Política
O abandono da população de rua e o descaso com seus direitos básicos Diante da pandemia, o aumento do número de pessoas em situação de rua escancara a negligência social e política em São Paulo
© Reprodução: Fábio Vieira/Estadão
Por Guilherme Nazareth, Malu Araujo e Yasmin Solon
Abril/Maio 2022
albuergue que tem aqui. Um cara matou o outro lá dentro, então eu prefiro ficar aqui”. Todos os entrevistados afirmaram se sentirem mais acolhidos por iniciativas privadas, entidades religiosas e organiza ções não governamentais (ONGs) do que pelas do poder público. As causas que os levaram às ruas foram desemprego, perda de renda durante a pandemia, conflitos fa miliares e dependência química. Dentro desse cenário, o Movimento Na cional da População de Rua – MNPR, criado por volta de 2001, foi um marco primordial para discutir projetos e políticas públicas que trabalhassem em cima das reais neces sidades enfrentadas pela população de rua. Em entrevista concedida ao Contraponto, o antropólogo Tomás Melo explica que “quando ocorre o ataque na praça da Sé, surge a necessidade de um movimento com maior corpo para trazer pautas encampa das não por outras organizações, mas pelos próprios agentes e sujeitos moradores de rua, para criação de uma agenda pública”. © Reprodução: Yasmin Solon
A
pandemia refletiu em vários seg mentos da sociedade, principal mente, no socioeconômico. Segun do o censo divulgado pela prefeitura de São Paulo, em janeiro deste ano, 31.884 pessoas estão vivendo em situação de rua, além do crescimento de moradias improvi sadas e do aumento da população feminina e infantil. Embora, o perfil majoritário é de homens, pretos ou pardos, de meia idade, naturais de outros estados e alfabetizados. A fim de minimizar essa situação, a pre feitura criou novos centros de acolhida em pontos críticos, como na Mooca, e centros especiais, que são direcionados aos idosos, às mulheres, à comunidade LGBTQIA+ e aos catadores. Houve, nesses centros, um aumento de 80% da ocupação das vagas depois da pandemia. Esses locais prome tem conforto para dormir, alimentação completa, capacitação profissional e têm como princípio receber moradores de rua encaminhados de locais próximos. Entretanto, segundo alguns entrevis tados na região do Jabaquara, a realidade desses centros é controversa. Marcos de Antônio Araújo, 47, ao ser questionado sobre as condições, respondeu: “Péssimo, péssimo, péssimo. Tem comida, televisão, mas tudo que você usa no corpo, no dia se guinte, está cheio de bola, piolho, muqui rana. E ainda disseram que era um centro modelo. Que modelo é esse?”. Já César Augusto Dias comentou: “A prefeitura é só de fachada. Uma vez, eu liguei pro 156, era 20h. Foram me bus car às 02h. Me levaram do Jabaquara pro Brás. Cheguei lá, não tinha comida, nada, só era pra deitar e dormir. Pra deitar e dor mir eu fico na rua.Fico inseguro com esse
Atualmente, no Brasil, existem po líticas públicas que, por meio do MNPR, estruturaram a pauta sobre questões fundamentais para os moradores de rua, como o Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua), o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e o CadastroÚnico. “A grande virada é quando essas pessoas co meçam a entrar na arena pública, dizendo: ‘Olha, vocês aí que são domiciliados e pen sam políticas públicas para a gente, vocês não sabem nossas reais necessidades. Vo cês precisam escutar para que essas po líticas sejam efetivas, para que consigam entender nossas particularidades e o que a gente precisa’”, completa o antropólogo. Um dos problemas enfrentados pela população de rua é a falta de ações de mes mo sentido entre as lideranças dos cargos públicos. Tomás ressalta que “enquanto tem uma pessoa pensando em uma po lítica humanizada, do outro lado há um governador com outra perspectiva, que “atropela tudo o que estava sendo feito.” Para o antropólogo, o ponto para pen sar a atuação do governo nesses anos de melhorias e entraves é que “há experiên cias que são extremamente interessantes e políticas que são extremamente violado ras e tudo isso está acontecendo ao mes mo tempo. Existem várias disputas, entre vários setores e interesses”. Frente a esse fenômeno social que vem aumentando, a população pode exercer papel fundamental para reverter essa si tuação. Para o especilista mesmo que não seja agradável para ninguém ver outros em situação de rua, as pessoas se acostu maram, naturalizaram, ao passo que pre senciam essas cenas desde quando eram crianças. Diante dessa questão, Melo afir ma que “a gente precisa combater essa cul tura, de modo a desnaturalizar essa ideia, de forma que isso cause incômodo a todos e que se torne também a responsabilidade de todos resolver essa questão”. Soma-se a isso o pensamento enrai zado na população do “cada um por si”, ou seja, que é dever único do cidadão garan tir sua moradia. “Não se trata e nunca se tratou de uma questão de recursos. Trata -se de uma mentalidade de que o acesso à moradia é responsabilidade de cada um”, afirmou Tomás, que também conclui que a alimentação, manutenção do emprego e da família seriam melhor organizados pe los próprios moradores de rua.
Maria Pereira da Silva, 76, foi uma das entrevistadas pelo CP
5