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O abandono da população de rua e o descaso com seus direitos básicos
Diante da pandemia, o aumento do número de pessoas em situação de rua escancara a negligência social e política em São Paulo
Por Guilherme Nazareth, Malu Araujo e Yasmin Solon
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© Reprodução: Fábio Vieira/Estadão
Apandemia refletiu em vários segmentos da sociedade, principalmente, no socioeconômico. Segundo o censo divulgado pela prefeitura de São Paulo, em janeiro deste ano, 31.884 pessoas estão vivendo em situação de rua, além do crescimento de moradias improvisadas e do aumento da população feminina e infantil. Embora, o perfil majoritário é de homens, pretos ou pardos, de meia idade, naturais de outros estados e alfabetizados.
A fim de minimizar essa situação, a prefeitura criou novos centros de acolhida em pontos críticos, como na Mooca, e centros especiais, que são direcionados aos idosos, às mulheres, à comunidade LGBTQIA+ e aos catadores. Houve, nesses centros, um aumento de 80% da ocupação das vagas depois da pandemia. Esses locais prometem conforto para dormir, alimentação completa, capacitação profissional e têm como princípio receber moradores de rua encaminhados de locais próximos.
Entretanto, segundo alguns entrevistados na região do Jabaquara, a realidade desses centros é controversa. Marcos de Antônio Araújo, 47, ao ser questionado sobre as condições, respondeu: “Péssimo, péssimo, péssimo. Tem comida, televisão, mas tudo que você usa no corpo, no dia seguinte, está cheio de bola, piolho, muquirana. E ainda disseram que era um centro modelo. Que modelo é esse?”.
Já César Augusto Dias comentou: “A prefeitura é só de fachada. Uma vez, eu liguei pro 156, era 20h. Foram me buscar às 02h. Me levaram do Jabaquara pro Brás. Cheguei lá, não tinha comida, nada, só era pra deitar e dormir. Pra deitar e dormir eu fico na rua.Fico inseguro com esse albuergue que tem aqui. Um cara matou o outro lá dentro, então eu prefiro ficar aqui”.
Todos os entrevistados afirmaram se sentirem mais acolhidos por iniciativas privadas, entidades religiosas e organizações não governamentais (ONGs) do que pelas do poder público. As causas que os levaram às ruas foram desemprego, perda de renda durante a pandemia, conflitos familiares e dependência química.
Dentro desse cenário, o Movimento Nacional da População de Rua – MNPR, criado por volta de 2001, foi um marco primordial para discutir projetos e políticas públicas que trabalhassem em cima das reais necessidades enfrentadas pela população de rua. Em entrevista concedida ao Contraponto, o antropólogo Tomás Melo explica que “quando ocorre o ataque na praça da Sé, surge a necessidade de um movimento com maior corpo para trazer pautas encampadas não por outras organizações, mas pelos próprios agentes e sujeitos moradores de rua, para criação de uma agenda pública”.
Atualmente, no Brasil, existem políticas públicas que, por meio do MNPR, estruturaram a pauta sobre questões fundamentais para os moradores de rua, como o Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua), o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e o CadastroÚnico. “A grande virada é quando essas pessoas começam a entrar na arena pública, dizendo: ‘Olha, vocês aí que são domiciliados e pensam políticas públicas para a gente, vocês não sabem nossas reais necessidades. Vocês precisam escutar para que essas políticas sejam efetivas, para que consigam entender nossas particularidades e o que a gente precisa’”, completa o antropólogo.
Um dos problemas enfrentados pela população de rua é a falta de ações de mesmo sentido entre as lideranças dos cargos públicos. Tomás ressalta que “enquanto tem uma pessoa pensando em uma política humanizada, do outro lado há um governador com outra perspectiva, que “atropela tudo o que estava sendo feito.”
Para o antropólogo, o ponto para pensar a atuação do governo nesses anos de melhorias e entraves é que “há experiências que são extremamente interessantes e políticas que são extremamente violadoras e tudo isso está acontecendo ao mesmo tempo. Existem várias disputas, entre vários setores e interesses”.
Frente a esse fenômeno social que vem aumentando, a população pode exercer papel fundamental para reverter essa situação. Para o especilista mesmo que não seja agradável para ninguém ver outros em situação de rua, as pessoas se acostumaram, naturalizaram, ao passo que presenciam essas cenas desde quando eram crianças. Diante dessa questão, Melo afirma que “a gente precisa combater essa cultura, de modo a desnaturalizar essa ideia, de forma que isso cause incômodo a todos e que se torne também a responsabilidade de todos resolver essa questão”.
Somase a isso o pensamento enraizado na população do “cada um por si”, ou seja, que é dever único do cidadão garantir sua moradia. “Não se trata e nunca se tratou de uma questão de recursos. Tratase de uma mentalidade de que o acesso à moradia é responsabilidade de cada um”, afirmou Tomás, que também conclui que a alimentação, manutenção do emprego e da família seriam melhor organizados pelos próprios moradores de rua.
© Reprodução: Yasmin Solon

Maria Pereira da Silva, 76, foi uma das entrevistadas pelo CP