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CPI da Covid: governo em xeque
Investigação das ações e omissões do governo Bolsonaro pode impactar o cenário eleitoral para 2022
Por Ana Carolina Coelho, Ana Kézia Carvalho, Luan Leão e Tábata Santos
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AComissão Parlamentar de Inquérito, mais conhecida como CPI, é conduzida pelo Senado, que não tem o poder de julgar, nem competência para punir, mas pode investigar fatos determinados com base no interesse público.
A criação da CPI da Covid-19 se deu após o senador Randolfe Rodrigues (Rede–AP) solicitar a investigação das ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia e do colapso da saúde no estado do Amazonas, e o senador Eduardo Girão (Podemos–CE) requerer a investigação da aplicação de recursos federais repassadas aos estados e municípios no combate à pandemia.
No Senado, os membros da CPI podem realizar diligências, convocar ministros de Estado, inquirir testemunhas, ouvir indiciados, tomar depoimento de qualquer autoridade, requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza e ainda requerer ao Tribunal de Contas da União (TCU) a realização de inspeções.
Ao fi nal dos trabalhos, a Comissão deve produzir um relatório de conclusão e encaminhar ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União (AGU), para que haja a responsabilização civil e criminal dos possíveis infratores.
A CPI da Covid conta com 18 integrantes, sendo 11 titulares e 7 suplentes. Dos titulares, cinco se identifi cam como independentes. São eles: Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM) e Tasso Jereissati (PSDB-CE). Outros quatro senadores se identifi cam como governistas: Marcos Rogério (DEM-RO), Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Ciro Nogueira (PP-PI), enquanto dois fazem oposição ao Governo: Randolfe Rodrigues (REDE-AP) e Humberto Costa (PT-PE).
Vale destacar que os cinco Senadores identifi cados como independentes têm posições críticas ao governo. Os senadores suplentes são: Jader Barbalho – independente (MDB-PA), Angelo Coronel – independente (PSD-BA), Marcos do Val – governista (Podemos-ES), Zequinha Marinho – governista (PSC-PA), Luiz Carlos Heinze – governista (PP-RS), Rogério Carvalho – oposição (PT-PE) e Alessandro Vieira – oposição (Cidadania-ES).
Por acordo da maioria dos senadores titulares, o senador Omar Aziz (PSD-AM) foi eleito presidente. Randolfe Rodrigues (REDE-AP) é vice. Ainda em decorrência desse acordo, Aziz nomeou Renan Calheiros (MDB-AL) como relator da CPI.
Político folclórico, o senador Renan Calheiros andou longe dos holofotes. Surfando a onda da CPI, Renan tem aproveitado as atenções voltadas à Comissão para mostrar serviço. Na sessão do dia 12 de maio, o relator substituiu o nome da placa que o identifi ca pelo número de vítimas acometidas pela Covid-19 até a data em questão. Desde então, ele aparece diariamente com o número atualizado de vítimas fatais no país. de políticas de distanciamento social. Teich também avaliou a conduta do Executivo na pandemia da Covid-19 e, assim como Mandetta, alegou a existência de um “conselho paralelo”.
O quarto ministro do governo Bolsonaro foi ouvido na condição de testemunha. Durante seu depoimento, Marcelo Queiroga pediu “voto de confi ança” ao seu comando no Ministério da Saúde. Demonstrou ser contra aglomerações, inclusive as promovidas pelo Governo, e garantiu possuir boas relações e contratos para compra de vacina com a Pfi zer. Também afi rmou concordar com a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acerca da não recomendação de importação da vacina russa Sputnik V. Recusou-se a dialogar acerca das polêmicas envolvendo o uso da cloroquina.
© Jeff erson Rudy/ Agência Senado
Relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL) substitui placa que normalmente teria seu nome, por uma mostrando números de mortos até 14/05
Os ministros médicos
À frente do Ministério da Saúde entre o período de 1° de janeiro de 2019 a 16 de abril de 2020, o Luiz Henrique Mandetta foi o primeiro interrogado e passou mais de sete horas em depoimento à CPI da Covid. Esmiuçou os procedimentos adotados contra a pandemia durante sua gestão e atribuiu ao Governo a responsabilidade pelas investidas em práticas anticientífi cas no enfrentamento da crise sanitária.
Mandetta apontou a existência de uma “assessoria paralela” que aconselhava o presidente, na qual o vereador e fi lho do presidente, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), participava, além de relatar detalhes sobre a reunião que tratava a discussão de uma minuta para a mudança na bula da cloroquina.
Já Nelson Teich permaneceu responsável pela pasta da Saúde por 28 dias. Em seis horas de depoimento, o ex-ministro detalhou as motivações que culminaram no pedido de demissão do cargo. Dentre elas, destaca-se a recomendação, por parte do Governo, de medicamentos inefi cazes contra o coronavírus e a inexistência
O pessoal da vacina
O presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, confi rmou a realização de uma reunião no Palácio do Planalto que visava discutir mudanças na bula da cloroquina; reunião essa já mencionada pelo ex-ministro Mandetta, em que se discutia incluir o remédio como tratamento para o coronavírus, mesmo sem comprovação científi ca. Barra Torres ainda comentou acerca da recusa, por parte da Anvisa, à liberação da vacina russa Sputnik V e a indiana Covaxin, alegando que ambas não apresentavam os requisitos necessários para aprovação, e que a decisão não teve infl uência externa.
Carlos Murillo, presidente da Pfi zer na América Latina, afi rmou em depoimento que, ainda em 2020, cinco ofertas de vacinas foram ignoradas pelo Brasil e que os contatos foram iniciados em maio. Murillo também detalhou todas as ofertas de vacina feitas pela Pfi zer, que só foram aceitas no sétimo pedido, em março de 2021. Ele também confi rmou a presença de Carlos Bolsonaro na reunião de negociação das vacinas, fato omitido no depoimento de Fabio Wajngarten.
Os negacionistas
O ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, na posição de testemunha, alegou para a revista Veja que a “incompetência do Ministério atrasou a compra de vacinas”. Porém, durante as oito horas de depoimento, saiu em defesa do Governo e fez elogios ao ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello.
Wajngarten ainda expôs a demora de dois meses na resposta à carta enviada pelo presidente da Pfi zer, mas entrou em contradição várias vezes e foi desmentido
ao longo do interrogatório. O ex-ministro recebeu pedido de prisão por Renan Calheiros, no entanto, a ação foi negada por Omar Aziz. Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores, que se manteve na pasta até março de 2021, afirmou em seu depoimento que foi aconselhado a deixar o cargo por pressão do Congresso. O ex-chanceler é conhecido pela atuação conflituosa em relação às declarações do Governo, que depreciaram a China. Ele também confirmou ter participado de negociações para o fornecimento de cloroquina ao Brasil, mesmo sem comprovação científica da eficácia. Araújo também foi cobrado pela atuação do Itamaraty na crise do Amazonas.
Dividido em duas partes, o depoimento do ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello foi marcado pela responsabilização nas decisões tomadas durante o enfrentamento da Covid-19 no Brasil. Ele afirmou que o presidente participou da decisão de não interferir na saúde pública do Amazonas e culpou a secretaria estadual de saúde pela falta de oxigênio em Manaus. Pazuello ainda alegou ter respondido cartas da Pfizer, ser defensor do distanciamento social e que, apesar de não ser da área médica, não houve incompetência durante sua gestão.
Entre os depoimentos agendados para os próximos dias encontramos nomes como, da Secretária de gestão do Trabalho e da Educação na Saúde Mayra Pinheiro, mais conhecida como “Capitã Cloroquina”; Dimas Covas, diretor do Butantan; Hélio Angotti Neto, secretário do Ministério da Saúde; João Paulo Marques, ex-secretário-executivo da Secretaria de Saúde do Amazonas; a médica Nise Yamaguchi e Nísia Trindade, presidente da Fiocruz.
Mayra Pinheiro pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de habeas corpus, com intenção de garantir o direito de se manter calada em relação a perguntas que possam gerar provas contra si, no depoimento marcado para o dia 25 de maio. Após a recusa do primeiro pedido de habeas corpus, a secretária recorreu da decisão e o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, reconsiderou, permitindo que ela ficasse em silêncio quanto aos fatos ocorridos entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021.
Habeas Corpus e a CPI da Covid
No dia 14 de maio, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu um habeas corpus preventivo que garantia ao ex-ministro Pazuello o direito de se manter em silêncio diante da CPI da Covid. O ex-ministro, contudo, respondeu a todos os questionamentos do relator e dos senadores.
Pazuello utilizou o habeas corpus para faltar com a verdade e blindar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), das acusações sobre a omissão do Governo Federal em relação à pandemia, segundo integrantes da CPI.

Sérgio Lima/ AFP
Ex-ministro da saúde, Eduardo Pazuello com a máscara de forma incorreta durante depoimento à CPI da Covid
Cenário Eleitoral para 2022
Professor de política da PUC-SP, Rafael de Paula Aguiar Araújo, afirma ao Contraponto que a base governista vê na CPI um meio de dialogar com seus apoiadores, criando narrativas paralelas. “Criam e difundem fake news com o intuito de criar uma narrativa diferente da mídia tradicional e da oposição sobre a CPI, para circular nessas bolhas de apoio. Essas estratégias são eficientes para um grupo específico, que apoia cegamente o Planalto.”
Apesar dessa estratégia, Rafael avalia que independentemente do relatório, existe um desgaste expressivo na imagem do governo. “A CPI já tem afetado sua imagem [do Presidente]. As intenções de voto caíram e o número de aprovação ao governo também. Não acredito que resultará em impeachment, a articulação do governo tem sido eficiente nesse sentido, então os senadores da oposição deverão apostar nessa sangria causada pela CPI, prolongando-a o quanto possível”.
O desgaste na imagem do presidente Jair Bolsonaro e as diversas situações que a CPI vem comprovando com os depoimentos são evidenciados na última pesquisa do Instituto DataFolha sobre intenção de voto para 2022, na qual o ex-presidente Lula (PT), agora elegível, soma 41% das intenções, diante de 23% do presidente Jair Bolsonaro. Mais atrás aparecem Sérgio Moro (sem partido) com 7%, e Ciro Gomes (PDT) com 6% das intenções de voto. Em uma simulação de segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a diferença aumenta. O petista aparece com 53% das intenções, enquanto o atual presidente soma 32%.
Quanto aos índices de rejeição, o mais expressivo é o de Jair Bolsonaro, com 54% de rejeição, contra 36% de Lula. Para Rafael Aguiar, há um consenso sobre a necessidade de uma frente ampla de oposição, mas ele ressalta a dificuldade que a oposição tem encontrado.
“O PT tem uma estrutura maior que outros partidos, então é muito difícil que deixe de lançar candidaturas próprias. [...] Com o desgaste de Bolsonaro, pode ser que surja uma terceira via, Luciano Huck, Moro, Mandetta, Dória são nomes possíveis, que teriam de ocupar o espaço, mas não acho que tenham força para vencer Lula.”
Presidente da CPI da Covid-19, Omar Aziz (ao centro), junto do vice-presidente Randolfe Rodrigues (à direita), e o relator Renan Calheiros (à esquerda)
