Quando as costuras aprisionam Como a indústria da moda explora a dignidade de trabalhadores colocando-os em situações análogas à escravidão
O
tremor econômico causado pelo petróleo nos anos 70 afetou for temente a cadeia produtiva da moda. Com a democratização da com pra, o barateamento das peças e a produ ção em maior escala, o trabalho análogo à escravidão cresceu assombrosamente; com efeitos até hoje, segue marcando presença nessa glamurosa cadeia produ tiva. Através da quarteirização da produ ção e na busca por maior lucro, grandes marcas se escondem atrás do imediatis mo no consumo atual, elevando o setor da moda para o segundo maior explora dor de mão de obra, segundo a fundação Walk Free, em sua pesquisa “The Global Slavery Index”, feita em 2018. Mediante a uma lógica distópica, o conforto e o glamour de uma peça bem finalizada, somente existirá às custas de
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Por Bianca Athaide, Manuela Dias e Sophia Pietá
Trabalhadores têxteis em situação análoga à escravidão
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milhares de vidas sacrificadas por jorna das exaustivas, salários muito baixos, trabalho forçado e servidão. Em 2019, segundo o Ministério do Trabalho do Es tado de São Paulo, 139 pessoas teriam sido resgatadas de situações análogas à escravidão em indústrias de produção têxtil. Em adição ao problema, mulheres nessas condições acabam lidando com mais um agravante, assédio moral e se xual por parte dos contratantes ou chefes de oficina. Apesar da escravidão ter sido abolida no ano de 1888, ainda é possível observar a exploração da mão de obra por parte de diversas empresas, que se aproveitam da inocência e da necessidade das vítimas para propor melhoria de vida por meio do trabalho. Não obstante, esses trabalha dores caem em falsas promessas, sendo explorados em condições subhumanas pelas grandes marcas, submetidos a jor nadas exaustivas, moradias precárias, opressão física e psicológica. No mun do da moda predominamse mulheres, mães, negras e imigrantes de origem la tinoamericana; as indústrias têxteis bus cam por costureiras e bordadeiras para produzir roupas e calçados em larga es cala, com baixo custo de produção, che gando a pagar até três reais por peça feita às trabalhadoras. O primeiro caso do resgate de um tra balhador da indústria do vestuário ocor reu oficialmente apenas no ano de 2010 (anteriormente, eram expostos somente casos de exploração do trabalho no âmbi to rural), tornando as denúncias no meio urbano um tema muito recente para o público. Com o aumento da visibilidade e da fiscalização diante desse problema, muitas marcas passaram a ser expostas e penalizadas; como a denúncia contra a multinacional “Zara”, em 2011, em que a marca admitiu utilizar mão de obra es crava na produção das suas peças nas ci dades de São Paulo e Americana (SP). Na ocasião, 16 funcionários brasileiros e boli vianos, foram encontrados em condições desumanas e ilegais de trabalho infantil, jornadas exaustivas e restrições de liber dade. Durante os depoimentos prestados à justiça, em 2014, o diretorgeral da em presa no Brasil admitiu o uso de trabalho escravo em sua cadeia de produção, justi ficando ser um serviço terceirizado sem o conhecimento da empresa. A marca foi in denizada e obrigada a contratar legalmen te os trabalhadores e fornecer os direitos básicos necessários na fábrica.
CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP