Contraponto 131 - EDIÇÃO ABRIL/MAIO

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Vespas bike gang, o pedal das minas O pedal exclusivo para mulheres vem conquistando espaço na capital paulista

No nosso primeiro pedal (2018) tinham seis mulheres e semana passada, 50.

© Leticia Nakano

adicionado à sua experi­ ência de andar de bicicle­ ta pela cidade. “Antes, quando pedalava sozi­ nha, ficava limitada aos lugares que já conhecia, ou que tinha ciclovia, onde eu me sentia mais segura”, comentou. Grupos como esse que são exclusivos a cer­ tos públicos se tornaram mais comuns dentro do mundo do ciclismo ur­ bano. “A gente consegue encontrar pessoas para fazer essa ativi­ dade [andar de bicicleta] em companhia e impor que esses espaços são nossos tam­ bém”, adiciona Lemos. Paula Batista, outra ciclista entrevis­ tada que entrou no grupo em 2019, cons­ tata: “Um grupo exclusivo de pedal é de extrema importância; o Vespas é para mu­ lheres, então tem toda uma identificação. O pedal com os homens já é outro ritmo e pode ser mais desestimulante do que esti­ mulante. Não adianta o grupo ser diverso, mas não inclusivo.” Quanto aos desafios enfrentados pelo grupo, Nakano cita a dificuldade de colo­ car o corpo da mulher na rua, o fato des­ te não ser respeitado ou mesmo tolerado não só em questão de assédios, mas den­ tro das competências do próprio ciclismo. Também comenta do forte poder que o medo tem sobre elas a ponto de desen­ corajá­las de “pegar a bicicleta, colar no pedal”, reconhecendo como um desafio não só para o início, mas para a continui­ dade da atividade. “No nosso primeiro pe­ dal (2018) tinham seis mulheres e, semana passada, 50” – afirmou. Quando questionada sobre o que ain­ da falta para conquistarem, Leticia res­ ponde: “Muita coisa!”. Elas têm a ambição de expandir o grupo, sair de encontros apenas nas quartas­feiras e fazer ações, pedais de final de semana e atividades que façam com que as mulheres continuem pedalando e ocupando as ruas quando quiserem. “A gente sabe o potencial de autonomia que a bicicleta tem nas nossas vidas e a potência que isso tem na vida de uma mulher”, exclamou. Em dois anos de pandemia, dispositi­ vos contadores de bicicletas registraram um número aproximado de cinco milhões de ciclistas circulando em São Paulo. Pelas ruas terem sido feitas para car­ ros, a simples presença de um grupo de

Por Artur Santos

S

ão Paulo é movida à gasolina e pen­ sada para carros. Ruas mais largas, postos a cada esquina e o apelo à cul­ tura do automobilismo – mesmo com o sonho do carro próprio estando cada vez mais inalcançável – reforçam isso à po­ pulação. Contudo, ultimamente tem­se visto cada vez mais bicicletas nas ruas; seja pela alta do preço das passagens e do combustível, por lazer ou mesmo por es­ porte, os pedais vêm ocupando as ruas e avenidas da metrópole. Um exemplo disso foi a idealização de Leticia Nakano e mais cinco mulheres, as quais tinham o desejo de pedalarem unidas pela capital paulista. O Vespas bike gang, antigo Pedal das Minas, foi então criado. O projeto se trata de um grupo de bici­ cleta, exclusivo para mulheres, que fazem percursos por São Paulo todas as quartas­ ­feiras (com exceção de dias de chuva). Giuliette Lemos se tornou membro da equipe durante a pandemia. “Conheci rotas novas com as meninas (...) comecei a me sentir mais à vontade como mulher para pedalar na rua”, afirmou. Lemos também mencionou sobre o que significa fazer parte do projeto. “O Vespas tem uma presença um pouco di­ ferente: a gente pedala em um grupo mais organizado que realmente ocupa espaço em conjunto fazendo esse papel de mos­ trar que a rua também pertence a nós.” A idealizadora do Vespas, Leticia Nakano, completou “Uma sensação maior de autonomia e liberdade. Estar ro­ deada só por mulheres me trouxe um sen­ timento muito libertador. O machismo era sempre uma questão que atrapalhava muito o nosso desenvolvimento, nosso bem­estar.” Para Marina Hion, outra integrante do projeto, foi um fator muito importante

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Nakano

bicicletas já é inusitada; agora, quando elas são conduzidas exclusivamente por mulheres, algo mais causa incômodo. Isso foi publicamente evidenciado no dia 24 de novembro de 2021, quarta­fei­ ra, quando um motociclista passava pelo pelotão e espirrou spray de pimenta com o fim de agredir todas ali presentes. “Estava todo mundo tossindo sem en­ tender por quê e aí alguém falou: ‘gente, era spray de pimenta! ’ E ainda não tinha caído a ficha de que alguém tinha tentado machucar a gente” relatou Lemos. O cri­ me foi filmado por uma das ciclistas e per­ mitiu uma grande dispersão do ocorrido e luta na justiça. Ainda sobre o atentado, Hion, que também estava presente durante o ata­ que, complementa: “(...) daí eu comecei a tossir, meus olhos coçaram de leve, mas achei que era alguma coisa minha. Quem tinha sido mais afetada estava com o ros­ to inchado”. Para Paula Batista, as dificuldades encontradas pelo grupo, tais como a do atentado em novembro do ano passado, fortalecem a luta e acabam deixando o grupo mais unido: “Nós nos entendemos, sabemos como é ser mulher, das dificulda­ des… Muitas vezes a relação vai pra fora do pedal e, quando você vê, surge uma ami­ zade pra vida toda”, expressou. Na semana seguinte ao mencionado ataque, o grupo organizou um Pedal Ato e convocou quem pudesse vir (sem exclusi­ vidade de gênero). Em quatro dias, mobi­ lizaram cerca de 300 pessoas que, juntas, pedalaram contra o ocorrido. Com tantas bicicletas, foi necessário o bloqueio de ruas e a Avenida Paulista acabou tomada pelo protesto. Como era de se esperar, o clima não foi tão pacífico: o trânsito da cidade já é vio­ lento e essa cultura somada a um enxame em pelotão não levaria a algo diferente. O trajeto tomado começou na Praça do Ciclista e terminou no Vale do Anhanga­ baú, onde as componentes do grupo dis­ cursaram e marcaram liderança. A grande idealizadora do Vespas bike gang, Leticia Nakano, finaliza estimulan­ do o uso das bicicletas por mulheres. “Pegar a bicicleta que tem, seja ela compartilhada, seja ela da mãe, do pai; qualquer bicicleta é uma bicicleta” e con­ vida a todas para irem no pedal de quarta. “A gente recebe muita gente iniciante. É só pedalando em grupo que a gente entende como é”.

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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