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Sem medidas concretas

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Roupa nova

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Na Política de Compliance, Britto sinaliza que não há nada sobre o tema. Já no Código de Conduta Ética consta que a Petrobras vai coibir o assédio moral e sexual, sem trazer medidas concretas.

— No Programa de Compliance, é dito que existem “áreas especializadas em apuração de denúncias que tratam de assédio sexual e moral”, sem indicar que áreas são essas e como se dá essa apuração de forma eficaz — disse.

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Por fim, no Regime Disciplinar de Empregados, o assédio moral ou sexual é considerado falta disciplinar, mas não há detalhes das penalidades para esses casos.

No dia 20 de abril, a Petrobras anunciou um novo canal de atendimento psicológico 24 horas e diminuiu o prazo de apuração das denúncias para 60 dias. Além fazer quimio e radioterapia. Meus colegas achavam que eu estava afastada por problemas mentais. A ficha só caiu quando fiquei careca. Quando Paula retornou da licença médica, não tinha função definida. Foi alocada pela gerência em uma mesa que era usada para cafés da manhã e sequer tinha computador. disso, um representante indicado pela vítima poderá acompanhar a investigação. As medidas foram sugeridas pelo Grupo de Trabalho criado pela empresa para rever procedimentos internos. O comitê se reporta à Diretoria Executiva, que conta com apenas uma mulher entre suas nove cadeiras:

— Era uma angústia, eu era uma inútil. Não tinha computador e não fazia nada, por mais de um mês. Eu ia para o vestiário, chorava, chorava, me recuperava e voltava. Tinha a impressão de que eles queriam que eu chorasse.

Paula diz ser muito comum os gerentes ameaçarem transferir os funcionários para o regime administrativo, tirando o adicional de turno, que representa boa parte do salário. Ela também descobriu que outra funcionária foi filmada escondido enquanto tomava banho na unidade.

As pessoas ouvidas pela reportagem dizem que a Ouvidoria não funciona. C. foi testemunha em uma investigação de assédio moral após ver uma técnica de enfermagem ser perseguida e humilhada por um gerente, que a pressionava para abrir mão de exigências sanitárias relacionadas à alimentação na plataforma. Depois da denúncia, C. descobriu que a pessoa responsável pelo caso era outro gerente, amigo do denunciado.

— Eles botam pessoas da empresa para cuidar de casos de assédio. O resultado? O gerente enviou um e-mail de desculpas, admitindo que tinha feito um inferno na vida da funcionária.

O funcionário que fez a denúncia do vazamento das fotos confirma. Nas palavras dele, a Ouvidoria não investiga. Pelo contrário, apenas envia o relato ao setor denunciado para que a investigação corra por lá.

D., funcionária da Transpetro, uma subsidiária da Petrobras para a área de logística, foi assediada pelo gerente do seu terminal e levou o caso à Ouvidoria. O caso aconteceu em junho de 2022 em uma padaria. Ela trabalhava inspecionando dutos em obras da Petrobras e costumava almoçar com outros trabalhadores que atuavam em campo.

— Ele mandou uma localização, me chamando. Pensei que a galera estaria lá, mas estávamos sozinhos. Almoçamos e tudo bem. Na hora de ir embora, ele foi no estacionamento comigo, segurou os meus braços e tentou me beijar três vezes. E eu falando não, não, não — contou.

Segundo a advogada de Criminal Compliance Claudia Bonard de Carvalho, o Código Penal considera assédio sexual o ato de constranger alguém para ter favorecimento sexual, desde que o assediador use o seu cargo na hierarquia da empresa para intimidar a vítima.

D. procurou a Ouvidoria com outra colega que também foi assediada. Depois da investigação, foi informada que o gerente confessou, foi rebaixado e voltaria a atuar como técnico.

— Disseram que ele continuaria no setor, trabalhando comigo. Era o que “tinha para hoje”. Minha colega já estava decidida a pedir demissão. Eu reclamei.

Segundo D., a empresa argumentou que precisaria pagar um valor ao gerente se decidisse pela transferência de setor e a Petrobras disse que o montante poderia ser visto como um “bônus” a um funcionário de mau comportamento.

— Eu receberia a punição de continuar trabalhando com ele. Estava passando por psiquiatra e tomando antidepressivo. Tive que fazer uma cirurgia de tanto travar a boca de tensão. A empresa só fez a mudança de setor quando o sindicato relatou no seu jornal.

Uma fiscal disse que a Ouvidoria não tem garantia de anonimato. Segundo ela, que tem 22 anos de empresa, com as perguntas feitas pela equipe da Ouvidoria, é possível, na prática, descobrir quem fez a denúncia.

— Não denunciaria nada. A maioria dos homens não cai, vai para o lado. Depois dessas denúncias, a mulher que embarcava não embarca mais. Vão dizer que falta camarote e quartos.

Quem trabalha embarcado ganha um adicional de periculosidade de 30% do salário e outro de sobreaviso, de 20%. Se houver regime de turnos, há mais um bônus. Quem embarca recebe quase o dobro de quem trabalha em terra, disse a trabalhadora.

— Mas a questão não é o prazo, mas como é a apuração, que deve ser profunda.

Não se fala em criação de um regulamento punitivo — disse Britto.

Para o especialista, o primeiro passo de uma política consistente contra o assédio é submeter todos os empregados a cursos anuais de capacitação sobre o tema, com cobrança de presença e testes de aprendizado. Além disso, deve haver previsão das penas para os assediadores.

— Na Justiça do Trabalho, o assédio pode ser horizontal, entre trabalhadores de mesmo nível — afirmou.

Especialista reconhecem que a Petrobras tem muitas políticas de compliance, mas em grande parte centradas em prevenir corrupção. Além disso, a Ouvidoria foca em checar e-mails e mensagens, tornando difícil apurar casos de assédio.

Sabrina D’Avila, advogada de Direito Público e Priva- do, diz que as empresas não acompanharam as demandas da sociedade e continuam com a mesma política de dez anos atrás, que não é mais efetiva.

— Assédio é um crime de forte carga subjetiva, que demanda análise customizada. É importante a mulher ser atendida por um grupo multidisciplinar e o ambiente de trabalho nunca será normal se ela não for ressocializada. Não é só tirar o assediador.

O GLOBO submeteu os documentos de compliance, conduta e regime disciplinar da Petrobras ao advogado de Direito Empresarial Gabriel de Britto Silva. Ele avaliou que os informes não demonstram ação efetiva da empresa contra o assédio.

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