Contraponto 128 - EDIÇÃO MAIO/JUNHO

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25 anos após massacre de Eldorado do Carajás, conflitos no campo voltam a crescer sob governo Bolsonaro

© MST/Divulgação

Política divisionista nas áreas de alojamento, envolvendo ameaças e atuações de milícias de fazendeiros e proprietários de terras, é a principal causa da violência agrária

Manifestação contra os despejos durante a pandemia

Por Ana Laura Rodrigues e Yasmin Marchiori

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m 1996, mais de 70 camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ficaram feridos e outros 21 foram mortos na chacina ocorrida por conflitos no município de Eldorado do Carajás, no Pará. Dos 155 policiais militares que participaram, apenas dois oficiais que comandaram a operação foram condenados. Vinte e cinco anos após o massacre, os conflitos por terra voltaram a crescer sob o governo Bolsonaro. De acordo com levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2019, primeiro ano do mandato do presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido), o Brasil registrou 1.833 conflitos no campo, número superior aos registrados nos últimos cinco anos e 23% a mais do que em 2018. A quantidade de mortes chegou a 32, cinco a mais do que no ano anterior. O relatório com os dados atualizados de 2020 ainda não foi publicado. Informações parciais, também divulgadas pela CPT, apontam que foram registradas 1.083 ocorrências e 18 assassinatos por conflitos de terra até novembro, número alto ao considerar que 2020 foi o ano marcado pela pandemia do novo coronavírus. Em visita ao município de Eldorado do Carajás em 2018, Bolsonaro, então candidato à Presidência da República, defendeu os policiais presos no massacre. “Quem tinha que estar preso era o pessoal do MST, gente canalha e vagabunda. Os policiais reagiram para não morrer”, afirmou.

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Outro levantamento divulgado pela CPT mostra a impunidade brasileira em relação às mortes por conflitos de terra: em três décadas, apenas 8% foram julgadas. Dos 1.468 assassinatos ocorridos entre 1985 e 2018, apenas 117 foram avaliados por um juiz. Já em 2019, das 32 vítimas, 61% não tiveram as investigações concluídas. Em audiência pública realizada em 2016 pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), a impunidade foi apontada como uma das principais causas da violência no campo. Em coletiva de imprensa realizada pelo MST, Marina dos Santos, responsável pelo setor de massas do movimento, afirmou que a questão agrária está passando por um momento de “entulhos autoritários agrários”, construídos pelo governo com novas normativas que beneficiam fazendeiros, proprietários de terras e latifundiários. “Os entulhos autoritários têm sido formalizados através de Projetos de Lei, medidas provisórias, decretos e uma série de normativas que vão objetivando na prática essas questões que o governo quer lidar”, afirma Santos. Ainda de acordo com Marina, os projetos do governo Bolsonaro para o campo envolvem uma política armamentista, o que aumentaria a taxa de morte de camponeses e a regularização fundiária. O atual presidente pretende privatizar mais de 200 milhões de hectares, beneficiando, assim, o agronegócio, grande responsável pelo desmatamento e por problemas ambientais irreversíveis. O Coordenador Nacional do MST, João Paulo Rodrigues, menciona que há um grande processo de repressão. Ele cita também uma política divisionista nas

áreas de alojamento, envolvendo ameaças e atuações de milícias de fazendeiros e proprietários de terras que, junto ao Governo Federal, constantemente tentam expulsar os camponeses de forma agressiva. Além disso, o governo tenta criar normas para retirar o tema da função social da terra urbana e rural e excluir a possibilidade de uma reforma agrária no país. Apesar das recomendações da comissão dos Direitos Humanos da ONU de que não houvesse despejos durante a pandemia, as desocupações clandestinas continuam acontecendo na “calada da noite” e sendo chefiadas por um consórcio de fazendeiros. Exemplo disso é o caso que ocorreu no sul da Bahia em uma tentativa de despejo de assentamento pertencente ao MST: um dos fazendeiros que estava no local sob proteção da Polícia Militar, afirmava que estava realizando a ação como um amigo do presidente Jair Bolsonaro. O Movimento busca, com outras militâncias da região e com a CPT, maneiras de se fortalecer. Para o MST, abril é considerado um mês de luto e lutas. O dia 17, marcado pelo Massacre de Eldorado do Carajás, é considerado o “Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária”. O mês foi apelidado de “abril vermelho”, quando são feitas diversas atividades, como doação de alimentos, paralizações, luta pelo acesso à vacina e ao auxílio emergencial e o uso da bandeira “Fora Bolsonaro” como forma de protesto. “Precisamos nos livrar deste governo genocida que temos no país. Bolsonaro, tira as patas da nossa terra”, finaliza Marina dos Santos.

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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