação artística do país naquele momento. Foi então que o grupo dos cinco resolveu se juntar para a concepção da semana da arte moderna, formado pelas pintoras Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, e os escritores Menotti del Picchia, Oswald e Mário de Andrade; em conjunto com o governador do estado de São Paulo na época, Washington Luís, o futuro presidente do Brasil, que estava interessado do prestígio que iria trazer sediar um evento como esse no seu estado.

O resultado foi uma exposição de mais de cem obras, com pinturas de Anita Malfatti, Zina aita, Antonio Paim

Vieira e Di Cavalcanti. Poesias de: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Ronald de Carvalho. E músicas de Guiomar Novaes, Villa Lobos e Ernani Braga.

A semana foi um sucesso, quebrou a resistência com as novas artes, uniu os artistas e foi além: os fez questionar sobre a arte nacional. Rapidamente recebeu diversas críticas, assim como a exposição de Anita, que era justamente onde eles queriam chegar, no questionamento do que é a arte brasileira.

As críticas falavam sobre o movimento ser muito elitista, e sobre ter muita influência europeia, como o próprio Mário de Andrade explica no seu texto: “A escrava que não era Isaura”. Joana continua: “Tinha muitos problemas, mas eu apontaria como principal a falta de acessibilidade. Foi uma tentativa de discutir sobre a arte do Brasil, mas não para todos os brasileiros”

Outro texto com muitos questionamentos foi o do Manifesto Pau-Brasil que criticava a falta de exportação da poesia brasileira, e defendia uma arte de exportação assim como foi a matéria do pau-brasil, daí o nome do movimento. A semana também aproveitava o foco do crescimento do Brasil em São Paulo no auge da política do café com leite, entretanto, se propôs a falar do Brasil inteiro, o que indignou Gilberto Freyre que escreveu o “Manifesto Regionalista”, como uma crítica ao foco na região sudeste da semana de arte moderna do “brasil”

Apesar de ter alcançado o que queria: eventualmente conseguir influenciar a arte do nosso país de 22 para frente, e aparecer como inspiração para o movimento antropofágico, a tropicália, bossa nova e outras diversas nas gerações seguintes; as críticas deixam um gosto amargo nessa semana tão estudada na história do Brasil.

Tudo isso nos faz imaginar como seria uma semana da arte moderna 100 anos depois, e o que ela iria melhorar da anterior. A professora Joana ressalta: “Antigamente se recitavam poemas na rua, mas atualmente não se tem mais isso, pelo menos não da mesma forma. Hoje temos o slam por exemplo, que é uma de várias formas de se expressar que são marginalizadas”.

Na época, algumas expressões artísticas também eram marginalizadas, mas hoje em dia, por conta da diversidade de artes e pluralidade de temas aborda-

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dos, é possível observar uma continuidade, mesmo que com um foco diferente, dessa exclusão de certas expressões artísticas. Isso é uma consequência direta do crescimento da cultura no Brasil e no mundo todo e da incrementação do acesso à elas, com a expansão da internet, por exemplo.

Cajú faz grafite há 25 anos e conta: “Quem me representa sou eu mesmo, não tem nada fácil, é uma luta eterna você ser o patrão e empregado, viver de arte não é ruim mas é difícil. Especialmente agora depois da pandemia, que deu toda essa quebra e não pode viajar e outras várias travas de produção, eu dependia praticamente do instagram. Ser artista é ser resistente, tá ligado?”.

Cajú critica: “O fato de pintar na rua já é reivindicar alguma coisa, sabe? É como dizem: Parede em branco é povo mudo, né? É isso que eu venho levantando, a forma de se comunicar e de falar através do pixo.” No período da semana da arte moderna, muitas formas de se expressar foram deixadas de lado, e desvalorizadas, mas será que hoje em dia seria diferente? “Como artista eu não me sinto valorizado pela sociedade, mas hoje em dia eu não me importo se estão me valorizando, não estou atrás disso. Eu que me valorizo, acho que eu nem faço parte da sociedade né? Estou à margem dela”.

Um evento com duração de sete dias, sediado apenas em uma cidade, jamais iria cobrir um país inteiro como o nosso, nem em 1922 e nem em 2022. Nós vivemos em um país de tamanho continental, que nasceu da

mistura de várias culturas pelo mundo, e que hoje em dia encontra mais diversidade individual por conta dos avanços sociais, então o Brasil sempre foi e é muito maior que uma semana da arte moderna.

Modernidade
“O GRUPO DOS CINCO”
“Parede em branco é povo mudo [...]” Caju

SITUAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL

Como anda a empregabilidade no país

Independência KETHILYN PEREIRA

Diante do atual cenário econômico no Brasil, a crise financeira está agravando ainda mais a pobreza, prejudicando os menos favorecidos, como mulheres, negros e pardos, pessoas com ensino incompleto e sem instrução nenhuma, e residentes da região Nordeste. Em 2022, o país gerou 1.953.071 empregos formais, porém, 1.816.882 pessoas foram desligadas das suas funções, de acordo com o levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apresentado pelo Ministério do Trabalho e Previdência. Portanto, o país possui um saldo positivo de 136.189 (0,33%) postos de trabalhos formais no acumulado do 1º trimestre de 2022. Mesmo o saldo sendo positivo, ele representa menos de 1% de crescimento atualmente.

Entre os cinco segmentos das atividades econômicas (Agropecuária, Indústria, Comércio, Construção e Serviços) os resultados foram favoráveis, com exceção da Agropecuária, que obteve saldo negativo no acumulado do 1º trimestre de 2022 (-15.995 postos), com 98.510 contratações e 114.505 demissões (-0,93%). Os segmentos que mais cresceram dentre os outros foram a Indústria e o setor de Serviços. Configura na tabela abaixo:

Nas tabelas a seguir, pode-se observar as oscilações nas contratações e demissões do 1º trimestre de 2021 ao 1º trimestre de 2022. Em comparação com o último trimestre de 2021, quando o país alcançou 1.471.373 admissões e 1.755.945 desligamentos, resultando em um saldo negativo de -284.572 postos de trabalhos formais (carteira assinada), o 1º trimestre de 2022 foi um pouco melhor, como já vimos na tabela acima. A seguir, veja todos os resultados nos gráficos abaixo:

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Segundo os dados de desocupação divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgou a taxa de desocupação entre pessoas acima dos 14 anos na força de trabalho, mas que ainda não encontraram emprego formal. Veja a seguir:

GÊNERO: A distribuição percentual de desocupação entre homens e mulheres no 1º trimestre de 2021 estava em 45,5% e 54,5% respectivamente. Já em 2022, a distribuição percentual subiu para os homens 46,1% e reduziu-se para as mulheres 53,9%. As análises apontaram diferenças na taxa de desocupação entre homens e mulheres no 1º trimestre de 2022, quando a taxa foi estimada em 9,1% para os homens e 13,7% para as mulheres. Lembrando que a taxa total do país para este período ficou em 11,1%. Confira nas tabelas abaixo:

IDADE: A distribuição percentual de desocupação por idade mostra que pessoas entre 18 e 39 anos de idade mantiveram uma certa estabilidade no que se refere ao desemprego. Ou seja, mesmo havendo um aumento no número de desempregados, esse aumento foi relativamente pequeno. Sendo assim, para pessoas com idades entre 18 e 24 anos, a porcentagem de desocupação obteve um acréscimo de 1,6% (de 29% a 30,6%) e para pessoas entre 25 e 39 anos um acréscimo de 1,3% (34,6% a 35,9%), comparando o 1º trimestre de 2021. A taxa de desocupação dos jovens de 18 a 24 anos de idade, (22,8%), apresentou patamar elevado em relação à taxa média total (11,1%). Os gráficos a seguir ilustram as diferenças existentes entre as taxas de desocupação nos diversos grupos etários:

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ESCOLARIDADE: Em níveis de instrução, a distribuição percentual de desocupação entre pessoas com ensino médio completo subiu 0,9%, e com ensino médio incompleto a taxa foi um pouco maior (1,2%). Para quem tem o ensino

fundamental completo o desemprego aumentou em 0,2% e com ensino fundamental incompleto subiu em 0,4%. Já entre pessoas com o ensino superior completo ocorre uma redução na distribuição de desempregados (2,2%), e entre pessoas com ensino superior incompleto também há uma redução de 1,1%. Para quem não tem nenhuma formação a porcentagem cresceu 0,5%. A taxa de desocupação para o contingente de pessoas com ensino médio incompleto (18,3%) é superior comparada aos demais níveis de instrução. Para o grupo de pessoas com nível superior incompleto, a taxa foi estimada em 11,9%, mais que o dobro da verificada para aqueles com nível superior completo (5,6%). Veja a seguir:

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REGIÃO: Entre as regiões, a maior taxa de desemprego foi no Nordeste, que ficou em 1º lugar entre todas as regiões, com 14,9%. Já a menor taxa ficou na região Sul do país, com 6,5%. A taxa de desocupação, no Brasil, no 1º trimestre de 2022, foi estimada em 11,1%. Na comparação anual, todas as Grandes Regiões apresentaram redução na taxa de desocupação. Os gráficos a seguir mostram o comportamento da taxa de desocupação entre 2012 e 2022:

COR E RAÇA: O contingente dos desocupados no Brasil no 1º trimestre de 2012 foi estimado em 7,7 milhões de pessoas, quando os pardos representavam 49,0% dessa população, seguido dos brancos (40,0%) e dos pretos (10,2%). No 1º trimestre de 2022, esse contingente subiu para 12,0 milhões de pessoas e a participação dos pardos passou a ser de 50,8%, a dos brancos reduziu para 34,8% e a dos pretos subiu para 13,4%. A desocupação dividida por cor ou raça mostrou que a taxa dos que se declararam brancos (8,9%) ficou abaixo da média nacional, porém, a dos pretos (13,3%) e a dos pardos (12,9%) ficou acima. No 1º trimestre de 2012, quando a taxa média foi estimada em 8,0%, a dos pretos correspondia a 9,7%, a dos pardos a 9,2% e a dos brancos era 6,7%. Confira:

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Segundo o IBGE, o desemprego, de forma resumida, se refere às pessoas com idade para trabalhar (acima de 14 anos) que não estão trabalhando, mas estão disponíveis e tentam encontrar trabalho, essas pessoas podem estar desocupadas ou ocupadas de alguma forma. Sendo assim, para alguém ser considerado desempregado, não basta não possuir um emprego formal

Veja alguns exemplos de pessoas que, embora não possuam um emprego, não podem ser consideradas desempregadas:

• Um universitário que dedica seu tempo somente aos estudos;

• Uma dona de casa que não trabalha fora;

• Uma empreendedora que possui seu próprio negócio.

Dentro desse panorama, pessoas estão buscando cada vez mais a sua independência diante da falta de oportunidades no trabalho formal, levando em consideração as exigências colocadas para se conseguir uma vaga no mercado de trabalho, como escolaridade, residência fixa (que não é a realidade de todos os brasileiros), qualificação profissional, gênero (em alguns casos), idade mínima e/ou máxima e experiência profissional. Além disso, o Brasil possui um extenso número de pessoas que já desistiram de procurar emprego por falta de esperança (os desalentados representam 4,6 milhões de pessoas que não têm emprego e não procuram mais). Sendo assim, muitos brasileiros priorizaram os trabalhos informais e independentes, devido à necessidade urgente de uma subsistência e às exigências do mercado, que dificultam o acesso às vagas até para quem atende a alguns critérios exigidos pelas empresas.

TRABALHOS INFORMAIS: Entre os trabalhadores informais estão os motoristas de aplicativos, vendedores ambulantes e comerciantes, manicure e pedicure, barbeiros e cabeleireiros (as), produtores de conteúdo para redes sociais, catadores de produtos recicláveis, empregados sem carteira assinada (domésticas, garçons e atendentes), entregadores de aplicativos e lava-rápido para carros e motos.

TRABALHOS POR CONTA PRÓPRIA: Já neste grupo, podemos encontrar pessoas com alguma formação, mas que não conseguiram uma oportunidade no mercado de trabalho formal (com carteira assinada). Entre os que trabalham por conta própria estão professores particulares, serviços de beleza e estética, artesãos, designer gráfico e web designer, consultorias, personal trainer, organizadores de eventos e festas, redatores, corretores de imóveis, confeiteiros (as), técnicos em celulares e computadores e etc.

CUSTO DE VIDA NO BRASIL EM 2022

Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o salário mínimo no Brasil deveria estar em torno de R$ 6.394,76, levando em consideração o custo de vida com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte e lazer.

O valor da cesta básica aumentou em todos os estados durante o 1º trimestre de 2022, de acordo com o Dieese. Os aumentos mais expressivos foram no Rio de Janeiro (7,65%), em Curitiba (7,46%), em São Paulo (6,36%) e em Campo Grande (5,51%). Por outro lado, a menor variação no aumento foi registrada em Salvador (1,46%).

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Ao considerar todos esses dados, baseando-se na cesta básica mais cara, que é São Paulo, o salário mínimo deveria ser de R $6.394,76. Em março de 2021, o valor do mínimo necessário deveria ter sido de R $5.315,74. Portanto, é possível observar que todas as capitais registraram alta de preços. “O custo de vida no Brasil aumentou muito nos últimos tempos devido ao aumento generalizado dos preços dos bens de serviço que nós chamamos de inflação. A inflação acumulada nos últimos doze meses está em 12,13% - um dos maiores índices desde o plano real”, afirma o professor e palestrante de economia, contabilidade e direito, Sandro Prado.

Segundo o economista Sandro Prado, a taxa da inflação atual é a maior desde o plano real, ou seja, a maior já registrada há 28 anos. Os itens que têm aumentado bastante são aqueles que o governo monitora, como é o caso dos custos com gasolina, com gás de cozinha e com o óleo diesel. Só o óleo diesel no ano de 2022 já aumentou 47%, e isso erradia por toda a economia, aumentando os fretes e tudo que é transportado através do modal rodoviário. Portanto, se o óleo diesel sofre aumento, os custos de todos os demais recursos aumentarão.

Os alimentos tiveram uma grande alta devido a várias questões, como as condições sazonais; isto é, alguns produtos tiveram pouca produção. Além disso, estamos com uma política agroexportadora, isso ocasiona uma redução do valor da nossa moeda, desvalorizando o real. Como consequência, surge uma necessidade de aumentar a exportação, fazendo com que os grãos cheguem à mesa dos brasileiros com um valor mais elevado. Sendo assim, os alimentos sofreram uma alta de 20% nos últimos doze meses.

Já a energia sofreu uma alta desnecessária, pois o aumento que ocorreu era apenas circunstancial devido à falta de chuvas que nós tivemos e a algumas usinas hidrelétricas,

como a usina de sobradinho, na Bahia, que estava com escassez de água e, consequentemente, gerando pouca energia. Neste momento, sobradinho já está com 100% da sua capacitada hidrelétrica, mas o governo em uma atitude equivocada, resolveu comprar energia das termoelétricas. Com isso, a energia está chegando mais cara às residências de brasileiros e brasileiras. Mesmo com a retirada da taxa adicional (que adicionava R$ 14,20 às contas de energia para cada 100 kWh consumidos) essa compra de energia das termoelétricas de 2020 a 2021 está caindo na conta dos brasileiros só agora, gerando um aumento de até 25% nas tarifas. Mesmo estando em vigor a bandeira verde desde abril desse ano, os brasileiros sentirão o aumento que irá variar de 15 a 25%, dependendo do estado e das empresas fornecedoras de energia. Confira na tabela abaixo:

Empresa Reajuste Entrada em vigor

Enel Ceará (CE) 23,99% 22 de abril

Neoenergia Coelba (BA) 20,73% 22 de abril

Neoenergia Cosern (RN) 19,87% 22 de abril

Energisa Sergipe (SE) 16,46 % 22 de abril

Energisa Mato Grosso (MT) 20,36% 16 de abril

Energisa Mato Grosso do Sul (MS) 16,83% 16 de abril

CPFL Paulista (SP) 13,80% 8 de abril

CPFL Santa Cruz (SP, MG e PR) 7,17% 22 de março

Enel Distribuição Rio (RJ)

17,14% 15 de março

Light (RJ) 15,41% 15 de março

Energisa Borborema (PB) 9,39% 4 de fevereiro

“Em contrapartida a esses aumentos, como não estamos conseguindo crescer – com um crescimento de, no máximo, 1% no ano de 2022 – nós estamos com altos índices de desemprego. Atualmente, a taxa de desemprego do Brasil está em 11,1%; já no Nordeste, a taxa chegou aos seus 15%a maior taxa do país. Em Pernambuco – o segundo estado com maior índice de desemprego do país – a taxa está em 17%”, completa Sandro.

Consideração todos os custos que uma pessoa e/ou família têm com alimentação, vestuário, habitação, transporte, saúde, educação, higiene e lazer, o Dieese, por meio do Índice de Custo de Vida (ICV), divulgou uma média de quanto os brasileiros gastam para sobreviver no país, de acordo com as principais cidades. A ordem da lista vai da cidade com menor custo de vida por pessoa para a cidade com maior custo de vida por pessoa. Confira na lista a seguir:

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Cidade ICV por pessoa ICV família 4 pessoas

com a permissividade do Governo. Isto sem falar na repercussão que esta situação tem sobre o tecido econômico, que ao se deparar com a incerteza, não contrata (produz desemprego) e eleva preços (produz inflação). “Uma medida absolutamente necessária, inclusive para os reflexos da inflação sobre pobreza e fome, seria um programa sério de contenção dos preços dos produtos que compõem a cesta básica.  Por fim, um governo responsável inverteria os sinais que frustram qualquer sinal de recuperação econômica, eliminando a incerteza ou a consciência atual de que o Brasil se meteu em um buraco profundo”, afirma Lúcia.

Segundo ela, o Brasil enfrenta uma ampla crise, de dimensões econômicas, políticas e sociais desde meados de 2014 e que se manifestou, de forma mais aguda, entre o 1º trimestre de 2015 e o 1º trimestre de 2017, para se estabelecer como um novo normal a partir de então. No auge da COVID, entre março de 2020 e meados de 2021, piorou esta situação, porém, já estamos novamente vivendo os padrões vigentes no final de 2019. Com isto, a condição de estagflação da economia brasileira se revelou, sem retoques, como novo normal – destacando-se o desemprego e a inflação.

De acordo com a economista Lúcia Garcia, que trabalha no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), há elementos globais e internos operando para produção desta realidade de déficit econômico. Globais, porque estamos vivenciando uma transição do capitalismo em escala mundial, de natureza tecnológica e geoeconômica, que gera desemprego e provoca ruptura nas cadeias produtivas, o que eleva preços. Já os elementos internos, dizem respeito a uma gestão macroeconômica leviana e descomprometida do governo brasileiro, que acentua e não mitiga as tendências internacionais. Neste sentido, desregulamentações de mercados, avanço das privatizações e redução dos gastos sociais aprofundam o desemprego, já a forma como privilegia os ganhos dos acionistas da Petrobrás, via elevação do principal insumo da estrutura econômica e o combustível básico para famílias, potencializa a inflação.  A situação dos preços se acumula com aumento do valor da energia elétrica, cujas distribuidoras, embora tenham preços regulados, contam

Independência
Aracajú R$ 3.157 R$ 8.653 Teresina R$ 3.256 R$ 8.624 Rio Branco R$ 3.309 R$ 8.318 Boa Vista R$ 3.410 R$ 9.039 Macapá R$ 3.510 R$ 8.796 Campo Grande R$ 3.569 R$ 9.568 Maceió R$ 3.604 R$ 8.561 João Pessoa R$ 3.647 R$ 9.123 Cuiabá R$ 3.722 R$ 9.656 Natal R$ 3.726 R$ 8.911 Fortaleza R$ 3.757 R$ 9.155 Vitória R$ 3.806 R$ 10.022 Porto Velho R$ 3.899 R$ 9.810 Recife R$ 4.051 R$ 9.985 São Luis R$ 4.058 R$ 9.426 Porto Alegre R$ 4.092 R$ 10.630 Goiânia R$ 4.119 R$ 10.211 Curitiba R$ 4.238 R$ 10.551 Salvador R$ 4.360 R$ 9.949 Belo Horizonte R$ 4.426 R$ 10.829 Belém R$ 4.444 R$ 9.883 Florianópolis R$ 4.999 R$ 11.034 Brasília R$ 5.154 R$ 11.680 Manaus R$ 5.265 R$ 11.385 Rio de Janeiro R$ 5.459 R$ 12.104 São Paulo R$ 5.726 R$ 12.285
FOTO: JULIA FAEIRSTEIN

Sexta-feira, 06 de maio

Ipanema, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

Existe algo na capital carioca que não dá para explicar (pelo menos, não racionalmente). O sentimento é de que o azul do céu é diferente. Assim como os raios solares, e o verde das árvores sobre os morros. Outra impressão é de que o Rio de Janeiro parece resumir, de certa forma, a natureza que habita o Brasil. Afinal, em plena modernidade, quantas metrópoles abrigam e abraçam de maneira tão ampla a mãe terra?

Ao mesmo tempo, o Rio de Janeiro é uma disparidade. É ímpar. Em todo lugar, habita um pedaço do território que outrora não possuía concreto. E pessoas. Muitas pessoas. Pessoas essas que, à medida que se tornaram parte da cidade e de quem ela é, também retiraram um pouco, a cada dia, daquilo que ela já foi. Dos tantos outros azuis que existiram. De todos os verdes que estavam ali.

O Rio de Janeiro é, como diria o célebre Raul Seixas, uma “metamorfose ambulante”. É a mistura do agradecimento pelo que se encontra ali e da saudade do que poderia ter sido. É a felicidade por um pedaço da natureza em meio ao caos da urbanização, ao mesmo tempo que o eterno questionamento de como seríamos caso alguns aspectos da contemporaneidade nunca tivessem chegado. Mas é, ironicamente, apenas no Rio de Janeiro que achamos um dos poucos lugares onde a natureza e o moderno se encontram, de um jeito surpreendentemente saudável e conscientizador: o Museu do Amanhã. “Um museu de ciências diferente”, afirma o texto de abertura do local, o que comprova o que de fato é.

O Museu do Amanhã é um pedaço não só do Rio de Janeiro, mas do mundo, que mostra de que forma precisamos, como indivíduos, nos movermos para ajudá-lo. Que expõe as diversas maneiras pelas quais tudo que realizamos impacta diretamente nas metamorfoses ambulantes que existem por aí, e o que pode acontecer a elas se permanecermos inertes, ou pior, contribuindo para que não reste mais nada.

É no Museu do Amanhã, uma estrutura de aço, cimento e vidro em frente à Baía de Guanabara, que ouvimos o som das árvores, da água da chuva e dos animais. É lá, em uma sala fria e fechada, porém ampla, que estamos frente a frente com todos os impactos ambientais que proporcionamos àquela que chamamos de “lar”: nossa Terra. É ali, através de telas high tech, tablets, jogos de realidade virtual e cartões eletrônicos de interatividade que nos damos conta do que é o planeta e tudo que ele pode nos oferecer se o preservarmos.

Soa quase estranho, colocando dessa forma, como a tecnologia é capaz de transformar o verde, o azul e os raios solares para melhor. Para maior. Se usufruída de forma correta, a modernidade pode, quem sabe, se tornar suficiente para trilhar, ao lado do ser humano, um caminho de grandes frutos. O Rio de Janeiro continua lindo? Claro. No entanto, o que mais ele e tantos outros poderiam ser?

Modernidade
LUIZA NAVAES E JÚLIA FAEIRSTEIN FOTO: JULIA FAIRSTEIN FOTO: JULIA FAIRSTEIN

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