Edição 190 - Jornal das Lajes

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ANO XV Nº 190 - FEVEREIRO 2019

EDITORIAL Não foi uma tragédia

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O rompimento da barragem 1 de rejeitos de minério de ferro da Vale, no dia 25 de janeiro, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, expôs muito mais do que questões meramente técnicas apresentadas por engenheiros e especialistas, tais como: vulnerabilidade, riscos de rompimento, tecnologia ultrapassada, inspeções, descomissionamento, alteamento, etc. A tragédia (anunciada) em Brumadinho revela o desprezo pela vida humana e pela natureza em favor da ganância desenfreada por dinheiro, um acúmulo maior do que o mar de lama que soterrou vidas e sonhos de trabalhadores e moradores do distrito de Córrego do Feijão. Até o fechamento desta edição, em 6 de fevereiro, 13º dia de buscas pelos desaparecidos, foram resgatados 150 restos mortais, 182 pessoas continuavam desaparecidas. Para agravar ainda mais o sofrimento e a angústia dos familiares das pessoas desaparecidas, o Corpo de Bombeiros informou que provavelmente muitos corpos jamais serão encontrados devido às condições adversas impostas pelo tempo e pela decomposição desses mesmos corpos. A tragédia humana e ambiental nos faz lembrar cenas apocalíticas de filmes de ficção científica. Porém, nesse caso, as cenas são reais. O alto número de desaparecidos pode levar a computar mais de 300 mortos, de acordo com informações do Corpo de Bombeiros. Usamos até agora a palavra “tragédia” para classificar o rompimento da barragem e os efeitos terríveis causados por ele. Mas será que foi mesmo uma tragédia? Se analisarmos a origem do termo tragédia, voltaremos à Grécia antiga e aos espetáculos dramáticos apresentados pelos gregos. A tragédia grega possuía elementos fixos que reuniam deuses, humanos, destino e sociedade. Numa tragédia grega, humanos, deuses e semideuses não podiam fugir do destino, podendo este terminar em um final feliz ou triste. Portanto, para os gregos não era possível evitar uma tragédia, prevenir o seu desfecho, mudar o seu destino. Ele já estava escrito. Visto por esse lado, o episódio de Brumadinho, assim como o rompimento da barragem da Samarco em Bento Gonçalves, distrito de Mariana, há três anos, não podem ser classificados como uma tragédia. Seria melhor os classificarmos como crimes, negligência, desastres que poderiam ser evitados. Mas, em ambos os casos, a ganância – por sugar predatoriamente os recursos naturais – superou o bom-senso, a prudência, o cuidado, o zelo pela vida e pela natureza. A busca pelo acúmulo perverso de riquezas e pela alta das ações nas bolsas de valores cega empresas como a Vale, cujo compromisso com a preservação do meio ambiente e da vida humana se resume tão somente em propagandas caríssimas divulgadas em horários nobres nos meios de comunicação. Causa revolta assistir ao comunicado da Vale sobre o rompimento da barragem 1 de Brumadinho. No final do comunicado, a empresa destaca “que possui compromisso com a segurança”. Quanta hipocrisia! As cenas “apocalípticas” do mar de lama engolindo casas, soterrando máquinas, carros, trens, guindastes, matando o rio Paraopeba devem nos alertar quanto ao rumo que estamos tomando. Se escolhermos a ganância desenfreada pelo consumo, pela produção e pelo dinheiro, seguindo a lógica maquiavélica de que tudo pode quando a finalidade é obter lucro, continuaremos assistindo à natureza ser depredada e vidas humanas serem ceifadas impiedosamente. A exploração dos recursos naturais, como o petróleo e o minério de ferro, devem continuar a acontecer nesse ritmo avassalador capaz de destruir em poucos dias o que a natureza levou milhares de anos para construir? As imagens assustadoras captadas pelas câmeras de segurança da Vale no instante do rompimento da barragem mostram a fúria da natureza quando suas forças são desafiadas pelo homem. A humanidade precisa encontrar meios de viver em harmonia com a natureza. Os mortos de Brumadinho, muitos eternamente sepultados sob um mar de lama seca e venenosa, estão gritando isso. O JL é solidário às vítimas desse infame desastre que poderia ser evitado.

Jornal das Lajes Ltda Diretor Presidente e editor-chefe: André Eustáquio Melo de Oliveira Diretor de Redação: Rosalvo Gonçalves Pinto Editor Regional: José Venâncio de Resende Diretoria executiva: Eustáquio Peluzi Chaves (administração) e Antônio da Silva Ribeiro Neto (contabilidade).

Redação: Rua Assis Resende, 95 Centro - Resende Costa, MG CEP 36.340-000 TEL(32)3354-1323 Editoração e Site: Rafael Alves Impressão: Sempre Editora Av. Babita Camargos, 1645 Contagem - MG Tiragem: 4000 exemplares Circulação: Resende Costa e São João del-Rei

Conselho Editorial: André Eustáquio Melo de Oliveira, Emanuelle Resende Ribeiro, José Venâncio de Resende, Rosalvo Gonçalves Pinto, João Evangelista Magalhães e José Antônio Oliveira de Resende. Os artigos assinados não refletem obrigatoriamente a opinião do jornal.

Com Política! FERNANDO CHAVES

Relações históricas entre mídia e política O jornalismo como campo social dedicado a produzir e distribuir notícias com regularidade tem origem no século XVII, quando surgem na Europa os primeiros impressos com periodicidade fixa. Desde então, o campo da comunicação e as plataformas de veiculação jornalística mudaram enormemente, assim como a relação do campo político com as tecnologias da comunicação. Algo essencial, no entanto, não mudou. Mídia e política são esferas da vida social que se entrelaçam e mantêm relações intensas, desde os primórdios da imprensa moderna até os dias atuais: a política está sempre tentando instrumentalizar as plataformas de comunicação social em seu proveito, especialmente as novas plataformas, quando elas emergem como novidade tecnológica ao longo da história. No século XVIII, a relação dos primeiros periódicos com o campo político era de dependência. Muitos dos impressos da Europa setecentista assumiram papel de instrumentos políticos. Sua razão de ser era panfletária e suas fontes de financiamento partidárias, o que lhes conferia um caráter predominantemente opinativo, muitas vezes virulento. A disseminação dos ideais da Revolução Francesa e a agitação popular que caracterizou esse movimento foram corroboradas pela afixação e circulação de periódicos impressos, à época uma nova tecnologia e instrumento precioso de ativismo político. Ao longo do século XIX, a imprensa se transformou. Caminhou gradativamente para se tornar, no início do século XX, um empreendimento capitalista voltado para o lucro. Se muitos dos jornais europeus do século XVIII tinham finalidade e

financiamento oriundosde grupos políticos, na virada para o século XX o contexto é radicalmente diferente: os jornais se tornam empresas com grandes tiragens e circulação nacional. A publicidade surge como principal fonte de receita e o jornalismo desenvolve os ideais de objetividade e imparcialidade. A profissionalização dos jornalistas avança e, por volta de 1920, surgem os primeiros cursos superiores de comunicação. A mídia, nessa fase, se torna mais independente do campo político no aspecto financeiro e é convertida em uma espécie de palco simbólico, onde é gerada a visibilidade social. A imprensa do século XX assume a função de gestora da visibilidade. Os agentes políticos buscam chamar a atenção da cobertura midiática para suas ações e projetos, a fim de ocupar o palco da comunicação de massa, obtendo visibilidade e gerando credibilidade junto à população. Em meados do século passado, rádio e TV se consolidavam como novas plataformas de comunicação e ampliavam o alcance das notícias para as camadas mais pobres e sem instrução. O campo jornalístico e a indústria da mídia construíram certa independência em relação à esfera política no século XX. Mas isso não quer dizer que nesse período a política não tenha lançado mão de expedientes para instrumentalizar meios e plataformas de comunicação com finalidade político-ideológica. A ascensão do rádio, por exemplo, como nova mídia na década de 1930, foi amplamente utilizada por Adolf Hitler para disseminar os ideais do Nazismo. No iníciodo século XXI, assistimos a uma nova reconfiguração das relações entre o campo político e a comunicação social. Inten-

sificou-se a midiatização da vida cotidiana e das relações entre as pessoas. A mídia é muito mais que um palco gestor da visibilidade social. Ela passa a se estruturar como uma grande rede que permeia toda a sociedade. A digitalização das mídias, os dispositivos móveis de acesso e a emergência das novas mídias digitais permitem o surgimento de novos atores comunicacionais. Em paralelo com a mídia tradicional, que ainda exerce forte poder, outras vozes ecoam no cenário comunicacional. Conforme ilustra a instrumentalização da imprensa durante as disputas políticas dos séculos XVIII e XIX e a utilização do rádio como um dos principais meios de propaganda nazista no século XX, as novas mídias contemporâneas (digitais, horizontais e em rede) têm o seu uso amplamente orquestrado por grupos de poder com finalidades político-ideológicas, como toda nova tecnologia que emerge na história humana. O uso político do que se tem chamado de fake news e outras estratégias de manipulação ou administração da informação é algo tão velho quanto as notícias. O estudo das relações históricas entre os campos da comunicação e da política revela que é nos momentos de surgimento e expansão de novas tecnologias da comunicação (imprensa, rádio, televisão, internet) que estamos mais vulneráveis à manipulação da informação! Isso explica a grande onda de fake news com efeitos observáveis sobre a última eleição brasileira. É como se a sociedade ainda não possuísse os antídotos para as novas tecnologias e suas implicações e aplicações políticas, como se ainda precisasse ser alfabetizada para as ferramentas de que já dispõe.


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