Contraponto 128 - EDIÇÃO MAIO/JUNHO

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Em meio à pandemia, fome cresce no Brasil Número de brasileiros em situação de insegurança alimentar chega a 126 milhões

a pesquisa “Olhe para a fome”, realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, egundo o Instituto Brasileiro de Geo- 20,5% da população brasileira se encontra grafia e Estatística (IBGE), entre 2017 nesse grau de insegurança. O nível mais grave afeta crianças, e 2019, 84,9 milhões de pessoas viviam em situação de insegurança alimen- quando também são atingidas pela redutar. Ainda de acordo com o IBGE, após a ção do consumo de alimentos; ou seja, destituição de iniciativas públicas, como o toda a família sofre com a fome. Nove pesConselho Nacional de Segurança Alimen- soas a cada 100 da população brasileira tar e Nutricional (Consea) e o Ministério do encontram-se nesse quadro. Um levanDesenvolvimento Agrário, o número au- tamento realizado pela Fundação Getúlio mentou para 126 milhões. Vargas (FGV) demonstrou que o número “Uma senhora veio me pedir uma ces- de indivíduos que vivem abaixo da linha da ta básica, disse que morava com 5 mulhe- pobreza triplicou, chegando a 12,8% dos res e a única empregada foi demitida. Mas brasileiros, o que dificulta ainda mais o as cestas básicas já estavam direcionadas, acesso à alimentação. e essa é a parte mais difícil: decidir quem “Eu gosto de falar que a questão da come”, é o que relata Dara Sant’anna, es- fome sempre extrapola a condição biotudante de Direito e voluntária da Coalizão lógica. É muito mais do que essa coisa Negra por Direitos. simplista. Pensar que a gente resolve os Esse cenário de insegurança alimen- problemas da sociedade brasileira apenas tar aumentou significativamente durante com um prato de comida e por ser solidáa pandemia, atingindo 59% da população rio ao dar dinheiro no farol é uma outra brasileira, segundo o estudo “Efeitos da condição problemática” afirma Alexandre pandemia na alimentação e na situação Marques Mendes, professor do Departada segurança alimentar no Brasil”, coor- mento de Educação, Ciências Sociais e denado por pesquisadores da Universi- Políticas Públicas da Universidade Estadade Livre de Berlim com a Universidade dual de São Paulo (UNESP) e coordenador Federal de Minas Gerais e a Universidade da Assessoria Jurídica Universitária Popude Brasília. lar (AJUP). A partir de campanhas como a “Tem gente com fome”, da Coalizão Negra por Direitos, que arrecadam recursos, muita gente se mantém viva. Mas a solidariedade não é o suficiente. “Não adianta dar comida para a pessoa se ela não tem água encanada, gás e kits de higiene. É toda uma estrutura de necessidades básicas para uma população Pessoas procurando comida no lixo após supermercado que não tem nenhum descartar sobras respaldo,” relata Dara Sant’anna. Segundo Tereza Campello, economisA insegurança alimentar é definida quando não há acesso à comida ou ele é in- ta, professora titular da Cátedra Josué de certo, podendo, assim, ser subdividida em Castro/FSP-USP e ex-ministra do Desentrês tipos: leve, moderada e grave. É clas- volvimento Social e Combate à Fome no sificada como leve quando há incerteza na governo Dilma Rousseff, as campanhas de garantia de alimentos futuros. Sendo as- solidariedade são uma alternativa emersim, há alimentos de forma imediata, mas gencial e denunciam a inexistência de não há certeza quanto a próxima refeição. políticas públicas, mas não sanam o proJá o grau moderado, é definido quan- blema. “Essas ações são sempre pontuais, do a quantidade de alimentos da casa não são medidas estruturais. Precisamos não é o suficiente, havendo uma redução de um conjunto de políticas públicas que no consumo entres os adultos. Segundo permitam que o Brasil passe a ter uma

© Onofre Veras/Photopress/Estadão Conteúdo

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inflexão clara no quadro de fome e desnutrição no país”. O Consea, órgão de criação de políticas públicas com participação popular para o combate à fome, foi uma instituição de assessoramento imediato da Presidência da República, criado em 1993, durante o governo de Itamar Franco. Extinto em 1994 por Fernando Henrique Cardoso, voltou a ser alvo de investimento público nos governos Lula e Dilma, o que tornou a pauta da fome um assunto recorrente da agenda política do governo. Em 2019, o Consea foi desmontado pelo presidente Jair Bolsonaro. © Reprodução/Brasil de Fato

Por Carolina Raciunas, Isabela Gama, Nicole Conchon e Rebeca Anzelotti

Mulher mostra duas panelas vazias

Dentre as políticas do atual governo, o auxílio emergencial de 600 reais, conquistado graças a reivindicações do Congresso, ajudou a conter, timidamente, o aumento no número pessoas abaixo da linha da pobreza. “O ministro da economia, Paulo Guedes, sempre defendeu o auxílio de 150/200 reais por pessoa. A gente defendia inclusive 1000, houve uma disputa dentro do parlamento que conseguiu colocar o auxílio como de 600 reais”, diz a economista. Entretanto, quando o benefício foi reduzido para 300 reais, a crise alimentar se intensificou. O programa foi encerrado em dezembro de 2020 e só retornou em abril de 2021, no valor de R$150, não permitindo novos cadastrados. “Dar 150 reais não resolve. A pessoa pega esse dinheiro e vai pra rua. Ninguém vive com esse valor”, completa a ex-ministra. Campello explica que o benefício de 600 reais – o valor médio de uma cesta básica completa – foi projetado para barrar os efeitos da crise sanitária, mas a ação gerou um efeito contrário. “O governo dizia ‘vá para a rua buscar o auxílio emergencial’,

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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