Contraponto 131 - EDIÇÃO ABRIL/MAIO

Page 20

Quando as costuras aprisionam Como a indústria da moda explora a dignidade de trabalhadores colocando-os em situações análogas à escravidão

O

tremor econômico causado pelo petróleo nos anos 70 afetou for­ temente a cadeia produtiva da moda. Com a democratização da com­ pra, o barateamento das peças e a produ­ ção em maior escala, o trabalho análogo à escravidão cresceu assombrosamente; com efeitos até hoje, segue marcando presença nessa glamurosa cadeia produ­ tiva. Através da quarteirização da produ­ ção e na busca por maior lucro, grandes marcas se escondem atrás do imediatis­ mo no consumo atual, elevando o setor da moda para o segundo maior explora­ dor de mão de obra, segundo a fundação Walk Free, em sua pesquisa “The Global Slavery Index”, feita em 2018. Mediante a uma lógica distópica, o conforto e o glamour de uma peça bem finalizada, somente existirá às custas de

© Reprodução: Instagram

Por Bianca Athaide, Manuela Dias e Sophia Pietá

Trabalhadores têxteis em situação análoga à escravidão

20

milhares de vidas sacrificadas por jorna­ das exaustivas, salários muito baixos, trabalho forçado e servidão. Em 2019, segundo o Ministério do Trabalho do Es­ tado de São Paulo, 139 pessoas teriam sido resgatadas de situações análogas à escravidão em indústrias de produção têxtil. Em adição ao problema, mulheres nessas condições acabam lidando com mais um agravante, assédio moral e se­ xual por parte dos contratantes ou chefes de oficina. Apesar da escravidão ter sido abolida no ano de 1888, ainda é possível observar a exploração da mão de obra por parte de diversas empresas, que se aproveitam da inocência e da necessidade das vítimas para propor melhoria de vida por meio do trabalho. Não obstante, esses trabalha­ dores caem em falsas promessas, sendo explorados em condições sub­humanas pelas grandes marcas, submetidos a jor­ nadas exaustivas, moradias precárias, opressão física e psicológica. No mun­ do da moda predominam­se mulheres, mães, negras e imigrantes de origem la­ tino­americana; as indústrias têxteis bus­ cam por costureiras e bordadeiras para produzir roupas e calçados em larga es­ cala, com baixo custo de produção, che­ gando a pagar até três reais por peça feita às trabalhadoras. O primeiro caso do resgate de um tra­ balhador da indústria do vestuário ocor­ reu oficialmente apenas no ano de 2010 (anteriormente, eram expostos somente casos de exploração do trabalho no âmbi­ to rural), tornando as denúncias no meio urbano um tema muito recente para o público. Com o aumento da visibilidade e da fiscalização diante desse problema, muitas marcas passaram a ser expostas e penalizadas; como a denúncia contra a multinacional “Zara”, em 2011, em que a marca admitiu utilizar mão de obra es­ crava na produção das suas peças nas ci­ dades de São Paulo e Americana (SP). Na ocasião, 16 funcionários brasileiros e boli­ vianos, foram encontrados em condições desumanas e ilegais de trabalho infantil, jornadas exaustivas e restrições de liber­ dade. Durante os depoimentos prestados à justiça, em 2014, o diretor­geral da em­ presa no Brasil admitiu o uso de trabalho escravo em sua cadeia de produção, justi­ ficando ser um serviço terceirizado sem o conhecimento da empresa. A marca foi in­ denizada e obrigada a contratar legalmen­ te os trabalhadores e fornecer os direitos básicos necessários na fábrica.

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

Vespas bike gang, o pedal das minas

5min
page 36

O mundo dos criadores de conteúdo futebolístico

6min
pages 34-35

Discurso de ódio no futebol: passamos do limite?

7min
pages 32-33

A visibilidade do cinema nacional na cinematografi a mundial

8min
pages 28-29

FIFA e UEFA tomam medidas contra a Federação Russa após início de confl itos armados

8min
pages 30-31

A dublagem como democratização do acesso ao entretenimento

3min
page 27

O “hype” dos fi lmes de heróis que alcança adultos, crianças e a academia de cinema

5min
page 26

A Elitização no Carnaval de 22

6min
pages 24-25

Relato de um estudante: a vida durante o confl ito ................17 Petrobras a preço de dólar

4min
page 18

O purista e discriminatório conservadorismo geek

4min
page 23

A cintura baixa é um agente gordofóbico ou o preconceito está nos olhos de quem vê?

5min
page 22

Quando as costuras aprisionam

5min
pages 20-21

Um tributo aos ícones da alta costura

4min
page 19

Guerra Ucrânia x Rússia: antecedentes e parcialidade da imprensa hegemônica

16min
pages 14-17

Criptofascismo: sinais escondidos na extremadireita

4min
page 12

O abandono da população de rua e o descaso com seus direitos básicos

4min
page 5

Cem Anos de Mulheres na Política – A Batalha Não Acabou

5min
pages 10-11

Outras Marielles: o legado de ativistas assassinadas permanece

4min
page 9

Sobrevivência da humanidade exige mais do que discursos

3min
page 13

Quatro anos sem respostas: quem mandou matar Marielle?

3min
page 8

Retorno presencial em 2022: os primeiros meses de aulas na PUCSP

5min
page 4

A luta dos povos originários no Brasil

8min
pages 6-7
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Contraponto 131 - EDIÇÃO ABRIL/MAIO by Contraponto - Issuu