Criptofascismo: sinais escondidos na extrema-direita Com a popularização da internet e de novas mídias, organizações fascistas encontraram o espaço propício para se multiplicarem silenciosamente Por Andre Nunes, Anita Woge e Enrico Souto
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© Foto 1: Reprodução/Youtube; foto 2: Wikipedia
os últimos anos, a internet tem vi ralizado casos de personalidades famosas defendendo ou realizando apologia a discursos extremistas, como o nazismo. Um dos episódios mais recentes aconteceu com o exapresentador Mo nark, do podcast Flow, no início de feve reiro, quando ele defendeu a existência de um partido nazista. Depois dessa situação, Adrilles Jorge, comentarista político da Jo vem Pam, finalizou seu programa com um gesto similar ao utilizado por Adolf Hitler. Esse movimento foi considerado uma saudação nazista não só pelos internau tas, mas também pela Condeferação Is raelita do Brasil (Conib), que publicou em nota: “A Conib condena estarrecida o gesto repugnante de saudação nazista feito pelo apresentador Adrilles Jorge em programa da Jovem Pan”. Após o caso, o comenta rista foi demitido sob falas da emissora de não aceitar “nenhum tipo de manifestação nazista e alusão a perseguições de quais quer tipos”. Um mês após o escândalo e a nota de repúdio da Jovem Pan, Adrilles foi recontratado. Estimulado por este dinâmica, o presi dente Jair Bolsonaro também flertou com essa ideia. Durante uma live presidencial, em maio de 2020, Bolsonaro tomou um copo de leite puro e afirmou ser um desa fio da Associação Brasileira de Produtores de Leite (Abraleite), como um incentivo a essa indústria no Brasil durante a crise do coronavírus. Segundo especialistas de estudos do nazismo, o leite puro é um código de identificação de supremacistas
brancos, e pode ter sido utilizado pelo pre sidente com este intuito. De acordo com a antropóloga da Uni camp Adriana Dias, para a Revista Fórum, “neonazis usam o leite o tempo todo. ‘To mar branco, se tornar branco’. Ele vai dizer que não, que é pelo desafio. Mas é um jogo de cena, como eles sempre fazem” O que é criptofascismo? Muitas dessas práticas podem ser as sociadas ao “criptofascismo”: movimen to de grupos fascistas que escondem a realidade de seu pensamento e plantam pequenas pistas. Esse comportamento é feito para que possam atrair a atenção de simpatizantes, ao mesmo tempo em que não deixam tão claro sua associação com o fascismo tradicional, para natura lizar a presença desses discursos no de bate público. Esse fenômeno surge em um contexto pósSegunda Guerra, no momento em que essas ideologias totalitárias já não eram mais aceitáveis. O termo foi cunhado em 1963, em uma obra do sociólogo alemão Theodor W. Adorno, mas o criptofascismo só veio se espalhar com o advento da in ternet, quando, por volta dos anos 2000, subfóruns de um site chamado 4chan pas saram a ganhar força. Atualmente, essas páginas se tor naram o principal ponto de encontro da chamada alt-rights (abreviação de “direita alternativa”), movimento político ameri cano, fruto direto da internet. Para esse grupo, a extrema direita tradicional não defende adequadamente os interesses da sociedade branca e ocidental e, por isso, eles propõem mudanças radicais na orga nização de instituições mais ortodoxas.
Quando colocados lado a lado, os gestos de Adrilles e Hitler são inegavelmente semelhantes
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É nesse contexto que surge uma es tratégia de comunicação fundamental para a alt-right: o dog whistle. O nome faz referência aos “apitos caninos”, instru mentos que podem ser ouvidos por cães, mas são imperceptíveis para humanos. A expressão faz relação com as mensagens políticas que são empregadas por códigos, entendidas por adeptos ao movimento, mas ocultas para o resto da população. Esses símbolos geralmente se apropriam de imagens, expressões e gestos presen tes na vida comum, o que tanto dificulta sua identificação quanto facilita eventuais justificativas. É mais do que necessário a identifica ção desses sinais, pois é apenas assim que é possível combatêlos. O Contraponto lista alguns exemplos de símbolos comu mente usados pela extremadireita: Fashwave: é uma vertente fascista com a estética visual do Vaporwave, um ramo da música eletrônica nascido em 2010 e atrelado a um posicionamento anticapitalista e presente na cultura da internet. O Fashwave, entretanto, apenas se apropria das características reconhe cíveis – como o neon e as referências ao futurismo retrô dos anos 80 – e adiciona símbolos, frases e figuras reacionárias, de Bolsonaro à Hitler. Gesto de “OK”: feito pelo assessor Fili pe Martins durante uma sessão do Senado em maio de 2021, nasceu como uma piada em 2017. Na época, usuários do 4chan ti nham o principal objetivo de convencer os meios de comunicação de que o símbolo “OK” feito com as mãos era uma manifes tação de supremacia branca. A campa nha, apelidada de “operação OKKK”, em referência à organização racista Ku Klux Klan, partia do pressuposto de que os três dedos levantados no gesto formavam um ‘W’, e o círculo, feito com a junção do po legar e do indicador, desenhava cabeça de um ‘P’ (abreviação de White Power, “Poder Branco”, em tradução). No entanto, após a piada se diluir, o símbolo passou a ser usa do genuinamente por esses grupos. Pepe, the frog: é um personagem de desenho animado que se tornou um meme famoso nas redes sociais, mas, à medida que se popularizou em fóruns no 4chan e Reddit, começaram a usar a figu ra do sapo sorridente para criar imagens com conotação racista e antissemita. Esses significados preconceituosos não estavam no meme original, o que levou o seu criador, Matt Furie, a formar uma campanha chamada #SavePepe, com o objetivo de desvincular o personagem de discursos de ódio.
CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP