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Sobrevivência da humanidade exige mais do que discursos

ONU alerta que “Nós, Natureza e seres humanos, estamos sendo pressionados a nos adaptar às mudanças do clima além do que podemos”

Por Camilo Mota

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Mais de 2,8 bilhões de pessoas já são “altamente vulneráveis” por desastres climáticos, é o que diz o novo relatório publicado pelo Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas (fevereiro de 2022). O estudo enfatiza que lidar com seus impactos é cada vez mais difícil. Múltiplos eventos climáticos ocorrerão simultaneamente, resultando em desastres encadeados, que já afetam diversos setores e regiões. Porém, na prática esses alertas parecem não ter efeito. Apenas mais um desde a ECO92.

Inúmeras reuniões com líderes globais, que se baseiam em estudos dos mais competentes cientistas, já trouxeram à tona a urgência de uma ação coletiva para a contenção de tragédias – anunciadas –, que estão ocorrendo de maneira cada vez mais frequentes em todo o globo. Líderes e ativistas – e empresas – pronunciam discursos mais duros e promessas, que não são concretizados. E por que as sociedades não estão sendo capazes de enfrentar esses desafios? Para entender essa questão, o Contraponto conversou com a professora Marijane Lisboa, coordenadora do curso de Ciências Socioambientais da PUCSP.

As energias renováveis, tão defendidas por muitos, não são por si uma solução isenta de impactos. Além da matéria prima de que necessitam, como o Lítio para produção de baterias, por exemplo – e são minerais raros –, a instalação de usinas eólicas e solares demanda grandes extensões territoriais, que também agridem a natureza e suas populações. Há mais de 20 anos a Alemanha espera por um licenciamento para a instalação de usinas eólicas.

Ao mesmo tempo, a Conferência de Glasgow, ocorrida na Escócia em novembro de 2021 e que apresentou a proposta mais avançada para a mitigação desses impactos, deixou de selar uma data para o sepultamento do uso de carvão, maior responsável pelo aumento de gases de efeito estufa na atmosfera. O passo atrás foi dado principalmente por pressão da China, que está construindo neste momento usinas termelétricas. E da Índia, que disse com todas as letras que precisa do carvão enquanto fonte de energia.

Para a socióloga, enfrentar na dimensão que precisamos e atingir mais rapidamente as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa “implica em mais do que projetos de transição energética e substituição disso e daquilo”. Exige uma Política de Decrescimento, baseada no uso de menos recursos naturais e menos produção industrial. “Automóveis serão prioridade em qualquer país? Pensemos bem, deve ter coisas mais importantes. Esse pensamento radical é o único que daria conta de enfrentar com a intensidade necessária os desafios que vêm aí”.

Mesmo que haja maior consciência ambiental, as medidas de redução de gases não são suficientes para impedir que os fenômenos atuais se agravem. “Por incrível que pareça, quanto menos industrializado for o país, mais chances ele teria de

© Hermann Traub/Pixabay

se converter a uma agenda de produção mais adequada.”

Equalizar as mudanças climáticas e a sobrevivência humana significa trocar bens materiais “supérfluos” como carros, eletrodomésticos – descartáveis a cada ano –, por bens relacionais como: educação, saúde, assistência social, cultura. O que parece absurdo, assim como continuar produzindo de forma irresponsável – mesmo que isso soe como apoiar a precarização dos trabalhadores e a uberização, mas que já é realidade no atual modelo. Isso infelizmente já não garante mais que povos que vivem em regiões mais quentes, como no nosso caso, não serão afetados.

E nesse sentido, países como Estados Unidos e China, e a União Europeia, já sinalizam mudanças na forma de produzir, o que não os isenta de serem grandes economias e responderem a um público, além de concorrerem entre si. O fato é que ninguém ainda se mostrou corajoso o bastante para aceitar o desafio ambiental e encolher sua economia, ao contrário do que se espera.

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