
4 minute read
Agressões ao Coletivo Glamour da PUC-SP: a LGBTfobia invisibilizada
Ataques contra a organização provocam insegurança e integrantes pedem posicionamento da Universidade
Advertisement
© David McNew / Getty Image
Por Bruna Janz e Rafaela Eid
As universidades são lugares de debate, pesquisa, desconstrução e questionamento. Entretanto, não fogem à lógica de reprodução da LGBTfobia, uma vez que os preconceitos estão arraigados estruturalmente na sociedade brasileira. Segundo o relatório feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), foi registrada a média de uma morte a cada 23 horas de um integrante da sigla LGBTQIA+ no Brasil em 2019. O país também é o que mais mata transsexuais e travestis no mundo, que têm expectativa média de vida de 35 anos para essas pessoas.
Recentemente, o Coletivo Glamour – coletivo LGBTQIA+ da PUC-SP – começou a se organizar, planejar eventos e criar reuniões semanais. O link para reuniões do grupo social foi divulgado para que mais pessoas pudessem entrar. Em 16 de abril, novos membros entraram no grupo, até que quatro deles começaram a mandar mensagens LGBTfóbicas no espaço virtual. De acordo com Vinícius Abritta, membro da organização do Glamour, os indivíduos atacavam a linguagem neutra e mandavam “figurinhas” com símbolos neonazistas.
O espaço se tornou um lugar hostil, contrariando a intenção inicial de acolhimento “Eu não achava que iria me afetar tanto, mas depois eu realmente fiquei mal, de uma maneira que eu não esperaria”, desabafa Gabriela Pedrozo, membro da organização do Coletivo. Em depoimento, o integrante Montero* disse que tudo ocorreu muito rápido e logo retiraram as quatro pessoas do grupo.
Os agressores infringiram duas normas jurídicas: a discriminação contra pessoas LGBTQIA+, incluída na Lei de Racismo (7716/89), em novembro de 2019. E o artigo 20 da mesma Lei, no qual está descrito que é crime “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular, símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.”
Além disso, a atitude vai contra o item II do art. 211 do Regimento Geral da Pontifícia Universidade Católica, que estabelece: “São diretrizes para os corpos docente, discente e administrativo, durante o exercício de suas atividades: respeitar a diversidade no âmbito universitário, em especial de raça, etnia, idade, situação social, econômica e cultural, de gênero e orientação sexual, de orientação religiosa e de pessoas com deficiência”.
Maria Eduarda Leal – integrante do Glamour – relatou o ocorrido em reunião com a coordenadoria da Faculdade de Economia e Adminstração (FEA), que a orientou a fazer um Boletim de Ocorrência (BO), em 16 de abril. Segundo ela, foi dito que a PUC-SP não tomaria medidas por conta da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que protege as informações de acessos não autorizados, respeita a privacidade, atua contra o vazamento e o uso indevido. Assim, a Universidade não os disponibilizou para o Coletivo Glamour, que pediu somente para que fosse verificado se os infratores são alunos da instituição.
Posteriormente, Gabriela ficou responsável pelo BO, enviado em 20 de abril para a Decradi – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância. “Mandei um
Agressões ao coletivo LGBTQIA+ da PUC-SP: a LGBTfobia invisibilizada
e-mail, me pediram para ligar, eu liguei, só que eu precisava ir lá para mostrar as provas”. No dia 25 de maio, foi até a delegacia e apresentou as mensagens. “Eles registraram tudo e vão investigar a pessoa que enviou as figurinhas”, disse. Sobre as mensagens acerca da linguagem neutra, Gabriela foi informada que não é categorizado como crime.
No dia seguinte aos ataques, o Coletivo divulgou uma nota de repúdio no Instagram, enfatizando o ato como “violento, simbólica e psicologicamente, com a exclusiva intenção de insultar, atacar, humilhar e disseminar discurso de ódio’’.
Para Vinícius, é fundamental “falar o que aconteceu, como isso é um problema e não é uma conduta aceitável”. Já Montero pensa que a Universidade age de acordo com o financeiro: “Qualquer outro problema que não seja em relação ao financeiro, [a PUC] não quer falar com você”.
Em 11 de maio, enviaram uma manifestação para a Ouvidoria da PUC-SP. Três dias depois, a mesma respondeu que o documento foi encaminhado às instâncias competentes e solicitou que o denunciante procurasse pelas autoridades. Após a resposta, o Glamour pediu o esclarecimento sobre quais instâncias foram comunicadas e frisou que já procurou as autoridades, a Decradi.
Após doze dias da primeira resposta, a Ouvidoria entrou em contato novamente com o Coletivo e disse que a Pró Reitoria de Cultura e Relações Comunitárias (PROCRC) se disponibilizaria a dialogar a fim de tomar medidas quanto ao ocorrido. A reunião ocorreu no dia 08 de junho com retornos positivos. Há a possibilidade de vínculo entre o Glamour e a PROCRC no início do próximo semestre para a discussão das pautas que envolvem a comunidade LGBTQIA+.
O crime contra o Coletivo Glamour não pode ser banalizado, bem como outros discursos de ódio na internet, já que, de fato, afetou os receptores. Se a impunidade for uma regra, e todo ataque tratado como mais um ou ignorado, pode se tornar ainda mais violento. Além disso, se calar frente à LGBTfobia é colaborar para a perpetuação e a naturalização da violência contra grupos historicamente oprimidos. Até quando será preciso viver com medo?
* Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.