Os desafios da responsabilidade parental unilateral
© Victoria Mercês
Como a pandemia evidenciou a falta do comprometimento familiar e a sobrecarga da figura materna
Por Maria Luiza Costa e Victoria Mercês
O
cuidado com os filhos ainda é visto como uma obrigação da mulher, tornando-as vítimas, muitas vezes, da responsabilidade parental unilateral, que diz respeito a incumbência de zelar por algo atribuído a apenas uma pessoa dentro da relação, associado normalmente a figura feminina. Durante períodos pandêmicos, o comprometimento parental mostrou-se ainda mais problemático, uma vez que os números de conflitos familiares cresceram, assim como os divórcios. Segundo Jamille Santana, advogada familiarista, o número de divórcios aumentou. “O IBGE confirmou que no meio de 2020, o total de divórcios no Brasil saltou para 7,4 mil apenas em julho, um aumento de 260% em cima da média de meses anteriores.” Assim, o número de responsáveis que se esquivaram das suas obrigações parentais aumentou, como um reflexo da realidade que já ocorria em algumas famílias, desde antes da pandemia. A responsabilidade familiar associa-se quase sempre a figura da mãe, que devido às crescentes situações de divórcio e abandono, acaba sendo obrigada a assumir as responsabilidades familiares de forma integral, como afirma Karinne Oliveira, especialista em inteligência emocional. “As mães solos naturalmente já lidam com uma pressão muito grande, durante todo o tempo. Esse momento de pandemia reforçou a importância das redes de apoio, que geralmente são formadas por outras mulheres que vivem em situação parecida, ou já viveram.” Mencionar redes de apoio voltadas para as mulheres que se responsabilizam sozinhas com a maternidade é extremamente importante, uma vez, esse acolhimento, através da demonstração de afeto, pode amenizar a situação de sobrecarga física e emocional vivenciada por elas. Tais redes têm como objetivo fortalecer as mães que, além de tudo são mulheres, ajudando a melhorar sua autopercepção e a se libertarem de julgamentos. Como menciona Oliveira, “o foco do meu trabalho é despertar a mulher que existe por trás da mãe, fortalecendo-as interiormente para
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Maria Luiza Póvoas Santos Rocha e seu filho Lorenzo
que elas reconheçam o seu valor e aumentem sua autoestima”. Os casos de divórcio muitas vezes são resolvidos na justiça com a guarda compartilhada. Porém, Santana evidencia que, “são atribuídas as guardas das crianças majoritariamente às mães, e os pais tendem a exercer a convivência com os filhos na modalidade “direito de visita”. Assim, na grande maioria dos divórcios requeridos durante a pandemia, a prole ficou sob os cuidados exclusivos das mães”. Dessa forma, o sistema judiciário acaba por reafirmar, muitas vezes, o papel da mulher em uma sociedade patriarcal e machista. Vale ressaltar que determinar a guarda não exclui a
necessidade de uma responsabilidade parental mútua, como reforça a advogada “É preciso compreender que o Direito de Convivência é mais amplo que uma mera “visita”, como por exemplo, ficar responsável por marcar consultas e se envolver de uma forma que ajude a quem foi determinada a guarda unilateral”. Como mulher que exerce sozinha a maternidade, Maria Luiza Póvoas Santos Rocha relata que “a carga maior ficou nas minhas costas, e a responsabilidade com a paternidade, que se tornou mais necessária no momento de isolamento, se dissolveu com a minha separação”. Contudo, afirma também que, muitas vezes, “a solidão a dois dói mais do que a solidão sozinha”.
CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP