Expressão - Ed3 - 2021

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USJT

novembro 2021

ano 28

Quem tem medo de Paulo Freire? O legado e as homenagens ao patrono da educação pelo seu centenário de nascimento ESPECIAL - Págs. 6 a 9

edição 3


CAR@ LEIT@R

#INSTANTÂNEO

Ilustração de capa: Rômulo de Arruda

"Eu Paulo, tu Freires..." Um dos mais aclamados educadores brasileiros, reconhecido no mundo inteiro por sua contribuição à educação, virou verbo, assim livremente conjugado, como um manifesto. No ano do seu centenário de nascimento, o que faz de Paulo Freire tão contemporâneo? Freire defendia o afeto e o diálogo como parte do processo de aprendizagem. Além disso, o método freireano de educar considera a realidade do aluno, bem como os elementos do seu cotidiano. Não se aprende se não pelo olhar e reconhecimento de seu próprio território. E quanto mais se quer destruir a territorialidade de nossos povos, mais o "patrono da educação bra-

sileira" ressurge com força e ganha importância. Essa edição do Expressão faz um tributo a Paulo Freire. Nosso Especial e a seção Infográfico são dedicados ao seu pensamento e ao seu legado. Freire vive! Leia ainda uma entrevista com a escritora Cidinha da Silva sobre a também escritora Carolina de Jesus, cuja exposição ocupa o Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Carolina vive! Nossa reportagem também se debruçou sobre os efeitos da pandemia na educação, no mundo digital, na cultura e nos esportes. Não foram poucos os impactos, mas felizmente começamos a enxergá-los como parte de um tempo que se vai. Ótima leitura! Os Editores

Foto: Julia Passos | Texto: Denise Alves

“Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário” é uma frase idealizada pela feminista e escritora Juliana Borges, mas que virou arte em neon, intitulada “Luz Negra”, nas mãos da artista plástica Mônica Ventura. A mensagem gerou tanto impacto que viralizou nas redes sociais e agora estampa a exposição da escritora Carolina Maria de Jesus, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo.

#FICA A DICA

Após 60 anos, “Quarto de Despejo” continua atual Denise Alves

Jornal universitário do curso de Jornalismo novembro 2021 • ano 28 • edição 3

Chanceler Dr. Ozires Silva Reitora Mônica Orcioli Coords. dos cursos de Comunicação e Artes Juca Rodrigues - Mooca Vasco Caldeira - Paulista Danilo Firbida - Butantã José Augusto Lobato Coord. Regional SP Supervisores de projeto e edição executiva Prof.a Ana Vasconcelos MTB 25.084 Prof. José Augusto Lobato MTB 0070684

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Direção de arte Prof.a Ana Vasconcelos MTB 25.084 Redação Alun@s de Jornalismo da Universidade São Judas Impressão Folha Gráfica Converse com a gente jornalexpressao@usjt.br Instagram @jorn_expressao Facebook @expressaoUSJT

No início do ano, o livro “Quarto de Despejo”, escrito por Carolina Maria de Jesus, ganhou uma edição comemorativa, pela Editora Ática, para celebrar o aniversário de 60 anos de seu lançamento. Publicada originalmente em 1960, o livro vendeu mais de 80 mil cópias somente nos primeiros meses em que foi lançado. A linguagem da autora foi mantida na nova edição, incluindo o que contraria a gramática, como a grafia ou a acentuação das palavras, fazendo com o que o leitor se sinta mais próximo de Carolina. A edição ainda conta um prefácio feito pela escritora e ativista Cidinha da Silva. O livro ainda conta com uma parte chamada

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“Fortuna Crítica", em que reúne todas as críticas feitas de 1962 a 2020, por autores ao redor do mundo, sobre a obra, além de fotos inéditas e entrevistas concedidas por Carolina. Em “Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada”, Carolina mostra a desigualdade social, racismo e fome vividos por ela, seus filhos, e consequentemente, por todos os outros moradores que também viviam na favela de Canindé, atual Marginal Tietê. Os desabafos de Carolina são escritos de forma que lembram, de fato, um diário, mas que revelam uma realidade muito cruel e dura, assim como o Diário de Anne Frank, mas de perspectivas e contextos diferentes. Usando a literatura como

denúncia, as escritas de Carolina refletem sobre a crescente desigualdade social, mas ao mesmo tempo se conectam ao que é o país atualmente. Em um pequeno trecho, ela diz: “Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente, somos escravos do custo de vida”. O que faz o leitor questionar o que mudou (ou o que não mudou) no Brasil, durante todos esses anos. Além de abrir margem para o pensamento de “quantas Carolinas ainda existem por aqui?”

Reprodução

Editora: Ática Ano: 2021 Publicação original: 1960 264 páginas Por que ler? O livro te leva a refletir sobre diversas questões de desigualdade e racismo, que ainda são extremamente atuais no Brasil.


PONTO DE VISTA

Uma escrita para além da vida A escritora Cidinha da Silva fala sobre sua conexão com Carolina Maria de Jesus, autora de "Quarto de Despejo" Natália Carneiro

Natália Carneiro

Apesar da diferença geracional, algumas coisas aproximam Carolina Maria de Jesus e Cidinha da Silva. Ambas são mineiras que em algum momento da vida migraram para São Paulo, negras e trazem em seus textos uma escrita extremamente atual. Nos poemas e textos de Carolina, encontramos especificidades e vivências presentes na vida de mulheres negras. Em suas crônicas e textos, Cidinha da Silva expõe diferentes aspectos de ser negro, do racismo e ficção. Autoras de diversos livros publicados, ambas tiveram sua escrita sofisticada reconhecida por prêmios e contribuíram com diferentes discussões na sociedade. Não por acaso, Cidinha da Silva foi convidada para escrever o prefácio da nova edição comemorativa de 60 anos do livro “Quarto de Despejo”, um dos maiores sucessos de Carolina. Conversamos com a autora sobre o convite e sua ligação com a escrita da Carolina. Confira: Em 2020, o Instituto Moreira Salles convidou-a para escrever uma carta para Carolina. É uma carta muito sensível e cheia de simbologias, arrisco a dizer que dentre eles o agradecimento de uma escritora referenciando sua mais velha. Quando Carolina Maria de Jesus chega em sua vida? Eu ouvi falar de Carolina de Jesus no fim da adolescência (em Belo Horizonte, em contato com ativistas negros), uma referência vaga sobre o livro "Quarto de Despejo". Já em São Paulo, em 1992 ou 93, li uma biografia de Carolina, depois li o "Quarto de Despejo", tive acesso a trabalhos sobre ela feitos na universidade e depois disso li o "Diário de Bitita", e também livros e manuscritos na versão PDF distribuídos por pesquisadores-militantes e fãs. Como surgiu o convite para escrever o prefácio do livro da autora? O editor me mandou um e-mail e depois me telefonou, nesta conversa ele contou que havia convidado a escritora

"Nós tratamos de racismo e desigualdades raciais, que são questões extremamente contemporâneas" presentada por pessoas e instituições brancas) tem sido forçada a contemplar as pessoas negras, seus valores e legado, apenas isso, não tenho ilusões. Como fica muito feio adotar políticas de diversidade e representatividade ancoradas na ausência das pessoas negras, é preciso convidar artistas, curadores e curadoras, pensadoras e pensadores negros para fazer as honras da casa.

Cidinha da Silva escreveu o prefácio da nova edição de "Quarto de Despejo" Ana Maria Gonçalves para fazer o prefácio e ela teria me indicado. Imagino que antes de me telefonar, ele tenha pesquisado para saber quem eu era e então, me ligou. Creio também que o convite foi feito para mim pela condição de escritora negra de certa visibilidade, recomendada por uma grande escritora e que resolveria o dilema da "representatividade"... finalmente, teríamos uma escritora negra prefaciando Carolina. Ao ler o prefácio do livro, conseguimos encontrar não apenas Carolina Maria de Jesus, mas também um pouco de Cidinha da Silva. Você também reverencia escritoras mais velhas como Conceição Evaristo, Miriam Alves e Esmeralda Ribeiro. Acredita que apesar da diferença geracional, a contemporaneidade está presente nos projetos literários de todas vocês?

Nós tratamos de racismo e desigualdades raciais que são questões extremamente contemporâneas, Conceição tem também uma abordagem de gênero demarcada. Eu trabalho com esses três temas e escrevo sobre amor, cotidiano, solidão, africanidades, entre diversos outros, que são temas da contemporaneidade também. A ascensão de Carolina foi muitas vezes estereotipada, vejo nesse atual momento um reconhecimento não apenas pela escrita de seus livros, mas também por sua vida. Reconhecimento esse, muitas vezes vindo de estudos acadêmicos ou de momentos como a sua exposição. Qual a sua percepção sobre esse “novo” olhar para Carolina Maria de Jesus? É um olhar afinado com os tempos que vivemos, nos quais a branquitude (re-

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Qual terminologia você usaria para descrever Carolina Maria de Jesus e por quê? Uma escritora versátil que produziu um clássico da literatura brasileira, "Quarto de Despejo". Você esteve na exposição. Conta para gente sobre ela e sua importância. Na verdade, estive na pré-abertura organizada para artistas e intelectuais que participaram da exposição com trabalhos, depoimentos, ou atuaram em alguma das diversas áreas que compõem os bastidores de uma exposição. Quero voltar para ver cada espaço com a calma e o detalhamento necessários, a pré-abertura foi um momento de confraternização. Acho importantíssimo que Carolina, sua vida e obra ocupem a Avenida Paulista, o metro quadrado mais caro da América Latina, com a curadoria negra de Hélio Menezes, Raquel Barreto e Luciara Ribeiro. Penso que as pessoas deveriam ir lá para ver, vai fazer bem para elas, vão aprender muita coisa sobre determinação, construção de um projeto literário, múltiplos talentos de uma artista.

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EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS

Ensino remoto testa desafios entre maternidade e educação

Letícia Silva

Desde o início da pandemia da Covid-19, as escolas vêm tentando se adaptar a esse sistema de ensino totalmente online. Nesse novo formato, a rotina das mães com filhos pequenos em processo de alfabetização e/ou educação infantil, mudou completamente. Além dos muitos desafios encontrados pelos professores, pelos alunos e suas famílias nesse formato remoto, um dos problemas é o acesso à internet. A pedagoga Julia Felix trabalha há mais de 20 anos com educação infantil e é mãe da Manuela, de 7 anos. Ela conta que a participação dos pais nesse novo processo foi fundamental para a adaptação do ensino a distância, e que a realidade das escolas e dos professores era lidar com um turbilhão de novidades por conta dos novos métodos de dar aula. “Durante a semana, nós enviávamos duas atividades por dia e uma vez na semana fazíamos uma live e ligação por vídeo também. Antes da pandemia, nós nos víamos todos os dias e de repente a gente estava se vendo só pela telinha do celular. Foi uma grande novidade, mas até que a gente conseguiu se

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Letícia Silva

Mães relatam dificuldades de acompanhar e orientar os filhos pequenos neste novo jeito de assistir às aulas

Antônio, filho de Gabriela Dantas, realizando as atividades propostas pela escola adaptar bem”, afirma. Além das dificuldades financeiras e de acesso, a rotina a distância para algumas famílias foi complicada com os pequenos todos os dias em casa, tanto para os pais quanto para as crianças. Beatriz Caetano é promotora de eventos e mãe solo do Bernardo, de 6 anos, que está no último ano da pré-escola. Ela sente a falta do ensino presencial. “Quando eu não estava trabalhando, ele fez um tempo as aulas online. Mas agora que estou, ele não faz mais e fica praticamente o dia todo assistindo desenho, ven-

do YouTube. Não tenho o que fazer”, diz Beatriz, sobre os desafios de manter a qualidade e a rotina de estudos remotos. Para Gabriela Dantas, doula, educadora, maquiadora, hair stylist e mãe do Antônio, de 4 anos, não existe uma rotina de estudos, principalmente na idade do filho, que está no CI Minigrupo 2, o pós-maternal. Ela diz que as professoras passam atividades via Google Classroom e eles entregam quando conseguem. Mesmo tendo seu marido dividindo as tarefas e os cuidados com

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a criança, ainda assim é um grande desafio. Gabriela afirma também que, a escola e as aulas presenciais fazem muita diferença no processo de aprendizagem e alfabetização, que essa descoberta dos números e das letras, se torna bem mais lenta e que a convivência com outras crianças é fundamental. Com a volta às aulas presenciais, em outubro, determinada pelo prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB), para toda a rede municipal, inclusive do ensino infantil, o desafio é outro: se readaptar às antigas rotinas.

READAPTAÇÃO

Alunos e professores sofrem com a volta às aulas presenciais Nátaly Tenório e Isabella Souza

Com o avanço da vacinação e o número de casos da Covid-19 diminuindo, a maioria das escolas e faculdades voltaram às aulas presenciais, com o método chamado “rodízio”, que consiste na divisão dos alunos em variadas turmas, o que evita aglomeração. Porém, essa volta trouxe alguns problemas: o medo de socializar, a dificuldade dos professores em conciliar o online com o presencial, a queda das notas dos alunos e a perda do costume de ver muitas pessoas no mesmo ambiente. Muitos jovens desenvolveram problemas psicológicos na pandemia, como depressão, ansiedade e crises de pânico. Médicos dizem que o prejuízo é enorme agora e para o futuro de jovens que completaram 15, 16, 17 anos fechados em casa. Professores também sentiram o peso do isolamento na pandemia, pela pressão causada por pessoas que diziam que os profissionais estavam sem trabalhar direito em casa, e pela falta de costume de utilizarem as plataformas. A psicóloga Nancy Fiorillo diz que o medo do desconhecido, da volta da rotina, da não aceitação por parte dos colegas e das dificuldades em fazer provas e cumprir tarefas tem sido frequente, e que esses jovens acabam se frustrando com a expectativa de que as relações

sejam iguais. Porém com a pandemia tudo mudou, as pessoas mudaram. A professora Morgana Ribeiro conta que no começo das aulas online sentiu um desconforto completo. “Hoje já normalizou, mas foi muito tenso”, afirma. Ela também relata que está feliz com a volta das aulas, mas que é difícil, pois muitos alunos ainda não retornaram presencialmente. “Com metade dos alunos vindo, e a outra não, não fica uma aula completa, falta um desempenho dos alunos, eles ficam um pouco apáticos, desligados”, diz ela. Ela conta que muitos alunos transitam pela sala de aula sem máscara, e que isso deixa os professores muito tensos, pois muitos esquecem que estão em uma pandemia. João Santos conta que sua irmã Lara Santos, de 8 anos, demorou um tempo para se adaptar as aulas online, por conta da falta dos amigos e dos professores. Ela não queria fazer as atividades, e nem ver as aulas. Lara ficou feliz com a volta das aulas presenciais, mas estava com muita expectativa de ver os amigos. Mas foi diferente, se falaram pouco e tinham um pouco de vergonha, pela idade e pelo tempo sem se ver. "Ela se sentiu sozinha e um pouco excluída, e agora tem sido um processo de muita conversa e incentivo para ela se enturmar novamente", diz João.


EM CASA

Universitários sentem impactos com aulas remotas

ESTAMOS PREPARADOS?

Homeschooling: entenda o projeto que está na pauta do governo

Estudantes analisam prós e contras das atividades acadêmicas em casa

Nayhara Possetti

Fabiane de Andrade

Estudantes sofrem desgaste com aulas remotas e excesso de distrações em casa

Nayhara Possetti

“Acabo procrastinando minhas atividades, não consigo prestar atenção, tenho muitas distrações em casa e acaba sendo mais cansativo psicologicamente.” A frase é da aluna Yumi Sawada, 20 anos, que cursa 6° semestre de Economia na FECAP. Ela, assim como vários universitários, garante que está complicado acompanhar as aulas remotas e mais difícil para entregar as inúmeras atividades demandadas diariamente.

A saúde mental é um dos pilares que nos sustenta, assim como a saúde física, principalmente por ainda estarmos em época de pandemia. Se nossa saúde física é comprometida, há inúmeros impactos na saúde mental. Por serem interligadas, é preciso tratar para que nosso corpo não corresponda na forma de inúmeros sintomas. “Para um estudante, a saúde mental deveria ser prioridade máxima, pois se há um sofrimento psíquico prolongado, todo

o processo de ensino-aprendizagem pode ser prejudicado”, afirma a psicóloga Paula Chence Bertoli, que atua na área hospitalar e saúde pública há 14 anos. “Talvez seja preciso ouvir mais os seus estudantes, conhecer o público e suas necessidades, manter adaptações para aqueles que precisam mais. Paralelo a isso, é preciso oferecer apoio psicológico”, sugere. Todos estamos expostos ao sofrimento psíquico e que as ditas “do-

enças mentais” podem acontecer com qualquer pessoa. Não se trata de frescura ou fraqueza. Se nós associarmos as doenças mentais aos seus piores sintomas apenas, será mais difícil reconhecer quando estivermos vivenciando-as. Na opinião da psicóloga, a pandemia trouxe para nossa sociedade capitalista e imediatista a sensação de tempo perdido e, no caso dos estudantes, “ano perdido”. “Esta é uma questão social, que traz um impacto social e também individual”, afirma Paula. A necessidade por aulas remotas e o distanciamento social foi de fato muito tenso e frustrante, mas não trouxe somente aspectos negativos no que diz respeito às estratégias de ensino. Ao saber reconhecer os prós e contras, é possível focar nos prós e investir energia nesses aspectos, assim os contras ficam mais toleráveis. Mas nem todas as reações são negativas. “Para mim foi maravilhoso. Não preciso pegar ônibus, e posso estudar no conforto da minha casa. Eu gastava 2 horas ida e volta no transporte público só indo para a faculdade, e fora as 2 horas para ir e voltar do trabalho”, afirma Mariana Andouni, estudante de Arquitetura e Urbanismo no FIAM-FAAM.

O projeto de educação domiciliar, ou homeschooling, foi votado e aprovado no dia 10 de junho na Câmara dos Deputados. O assunto tem sido prioritário para o presidente Jair Bolsonaro porque, durante a pandemia da Covid-19, muitas crianças e jovens foram impossibilitados de frequentar a escola para evitar aglomerações e precisaram seguir com o ensino remoto. O homeschooling é uma modalidade de ensino domiciliar, em que os pais ou tutores dedicados ensinam as crianças em casa. Esse ensino é proibido no Brasil devido ao código penal, que define como crime de abandono intelectual caso os pais ou responsáveis não matriculem os filhos em escolas a partir de 4 anos, podendo ser punidos com detenção de 15 dias a 1 mês ou multa. Mas não é somente no Brasil que se mantém o homeschooling como crime. A Alemanha e a Suécia consideram crime e condenam com a perda de custódia dos filhos que adotem essa modalidade de ensino. Mas, afinal, qual a diferença entre ensino remoto e homeschooling, e quais países adotam cada método de ensino? Estados Unidos, Canadá, Austrália, Noruega e Rússia

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adotam o ensino homeschooling e comprovam que o aluno pode se desenvolver intelectualmente tão bem quanto o aluno frequentador de escolas, mantendo notas boas e garantindo vagas nas melhores universidades. Conforme estudo conduzido pelo Dr. Brian Ray para a Associação de Defesa Legal da Educação Domiciliar (HSLDA), os estudantes de educação domiciliar apresentam resultados acadêmicos de 15% a 30% superiores aos estudantes de escolas convencionais. Mas, na prática, as dificuldades são evidentes e mostram que ainda não estamos preparados para o homeschooling. Marcia Wasser, mãe de Maria Beatriz, precisou acompanhar a filha de 8 anos no ensino remoto devido à pandemia e não acha que o ensino em casa é a melhor opção. “Eu não conseguia lidar com a educação em casa, foi difícil conciliar a educação, os afazeres domésticos, além do lazer da minha filha”, diz Marcia, que teve que ajudar a filha com as aulas remotas. “Eu não sou professora, e o jeito que eu explico ela não entende”, completa Marcia. Ela alega, ainda, que os professores da escola têm a técnica para conduzir as aulas do ensino e os pais não são formados nisso.

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ESPECIAL • PAULO FREIRE

Eu Paulo, tu Freires, nós dialogamos:

afinal, quem foi Paulo Freire? O centenário de Paulo Freire, em meio a atuais ataques contra a educação no Brasil, nos leva a refletir sobre o pensamento e o legado de um dos principais intelectuais do País

Denise Alves

Ilustração: Rômulo de Arruda

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ui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com meu mundo e não do mundo dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.” Assim o próprio educador Paulo Freire descreve no livro “A Importância do Ato de Ler” sua primeira sensação de aprender, que mais tarde, se tornaria a sua vontade de ensinar. O pedagogo e patrono da educação brasileira, Paulo Freire, completaria 100 anos em 19 de setembro de 2021. Durante seus 75 anos de vida, dedicou mais de 56 à educação, tendo começado a lecionar, por um curto tempo, gramática da língua portuguesa em um colégio, quando ainda estudava na Faculdade de Direito do Recife. Mas foi em 1947, trabalhando na divisão de criação e cultura do Sesi, que percebeu que o processo educativo era mais eficiente com diálogo entre os alunos e suas famílias.

A partir de um olhar crítico em relação à sociedade brasileira, Paulo Freire começa a propor uma nova maneira de praticar uma educação como modalidade transformadora. No livro “Paulo Freire: uma vida entre aprender e ensinar”, o escritor Carlos Brandão descreve os principais pilares do pensamento de Freire: “Não há ciência neutra” e “toda a educação esconde ou revela uma dimensão política” serão duas ideias que ele de várias maneiras repete e reitera entre palestras, aulas e escritos”. O ponto-chave na vida de Paulo Freire foi quando, em 1963, sua prática educacional obteve o primeiro grande feito no projeto “40 horas de Angicos”, nome de um município do Rio Grande do Norte. Pelo método Freiriano, cerca de 300 angicanos foram alfabetizados. A ocasião foi tão importante e impactante que o atual presidente da época, João Goulart, e o chefe do Estado-Maior do Exército, Castelo Branco, estiveram presentes no encerramento das aulas. O método aplicado por

Paulo Freire desafiava o que existia até então. Ele ignorava as cartilhas, pequeno livro que continha o alfabeto em grupo de letras para a formação de sílabas, e trabalhava com as “palavras geradoras” que surgiam a partir da realidade e contexto do aluno. Um enfeite da rede de dormir e uma palavra típica da região, “bolota” foi uma das escolhidas para ser projetada para os alunos na época. A partir da palavra geradora (Bolota, por exemplo) era apresentado às famílias fonêmicas de cada sílaba, as chamadas “fichas de descoberta”, em que iriam surgindo novas sentenças, dentro do que estava sendo apresentado. Outro ponto típico da ideia de Paulo era a “quebra” da barreira entre aluno e professor: “[...] Portanto, como dinâmica de trânsito, lançamos o círculo de cultura. Como decorrência, superamos o professor pelo coordenador de debates. O aluno pelo participante do grupo”, trecho do livro “Paulo Freire: uma bibliografia”, do Moacir Gadotti, diretor do Instituto Paulo Freire.


“Não há ciência neutra” e “toda a educação esconde ou revela uma dimensão política” são duas ideias que ele de várias maneiras repete e reitera entre palestras, aulas e escritos” O QUE FOI O BRASIL DE PAULO FREIRE?

Além de saber quem foi Paulo Freire, é necessário ter conhecimento sobre o que foi o Brasil na época do educador, pois o contexto histórico diz muito sobre sua obra e a perseguição que ele sofreu nos anos seguintes. De acordo com o escritor Sérgio Haddad, em seu livro “O educador: um perfil do Paulo Freire”, em 1964, 8,9% do total na faixa de quinze a 45 anos não sabiam ler nem escrever. Isso ocorre em uma época que apenas pessoas alfabetizadas poderiam votar. Além disso, o Brasil passava por um processo de modernização e uma reprodução massiva de desigualdade social. Logo, as tentativas de Paulo Freire em tentar mudar essa realidade geraram desconforto em classes que detinham o poder no país, incluindo os militares. Meses após Paulo Freire ter sido convidado pelo presidente da República, João Goulart, para criar o Programa Nacional de Alfabetização, a serviço do próprio Ministério da Educação e Cultura (MEC), ocorreu o Golpe Militar que tratou de extinguir o projeto, um mês antes de ser lançado. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, colegiado criado para investigar as violações dos direitos humanos que ocorreram durante a ditadura, foi concluído que pelo menos 50 mil pessoas foram presas no período. Paulo Freire fez parte desse número, no qual apontaram o seu material didático como contrário aos interesses da nação

e o acusaram de querer implantar o comunismo no país. O escritor Sérgio Haddad também narra o ocorrido no seu livro, contando que, no dia 27 de abril, o reitor da Universidade de Recife, João Alfredo, criou uma reunião com o intuito de investigar os docentes “na prática de crime contra o Estado e seu patrimônio”. EXÍLIO

Após prestar explicações na delegacia e ficar preso por alguns dias, Paulo foi exilado do Brasil. Embora de maneira trágica, pensando no cenário da época, os tempos de exílio de Paulo Freire, talvez, tenham sido o segundo ponto-chave em sua vida. O primeiro lugar onde procurou refúgio foi em La Paz, na Bolívia, porém, pouco tempo depois, o país foi vítima de um golpe militar também. Paulo precisou se exilar no Chile e durante sua passagem no país, ele começou a escrever “A Pedagogia do Oprimido” (1968), sua obra mais conhecida e estudada ao redor do mundo. Foi no Chile também que Freire começou a participar de programas populares de educação, promovendo o que era para ter sido realizado no Brasil, e chegou a ser assessor do Instituto Agropecuário, do Ministério da Educação. Em 1969, Paulo e sua família vão para os Estados Unidos, onde ele começa a dar aulas como professor visitante na Universidade Harvard. Após isso, Paulo ainda passou por países, como Suíça, e realizou confe-

rências pelo mundo todo, incluindo lugares que foram colonizados por Portugal e que precisavam refazer toda a estrutura educacional. RETORNO AO BRASIL

Recebido por jornalistas e admiradores, Paulo Freire retornou ao Brasil em 1980, um ano após o fim da Ditadura Militar. Em solo brasileiro, retomou seus trabalhos educacionais, tornou-se professor e pesquisador da PUC-SP, no Programa de Educação: Currículo (1980-1997) e escreveu o livro “Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido” (1992). Mais tarde, em 1989, foi convidado por Luiza Erundina (PSOL), prefeita de São Paulo na época, para ocupar o cargo de Secretário Municipal, em que permaneceu até 1991. Durante sua gestão, foi criado o MOVA SP (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos), que tinha como intuito combater o analfabetismo entre jovens e adultos na cidade. Segundo o relatório “MOVA-Brasil 10 anos”, no primeiro ano do programa, foram implementados 626 núcleos de alfabetização em convênio com 56 movimentos populares, tendo formado 2.001 alfabetizadores e alfabetizado 12.185 pessoas. Além disso, foi o projeto criado por Paulo que inspirou a criação do próprio “Mova Brasil”, que possui maior abrangência. LEGADO: ALÉM DO BRASIL

“Se Paulo Freire fosse tão bom, ia ter mais um

país, além do Brasil usando o método dele. Coisa boa a gente copia, e não tem nenhum país fora o Brasil que fala que Paulo Freire é bom. Aonde tem na Alemanha? Estados Unidos?”. Essa frase foi dita pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante sua participação no programa Morning Show, da Jovem Pan, em 2019. Nos últimos anos, Abraham, juntamente com o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e seus apoiadores, têm feito ataques contra as aplicações de Paulo Freire. Entretanto, ao redor do mundo, o método Freiriano está longe de ser questionado de maneira negativa. De acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a Finlândia é o país com o melhor índice de educação básica no mundo, lista em que o Brasil

se encontra em 35° lugar. No país fica localizado o “Centro Paulo Freire”, fundado em 2007, como forma de prestigiar o trabalho do educador. Embora não seja direta a participação de Paulo Freire no sistema educacional da Finlândia, um dos fundadores do Centro, Juha Suoranta, em entrevista à Revista Tantas Folhas, explica que a semelhança entre ambos está no fato de que “o conceito de educação igual para todos é profundamente enraizado na justiça política e social [do país]. Um não existe sem o outro”. Além disso, Souranta conta que Paulo também está presente na formação dos professores, por meio do livro “A Pedagogia do Oprimido”. Com sedes do “Instituto Paulo Freire” e “Sociedade Paulo Freire” em Berlim, Alemanha, um dos métodos Freiriano é utilizado na comunicação com pes-

soas com Alzheimer no país, em que os profissionais são instigados a olhar para situação do paciente a partir da realidade dele. Apesar do descaso feito pelo atual governo em relação ao trabalho do educador, Paulo Freire não somente possui seus métodos espalhados no Brasil e ao redor do mundo como também é prestigiado em todos esses lugares. Existem aproximadamente 400 escolas em 27 estados do Brasil e nove em outros países que carregam o seu nome, como é mostrado na “Ocupação Paulo Freire”, do Itaú Cultural. Além disso, segundo uma pesquisa feita pelo Elliott Green, professor da Universidade de Economia e Ciência Política de Londres, Inglaterra, a principal obra de Paulo, “Pedagogia do Oprimido” é a terceira publicação mais citada nos trabalhos acadêmicos na área de Ciências Humanas.

ELZA FREIRE, EDUCADORA Nascida na cidade de Recife, Elza Maria Costa de Oliveira (1916 1997), conhecida somente como Elza Freire, tinha somente 19 anos quando se tornou professora. Em 1928, casou-se com Paulo Freire, e sua parceria com o educador ia muito além dos votos de casamento. Elza teve uma grande contribuição no mé-

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todo Freiriano! Além de suas experiências como educadora, ela se especializou nos aspectos de alfabetização e tinha preferência pelo trabalho educacional com crianças. Elza, assim como Paulo, dedicou sua vida inteira para falar sobre Educação. Dica de leitura: Elza Freire: uma vida que faz educação Autora: Nima Spigolon Editora: Paco Editorial Ano de publicação: 2016

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ESPECIAL • PAULO FREIRE

Ocupação, série, documentário:

as homenagens a Paulo Freire Leticia Silva

No ano do centenário do educador, espaços culturais e programas de TV homenageiam o patrono da educação brasileira

Ocupação Paulo Freire, no Itaú Cultural, na Avenida Paulista

VISITE Ocupação Paulo Freire Itaú Cultural Avenida Paulista, 149, São Paulo, SP Até 30 de janeiro de 2022 Terça a domingo, das 11h às 19h Entrada gratuita Não é necessário agendamento prévio. Porém, caso o número exceda 30 pessoas no espaço, as equipes do Itaú Cultural (IC) realizam o controle de acesso do público

"Eu acho que isso é um marco e a gente tem que valorizar mesmo a teoria do Paulo Freire, a pessoa do Paulo Freire" (Maria Angela, professora aposentada) 8

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pesar de diversas tentativas de censura e apagamento do trabalho de Paulo Freire em que ele buscava levar educação a pessoas e cidades que não teriam acesso, sua história e seu legado completaram 100 anos no dia 19 de setembro. Para homenageá-lo, a cidade de São Paulo organizou diversas formas de celebrar esta data. Na Zona Oeste da cidade, um mural em um prédio da Avenida Pacaembu, Barra Funda, exibe uma foto do recifense feita pelo artista Raul Zito com a frase "Esperançar: amar é um ato de coragem", idealizada junto a família Freire. Já na Avenida Paulista, o espaço Itaú Cultural exibe a exposição "Ocupação Paulo Freire 1964", que conta a trajetória do educador, da sua infância até suas propostas de educação comunitária que, na época, foram perseguidas pela ditadura militar e o obrigou a deixar seus planos aqui no Brasil para depois, mas chegou a outros países transformando as cartilhas de aprendizado.

Visitante da Ocupação Paulo Freire assiste à entrevista ativada pelo sensor no chão; o dispositivo permite que o visitante escolha qual campo da vida de Paulo Freire deseja conhecer A ocupação está sendo exibida no segundo andar no piso Multiúso do prédio do Itaú Cultural. Em uma sala pequena, estão reunidos diferentes registros escritos e fotográficos da vida e trabalho de Paulo, como documentos, manuscritos de "Pedagogia do Oprimido" um de seus livros mais consagrados, fotos com Luiza Erundina na época em que foi secretário da Educação em 1989. Há, também, dispositivos no chão ativados por sensor quando o visitante pisa nos locais indicados, reproduzindo nas telas, entrevistas e outros conteúdos audiovisuais. A professora aposentada, Maria Angela Carreiro, visitante da ocupação, diz que estava adorando a exposição pela forma com que a documentação estava sendo exposta e a qualidade da curadoria e que é um marco importante para educação do Brasil e precisa ser valorizada. Larissa Neves é estagiária de direito e afirma que é interessante conhecer e aprender sobre a história

de uma figura tão importante para a história da educação no Brasil: "Por mais que ele seja uma personalidade forte no nosso país, muita gente não o conhece e é legal vir conhecer, saber quem foi Paulo Freire." Além de todos os vídeos possuírem intérpretes, a exposição contará também com um site, publicação impressa e digital com informações extras e adicionais às que serão encontradas no espaço da exibição. PARA VER NA TELA

O setor audiovisual também preparou suas homenagens ao professor. No dia 20 de setembro estreou a série "Entrevista: Educação no centenário Paulo Freire” na TV Futura, com apresentação do professor João Luiz Pedrosa. Cada episódio contará com um convidado especial que perpetua o legado do educador, discutindo seu centenário. Dentre eles estão o escritor Frei Betto, a professora e performance Dodi Leal e Moacir Gadotti, educador e

Leticia Silva

Visitante assiste vídeo de apresentação da exposição

presidente de honra do Instituto Paulo Freire. Vale relembrar outra homenagem: a série produzida e exibida pela SescTV: "Paulo Freire, um homem do mundo" dirigida por Cristiano Burlan. Ela teve sua estreia em agosto de 2020 e conta com cinco episódios que percorrem a vida e obra do patrono da educação, desde sua formação até o legado que deixou, a partir de fotos, documentos e depoimentos de seus familiares e educadores que atuam ou ajudaram na construção de sua teoria colocando-as em prática. O segundo episódio da série mostra um dos marcos da trajetória de Paulo, as chamadas “40 horas de Angicos”, onde o professor levou seu método revolucionário de educação para adultos. Neste mesmo episódio, o professor Eder Jofre afirma que Paulo Freire conquistou o título de patrono da educação porque ele não ficava só no discurso, ele vivia o que ele dizia, como seus sacrifícios para tirar muitos do analfabetismo.

Leticia Silva

Caio de Luca

Leticia Silva

Leticia Silva

Mostra de livros didáticos sobre a metodologia de Paulo Freire em outras línguas

Mostra das projeções que foram utilizadas nas “40 horas de Angicos”, segundo episódio da série documental "Paulo Freire, um homem do mundo", exibido pela TV Sesc (assista pelo QR code ao lado) O casal de professores aposentados Maria Aparecida Carneiro Marinho e José Maria Carneiro diz que o educador influenciou muito em suas vidas como professores, porque, através do que sabiam dos seus métodos de ensino, eles buscavam aplicar em sala, aulas voltadas à prática dos alunos no dia a dia. Maria diz que Paulo esteve sempre presente nas reuniões de escola nas quais ela esteve e que seu pensamento sempre foi muito atual. "É importante os jovens buscarem

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a memória, e ele foi uma pessoa muito influente em todos os sentidos" José afirma ser de extrema importância as homenagens feitas a Paulo por sua contribuição com a educação do Brasil e do mundo, ajudando seus alunos a se conscientizarem do ser político. Paulo Freire não conseguiu terminar sua revolução na alfabetização do Brasil, mas construiu o seu legado na educação mundial e brasileira, deixando suas sementes.

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VIDA DIGITAL

Adolescentes são prejudicados por exposição excessiva na internet Os jovens já são maioria nas redes sociais. Cerca de 24,3 milhões de crianças e adolescentes, com idade entre 9 e 17 anos, são usuários de internet no Brasil, o que corresponde a cerca de 86% do total de pessoas dessa faixa etária no país, um percentual mais alto do que a média da população em geral conectada, que está em torno de 70%. A informação consta na pesquisa TIC Kids Online Brasil 2018. O uso de mídias sociais é usado como passatempo, uma forma de escape da realidade, e até mesmo como trabalho por crianças e adolescentes, que muitas vezes têm seus vídeos viralizados, e entram no mundo da fama das redes sociais. Essa fama precoce tem acarretado problemas na vida desses menores e de seus respectivos pais, como a superexposição, a falta de compromisso com os estudos e a sexualização. Segundo a psicóloga Ione Barbosa, tudo depende do movimento de cada um. “Existem crianças e adolescentes que são responsáveis e conseguem separar suas responsabilidades, já outros podem utilizar dessa justificativa para fugir dos afazeres. Nesse sentido, o papel dos pais é fundamental para observar o comportamento e as atitudes dos filhos, e corrigi-los”, afirma Ione.

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Reprodução

Nátaly Tenório e Luiza Ferreira

Reprodução

Fama precoce causa problemas na vida de adolescentes

Beatriz Taminato e Isadora Donati: aprendendo a lidar com a fama precoce Recentemente, a influencer Nina Rios, teve as redes sociais excluídas pela mãe, Fernanda Rocha Kanner, que anunciou a decisão em seu Instagram por meio de um texto. “Decidi apagar a conta do Tiktok e do Instagram dela. Chata, eu sei, mas nossa função como mãe não é ser amiguinha de vocês e isso vocês só vão entender em retrospectiva”, explica Fernanda. “Papo de tia. O carinho que vocês têm por ela é a coisa mais fofa, mas eu não acho saudável nem para um adulto e muito menos para uma adolescente basear referências de autoconhecimento em feedback virtual, isso é ilusão e ilusão mete uma neblina danada na estrada do se encontrar”, escreve no Instagram. Ela encerra o texto dizendo que não quer a filha brilhante se prestando a dancinhas diárias como

um babuíno treinado. Outro caso polêmico que aconteceu recentemente envolveu a youtuber Isabel Magdalena, 14, e sua mãe Francinete Peres, que foi acusada por internautas de ridicularizar sua filha em vídeos publicados no YouTube. Em um deles, a menina é obrigada pela mãe a ir para a escola com uma mochila escolhida pelos fãs, e em outro vídeo mais antigo, é obrigada a beber uma mistura de ingredientes que a fazem vomitar. O caso repercutiu, e a #salvebelparameninas chegou ao topo dos trending topics do Twitter. Ione Barbosa comenta que se as crianças tiverem uma boa base familiar, diferente da que a youtuber possui, elas conseguem lidar com a fama, com o trabalho e com a nova fase em que elas se encontram. “É perigoso a criança ou adolescente não conseguir separar os papéis e se sobrecarregar,

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não tendo espaço para viver situações da sua idade. Como por exemplo o brincar, o lúdico é extremamente importante para o desenvolvimento, e não vivê-lo de maneira saudável me parece uma perda irreparável, pois não tem como voltar no tempo, e se a pessoa não souber se organizar, pensamentos negativos podem surgir, como a ansiedade, estresse, frustrações e angústia." Um exemplo de uma adolescente que soube lidar bem com essa fama, foi a influenciadora Beatriz Taminato. Ela conta que não se importa muito com os comentários ruins, e que dá mais importância para quem diz coisas boas. “Em nenhum momento as redes me atrapalharam, eu sempre soube lidar bem com isso e conciliar com os meus afazeres”, diz. Quando era mais nova,

Mídias sociais influenciam comportamento humano Isabella Souza e Larissa Dias As gerações mais novas estão conectadas ao mundo digital e muitas vezes não percebem a influência que estão recebendo por meio dessas ferramentas. Segundo a psicóloga Nancy Fiorillo, mesmo nascendo no mundo digital, o fator psicológico das crianças fica afetado devido à mistura de virtual e real, e às vezes, elas não sabem em qual dos mundos viver, tornando-se agressivas ou mesmo depressivas, com sérios transtornos. Recentemente, Instagram, Facebook e Whatsapp caíram por 6 horas e muitas pessoas se viram desesperadas, buscando em outras redes uma forma de se manterem conectadas, como se fosse

ela já recebeu críticas e algumas ameaças, mas diz que isso nunca a afetou de uma forma muito negativa, pois ela sempre teve a ajuda de sua mãe para lidar com essas situações. A influenciadora Isadora Donati, de 17 anos, possui um perfil no Instagram com 11 mil seguidores, e 83 mil seguidores no Tiktok, com vídeos que chegaram a 3 milhões de visualizações. Isadora começou a produzir conteúdo para a internet no começo da pandemia. “Eu me vi presa dentro de casa, e comecei a usar isso como lazer, fazia stories e vídeos”, afirma.

algo necessário para vivermos, e isso só mostra essa dependência cada vez mais absurda. “A Internet veio para modificar a vida de todos, de crianças a adultos e até a 3ª idade. Mas como tudo que mexe com a rotina das pessoas tem seu lado bom e o ruim, vejo as pessoas mais isoladas, com mais dificuldade de sociabilidade, com maior solidão, e vivendo muito dependente das redes sociais”, afirma a psicóloga. “Por outro lado, a internet traz o mundo para dentro de casa, com cultura, divertimento, aprendizado, diversão e trabalho. Muitas novidades ainda virão nessa área e com certeza nossas crianças hoje já estão se preparando para esse futuro”, finaliza.

Ela já recebeu críticas de algumas pessoas de sua família e de sua escola, isso a desanimava às vezes, mas ela conta que sempre tentou ignorar. Nos estudos, Isadora teve que dar um tempo nos vídeos, pois não estava conseguindo conciliar as duas coisas. “Eu me senti muito exposta depois que meus vídeos viralizaram, eu fiquei com muito receio, até parei de gravar por um tempo, eu tinha muita vergonha, e muito medo do que podia acontecer, eu não tinha mais controle de quem me acompanhava”, finaliza.


AUTOIMAGEM

CELULAR

Redes Sociais causam Transtorno Dismórfico

Reprodução

Tecnologia na infância requer cuidados

Nayhara Possetti

“Sou gorda, meu nariz é caído, meus dentes são tortos, me acho totalmente desproporcional.” Assim Tamara Machado, 23, descreve o próprio corpo. A alteração visual está relacionada ao Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) que tem como principal sintoma a preocupação exacerbada com um ou mais defeitos percebidos em sua aparência física. “Os pacientes com TDC tendem a repetir excessivamente comportamentos ou atos mentais, como por exemplo as comparações, se sentindo obrigado a executar esses comportamentos, os quais não são prazerosos e podem aumentar a ansiedade e a disforia”, explica a psicóloga clíni-

ca e hospitalar Katharina Martins de Moraes. Esse transtorno é grave e pouco conhecido, mas teve mais visibilidade quando a jornalista Daiana Garbin falou publicamente que foi diagnosticada com TDC. Os jovens de 15 aos 20 anos são os que mais apresentam esse transtorno, e que realizam procedimentos estéticos. "Já quis colocar preenchimento labial e lentes nos dentes para tentar ficar parecida com uma digital influencer que sigo na rede social”, diz Tamara. Há poucos estudos comprovando que as redes sociais podem ser uma das principais influências para desenvolver o TDC. "É difícil confirmar isso, uma vez que na adolescência podem surgir preocupa-

Nayhara Possetti

Problema afeta jovens dos 15 aos 20 anos

Beatriz, de 11 anos, em sua casa mexendo no celular Renata Ribas

Transtorno Dismórfico Corporal afeta autoimagem ções naturais devido à fase do desenvolvimento em que a pessoa se encontra”, diz a psicóloga. O diagnóstico final é dado através de uma avaliação psicológica e psiquiátrica. A partir daí, se inicia o tratamento medicamentoso que geralmente é realizado através de inibidores seletivos de

recaptação da serotonina, mas deverá ser avaliado e analisado caso a caso com um psiquiatra. Por isso é importante estar alerta ao perceber os sintomas em uma pessoa próxima, e se estiver afetando a vida social dela, acolhê-la e encaminhá-la aos profissionais competentes.

CIDADANIA

Aplicativos facilitam processos em meio à pandemia Vinícius Coelho Amado Diversos aplicativos oferecem serviços úteis para o dia a dia do cidadão em celulares Android e IPhone (IOS). As ferramentas permitem, entre outras coisas, solicitar programas de aposentadoria, pensão e seguro-desemprego e até fazer investimentos em títulos públicos do Tesouro ou buscar hemocentros. O Expressão listou alguns desses aplicativos e suas finalidades. Confira:

Meu INSS: oferece serviços relacionados à aposentadoria, salário-maternidade, auxílio-doença, sendo possível ainda tirar extratos de pagamentos e contribuições, agendar perícias e muito mais. FGTS: o cidadão pode solicitar o saque de forma digital, fazer upload de documentos e acompanhar as etapas do processo. Tesouro Direto: o aplicativo permite que o usuário faça investimentos em tí-

tulos públicos diretamente pelo celular. É possível acompanhar seus números, acessar extrato, consultar taxas e resgatar os valores de rentabilidade. Carteira de Trabalho Digital: o cidadão acompanha sua vida laboral, tem acesso a dados pessoais e aos seus contratos de trabalho que estão registrados na Carteira de Trabalho e Previdência Social. Enem: o APP criado pelo INEP, órgão vinculado ao

Ministério da Educação, disponibiliza informações importantes sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): calendários, cronograma de provas, local de realização do exame e gabaritos podem ser conferidos direto pelo celular. Hemovida: central de doação de sangue pelo celular. O usuário encontrará os hemocentros mais próximos da sua localização, com endereço, horários de funcionamento e telefone para contato.

O contato com celulares tem acontecido cada vez mais cedo, tornando-se uma realidade na vida de crianças. Influenciadas pelo uso diário e da relação dos pais com o meio digital, não é difícil que crianças comecem a interagir com telas antes mesmo de falar suas primeiras palavras. Assim, a tecnologia na infância pode se tornar uma ótima aliada da aprendizagem quando o assunto é assimilação de informações. Vanilza Santana, mãe de Beatriz Santana, 11, relata que sua filha começou a utilizar o celular muito cedo, e que o uso ajudou bastante no desenvolvimento. “Com 7 anos Bia começou a assistir vídeos e fazer atividades pelo celular, dessa forma se desenvolveu bastante. E os jogos eram relacionados com a escola”, diz Vanilza, que hoje toma alguns cuidados com relação à filha. “Quando Bia está no celular ficamos de olho nela e nas coisas que faz, para evitarmos coisas inapropriadas.” É preciso tomar alguns cuidados e perceber o momento certo de incentivar o uso do celular. Entender os benefícios e os possíveis

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riscos são alguns dos motivos pelos quais os pais devem levar em consideração. Há quem diga que as tecnologias atuais são vilãs do desenvolvimento infantil e existem aqueles que defendem seu uso. A psicóloga Suzuki Tanin acredita que a idade certa para inserção dos pequenos é por volta dos 14 anos, quando já passaram pela explosão hormonal ocasionada pela puberdade. “Com 7 e 8 anos a criança está passando pelo desenvolvimento emocional, tendo mais consciência e noção de si mesmo. Depois dessa fase, vem a explosão hormonal que afeta muito o comportamento, com 14 anos. Mas não sei se os pais conseguem aguentar, pois envolve todo um apelo social, não é muito positivo que a criança fique completamente excluída”, afirma. Uma ótima forma de cuidar das crianças é o acompanhamento diário dos pais, um bom diálogo é fundamental para promover as limitações e não favorecer os vícios, juntamente uma boa orientação de uso consciente e monitorar o conteúdo acessado na internet.

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CULTURA E ARTES

Sem apoio financeiro, artistas independentes lutam para trabalhar Letícia SIlva

A periferia concentra uma grande quantidade de músicos que independem de grandes gravadoras para realizar seus trabalhos, incluindo gravação de clipes, singles e discos, a fim de achar formas de produzir e profissionalizar seu trabalho de forma independente. Jackson Laureano, vocalista da banda Reggae a Planta, original do bairro João XXIII, periferia da Zona Oeste de São Paulo, conta como tem sido difícil encontrar maneiras de tornar rentável sua arte nesse contexto pandêmico, pois sem show não tem verba e sem esse retorno fica mais difícil de conseguir gravar músicas para divulgar nas plataformas digitais e, também, a dificuldade de integrar projetos de incentivo à artistas como ele. "Pra você conquistar

esse negócio (editais de incentivo a música), você paga uma taxinha meio absurda, o edital você não paga taxa mas para você ter o CNPJ como banda, você tem que emitir nota todo mês, se eu fiz um show com o CNPJ da banda, e eu emiti uma nota de R$ 1.000 eu vou ter que pagar R$ 250 de imposto, mas o MEI já não faz isso, por isso que tem uns editais que agora pode fazer usando o MEI." Pensando na dificuldade desses artistas de profissionalizar seus trabalhos, as Fábricas de Cultura, criadas com o objetivo de ampliar o conhecimento cultural por meio da interação com a comunidade, criaram estúdios que realiza, não só a gravação de músicas, mas também a mixagem e masterização de faixas autorais de artistas indepen-

Letícia Silva

Desde antes da pandemia, músicos periféricos e independentes encontram diversas dificuldades para continuarem seguindo seus sonhos

Banda Reggae a Planta gravando clipe em laje na favela do Goteira, Zona Oeste de São Paulo dentes, de forma gratuita. Murilo Muraah, supervisor de articulação e difusão dos estúdios das fábricas, diz que eles recebem cerca de 5 mil artistas por ano para realizar esse trabalho, desde a criação dos estúdios em 2015 até o início da pandemia, que os obrigaram

a fechar as fábricas. Murilo diz que, além dos processos de gravação, esses artistas encontram dificuldade para disponibilizar as músicas nas plataformas digitais como Deezer e Spotify, por conta da taxa de cadastro, podendo pagar cerca de R$ 80 por mú-

sica. Pensando nisso, as fábricas fecharam parceria com a distribuidora Tratore. "Então quem grava nos estúdios das fábricas, se quiser fazer a distribuição nas plataformas digitais pela Tratore, ela faz essa distribuição sem cobrar as taxas que normalmente cobrariam pelo cadastro.” Há alguns dias, a banda teve a notícia que passaram pelo edital Proart. O edital tem o objetivo de promover e tornar acessível eventos culturais na cidade de São Paulo, valorizar manifestações culturais periféricas e viabilizar a diversidade cultural da cidade, incentivando financeiramente o artista em até R$ 9 mil, a depender da categoria. Jackson afirma ter sido difícil conseguir passar no edital e diz que os requisitos como ter

MEI (microempreendedor individual) ou CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) dificulta o acesso. “A gente ainda não fez nada por causa da pandemia, aí eles têm que liberar lá na prefeitura, que é uma verba para artistas assim, mas eles nunca soltam. Para você conquistar esse dinheiro é muito difícil, aí tem artistas independentes que não conseguem fazer um CNPJ ou um MEI, não sabe como fazer isso, então o dinheiro fica lá só acumulando.” Ele afirma também, que existe uma verba de três milhões de reais que seria destinada à produção de eventos de Reggae na cidade de São Paulo e que está parada desde antes da pandemia. Procurada, a Secretaria Municipal de Cultura não retornou os e-mails.

FOLIA

Prefeitura de São Paulo autoriza o retorno do carnaval em 2022 Giulia Galdi

Giulia Galdi O retorno do carnaval em 2022 foi aprovado pela prefeitura da cidade de São Paulo em conjunto com a SPTuris, empresa responsável por administrar o evento na cidade, desde que 70% da população esteja

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imunizada e os órgãos de saúde considerem baixo o risco de contágio durante o evento. As escolas de samba estão nos preparativos para o retorno do evento no próximo ano. Renato Remondini Rodrigues, presidente da Dragões da Real, localizada no bairro Vila

Anastácio, Zona Oeste da cidade, afirma: "Não existe nenhuma informação técnica ou restrição até o momento, entretanto estamos muito otimistas e esperançosos para que tenhamos o melhor carnaval de todos os tempos”. “Todas as escolas de samba cumpriram rigoro-

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samente as determinações da prefeitura, conforme somos orientados sobre a liberação, ficamos mais à vontade para realizarmos o carnaval”, declara o diretor da Acadêmicos do Tucuruvi Rodrigo Minotti Delduque, localizada no bairro Vila Mazzei, Zona Leste de São Paulo.

Prefeitura autoriza carnaval no próximo ano


PLURALIDADE

Cultura africana conquista paulistanos Paulo Marinho

De restaurantes a salões de beleza, africanos enriquecem ainda mais a vida da décima cidade mais rica do planeta Paulo Marinho

Na cidade mais cosmopolita do Brasil, muito se comenta sobre diferentes culturas e diversidades, mas quando falamos sobre os africanos na cidade, pouco pensamos e conhecemos desses imigrantes que vêm mudando os espaços e as realidades da mais rica metrópole do hemisfério Sul. De restaurantes a salões de beleza, muitos são os estabelecimentos abertos na capital paulista por esses novos moradores, e alguns não tão novos assim, como é o caso de Maliana Okoba, natural de Guiné-Bissau. Moradora da região central paulistana, ela descreve a cidade como “única e ao mesmo tempo familiar e diversa”, e conta que demorou algum tempo para se adaptar à vida corrida

Victor Macaia, camaronês que mora no Brasil há 18 anos, dono do restaurante Biyou’z de São Paulo: “Cheguei no aeroporto pela primeira vez em 2012, queria desistir e voltar. Depois de alguns meses, conheci pessoas de outros lugares da África, e passamos a nos apoiar uns aos outros. Hoje trabalho como professora de inglês e tenho tentado escrever músicas”, brinca ela, cantando

alguns trechos de suas canções brasileiras favoritas. Localizado na Alameda Barão de Limeira, n 19, no bairro Campos Elíseos, o Biyou’z, um restaurante conhecido no centro histórico de São Paulo, traz uma culinária diversificada e colorida. “Me senti ale-

gre ao chegar em São Paulo, mas constatamos que não tinha nenhum restaurante africano por aqui”, comenta Victor Macaia, camaronês residente no Brasil há 18 anos e um dos proprietários do local, ao lado de sua esposa e filho. “O que a gente tenta fazer é comida africana de todos os lados, e qualquer pessoa consegue se encontrar aqui”, acrescenta. Macaia diz gostar muito do Brasil, e acha o país maravilhoso: “A cultura africana hoje ganhou muito espaço, mas a África ainda é um continente perdido no Brasil. Através da nossa culinária, a gente tenta explicar a história africana. Muitos brasileiros tentam conhecer um pouco da África depois de provar a comida”, finaliza.

E não são apenas os africanos oriundos do continente que compartilham suas histórias sobre a cultura. Renata Batista, afro-brasileira moradora da zona Sudoeste de São Paulo, visitou o restaurante pela primeira vez e ficou apaixonada: “O tempero, a comida, tudo é maravilhoso. É nossa obrigação como pessoas da diáspora aprender mais de algo que também está em nossa história”, diz, sorridente. “A cultura, de forma geral, me encanta cada vez mais, nós somos ensinados a não aprender sobre a cultura de nossos antepassados, apenas do lado europeu, e isso é triste demais. Mas cabe a nós, uma vez que reconhecemos nosso sangue, ir atrás disso, ainda mais em uma cidade com ampla diversidade cultural como São Paulo.”

VIVA A CULTURA AFRICANA EM SAMPA Biyou’z (Camarões) Restaurante africano com diversidade de pratos de diversos países do continente. Rua Barão de Limeira, 19. Todos os dias: das 11 às 22h. Bazar Tigre Negro (Nigéria) Uma loja de artigos religiosos para religiões de matriz africana. Rua Guaianases, 28. Segunda a sexta: das 10 às 20h. Sábado: das 10 às 18h. Museu Afro-Brasil Museu afro-brasileiro, com obras que traduzem a importância da cultura africana para o desenvolvimento cultural do país. Avenida Pedro Álvares Cabral, Parque Ibirapuera. Domingo: das 10 às 17h. Terça a sábado: das 10 às 17h. Kuavi Loja de roupas e tecidos africanos. Rua Domingos de Morais, 770, sala 6. Galeria Sampa Uma galeria com lojas variadas de proprietários africanos. Avenida São João, 60.

INCLUSÃO

Aulas de dança são motivação de vida em Taboão da Serra Larissa Ventura

A fim de promover a inclusão, a prefeitura de Taboão da Serra junto com a Secretaria de Cultura e Turismo de Taboão criaram em 2018 o projeto de Dança Inclusiva para deficientes auditivos e visuais. O projeto ganhou destaque, fazendo com que alunos e professores realizassem apresentações em megaeventos como o “TaboAfro”, tradicional feira Afro, e até mesmo fora do município de Taboão da Serra.

Segundo o professor de Dança Inclusiva Renan Matias, não existem restrições para a prática da dança por pessoas com deficiência. “A cada aula eles têm uma melhora no equilíbrio, na autoestima, na confiança. Eles fazem normalmente uma adaptação para reaprender a viver.” De acordo com Renan, estímulos são uma das principais fontes de percepção e são ressaltadas durante essa prática, principalmente quando

nos referimos àqueles que enxergam o mundo com as mãos. Nas aulas, o contato físico é mínimo, fazendo com que os alunos se desenvolvam apenas com os comandos dos professores. A coordenadora do projeto de Dança Inclusiva, Rosangela Jorge conta que buscou referências na associação criada por Fernanda Bianchini, que hoje em dia é conhecida mundialmente por criar e adaptar o Ballet para cegos.

Devido à pandemia, as aulas foram suspensas, prezando pela saúde dos alunos que possuem comorbidades, mas continuaram remotamente, fazendo com que os alunos mantivessem a prática das danças mesmo em casa, com o auxílio de seus familiares. Antigamente, as aulas tinham aproximadamente 25 alunos divididos entre a Arena Multiuso e no Cemur de Taboão da Serra, para que pudesse abranger todas as regiões da cidade.

Reprodução / Secretaria da Cultura

Apresentação "Festa anos 80": deficientes auditivos e visuais ganham espaço na cultura de Taboão da Serra

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ESPORTE E LAZER

Preparo mental e emocional reflete no desempenho de atletas

“Todo mundo vai errar muito até acertar”, diz a ginasta brasileira Rebeca Andrade A pressão psicológica devido ao medo de errar ou de perder pode afetar o estado emocional e mental de atletas, assim como prejudicar o desempenho. Como foi o caso simbólico da ginasta americana Simone Biles, 24, que abandonou a final por equipes nos Jogos Olímpicos de Tóquio para cuidar da saúde mental. Sua desistência levantou diversos debates sobre o impacto emocional no mundo do esporte e como é importante trabalhar as habilidades físicas e mentais. Para a psicóloga, artista circense e professora de flexibilidade Michelle de Lara, 33, o

Reprodução / Jonne Roriz/COB

Amanda Beiro

Rebeca Rodrigues de Andrade, 22, ginasta artística brasileira que representou o Brasil nos jogos de Tóquio corpo está completamente conectado com a mente. Embora o corpo receba um treinamento adequado com boa alimentação, hidratação e exercícios, as questões emocionais ainda po-

dem afetar seu rendimento e não alcançar expectativas. “É importante sempre buscar trabalhar o ‘aqui e agora’. Como está o seu corpo hoje? Esse conhecimento é o caminho para tra-

zer a conexão da mente”, explica. BUSCANDO A PERFEIÇÃO

A ginástica artística é uma modalidade em que qualquer movimento e postura é avaliado.

Quanto mais limpa e perfeita a apresentação, melhor é a pontuação. O erro de Simone Biles na prova de salto a levou a desistir de participar da final por equipes e depois individual nos Jogos de Tóquio. Em suas redes sociais, disse ter sentido o peso do mundo em seus ombros. “Entendemos que podemos errar, mas no fundo a gente vive nessa sociedade que vê o erro como fracasso”, disse a psicóloga, que acredita que o melhor a se fazer é abraçar o erro como parte de uma evolução. Ela acrescenta: “Não é porque você erra que você é péssimo naquilo. Só errando mesmo pra conseguir evoluir”.

Para a medalhista olímpica Rebeca Andrade, o erro pode acontecer a qualquer dia, a qualquer momento e com qualquer um. “A melhor maneira de minimizar os erros, de se sentir segura e confiante, é trabalhar forte, treinar duro e acreditar no seu potencial”, deu a dica. Para não se deixar afetar pela pressão do esporte, Rebeca trabalha com o apoio de uma psicóloga. “Isso me dá um suporte emocional e mental importantíssimo para que eu esteja sempre preparada para fazer o meu melhor nas competições”, contou a ginasta. “Mesmo naquele dia de mais cansaço, um dia ruim, até para se descobrir qual o nosso limite também.”

EFEITOS DA PANDEMIA

Covid-19 paralisa treinamentos e afeta o rendimento dos atletas Renata Ribas A Covid-19 teve grande impacto na vida dos atletas, causando a paralisação de eventos esportivos e de seus treinamentos diários, provocando problemas psicológicos como depressão e ansiedade. Segundo o projeto do Comitê de Ética da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que convocou cerca de 600 atletas brasileiros, entre 18 e 45 anos, de diferentes modalidades, durante

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a quarentena, mostra que: dos 578 esportistas que já responderam às perguntas online, 88,7% relataram sentir estresse, 72,7% têm insônia, 46,6% ansiedade e 27,2% se sentem depressivos. Atletas tiveram que mudar sua rotina completamente, criando uma adaptação na prática dos treinos, ou até mesmo cancelando, pois não tinham outro tipo de recursos necessários para adequação conforme as regras da quarentena, gerando alguns danos

físicos. Hoje cientistas já conseguem calcular o tamanho dessas perdas. Se ficar durante quatro e seis semanas sem treinar, um atleta pode perder até 10% da força e da potência dos músculos. Outro fator importante é a parte financeira, devido à pandemia (64,5%) atletas tiveram algumas modificações na renda mensal e 13% deles tiveram o contrato alterado ou suspenso, contudo no mesmo período, houve relatos de perda de patrocínios.

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Julia Avila, treinadora do Referência FC, relatou que a equipe de esporte universitário retornou aos treinos presenciais esse ano. Desde o ano passado, tiveram que manter os treinamentos de forma remota e online, e durante a fase de mais restrição da quarentena adotaram um novo jeito de treino, orientado em formato de videochamada. “Precisamos aprender a usar essa tecnologia e adaptar o ambiente de trabalho para a casa dos

treinadores e dos atletas para que pudesse realizar diferentes exercícios físicos. Começamos a entender que tipo de exercício poderia ser executados naquele espaço, mais o menos de um metro quadrado, e se seria possível fazer alguns deslocamentos para manutenção de força e mobilidade durante a quarentena.” Os principais eventos esportivos do planeta tiveram que ser cancelados durante a fase mais restritiva da pandemia

como o futebol, olimpíadas, NBA, entre outros, gerando grande impacto nos atletas. “As paralisações esportivas afetaram bastante o atleta, porque ele treina para ter um desempenho de alto nível no campeonato e seu grande objetivo é chegar lá e poder desempenhar um bom nível. Quando ele não tem previsão de um campeonato, acaba perdendo seu objetivo, motivação e rendimento”, afirma Júlia.


CAMPEÕES

Atletas paralímpicos lutam por igualdade Acervo pessoal Samuel

Paratletas enfrentam preconceito e lutam pela inclusão no esporte

Samuel e o auxiliar técnico Diego, no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro Larissa Ventura

A cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2021 trouxe uma das mensagens mais importantes do evento: a busca por inclusão. O evento destacou a importância da acessibilidade e proporcionou reflexões sobre igualdade, além de incentivar conquistas de pessoas com deficiência, que ainda so-

frem com muitas discriminações ao redor do mundo. Esse ano um termo ficou fora dos Jogos Paralímpicos e também deve ser barrado por você: superação. Essa expressão, campeã de menções, é o principal reflexo de uma visão capacitista que o movimento deseja abolir. O preconceito, cuja prática reduz a pessoa à sua deficiência está por trás de outras expressões

que devem ser substituídas. O atleta paralímpico não é portador de nada, sequer é um indivíduo com necessidades especiais. SAMUKA SUPERA

Samuel de Oliveira, de 15 anos, mora em Taboão da Serra e é atleta paralímpico desde 2018. Ele começou sua reabilitação na AACD com 9 anos, depois que sofreu um grave

acidente ao tentar pegar uma pipa, encostando uma barra de ferro em um fio de alta tensão. Conhecido como "Samuka Supera" nas redes sociais e no mundo paraolímpico, o jovem fazia fisioterapia aquática e foi assim que descobriu sua vocação para natação. “Eu sei lidar com meus defeitos, eu brinco e me divirto comigo mesmo e minhas dificuldades", diz. A personalidade forte e alegre de Samuel permitiu que ele se recuperasse melhor. Samuel sempre contou com o apoio de sua mãe e de seus amigos próximos e diz nunca desistir por eles. O jovem nadador ficou fora da lista de convocados, depois de bater o índice paralímpico ao fazer 36s71 na seletiva brasileira para os Jogos de Tóquio. O motivo foi a falta de comunicação entre o IPC (Comitê Paralímpico Internacional) e o CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), uma regra do IPC que determina que o atleta faça ao menos uma dentre quatro tipos de competições internacio-

nais específicas durante o presente ciclo. Como não disputou nenhuma delas, Samuel, não estava elegível para a Paralimpíada. É frequente o questionamento da deficiência dos atletas paralímpicos. Por mais que não estejam visíveis ao torcedor comum, todos os qualificados para os Jogos Paralímpicos foram submetidos a exames rigorosos e têm suas categorias revistas periodicamente. A categorização das provas é outra especificidade dos Jogos Paralímpicos. Ao contrário do que acontece na Olimpíada, o Comitê Paralímpico Internacional precisa abrigar deficientes físicos, visuais e intelectuais no mesmo esporte, ainda que eles não possam competir entre si. Ao longo da história, as queixas feitas pelos paratletas não mudam: a falta de investimentos, dificuldade de patrocínio, número insuficiente de técnicos e de ginásios devidamente apropriados e pouca divulgação midiática. Muitos atletas com deficiência par-

ticiparam de edições dos Jogos Paralímpicos, tendo conseguido resultados expressivos. O Brasil ficou em sétimo lugar nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2021, com 72 medalhas, sendo: 22 de ouro, 20 de prata e 30 de bronze, em diversos esportes inclusos na paralimpíada. Mas o sucesso deste ano não diminuiu o preconceito já enraizado que a sociedade brasileira tem em relação ao esporte Paralímpico. Atletas e treinadores lutam com unhas e dentes nessa batalha contra o preconceito. O auxiliar técnico da seleção brasileira de natação paralímpica, Diego dos Santos Ferreira, afirma: “O esporte paralímpico não é nada de outro planeta, as pessoas que praticam esporte e são deficientes, treinam como as pessoas convencionais, a única coisa necessária é a adaptação. A sociedade precisa enxergar que as pessoas que praticam o esporte paralímpico,são pessoas comuns e que fazem força e treinam como todo mundo.”

EXPOSIÇÃO

João Pedro Costa Santos

O Museu do Futebol exibe a exposição “Tempo de Reação” que faz uma homenagem aos goleiros. A mostra conta a história dessa posição, que surgiu algum tempo depois da criação do futebol, e para a narrativa foi utilizada a história do goleiro Moacyr Barbosa (1921–2000), que sofreu com o racismo estrutural da nossa sociedade.

De acordo com Ligia Dona, pesquisadora do Museu do Futebol, havia duas demandas para que a mostra fosse realizada: “Fazer justiça à história de Barbosa e contar sobre sua carreira irretocável como goleiro e tratar da posição", explica. Além das pesquisas, ela e os outros pesquisadores entrevistaram personagens relacionados à narrativa que de-

sejavam criar. “Fizemos entrevistas com pessoas que tiveram contato em vida com Barbosa, como é o caso de Tereza Borba, sua filha de consideração, e conversamos com os diretores do C.A. Ypiranga, clube onde Barbosa iniciou sua carreira profissional e para a segunda demanda, colhemos depoimentos de goleiros e ex-goleiros”, conta.

Acervo do C.R. Vasco da Gama / Domínio público

Museu do Futebol homenageia os 150 anos da invenção dos goleiros "TEMPO DE REAÇÃO" Local: Museu do Futebol Endereço: Estádio Paulo Machado de Carvalho Pacaembu Quando: de terça-feira a domingo, das 9 até às 17 h. Ingressos: R$20,00 inteira e R$10 meia-entrada. Entrada gratuita às terças-feiras A exposição permanece até 31 de janeiro de 2022.

O goleiro Moacyr Barbosa (1921-2000) faria 100 anos em 2001 e é homenageado na exposição

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Por que ir: conhecer as histórias e curiosidades dos goleiros, viver a experiência de ver o jogo na perspectiva do goleiro e, em especial, conhecer a trajetória de Moacyr Barbosa, goleiro da derrota da seleção brasileira na final da Copa de 1950

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INFOGRÁFICO

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