Ambiental
Sobrevivência da humanidade exige mais do que discursos ONU alerta que “Nós, Natureza e seres humanos, estamos sendo pressionados a nos adaptar às mudanças do clima além do que podemos” Por Camilo Mota
Abril/Maio 2022
© Hermann Traub/Pixabay
M
ais de 2,8 bilhões de pessoas já são “alta mente vulneráveis” por desastres climáticos, é o que diz o novo relatório publicado pelo Painel Inter governamental Sobre Mu danças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas (feve reiro de 2022). O estudo enfatiza que lidar com seus impactos é cada vez mais difícil. Múltiplos eventos cli máticos ocorrerão simulta neamente, resultando em desastres encadeados, que já afetam diversos setores e regiões. Porém, na prática esses alertas parecem não ter efeito. Apenas mais um desde a ECO-92. Inúmeras reuniões com líderes globais, que se ba seiam em estudos dos mais competentes cientistas, já trouxeram à tona a urgência de uma ação coletiva para a contenção de tragédias – anunciadas –, que estão ocorrendo de maneira cada vez mais frequentes em todo o globo. Líderes e ativis tas – e empresas – pronun ciam discursos mais duros e promessas, que não são concretizados. E por que as sociedades não estão sendo capazes de enfrentar esses desafios? Para entender essa questão, o Contraponto conversou com a professora Marijane Lis boa, coordenadora do curso de Ciências Socioambientais da PUC-SP. As energias renováveis, tão defendi das por muitos, não são por si uma solu ção isenta de impactos. Além da matéria prima de que necessitam, como o Lítio para produção de baterias, por exemplo – e são minerais raros –, a instalação de usinas eólicas e solares demanda gran des extensões territoriais, que também agridem a natureza e suas populações. Há mais de 20 anos a Alemanha espera por um licenciamento para a instalação de usi nas eólicas. Ao mesmo tempo, a Conferência de Glasgow, ocorrida na Escócia em novem bro de 2021 e que apresentou a proposta mais avançada para a mitigação desses impactos, deixou de selar uma data para o sepultamento do uso de carvão, maior responsável pelo aumento de gases de
efeito estufa na atmosfera. O passo atrás foi dado principalmente por pressão da China, que está construindo neste mo mento usinas termelétricas. E da Índia, que disse com todas as letras que precisa do carvão enquanto fonte de energia. Para a socióloga, enfrentar na dimen são que precisamos e atingir mais rapida mente as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa “implica em mais do que projetos de transição energética e substituição disso e daquilo”. Exige uma Política de Decrescimento, baseada no uso de menos recursos naturais e menos produção industrial. “Automóveis serão prioridade em qualquer país? Pensemos bem, deve ter coisas mais importantes. Esse pensamento radical é o único que daria conta de enfrentar com a intensidade necessária os desafios que vêm aí”. Mesmo que haja maior consciência ambiental, as medidas de redução de ga ses não são suficientes para impedir que os fenômenos atuais se agravem. “Por incrí vel que pareça, quanto menos industriali zado for o país, mais chances ele teria de
se converter a uma agenda de produção mais adequada.” Equalizar as mudanças climáticas e a sobrevivência humana significa trocar bens materiais “supérfluos” como carros, eletrodomésticos – descartáveis a cada ano –, por bens relacionais como: educa ção, saúde, assistência social, cultura. O que parece absurdo, assim como conti nuar produzindo de forma irresponsável – mesmo que isso soe como apoiar a preca rização dos trabalhadores e a uberização, mas que já é realidade no atual modelo. Isso infelizmente já não garante mais que povos que vivem em regiões mais quentes, como no nosso caso, não serão afetados. E nesse sentido, países como Estados Unidos e China, e a União Europeia, já si nalizam mudanças na forma de produ zir, o que não os isenta de serem grandes economias e responderem a um público, além de concorrerem entre si. O fato é que ninguém ainda se mostrou corajoso o bastante para aceitar o desafio ambiental e encolher sua economia, ao contrário do que se espera.
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