Discurso de ódio no futebol: passamos do limite? Falas recentes despertam o debate sobre o criticismo nocivo e o saudável
Por Lucas Malagone, Marcello Toledo, Helena Guimarães e Rafaela Reis Serra
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Atualmente: redes sociais Nos últimos anos um novo fator surgiu na jogada: as redes sociais. Essas ferra mentas usadas por jornalistas como meio de informação e engajamento com o pú blico, vêm sendo utilizadas também para difundir o ódio e, dessa forma, viralizar conteúdo que alimente as mídias. Ao mesmo tempo que existem corren tes e grupos que apoiam um futebol mais democrático e livre desse cenário, as re des sociais potencializaram esse discurso de ódio que por muitas vezes é alimentado pela própria torcida e prejudica quem tra balha com amor ao seu clube. É o caso do jornalista Gabriel Amo rim, ex “Nosso Palestra” (portal de notí cias) e que atualmente está produzindo o podcast “Podporco” – duas mídias volta das ao público palmeirense. O profissio nal comenta o fato de hoje em dia lidar bem melhor com o discurso de ódio nas redes sociais, porém afirma que precisou de muita terapia para aprender a conviver com esse ambiente. “Hoje eu tento me pautar na minha convicção independente do que o outro vá pensar, mas não acho que isso prejudique o meu trabalho. In felizmente, o mundo hoje é assim e lidar com o público te obriga a encarar esse de safio”, disse Amorim. O jornalista explica que as redes la mentavelmente se pautam mais pelo ódio do que mensagens ou conteúdos positi vos, ainda mais quando se trata do time de coração num ambiente carregado. “Hoje as pessoas só querem ler o que elas concordam. Hoje tenho muito ‘hate’ de
Caso Craque Neto e Abel Ferreira Um episódio foi a fala polêmica do Craque Neto, apresentador do programa “Os donos da bola”. Na ânsia de criticar o Palmeiras e, principalmente, o técni co Abel Ferreira, Neto disparou ataques pessoais ao treinador e acabou ofenden do a mãe do português. Durante o programa o exjogador afir ma: “Você é tonto? O que você quer, [Abel Ferreira]? Que o cara que se formou em jornalismo, o cara que jogou bola [fale de ciência]? Nós estamos te elogiando. O que você quer? E a imprensa não vai em cima? O jornalista tem que falar de ciên cia? O exjogador não pode falar que você mexeu errado?” E finaliza, citando a mãe do técnico: “A sua mãe sabe mais? Sabe fazer baca lhau, sabe fazer cacetinho? A minha mãe sabe de futebol, talvez a sua não saiba.” Entre outras palavras e ofensas, o ata que de Neto foi motivado pelo fato de Abel ter criticado a imprensa. O exjogador tem uma fama de não aceitar nenhum tipo de crítica, ao mesmo tempo que está sempre falando e colocando defeitos no trabalho de atletas e técnicos. Porém, o que vem © Reprodução
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Futebol sempre foi e deve ser atrela do aos sentimentos. Ter um time de coração é quase que inerente a um indivíduo, oferecendo uma sensação de pertencimento igual à própria pele. Com ele nós choramos, vibramos e rimos. Ao mesmo tempo que vivemos sentimentos negativos como raiva, fúria e agressões. Não é de hoje que vemos aversão ou discursos de ódio atrelados ao futebol: as arquibancadas sempre foram também lu gares de xingamentos, de gritos e até brigas. Seria um engano separar o esporte dos movimentos da sociedade, como se fossem duas áreas completamente dife rentes. É importante compreender que determinados atos estão ligados à época em que as pessoas estão inseridas e são manifestadas no meio esportivo. José Paulo Florenzano, professor do curso de Jornalismo da PUC SP, faz esse paralelo: “é possível rastrear a existência desse discurso de ódio, dentro e fora do fu tebol, em determinadas conjunturas his tóricas. Como por exemplo, às vésperas do golpe de 1964, em que se existia um contexto marcado pela polarização ideo lógica e pelo discurso de ódio.” Florenzano ressalta: “É preciso, en tão, articular o interno do futebol com o entorno do futebol, para entender a força e o significado desse discurso.” As brigas entre torcedores eram fre quentes décadas atrás. As torcidas or ganizadas surgiram, a princípio, com a intenção de apoiar os times e fazer uma bonita festa na arquibancada. No entanto, além das comemorações, elas também vieram para proteger o torcedor comum, tomando a dianteira nas enormes e pro longadas brigas que ocorriam entre torci das nos anos 1970 e 1980. Enganase quem diz que o dilema da violência é justamente as organizadas, sendo que o problema se insere de forma estrutural na sociedade e as brigas são apenas o reflexo disso. A dinâmica brasi leira foi marcada por décadas conturba das durante a ditadura militar e, agora, com uma comunidade ainda mais dividida e pautada pelo ódio. O professor reafirma: “vivemos um ódio à democracia, em que há uma polari zação ideológica que atravessa as relações sociais no Brasil e no mundo. A ascensão da extrema direita acirrou este cenário, que influencia de alguma maneira a área do esporte. Não é algo fora da sociedade e, por isso, é necessário contextualizar.”
palmeirense que não aceita minhas opini ões. Às vezes assumir seu time te coloca ainda mais pressão, ainda mais se você tem uma posição privilegiada dentro do clube. A moda hoje está em ser do contra.” Amorim revela que a população não consegue nem conviver mais com os ri vais e que esse ódio ao diferente está for mando uma geração que jamais viveu um clássico com duas torcidas: “Isso é muito prejudicial para o debate como para nossa convivência em sociedade.”
O apresentador Craque Neto no programa Donos da Bola
CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP