Contraponto 131 - EDIÇÃO ABRIL/MAIO

Page 12

Criptofascismo: sinais escondidos na extrema-direita Com a popularização da internet e de novas mídias, organizações fascistas encontraram o espaço propício para se multiplicarem silenciosamente Por Andre Nunes, Anita Woge e Enrico Souto

N

© Foto 1: Reprodução/Youtube; foto 2: Wikipedia

os últimos anos, a internet tem vi­ ralizado casos de personalidades famosas defendendo ou realizando apologia a discursos extremistas, como o nazismo. Um dos episódios mais recentes aconteceu com o ex­apresentador Mo­ nark, do podcast Flow, no início de feve­ reiro, quando ele defendeu a existência de um partido nazista. Depois dessa situação, Adrilles Jorge, comentarista político da Jo­ vem Pam, finalizou seu programa com um gesto similar ao utilizado por Adolf Hitler. Esse movimento foi considerado uma saudação nazista não só pelos internau­ tas, mas também pela Condeferação Is­ raelita do Brasil (Conib), que publicou em nota: “A Conib condena estarrecida o gesto repugnante de saudação nazista feito pelo apresentador Adrilles Jorge em programa da Jovem Pan”. Após o caso, o comenta­ rista foi demitido sob falas da emissora de não aceitar “nenhum tipo de manifestação nazista e alusão a perseguições de quais­ quer tipos”. Um mês após o escândalo e a nota de repúdio da Jovem Pan, Adrilles foi recontratado. Estimulado por este dinâmica, o presi­ dente Jair Bolsonaro também flertou com essa ideia. Durante uma live presidencial, em maio de 2020, Bolsonaro tomou um copo de leite puro e afirmou ser um desa­ fio da Associação Brasileira de Produtores de Leite (Abraleite), como um incentivo a essa indústria no Brasil durante a crise do coronavírus. Segundo especialistas de estudos do nazismo, o leite puro é um código de identificação de supremacistas

brancos, e pode ter sido utilizado pelo pre­ sidente com este intuito. De acordo com a antropóloga da Uni­ camp Adriana Dias, para a Revista Fórum, “neonazis usam o leite o tempo todo. ‘To­ mar branco, se tornar branco’. Ele vai dizer que não, que é pelo desafio. Mas é um jogo de cena, como eles sempre fazem” O que é criptofascismo? Muitas dessas práticas podem ser as­ sociadas ao “criptofascismo”: movimen­ to de grupos fascistas que escondem a realidade de seu pensamento e plantam pequenas pistas. Esse comportamento é feito para que possam atrair a atenção de simpatizantes, ao mesmo tempo em que não deixam tão claro sua associação com o fascismo tradicional, para natura­ lizar a presença desses discursos no de­ bate público. Esse fenômeno surge em um contexto pós­Segunda Guerra, no momento em que essas ideologias totalitárias já não eram mais aceitáveis. O termo foi cunhado em 1963, em uma obra do sociólogo alemão Theodor W. Adorno, mas o criptofascismo só veio se espalhar com o advento da in­ ternet, quando, por volta dos anos 2000, subfóruns de um site chamado 4chan pas­ saram a ganhar força. Atualmente, essas páginas se tor­ naram o principal ponto de encontro da chamada alt-rights (abreviação de “direita alternativa”), movimento político ameri­ cano, fruto direto da internet. Para esse grupo, a extrema direita tradicional não defende adequadamente os interesses da sociedade branca e ocidental e, por isso, eles propõem mudanças radicais na orga­ nização de instituições mais ortodoxas.

Quando colocados lado a lado, os gestos de Adrilles e Hitler são inegavelmente semelhantes

12

É nesse contexto que surge uma es­ tratégia de comunicação fundamental para a alt-right: o dog whistle. O nome faz referência aos “apitos caninos”, instru­ mentos que podem ser ouvidos por cães, mas são imperceptíveis para humanos. A expressão faz relação com as mensagens políticas que são empregadas por códigos, entendidas por adeptos ao movimento, mas ocultas para o resto da população. Esses símbolos geralmente se apropriam de imagens, expressões e gestos presen­ tes na vida comum, o que tanto dificulta sua identificação quanto facilita eventuais justificativas. É mais do que necessário a identifica­ ção desses sinais, pois é apenas assim que é possível combatê­los. O Contraponto lista alguns exemplos de símbolos comu­ mente usados pela extrema­direita: Fashwave: é uma vertente fascista com a estética visual do Vaporwave, um ramo da música eletrônica nascido em 2010 e atrelado a um posicionamento anticapitalista e presente na cultura da internet. O Fashwave, entretanto, apenas se apropria das características reconhe­ cíveis – como o neon e as referências ao futurismo retrô dos anos 80 – e adiciona símbolos, frases e figuras reacionárias, de Bolsonaro à Hitler. Gesto de “OK”: feito pelo assessor Fili­ pe Martins durante uma sessão do Senado em maio de 2021, nasceu como uma piada em 2017. Na época, usuários do 4chan ti­ nham o principal objetivo de convencer os meios de comunicação de que o símbolo “OK” feito com as mãos era uma manifes­ tação de supremacia branca. A campa­ nha, apelidada de “operação O­KKK”, em referência à organização racista Ku Klux Klan, partia do pressuposto de que os três dedos levantados no gesto formavam um ‘W’, e o círculo, feito com a junção do po­ legar e do indicador, desenhava cabeça de um ‘P’ (abreviação de White Power, “Poder Branco”, em tradução). No entanto, após a piada se diluir, o símbolo passou a ser usa­ do genuinamente por esses grupos. Pepe, the frog: é um personagem de desenho animado que se tornou um meme famoso nas redes sociais, mas, à medida que se popularizou em fóruns no 4chan e Reddit, começaram a usar a figu­ ra do sapo sorridente para criar imagens com conotação racista e antissemita. Esses significados preconceituosos não estavam no meme original, o que levou o seu criador, Matt Furie, a formar uma campanha chamada #SavePepe, com o objetivo de desvincular o personagem de discursos de ódio.

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

Vespas bike gang, o pedal das minas

5min
page 36

O mundo dos criadores de conteúdo futebolístico

6min
pages 34-35

Discurso de ódio no futebol: passamos do limite?

7min
pages 32-33

A visibilidade do cinema nacional na cinematografi a mundial

8min
pages 28-29

FIFA e UEFA tomam medidas contra a Federação Russa após início de confl itos armados

8min
pages 30-31

A dublagem como democratização do acesso ao entretenimento

3min
page 27

O “hype” dos fi lmes de heróis que alcança adultos, crianças e a academia de cinema

5min
page 26

A Elitização no Carnaval de 22

6min
pages 24-25

Relato de um estudante: a vida durante o confl ito ................17 Petrobras a preço de dólar

4min
page 18

O purista e discriminatório conservadorismo geek

4min
page 23

A cintura baixa é um agente gordofóbico ou o preconceito está nos olhos de quem vê?

5min
page 22

Quando as costuras aprisionam

5min
pages 20-21

Um tributo aos ícones da alta costura

4min
page 19

Guerra Ucrânia x Rússia: antecedentes e parcialidade da imprensa hegemônica

16min
pages 14-17

Criptofascismo: sinais escondidos na extremadireita

4min
page 12

O abandono da população de rua e o descaso com seus direitos básicos

4min
page 5

Cem Anos de Mulheres na Política – A Batalha Não Acabou

5min
pages 10-11

Outras Marielles: o legado de ativistas assassinadas permanece

4min
page 9

Sobrevivência da humanidade exige mais do que discursos

3min
page 13

Quatro anos sem respostas: quem mandou matar Marielle?

3min
page 8

Retorno presencial em 2022: os primeiros meses de aulas na PUCSP

5min
page 4

A luta dos povos originários no Brasil

8min
pages 6-7
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Contraponto 131 - EDIÇÃO ABRIL/MAIO by Contraponto - Issuu