A Vida é como ela é

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A VIDA É COMO EL A É crônicas do jornal A Ilha J u lio M a r q u e s

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Julio Marques

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O Sylvio me avisa às oito da manhã que precisa de cinco linha sobre mim para a orelha do livro. Coisa cabotina isso. Bem, sou ou fui economista. Trabalhei no BNH até a sua extinção. Aliás, naquela momento, eu era o Presidente da Associação de Funcionários e ocupamos a sede, no Rio, e todas as agências espalhadas pelo país, por mais de um mês. Tomamos mesmo, só entrava quem nós deixávamos, passamos a morar lá. Fazia pouco que a ditadura tinha acabado e o espírito militantes ainda era muito vivo. Bom, no fim não fomos mandados embora e nos transferiram para a Caixa Econômica. Acabei em Brasília e, aposentado, voltei para o Rio. Desavisado, descobri Paquetá. Foi o melhor que eu fiz.

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A VIDA É COMO ELA É crônicas de Paquetá

Julio Marques

© 2015 Julio Marques Todos os direitos reservados Capa: Sylvio de Oliveira 1956/2014 Projeto gráfico: Xabier Monreal Editado no Jornal A Ilha Outubro 2012 - Outubro 2015 Paquetá / RJ / Brasil

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Dedico esse livro à minha neta Luiza, à Sandra e às minhas filhas Julia e Paula. Agradeço à meus pais que me deram régua e compasso, à meu avô que me mostrou os primeiros livros, ao MR-8 e à Rua Duvivier que me ensinaram a ver melhor e à meus personagens, principalmente à própria Ilha. Agradecimentos especiais ao Otavio que me deu a primeira crônica, ao Serginho Cabeleireiro e ao Claudio Marcelo, personagens e autores dessas crônicas e ao Luis Belo, também autor, personagem e conselheiro , desde o início, na arte de perceber e criar personagens e que, junto com Valtinho e Áurea, elaboraram essa fantasia "macondiana " que é Paquetá.

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O CONTO ONDE SE CONTA A ESTÓRIA DAS CRONICAS DE PAQUETÁ

Claudio Marcelo deu a idéia : que se contasse a estória desse lugar tão especial, cheio de figuras amalucadas e gentis, para que um desavisado que ler esse livro, ao menos, saiba onde se localiza e o que é esse recanto esquecido.

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Capitulo 1 A VIDA ERA COMO ELA ERA

Primeiro, Deus criou a baía. Minto. Antes havia um montão de água e Deus, em toda a sua sapiência, bordejou essa imensidão com lindas montanhas azuladas, salpicadas de verde desbotado, coroando, às vezes, com nuvens esgarçadas. Chamaram-na de Guanabara. Baía de Guanabara. Sei lá quem e porque. Nome feio e mal sonante, mas, mais a frente se verá, destinado à fama e às luzes dos palcos. No início havia muitas baleias. Quem a conhece, agora, percebe que essa festa não podia durar. Seriam elas, as baleias, ou os navios da Petrobrás, e antes as barcas da Cantareira, antes, ainda, as chalupas imperiais e os navios piratas franceses, portugueses ou da marinha imperial inglesa. Dançou o mais gentil. As baleias escorregaram para fora, pela boca da baía e nunca mais voltaram. Estranho é que, apesar desse congestionamento, o sol nasce magnífico com milhões de biguás, fragatas, andorinhas do mar e gaivotas pescando uma variedades infinita de peixes. Isso porque Deus, em sua infinita onisciência, botou tanta água na sua baía que, por mais que tentem esculhambar, a vida se mantém em sua plenitude e beleza., para desgosto da Globo, paulistas e afins. Mas, como eu ia dizendo, quando, ainda, as baleias passeavam pela Guanabara, os Tamoios, com suas pirogas, olhem bem o nome, iam engravidando as ilhas que se levantavam, soberbas, no mar da baía. Com a mania de andar ao léo, esses índios topavam com onças, antas , pacas e temiminós, seus semelhantes e por isso, inimigos. De ilha em ilha, acharam uma no fundo da baia, coberta de manguezais, cheios de peixes e conchas.

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JuLIO MArquEs

Apresentaram-na aos franceses, nobres piratas, que, como sabiam desenhar e escrever, espalharam que haviam descoberto a Ilha de Paquetá. Aliás, é bom que se diga, nome vulgar, havendo ilhas de Paquetá espalhadas pelo Brasil inteiro. Pelo jeito, um nome bem comum na língua tupi. Thevet, eis o nome do bandido, escreveu para o sub-secretário da secretária do secretário da Dama-Assistente da Dama de Companhia e, dizem, namorada da Dama de Honra, que por sinal não sabiam ler, que havia um monte de ilhas na baía, etc e tal. Bastou isso e inventaram Paquetá, ilha da Baia de Guanabara.

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Capitulo 2 A VIDA FOI COMO ELA ERA

Incomodados com a boataria francesa que rolava na Europa, os portugueses resolveram acabar com a brincadeira instalada no seu quintal. Armaram caravelas , mataram muitos índios e alguns franceses e libertaram Paquetá dos Tamoios. Para deixar isso muito claro implantaram dois latifúndios na nossa futura Macondo : a sesmaria do Campo e a da Ponte. Das estripulias dos Tamoios restaram umas urnas funerárias que a Vavate, muitos anos depois, foi achar no seu buraco. Mas isso é estória para outras crônicas. Para deixar o assunto resolvido, os portugueses inauguraram, no continente, uma vila para os soldados, contrabandistas e degredados morarem. Como bons lusitanos, fundaram a dita vila no alto de um morro, mais tarde demolido em nome da modernidade. Essas conversas vocês terão de ler, depois, em algum livro porque meu assunto é Paquetá. Interessa é que se precisava de cal para as construções e como a futura cidade ainda era cercada de índios, o melhor lugar era Paquetá, vazia de gente. Aí o negocio progrediu, trouxeram escravos africanos e pau na maquina. Haja cal para tantas casas, palácios e igrejas. No tempo vago, punham os negros para plantar hortaliças e frutas e criar gado e escravo tem sempre tempo vago. De repente a população se multiplicou, ficando quase igual a de hoje. Descoberto o ouro das Minas Gerais e como o caminho começava em Mauá, bem atrás de Paquetá, no fundo da Baía, ficamos ficou bem no meio de um caminho movimentado, com barcos levando e trazendo para a cidade do Rio soldados, padres, vice-reis, muita gentinha, é claro, e até o Tiradentes, primeiro conspirando, depois acorrentado e, por fim, voltando esquartejado.

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Mais tarde , com o rei de Portugal já morando no rio de janeiro, este, no meio do caminho para o alto da serra de Petrópolis, de clima mais ameno, por tédio e cansaço, parava às vezes por aqui. Tempos depois, já no reinado de D. Pedro I, proclamador da independência, com a Ilha ocupada por fazendas e sítios, veio cá residir, meio a contragosto, José Bonifacio, o Patriarca, expulso da corte por ser um grande futriqueiro. Morou na Praia da Guarda, escoltado, é claro. por uma guarda. E a vida continuou calma e nem mesmo a abolição da escravatura alterou grande coisa. O povo continuou como pescadores, plantadores e cuidadores dessa vida mansa, com exceção de um ou outro, como o negro Anacleto de Medeiros que, por sorte e habilidade, conseguiu aprender musica e se transformou no grande maestro e fundador das bandas militares, criando melodias, arranjos e músicos que acabaram virando choros e chorões, do inicio da nossa canção popular.

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Capitulo 3 A VIDA ERA COMO ELA FOI

O tempo passa e, nessa altura da vida, as fazendas e sítios já tinham se transformado em chácaras menores e algumas chácaras em lotes bem menores com casas grandes o suficiente para caberem todos da família e agregados que passavam as férias aqui. Criara-se todas as condições para uma nova invasão, a dos primeiros veranistas. A elite da Tijuca se apresentou, trazendo consigo seus parceiros do Méier e adjacências, todos que não tinham acesso às praias do Flamengo, Botafogo e Copacabana. A Barra, na época era uma ilusão. Em busca de mar e areia, embora a água não fosse muito transparente, passaram a freqüentar a ilha nos fins de semana e nas férias, desfrutando a liberdade desse canto da baía. Generais, almirantes e brigadeiros tomaram de assalto o bairro e até um marechal comprou um morro que leva o seu nome. Coronel Ademar, pai de Marilda e expedicionário da segunda Guerra, é figura emblemática. General Menna Barreto, que perfumava o Benedito pra brincar com seu netinho, Augusto Silva, Pedro Bruno, escultores, pintores e paisagistas adornam a ilha para deleite dos que vem passar o feriadão. Seu Cherubim, amigo de seu Seraphim, dono de dancing famoso no Rio, alegram as noites Dizem que namoraram artistas famosas. Falam até da Aracy Cortes, mas eu não acredito. Barretão, chefe de policia do Distrito Federal e figura famosa na Ilha, eterno noivo da tia da Marilda, impõe a ordem com sua figura volumosa. Bernardino e sua loja de materiais de construção ajudam no adensamento e na transformação da tranqüilidade em festa constante. Estão criadas as condições para a época de ouro da Ilha.

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Claro que havia o pessoal das caieiras, gente mais modesta, pescadores que estavam abandonando a profissão e se dedicando a outros serviços, mas desses pouco se sabe. Ficam as estórias de seus batuques e sambas. Permaneceu a saudade dos blocos que desfilavam para deleite das criaturas elegantes.

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Capitulo 4 A VIDA FOI COMO ELA FOI

Começa a época de ouro da Ilha de Paquetá. Claro que, antes, já moravam ou veraneavam gente de proa da vida carioca. Cantores e compositores como Silvio Caldas, Braguinha, Roberto Martins, Wilson Batista e Orestes Barbosa eram pessoas fáceis de se encontrar; Ormy Toledo, poetisa, compositora e mecenas da musica popular, trazia para a ilha figuras como Pixinguinha e Jacob do Bandolim, em saraus inesquecíveis na Chácara da Moreninha. Di Cavalcanti morou 3 anos na casa do Di franco, dono na época de um dos cinemas da ilha. Luz del Fuego vivia pelada em uma ilha perto e intelectuais como Manoel Bandeira se esbaldavam na praia do Lameirão. Falava-se que Orlando Silva, Carmem Miranda, Grande Otelo, Carmen Cavallaro, Glenn Miller e o inesquecível Noel Rosa eram presença constante na Praia Grossa. Não sei como essa ilha dava para tanta gente, Escolas de Samba cantavam pelas ruas e o povo fazia piquenique debaixo dos flamboyant. O JACAS’ SOCIETY era o melhor da época. Marilda, Mello , Lelo e Luis Belo, Birulinha, Papinha, Domicio e Leão, Sueco, Mileide Ajuz, Ieda, Luso, Itamar, Lea di Franco, Vaninho, Sergio Galba, Quim, Joaquim, Marília, Maria Elisa eram os campeões como diz o Mello Menezes. O Barreirinha ganhou o campeonato de futebol do Departamento Autônomo. com o Valtinho, o Jorginho e o Lula. Mané Batanga, funcionário da limpeza urbana, o 67, Lango da Mangueira e outros dão o conforto necessário aos veranistas enquanto a Nega Luiza e o Bené Venuto colorem os sambas dos blocos.

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Aldir Blanc, silvio silva e Cezar Costa Filho fazem saraus na Praia dos Coqueiros, encantando as meninas do Grajaú. Ninguém comia ninguém. Embora os bailes do Jacas fossem incríveis e o Frank sinatra embalasse o agarra-agarra, todos ficavam no ora veja. Já a geração seguinte, essa mandava ver.

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Capitulo 5 A VIDA FOI COMO ELA É

Fazia tempo que a soninha tinha passeado de bicicleta só de biquíni e perdido muitos soutiens no esqui aquático, mas a Bela Época já havia passado quando a garotada - Claudio Marcelo, Anjinha, serginho cabeleireiro, Liliane, Luis, Zane e Maria, família Lavrador, os Praça, ricardinho Magrela, Neuzinha, Balseira e muitos mais - se esbaldava nas festas do Iate graças a complacência da Tia Pequenina. Construíram a Ponte rio-Niteroi e Cabo Frio estava logo ali. O fim era só uma questão de tempo. A paisagem continuava linda, o lua era inebriante mas o mar parecia mais escuro se comparado como o azul oceânico. Mesmo assim havia mais liberdade do que em qualquer outro lugar e adolescente é adolescente, ainda mais sem as bobagens da geração anterior. Era rock, etc e etc. Felicidade era o que não faltava.

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Capitulo 6 A VIDA FOI COMO ELA FOI

Finalmente chegamos ao fim desse papo, ao início do novo século e os escorraçados do rio chegaram. Alegres, acharam que encontraram o paraíso. Como de ilusões o inferno está cheio e como um bar é um bar é um bar, Zarur é o melhor deles. O resto se conta e se contará nas CrONICAs DE PAquETÁ.

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Capitulo 7 A VIDA ACABOU SENDO COMO ELA É

Pois é, quem manda. Os que chegaram alegres, achando que tinham encontrado o paraíso, acabaram trazendo malas e embrulhos. E chegam as malas, aos montes. Chegam diariamente, com passagens de graça para o paraíso perdido. Entretanto valeram a pena as festas do Zarur, as rodas do Terreiro Grande e os bate-papos do Jorginho. Quem viu, viu e quem não viu não mais verá. Vida que segue. Claro que o Zarur, bravo guerreiro, voltou a fazer festas, agora no Campo, talvez o último reduto, mas o alegre mau humor da Carminha pensa em implantar “delivery” de amendoim. Breve o Valderi, com a concorrência de produtos sem agrotóxicos, terá mais tempo para beber com a gente. Em frente, sempre em frente e veloz como as elétricas e os catamarâs, enlevado ao som de suaves mantras. “Vem, vamosimbora que esperar não é saber’ , na verdade não se faz a hora e nem se espera que vá acontecer.

- FIM -

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Editado no Jornal A Ilha Outubro 2012 - Decembro 2012 Paquetá / RJ / Brasil

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OUTUBRO 2012

Que me perdoe Nelson Rodrigues mas A VIDA É COMO ELA É Começo por avisar : não assumo qualquer responsabilidade pela exatidão dos fatos e não ponho a mão no fogo, só um louco o faria como já disse Jorge Amado. Nesse palco de PROJAC, já sem distinguir direito a realidade da fantasia, a vida parece, às vezes, novela que deu errado. Outro dia, ao descer da barca, me vi em meio a uma procissão. Eram estandartes bem bordados, crianças de asas azuis de anjinhos, pessoas de velas acesas e beatos e beatas carregando santos sob uma chuva de papéis picados prateados. Eu não sabia que era dia santo. Mas, nos Carecas, um padre reclamava da falta de fé do povo porque a missa da Globo tinha mais gente que a sua. Vi na esquina, no Bar do Manel, três moças com jeito de vadias fazendo a vida, coisa que não combinava com o horário do meu relógio. Estavam comandadas, olha só, por um homem alto e louro com jeito de zona sul, que fazia elas se mexerem, rebolando prá lá e prá cá. É, esse mundo está maluco. Atordoado, fui em direção à praia. No chão, no meio da rua e em frente à loja da Maninha, jazia um corpo ensangüentado. Pessoas corriam, uma senhora chorava e mulheres na calçada aplaudiam. Justo nessa hora um amigo, o Tom, me contou que o Zé Lavrador tinha mudado de nome. Chamava-se agora Paulinho Madureira e era o novo presidente de nossa Escola de Samba, eleito em meio a fogos de artifício e roda de samba com o Elói Sete Cordas, o Padulinha, ele Tom e outros mais. Até o Jongo da Serrinha tinha vindo prestigiar. Caramba, eu bem que tinha visto o muro do Jorginho Gafanhoto pichado e empastelado de cartaz de baile funk, com um buteco na frente.

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Logo ele, filho de compositor famoso, com programa de musica instrumental na Radio MEC e pianista consagrado. Vi o que é o Baixo Madureira. Fui para casa depressa, coloquei minha fantasia de José Bonifacio e parei na entrada do Solar Del Rey. Quem sabe não sobra prá mim OTAVIO JULIO

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A VIDA É COMO ELA É

NOVEMBRO 2012

Reafirmo que qualquer semelhança com pessoas e fatos é mero acaso e que não assumo qualquer responsabilidade pela exatidão do caso contado, só um maluco faria isso. Pela manhã era um zunzunzum na Dejane, de tarde formavam-se rodinhas na Furquim Werneck e, à noite, já era uma epidemia no Zeca. Onda de roubos tomava Paquetá de assalto. Primeiro foi no Bar do Zarur. Destelharam a cozinha e arrombaram a caixa registradora, levando os trocados. O Lavoisier, que dormia no chão do salão, quase foi arrombado, perdão, quase foi levado. No ultimo momento preferiram o celular e o radinho de pilha. A farra continuou na veterinária da Andréa, onde ameaçaram um cachorro com uma faca de cozinha. Não satisfeitos, na ânsia de mais contravenção, entraram na casa do Adílson que reagiu à altura. Perguntado, este negou o fato afirmando que em sua casa só entra convidado. À tardinha senhoras procuraram a delegacia dando queixa de invasão de domicilio por pessoas estranhas. Dizem até que na Imbuca, no Bar do Marquinho, quiseram levar o freezer, coisa que eu não acredito. Hipóteses começaram a ser levantadas. A Maguta, na barca das nove, afirmava que a culpa era da TV Globo, com suas cenas de violência no Pindura Saia. A Heloísa gritava que a administração não tomava providências, enquanto que a Mileide dizia que a Barcas S/A não controlava os passageiros que trazia para a Ilha. No Bar da Carminha o assunto continuou. Diziam que dois sujeitos tinham descido algemados. Chegando atrasado para a cerveja das 10, o Tijolinho afirmou que mais três indivíduos, devidamente atados aos policiais, esperavam na Praça Pedro Bruno a chegada da lancha. Pensei, cá com meus botões, que com essa rentabilidade, exercer uma atividade dessas, aqui, só podia ser coisa de gente fugida de sanatório. Faltou estudo de viabilidade.

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Por via das dúvidas fui para casa trancar as portas. Sabe lá! Mas, o que bem se sabe é que a Luíza é a Rainha da Ilha, no alto de seus quase 90 anos. Seu jeito de dama de congado, pescoço longo, pernas compridas que já fizeram o delírio de muita gente e que plantava ciúme no peito de Gongola. Conta Valtinho nas suas crônicas que ela foi a causadora da eterna disputa entre a Ponte e o Campo. O fato se deu assim: Em um desses carnavais antigos, mas muito antigos mesmo, ao som de marchinhas e sambas que o Bené Venuto inventava, desfilavam blocos. Eis que, em frente à Igreja, o Silêncio do Amor cruza com o Unidos de São Roque. Balançando o estandarte do Silêncio, Nega Luíza, a porta-bandeira gostosa e majestosa, avança volteando ao encontro do adversário. Sem vacilar um só minuto, Nega Luíza acerta a cabeça do mestre-sala rival. Aí, meus caros amigos, foi uma porradaria só. Brigou-se até o dia seguinte amanhecer. Nunca mais a paz reinou entre os blocos da Ponte e do Campo. Aí está contada uma das estórias de Mestre Valtinho. Muitas mais existem e hão de ser contadas sobre os espíritos livres que fizeram de Paquetá sua morada. Mulheres geniais e homens porretas que construíram o espírito encantador da Ilha. JULIO, ouvindo os verdadeiros cronistas.

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DEZEMBRO 2012 Nessa ilha encantada, qualquer semelhança com pessoas e fatos é mera casualidade. Por isso, não assumo nenhuma responsabilidade pela exatidão dos casos contados, só um maluco se comprometeria com isso. Eleição é uma disputa, às vezes feroz, mas só em Paquetá ela vira batalha de confete, com alegoria e tudo. Estávamos nós - eu, Flavinho e o Serginho Cabeleireiro - sentados em uma mesa da cantina do Fernando, falando besteira. O tempo andava meio esquisito e a Furquim meio vazia, afinal era segunda feira, após um domingo de eleições. Eis que um som estridente, parecido com um samba, invade o recinto. Era um eco-taxi que passava, como se atravessasse uma passarela. A cena lembrava antigos desfiles das Grandes Sociedades na Avenida Rio Branco. Imaginei uma matrona, no alto de um carro alegórico dos Tenentes do Diabo, mandando beijos e rebolando para a multidão perplexa. Corremos até a porta e vimos alguém, meio gordinho e em pé na viatura, abanando agradecimentos ao povo enquanto gritava “é campeão”. A figura já quase dobrava a esquina quando olhamos um para o outro. Nem tivemos tempo, em homenagem ao espírito esportivo, de aplaudir e atirar arroz, como naqueles casamentos de Hollywood. Afinal nós e quase toda a Ilha tínhamos votado no adversário. Brindamos com um “viva” a capacidade de se alegrar com derrota nas eleições. Isso só Paquetá possui. Ainda conversávamos sobre a exuberância do gesto elegante, quando o Luiz Belo chegou. Depois de puxar o saco do Wanderley, diretor de quitutes, sentou e perguntou se alguém se lembrava da estória do lanterninha do cinema do padre. Flavinho, com seu novo visual de ovo cozido, fez cara de pudim do mês passado e balançou a cabeça, ou coisa parecida. A Marlene do Valtinho, da mesa ao lado, mais que depressa gritou que conhecia. Luiz não se fez de rogado e começou a contar. Falou que, a mais de meio século, quando a ponte ainda não permitia a ligação da Tijuca com Cabo Frio, havia cinema em Paquetá. Não apenas um, mas dois. Disse, ainda, que a Flora Maria, com doze anos, viu no Di Franco o filme “Enterro da Cafetina”, só porque era afilhada da bilheteira. O Luiz continuou, lembrando as cadeiras duras e o som rachado que saia da tela e finalmente, do lanterninha que vendia bala e tinha um jeito de menina.

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Lembrou que certo dia - acha que o filme era “A Dama e o Vagabundo” na cena do espaguete, toda a platéia começou a latir. Acenderam as luzes e expulsaram o pessoal da sala. Senhoras, avós, crianças, não sobrou ninguém. Disseram que essa confusão toda era porque o lanterninha mantinha relações estáveis com o cachorro do vizinho. Valtinho, lá da sua mesa, falou alto, perguntando ao Luiz, se ele se lembrava do Pau Preto. Foi uma gargalhada só e sem nenhum preconceito pela cor do atributo. Mas isso é uma outra estória que fica para uma outra ocasião, porque o Luis se lembrou dos gloriosos bailes do Iate, no tempo, vejam vocês, que a Anginha ainda usava chupeta e a Regina Yolanda desfilava a graça de um corpete de havaiana para delírio da horda de foliões tendo o Birulinha à frente com seu estandarte no ar, enquanto o Mello Menezes urrava pendurado nas grades pelo lado de fora. Falando nisso me lembrei do Feriadão no Nativa, um dos nossos naiteclubes, quando a moça da saia curta atacou mais uma vez. Ah! As noites de Paquetá... Julio, sempre ouvindo os cronistas da Ilha.

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Editado no Jornal A Ilha Janeiro 2013 - Decembro 2013 Paquetรก / rJ / Brasil

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JANEIRO 2013 Nessa ilha, como diz o Ricky, o boato vem antes do fato. Por isso qualquer semelhança de pessoas e casos com o aqui relatado é coincidência. Daí e por não ser doido, o transcrevente não assume qualquer responsabilidade pelo contado. Como disse o poeta Aldir: “Ao que eu me lembro pode não ter sido Tão fielmente o fato acontecido.” Vamos ao “merchandise”. Estávamos, eu e o Claudio Marcelo, comodamente sentados - maneira de disser - na Cantina do Fernando, quando esse meu amigo, sempre sábio, afirmou: - Paquetá precisa do seu Guia Michelin de Culinária. Um silêncio se seguiu, não de espanto mas de respeito. Realmente, meu amigo, para variar, estava coberto de razão. Não era possível deixar desprotegidos os turistas que nos visitam, vagando ao sabor do acaso. Dada a urgência, começamos a listar pessoas que deveriam ser ouvidas, por seu saber e experiência. Mais uma vez, Claudio, no palanque da sabedoria, afirmou: - O primeiro tem de ser o Grilo. Para quem não conhece, Grilo é antigo funcionário do Hospital da Ilha. Se ele degusta, a mais de 20 anos, a comida desse estabelecimento, tão freqüentado pelos turistas que nos visitam, como não ouvi-lo ? Aprovamos, com aplausos do Flavinho e do Luis, a precisão da escolha. Continuamos listando e, para puxar o saco - palavra desagradável - do Flavinho, sócio da casa que tão bem nos acolhia, colocamos o Luis Belo na lista. Luis, freguês perpetuo da Cantina, recitaria poemas ao peixe do Wanderley. Seguindo o mesmo critério, escolhemos a Cristina para defender as cores do Tia Leleta e de sua Rabada (a letra maiúscula se fez necessária), embora o Zarur seja amigão de todos nós, amantes da cerveja, da cachaça e do uísque acompanhados de pasteis. Lembramos do Lido e de seu self-service, mas o grande freqüentador, Luis Belo, já estava comprometido com o Wanderley. - Mude-se, ordenou o dono da bola, Claudio Marcelo, sentado no trono da razão.

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Mudou-se. Luis falaria do Lido e o Otavio, emérito professor das iguarias da Cantina, louvaria os frutos desse mar sereno da Baia de Guanabara. Foi nesse exato momento que o Serginho adentrou o recinto, alertado por nosso amigo Peteca, que não gosta de injustiça. Tonitruante, afrontando os presentes e os donos da casa, começou a argumentar suavemente, com sua vasta experiência que a barriga não deixa mentir. - A carne assada da Dona Ana não pode ser esquecida. De fato o Bar do Manel, legitimo representante dos botequins portugueses, embora nascido em Pernambuco, tem a melhor carne assada com nhoque do mundo. Mas o Serginho não parou por aí. - Vocês não conhecem o churrasquinho de domingo que o pessoal faz no Depósito. Tem picanha, asinha de galinha e cupim sem asa. Bom prá chuchu. E é baratinho e, às vezes, tem pagode. Não satisfeito, Serginho continuou. - Melhor ainda é o kafta da carrocinha da esquina da Furquim. Aí a unanimidade foi absoluta. Chegaram a bater palma. - Feito sanduíche com um pãozinho dos Carecas é o máximo. Pergunta ao Fernando. Aí começou a coisa a descambar. Lembraram da peixada anual do Afonsinho, na pelada de aniversário do Trem da Alegria, berço dos veteranos da bola. Isso já era muita esculhambação. Como presidente da mesa, auto-proclamado, dei os trabalhos como encerrados, ficando de ser marcada nova reunião. mais que ordinária, para o próximo número. Acertado isso, saímos todos em paz e eu acabei não falando do Bar da Fatinha com seus quiches e sua batida de gengibre, nem do Nativa dos crepes saltitantes, tão saltitantes quanto a Lili batucando seu teclado nas nites de Paquetá, onde a moça da saia curta continua cruzando as pernas e fazendo estória. Mas isso é outro papo que contaremos mais tarde. Julio, porta-voz dos cronistas de Paquetá.

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FEVEREIRO 2013

Começo avisando que não assumo responsabilidade pelo transcrito, pois aqui, nessa ilha, como sempre repete o Ricky, o boato vem antes do fato. Saibam, pois, que qualquer semelhança com pessoas e casos é fruto da imaginação coletiva, delirante e saudosa. Como fala o Chico –“Mas é carnaval.....” – e dito isto nosso “Abre alas que eu quero passar” desse “Bloco do Criolo Doido” vem dizendo: “Sou viajante do vento Irmão das águas, sim senhor” E outra ala responde, serena e confiante: “Voltamos de uma grande jornada Ao povo queremos saudar” Lá longe, Domicio canta a Ciganinha, de mãos dadas com Dona Maria, com Aurinha, com Leão, com o pessoal da Miziara – “ Vem, minha linda ciganinha .....” Mas vamos deixar disso que o que importa é - “Onde é que estão os tamborins, oh! nega. Viver somente de cartaz não chega. Bota as pastoras na avenida ...” E lá vêm elas com Nega Luísa à frente, disputando com Iara o estandarte do Bloco. Lucia, na lembrança do Carlinhos, mexe os quadris à frente das baterias comandadas por Mestre Valtinho e por Mestre Ivanzito, insuperável no surdão. Chegam os tamborins e agogôs. Vêm vindo Veras e Padulinha, cavacos de respeito. Chegam Gato Preto e Mestre Tito trazendo Seu Borracha e Borrachinha, Jorge Gonga e Dona Giza das lembranças de Gloria Bicuda, toda emocionada no carro antigo, feito pelo Ademir dos Carecas e Frescos. Aparecem as burrinhas do Mario Guei e do Miquinho, vindos dos Quatro Cantos. Surge, pulando como sapo, o urso do Bené, feito de saco de estopa, tiras de chita e barba de velho. Chegam os diabinhos, com mascaras do Seu

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Betinho, pai do Alemão, recheadas de crianças, que desde semanas, povoam as memórias da Mary. Vem o pessoal do Jaca’s com Birulinha de mestre-sala – Sueco, Luso, Papinha, Marilda rebolando e pensando na princesinha com a lançaperfume da Tia Pequenina. Dança o Lelo de nega maluca e o Mello de sereia. Orlando Bambu passeia de Burrinha enquanto o Luis Belo abraça a Cléa. Chega o Bloco das Crianças, Valéria e seus dragões de alegoria, baila a Gigi do Ferreira se fazendo de bailarina e a Marga de colombina. Os sambas do Bené Venuto e do Jorge Carreiro embriagam os freqüentadores do Bar da Dejane. Magda pega o surdo, Neuzinha o tamborim. E vêm os Blocos. À frente o das Piranhas, Ricardo de mulher solteira e Alfredo de Gigele Binchen. Seguindo, na mais perfeita desordem, o Nelson e a Magdala se arrastam ao Luar do Alfavacas. Vem o Camelo com seu membro enorme, vem o Goró, vem o Coqueiros com Cataldi vestido de Gentileza. Rael da Colônia, meio índio meio cristo, segura o estandarte dos Valentes Guerreiros ao som do tamborim do Bichara. Fechando o desfile, passa o Fecha-Bar do Nando da Farmácia, com toda a família Praça, Célia sacolejando o galhardão. Por fim, como grande destaque, surge de longe o Claudio Marcelo, camisolão de saco de batata, entoando o hino do “Aperta um poste” São tantos os fatos que as fracas memórias não conseguem recordar, mas ficam na lembrança do Paulão, fantasiado de Pirata, falando do Chico Paraíba. Descendo a cortina, cantamos nós todos, “está chegando a hora” saudando o Silêncio do Amor e O Unidos de S. Roque, que podiam estar contando a estória da Ilha de Thevet a TV, misturando a França e a Antártica, com Verinha e Alan no passo, engalanando a Furquim, em uma terna imagem na memória dos cronistas de Paquetá, que foram ouvidos e honrados. Julio e os magistrais cronistas dessa Ilha.

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A VIDA É COMO ELA É

MArÇO 2013

quando eu era criança, diziam : ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. rubens Braga, em uma crônica perfeita, falou: “ Agora estou bastante velho e me lembro dessa história e vejo que continua havendo saúva e continua havendo Brasil.” O pessoal é meio afobado. Por isso, na sexta, depois do Carnaval, nos encontramos na Dejane, eu e os maravilhosos cronistas, para deliberar sobre o tema deste mês. uns queriam compor uma marchinha sobre a Bundinha Feliz, moça já entrada nos anos, mas ainda capaz de fazer a alegria da moçada. Não me venham perguntar quem, embora ela estivesse de preto, porque prometi guardar segredo e tenho o direito de preservar as fontes. serginho, nosso magistral coiffeur, queria relembrar grandes momentos da Picolé, mas Claudio Marcelo, implacável, desenhava em largas pinceladas a Moranguinho, ameaçando relatar a prisão, sabe-se lá de quem, efetuada pelo avô da Ana Claudia, então juiz de menores. Neuzinha relembrou momento marcante - o reencontro de sua mãe com o Birulinha, Aldir cantando na vitrola “eu vinha a pé pela Ladeira santo Amaro até a rua do Catete, onde você residia e te levar para um passeio em Paquetá, onde nasceu o nosso Bloco, o Ameno rezedá..” Choraram os dois. Muito. Não se viam há mais de 60 anos. Birulinha morreu três dias depois e ela um ano, mais ou menos. O assunto podia ser a multidão que tomou de assalto nosso carnaval. Esse é o eterno tema de nossa Ilha, paraíso dos piqueniques. De minha varanda, debruçada na Praia da Moreninha, sempre acho que reconheço o Pixinguinha mordiscando uma coxinha de galinha (eta rima!) e ouvindo o Donga ponteando na viola um som nordestino que a voz abaritonada do João da Baiana verseja, em um jeito não muito apreciado pelos ouvidos mais refinados.

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

Cartola e o Nelson Cavaquinho, como um bando de colegiais, espalham água p’ra todo lado aporrinhando o Geraldo Pereira, que canta baixinho no ouvido da Isabel. As brigas, que sempre começam do nada e sempre acabam, não atrapalham o pessoal do sinhô que, na Pedra da Moreninha, discutem como fundar o Ameno rezedá, o rancho que ia virar escola, com alas de baianas e alegorias. Conta o Valtinho da Marlene que, na Ponte, na fila das barcas era só porrada e batuque. O fato é que a tragédia se sobrepõe à alegria. Morreu Juliana, assassinada por um psicopata. Menina de cinco anos, brutalizada em ato premeditado de vingança por desavença a respeito de um selim de bicicleta. A revolta tomou conta da Ilha. A solidariedade fez com que se encontrasse o corpo e prenderam o assassino antes que a noticia se espalhasse. A ira exigia espancamento e matança, mas a policia evitou. Melhor assim, basta de tragédia. Eu estava meio triste no Zarur e o neto da Carla, o Airin, me disse: sou uma criança feliz em Paquetá. Eu respondi: Eu também. sei que vim para cá não porque existem praias e belas paisagens, mas porque a gente é solidaria e fraterna. Esse sentimento de ajudar a quem precisa não pode morrer. A paz só é conquistada com respeito mutuo e certos hábitos sócioculturais têm de ser coibidos. A cultura de violência das torcidas organizadas e das patotas de condomínio têm de ser deixadas fora dos nossos comportamentos. Finalizando nossa conversa, o transcritor lembra que só é responsável por parte do contado, pois, na Ilha, como diz o ricky, não há fato, só boato. saibam, pois, e quem afirma é minha amiga Lourdinha, que qualquer semelhança, fora as propositais, com pessoas e atos pode ser uma grande futrica de um povo imaginoso. Julio e os emocionados cronistas da Ilha.

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A VIDA É COMO ELA É

ABRIL 2013

Há momentos, quase sempre trágicos, que, como uma janela no tempo, nos deixam ver o futuro. Por esses momentos paga-se quase sempre um alto preço, já que são coisas que não se encontram no mercado. Vejo as fotos e vejo a multidão vermelha que tomou Caracas em paz com a força das maiorias. Penso no que li, não sei onde: “Chávez é a multidão”. Salve Chávez e as multidões, um filho do outro. Falando alto, ambos atraíram a ira dos poderosos de plantão. O continente lhes deve muito. Já que não me furtei de comentar sobre a Venezuela, pergunto, embolando o assunto, HABEMOS LADRI? Na Internet, essa futriqueira moderna, foi postado filme onde se vê, com nitidez arrepiante, o rapaz em plena ação. É verdade que, mexe daqui, mexe dali ele não acha nada que interesse, pelo menos até ficar com a cara ocupando toda a tela antes de desligar a câmera. Pode ser que o Bar do Seu Negão, como diz a Regina, não tenha nada de bom. Pode ser que, curioso, só tenha, às 3 da manhã, olhado o estoque para adquirir no dia seguinte. Pode ser até que, com fome ou dor de cabeça, tenha procurado pipoca ou melhoral, pendurando na conta do dia seguinte. Fato que detido, foi solto pouco tempo depois. E todos podem vê-lo, passeando por nossa formosa Ilha, competindo com a Pedra da Moreninha como uma atração a mais. Falando em HABEMOS, será que HABEMOS PADRE? Que saudades do Padre Passos! Personalidade boa, afável e inteligente, preocupado com a comunidade. Continuando nesse espírito de coluna social, dizem que não houve nem haverá festa igual ao aniversário do Alfredo. A elegância desfilou nos salões do Tia Leleta ao som de grande orquestra. Cantaram Tim Maia, Bebeto e outros. Até o Raul Seixas deu canja no Sarau.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Mas, passado o carnaval, volta a nossa tranqüilidade. Tibério Gaspar volta a declamar “Sá Marina” na esquina (olha a rima) e a moça da Bundinha Feliz passeia pela Furquim para felicidade dos órfãos de mãe viajante. A beldade da Comlurb varre as ruas, o som da sanfona de Luis Gonzaga inunda a Praia da Guarda e até as garças reaparecem, descansando nos barquinhos. Como o magnífico coiffeur sumiu e Claudio Marcelo caça ornitorrinco, Luis Belo contou estórias antigas, enquanto degustava um cará barbado bem preparado (nova rima) pelo Fernando. Diz ele que, quando a barca ainda era a vela, a Elizete Cardoso se hospedava na casa do Tio (dele) Serafim. Um dia aglomerou-se uma multidão só para ouvir a Elizete cantando no chuveiro. Até o Silvio Caldas, avô da Magda, veio tocar violão. Nessa época, conta o Lelo do Jaca’s Society, em um baile de Carnaval no Beira-Mar, na época um restaurante art-nouveau, Joãozinho da Maria deu tiro pro alto porque passaram a mão na dita cuja. O Mello jura que foi o próprio Lelo. Tem muitas estórias esse Lelo. Ele vive se gabando de pular, junto com o Birulinha, do alto da barca dando pontapé pra lua. Fala ele que o pior era voltar nadando da Pedra Rachada até o Catimbau. Na disputa o Luis não fica atrás. Ele entrevistou a Luz Del Fuego para O Cruzeiro, pouco antes de ela morrer. Esperando a Barca das onze, os dois ficaram pelados, em cima da pedra da Ilha do Sol,. É que ela tinha sido contratada como atração do passeio. Não parando de falar, o Luis Belo recorda a Soninha esquiando na água e perdendo, às vezes, o soutien. Soninha, porem, nega dizendo que é invenção do Luis. Tenho a impressão de ouvir a multidão cantar em refrão: QUEM DÉ - ERA / O QUE TINHA DE SER / JÁ ERA Aparteando, Flora Maria afirma que Paquetá não é como antes. Em crônica antiga, Rubem Braga. digo eu corrigindo o Rubem, escreveu: “.. talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão.”

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Mas, graças a Deus como diz o novo Papa, a menina de saia curta apareceu no Nativa, mais uma vez trazendo alegria aos corações, nas noites de nossa ilha. O transcritor, finalizando a conversa, relembra que não é responsável pelo recontado pois nesta ilha, como diz o Ricky, não há fato, só boato. Saibam também, e assim afirma a Lourdinha, que qualquer semelhança com pessoas e atos é futrica, fruto da imaginação de gente generosa. Julio e alguns cronistas da Ilha.

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A VIDA É COMO ELA É

MAIO 2013

Pra início de conversa quero dizer que Paquetá é o melhor lugar para se ser feliz. Não é o único, mas é o melhor. Imaginem vocês um local onde se sai e recebe sorrisos de bom dia. Pode ser da Xuxa ou da Nega Luiza, do Otavio Velho ou do Domicio Proença Filho. Você se debruça em uma varanda qualquer, dá de cara com o marzão da Guanabara (por mais que paulistas e mineiros reclamem) e vê passar, garbosamente, Claudio Marcelo e Célia em trote “moderatto”. Ana Claudia, à frente de saudável tropa, pula que nem canguru, de frente, de lado, de costa em saudável aeróbica. Hudson passa de bicicleta, para e me fala do Altamiro Carrilho, enquanto a gente ouve o LP do Orlando Silva na vitrola do meu vizinho Paulão. O pessoal da cerveja vâo, saudáveis, direto à carrocinha do Luis, querendo esticar o pé na areia e mergulhar na Praia da Moreninha, sem o cocô do Arpoador, ficando até o sol se pôr bem em frente, com estardalhaço mas, infelizmente, sem a frescura de Ipanema (direi frescor). E sem arrastão também. A noite, no Zarur, parece uma festa. Maria e o Ricardo Paulista futricam com o Nando. Maestro Bruno Jardim conversa sobre musica, Cristina cantarola no meu ouvido e no da Mary a musica “Santo Amaro” do Aldir, Flavinho atento percebendo tudo, enquanto na mesa do lado Afonsinho fala de futebol com Rubens, Lourdinha e o Ney Chiclete. Mais tarde, quando todos os gatos são pardos, o pessoal se manda pro Nativa ou pra Fatinha, onde se acha a Rutinha (sou o rei da rima), bebese “janjambre” tomando caldo de beterraba com aliche , e, de brinde, se ouve o Sylvio, nosso inexpugnável editor, cantando bossa-nova com Mauro no Bongô, Iran no violão e o Veras no cavaquinho. Já no Nativa, Miriam e o Coronel Sardenberg se esbaldam no salão, dançando um rock de amargar, isto porque a Liliane no teclado, Ricardinho na guitara, Coelho no baixo e Nando na bateria transformam uma “naite” vagabunda

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

numa efeméride. E ainda tem os geniais Mojitos e Frozens do Fabinho. Ao longe, na beira da praia, chutando água, se adivinha a silhueta do Birulinha conversando com o Mello e o Silvinho, que acabou de compor um samba novo. Acho que, altas madrugadas, o Silvio Caldas ainda passeia carregando um violão na direção da casa do Orestes Barbosa. Mas o pessoal reclama, talvez embriagado pelos cronistas de televisão, talvez nostálgicos das modernidades que dizem existir do outro lado do mundo, do túnel ou da poça. É por essas e por outras que eu repito o refrão do Ricky Perguntaram ao cavalo ? Deve ser difícil escolher entre a aposentadoria em um SPA da Prefeitura, uma fabrica de salsicha e o emprego de cobaia no Butantã. Fico imaginando o congestionamento na frente do Zarur e da Dejane, com manobreiros cobrando o estacionamento dos carrinhos elétricos, quiças das novas motos elétricas, tudo em nome da sustentabilidade e da higiene. Como tudo tem suas vantagens nossa cultura vai ter um “apigreide” com o surgimento de cursos de flanelinha e nossa escuridão se iluminará à luz das sinaleiras. Mas não haverá mais cocos de cavalos espalhados pelo chão e a tração animal será devidamente substituída pelos burrinhos sem rabo. Com certeza um de nós. Como moradores e visitantes não usam calçada, por sua quase inexistência, será proclamada uma difícil coexistência entre pedestres e carrões, que se agravará, paulatinamente, à medida que esse encantador objeto de consumo for sendo rapidamente adquirido. Ainda bem que não perdemos a moça de saia curta, a bem da verdade nem tão moça nem tão curta, e a “bundinha feliz’ passeará seu encanto nesta Ilha encantadora. Embora, diz o pessimista, com o tempo seremos todos atropelados. Melhor seria ser deixado em sossego, porque, como diz o Alfredinho, dono do Bip-bip. aos gritos:” Vocês querem me f.......”

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

O transcritor, termina esse papo afirmando que não é responsável pelo recontado pois aqui, como diz mais uma vez o Ricky, não há fato, só boato. Lembrando de novo a afirmativa da Lourdinha de que qualquer semelhança com pessoas e atos é imaginação de gente futriqueira. Um saudoso Julio e outros cronistas da Ilha

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JuNHO 2013

A moça da saia curta continua iluminando a Praia da guarda com seu decote ousado. Ela e o luar do Freire Junior. Na Furquim a beldade da Comlurb passa tão cheia de graça como a Garota de Ipanema enquanto a gente aguarda a volta da Nega Luíza. É claro que eu sou muito feliz aqui. Não canso de repetir e repito. Fora os malas de plantão, o desagradável são as ameaças. Ora querem roubar as charretes ( é eufemismo, claro), ora querem gerar engarrafamentos ( se até Brasília já tem, porque não nós) de carrinhos elétricos (um luxo de sustentabilidade, ecologicamente perfeito) com seus adereços de semáforos luminosos, estacionamentos pagos, controle de álcool da lei seca e atropelamentos de gatos e cachorros, velhos e crianças em “pegas” espetaculares que imitam os filmes de Hollywood. quem resiste. Agora são as barcas oferecendo rapidez e maior número de viagens. quem resisda pessoa que escolho, fumando na varanda, vendo as crianças correrem e pessoas jogando carta. Constatei, porque eu já percebia, lendo relatório do Instituto Pereira Passos que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano que mede a qualidade de vida) de Paquetá é de 0,82. só para comparar, o de Botafogo é de quase 0,6 e quanto mais próximo de 1 maior o desenvolvimento. Mostrando como essa Ilha é reconto duas das lendas do nosso inimaginável cabeleireiro. Ele, com fome, foi à Praça Pedro Bruno comprar um churrasquinho. O ambulante, que na verdade não ambula nada, disse que naquele momento não podia. Tinha de encontrar a mãe. Mas se ele, serginho, quisesse que ficasse ali controlando a iguaria para ela não torrar. E assim se fez.

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

Depois de vários pedidos de salsichão e outras coisas e de muitas negativas acompanhada de ameaças, nosso coiffeur rabiscou um bilhete, pegou o churrasquinho e foi embora. Diz o serginho que ainda não pagou porque não reencontrou o sujeito. A outra mistura drama e trapalhada. Foi no enterro da mãe. Depois de toda a cerimônia, penosa para quem perdeu pessoa tão vital, na manhã seguinte, o telefone toca. Era do cemitério. O caixão tinha de ser retirado da cova porque tinha sido colocado no jazigo errado. Pasmem, também a mãe do Luiz Belo foi enterrada junto com a irmã, ficando seu tumulo vazio. Coisas de Paquetá. Eu acho melhor a Neném retomar a casa da Delegacia e vir reinar nela. Como falou o Claudio em um samba de 2010 : “.... deixe as mesas na calçada E na praia o vendedor Pastelzinho, peixe frito e a cerva no isopor Ordem se faz com harmonia Com alegria e bem estar Acaso conhece a Ilha? Já veio a Paquetá ? se quiser ficar na boa se quiser mesmo ajudar Não venha com regras tolas Não venha azucrinar “ Encerrando o assunto, mantenho meu refrão recitando o ricky, um dos maiores filósofos da Ilha: Aqui não há fatos, só boatos.E mantenho, apesar dos protestos , que semelhança com pessoas, atos e fatos é futrica. Julio e uns poucos cronistas da Ilha.

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A VIDA É COMO ELA É

JULHO 2013

Nós dormimos, nesse bairro tranqüilo, ameaçados por matéria postada na Globo.com e acorda tendo de ir até a estação das barcas saber se as charretes ainda existem em Paquetá. Tinha muita gente e todos queriam manter nosso cartão postal, pois a nota produzida dizia que iriam levar todos os cavalos. Fomos educados e ouvimos um veterinário, no mínimo confuso, que, impedido de levar no peito e na raça, depois de mais de hora e meia, alegar a existência de dois cavalos doentes. Levou-os e sabe-se lá a sorte dos animais, pois dizem que a Fazenda Modelo não é bem um SPA animal e não parece adequado solta-los na Mata Atlântica. Enfim, parece uma re-edição da novela “Irmãos covardes” ou seja lá o nome que ela tenha. ”Atirei o pau no ga-to-to ...” Ah! essas crianças ... As manifestações enchem a tela de nossas mentes e televisões. Mente a televisão ou nós mesmos nos iludimos ? Vejam bem, a gente de Paquetá também quer se fazer ouvir. Otavio, por exemplo, em nome do movimento a favor dos índios, exige a devolução da Praia dos Tamoios a seus legítimos donos, com a ocupação imediata dos latifúndios do Chico Mendes e da Valeria. Já o Flavio da Cantina e o Claudio Marcelo querem carregar um cartaz pedindo cabelo para todos, com a adesão militante do Serginho Cabeleireiro, sempre presente nas grandes causas. Somos, todos nós, contra o aumento das passagens do Trenzinho e dos eco-taxis, mesmo que eles não tenham nem pensado nisso, e exigimos uma auditoria externa que comprove se o valor cobrado é justo. Para isso propomos a interdição, por tempo indeterminado enquanto não for atendida a reivindicação, do trecho da Furquim que vai dos Carecas e Frescos até o botequim do Manoel. Ocuparemos a Furquim com mesas e cadeiras e muita cerveja enquanto durar nossa vigília e tomara que ela seja para sempre.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

De qualquer maneira, Paquetá é isso. Uma ilha cheia de personagens a procura de uma novela. E não falo dos que já alcançaram as manchetes dos grandes jornais, tipo o ganhador do premio Nobel ou o Bandido da Luz Vermelha, mas das figuras humanas que o convívio diário transforma em pessoas inesquecíveis. Regina, que trabalha comigo, é uma delas. Trabalha comigo é um exagero porque quem trabalha é ela. Mas, como eu ia dizendo, ela afirma, sempre que pode, que o curso de enfermagem que está fazendo é, também, um investimento meu. Ela sabe que, do jeito que as coisas vão, daqui a pouco estou precisando de acompanhante. Sem dúvida, ela é a pessoa perfeita para o papel de cigana que adivinha o futuro, por mais obvio que ele seja. Acho que a nossa mini-serie começaria com os donos dos restaurantes, todos mal-humorados como devem ser os vilões. Zarur dando bronca no Baiano e o Fernando fazendo cara feia para a Rutinha, só porque ela queria que ele anunciasse no Jornal da Ilha. Também o Manel, chefe do ultimo dos botequins cariocas sem ar- condicionado, resmungaria porque o Grilo pediu um café. Os cozinheiros seriam os amigos do mocinho, umas flores de simpatia. O Wanderley, por mais que trabalhe, é todo sorriso, o Adilson vive cantando e a Lucia do Paulão da .Colônia esbanja charme. As garçonete é que são um problema para o bom andamento do capítulo. Heloísa se finge de surda, Rutinha do Iate anda tanto de um lado para outro que nunca se acha e a Michele, embora fique parada atrás do balcão, não deixa ninguém fumar no Zeca’s Eu, se dono da Globo fosse, aproveitaria a Simone da Loteria e a Michele dos Carecas como estrelas das Sete, contracenando com o Antonio do Manduca e com o Prefeito, funcionário do Zeca’s, uniformizado de soldado. Falando em Carecas e Frescos, isso é mais título de filme nacional do que nome de padaria. Serginho Cabeleireiro tem de ser o melhor amigo do mocinho. Ele, o campeão das estórias e das frases de efeito, sabe falar de todo mundo com tamanho charme e desenvoltura que todos se sentem elogiados.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Alfredo, que já ganhou inúmeros troféus e continua andando com simplicidade pelas ruas, faria a abertura. Mas a Furquim seria a nossa grande estrela, desfilando nas pessoas que passam, em especial o Birulinha que não sai da nossa memória. Birula, um abraço, seja lá onde você estiver. Claudio Marcelo, Marcinha, Luiz Belo, Xuxa, são tantos os artistas que é impossível colocá-los em uma só crônica. Continuo no mês que vem. Bom, como eu sempre digo. imitando o Ricky, tudo é boato nessa ilha. E mais uma vez repetindo a Lourdes, não sem antes mandar um abraço para a moça da saia curta, prá beldade da Comlurb e prá Bundinha Feliz, um pouco desaparecida, que é futrica achar semelhança com fatos, atos e pessoas Julio, com o contribuição militante do Claudio Marcelo e do Otavio

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AGOSTO 2013

Um homem não é uma ilha, disse um poeta inglês, mostrando que estamos todos juntos. Se o mar leva um pequeno torrão, nos sentimos diminuidos. E conclue: “nunca perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.” Os que da Ilha partem, se eternizam, não só nas conversas mas no dobrar das ruas, no pedalar das bicicletas, na lembrança boba de um baile de carnaval antigo. Essa Ilha é feita de memorias onde os antigos e os novos se misturam em tolas lembranças. Uns mais, uns menos, dependendo do tempo e da valia, que são critérios absolutamente pessoais. Mas todos, todos sem excessão, ajudaram e ainda ajudam a construir a estória contada e recontada nos bares. Façanhas, bravatas, conquistas e perdas, tudo acrescenta mais areia nas praias de Paquetá. Entretanto há momentos em que o vento gelado deixa tudo mais triste. Faz frio nessa ilha dos Tamoios, cuja praia, aliás, ainda não foi devolvida aos legítimos donos. Por isso e por outras coisas nos mantivemos em vigília. Primeiro no domingo no Darke, depois na noite premiada do Iate e, finalmente, na sexta no Zarur em assembléia que decidiu sobre a fundação de uma radio que expandirá nossa voz, nossas reivindicações e nossa imaginação para alem do mar até um continente inóspito e aborrecido. E põe chato nisso. Voltando ao frio, nossa maior reivindicação é sol e calor. Não nascemos para ser Paris, Queremos bermuda, biquíni e calção. A tristeza nos consome por não ver a Bundinha Feliz, decerto escondida debaixo do cobertor. Com certeza a Moça da Saia Curta vestirá um

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

jogging escuro e esconderá o decote atrás do pulôver. A Beldade da Comlurb cobrirá, para a desgraça do mundo. sua graça e suas curvas com uma japona sem graça e sem curva. Claudio Marcelo sumiu, Xuxa não está na praça e até minha amiga Graça está sem graça. Não se ouve o grito das crianças voltando da aula, nem o trotar das charretes. Abaixo a chuva, fora com o frio. Que o sol volte a iluminar nossas praias, esquentar nossos bares e aquecer nossos sorrisos. Não gosto da garoa paulistana, nem do inferno invernoso das noites curitibanas. Xô, satanás. O Village de Nova York e os quartiers franceses só são agradáveis no cinema. O frio é invenção do diabo. É por isso que os americanos invadem todo ano um novo pais, chacinando aldeias. Pura Inveja do calor. Alem, é claro, da cobiça pelo petróleo. Viva o calor, viva o verão. Quanta saudade eu tenho dos meus personagens e da Furquim engalanada de gente indo para a praia em alegres piqueniques, com as montanhas, ao fundo. separando o céu do mar. Sinto falta dessas “noites olorosas quando o mar, desfeito em rosas, se desfolha à lua cheia”, que só existem no verão. O Ricky sempre diz que nessa ilha nada é fato, tudo é boato. Meia verdade. O grande fato tem de ser, sempre, o sol rachando os corações, para que seja futrica, com diz Lourdinha, encontrar semelhança, nas crônicas, com casos, atos e pessoas. Julio, numa solidão de rachar.

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A VIDA É COMO ELA É

sETEMBrO 2013

Vou falar da Nega Luiza e começo, seguindo os conselhos do Cacáso, dizendo que “não tolero lero -lero”. Abrindo a cena, venho louvar o povo de Paquetá, que criou cada árvore, fez todas as ruas e construiu um jeito de se comportar. Aurinha e Valtinho, meus grandes anfitriões na ciência de conhecer a Ilha e daí o mundo, me fizeram perceber que as pessoas não somem. Elas, as vezes, se escondem por um tempo para ressurgirem mais vivas que nunca em um conversa besta, com certeza debaixo da amendoeira em frente ao Bar Azul, em plena Furquim Werneck. sidney Miller, mais um desses que também se esconde mas ressurge sempre, em uma cantarolada vadia perguntava :”mas afinal/de que serve então teu carnaval? “. O da Nega serviu para deslizar pela Moreninha com garbo tamanho que todos paravam para a ver passar. Dignidade maior que a da Nega Luiza não há, nem haverá. Dizem que pode ter se metido em baderna. se bebeu todas no tempo em que isso era possível, quem a viu percebia que olhava para uma dama de raras virtudes. Lá ia ela com as longas pernas, respirando como se andasse ao som de uma valsa. Dizem, também, que foi a maior porta-bandeira dessa Ilha, e não foram pouca as porta-bandeiras magistrais que bailaram nesse chão de terra. O sidney, já citado, disse ainda : “ no fim do mundo tem um tesouro/ quem for primeiro carrega o ouro/ A vida passa no meu cigarro/ quem tem mais pressa/ que arranje um carro/ para andar ligeiro sem ter porque/sem ter para onde/ pois é, pra que ?” Por sorte, minha neta se chama Luiza e espero que ela honre o nome. Januário também se foi. Cara valoroso que aprendeu a construir barcos no Praia da Guarda, com plaina e serra. Breve vai estar de volta nas conversas no Zarur

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Mudando de assunto e olhando da janela em Ipanema, vejo, lá longe, o mar e uma ilha coberta de névoa. Antes e até ali, há um mar de tetos de edifícios. Tetos feios, sem pintura e descuidados, lembrando um cemitério abandonado, não sei se para contrastar com as fachadas pintadas mas banais. Como enfearam a cidade ! Passo pela Bartolomeu Mitre e me espanto com o muro alto de cimento dos prédios que emparedaram a rua pacata da minha adolescência, naquele tempo sem essa multidão de carros. Deve ser caro esse endereço, mas também emparedaram a Tijuca, numa democracia de feiúras expostas ao acaso Dou toda razão ao Tom, ao Aldir e ao Moacyr, ao pessoal das ruas e à Ermínia Maricato. Pois é, prá que ? Vão especular com a mãe e espalhar monstruosidades no raio que os partam. E os catamarãs, tão feios e desconfortáveis ? Para andar ligeiro sem ter porque ? Pois é. Prá que? Pulando de papo, como o frio foi mais um que se escondeu, Claudio Marcelo, olhando a Bundinha Feliz se balançar pela Furquim, filosofa e propõe que se fale da Donzela de Seios Fartos. É um bom assunto mas sou fiel à Moça da Saia Curta e à Beldade da Comlurb, que, com o bom tempo, já se despiram dos casacos e japonas e mostram toda a graça. Só falta a Graça, minha amiga, aparecer. Falando nelas, o Bar da Fatinha, passado o frio, ressurge com seus “jamjambres” e patê de fois, boa musica, belas moças, grandes mulheres e conversas prá lá de inteligentes. Bem prá lá, porque nada impede a fantasia. Na Cantina, mesmo com essas mudanças de temperatura, o Peteca continua servindo um peixe magnífico na maior simpatia mas o Fernando não lê mais a minha croniqueta por puro mal humor. Resta saber se, depois do vento gélido, o Nativa vai bombar no sábado à noite e servir de passarela para a Moça da Saia Curta. A Donzela dos Seios Fartos, na certa desfilará lá, ao som do rock que , com certeza, a Lili fará.

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

Como os latifúndios da Praia dos Tamoios ainda não foram entregues aos índios, permanecemos em alerta. Aguardamos muito e já é tempo de ocuparmos, brandindo nossos copos, o trecho da Furquim com mesas e cadeiras, para fazer valer esse direito de herança. Não me venham falar da Moreninha porque ela era da nobreza e vivemos em uma republica. As “noites olorosas” vão muito bem obrigado e o mar desfolha-se em rosas na lua nova. Como o ricky já não afirma com tanta convicção que tudo é boato, fico com a Lurdinha que diz que isso não passa de futrica. Portanto qualquer semelhança com casos, fatos e pessoas é mero acaso. Julio, tão bem acompanhado que evita citar nomes.

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A VIDA É COMO ELA É

OuTuBrO 2013

Burrice pega. Bobeira, ignorância, idiotia pegam que nem caxumba. Vejam vocês que eu estava lendo um texto do Fiori, que a Glorinha da Imbuca me mandou. De repente, em um insight como se tivesse baixado um santo, percebi como ficamos mais bobos. As causas vem já de algum tempo. A ditadura militar aniquilando a cultura, suprimindo pessoas e livros, a dita globalização importando bugigangas, o neo-liberalismo vendendo dívidas e transformando monstros em campeões da sustentabilidade. Deu no que deu. A produção musical que tocam nas rádios é de baixa qualidade, cinema muito ruim, teatro inexiste, tudo graças a Lei rouanet. As empresas escolhendo o que vamos ouvir e ver, usando dinheiro saído do imposto que deixaram de pagar. E o futebol... Nós acabamos preferindo o Messi e torcendo pelo Barcelona. É o fim da picada. Tudo desconstruído. Não restou pedra sobre pedra. reconstruir é trabalho de cem anos. Mas vamos lá, que a primavera chegou. A Bundinha Feliz se sacode toda, sorrindo atrás de um short de lycra, zanzando pela Furquim como um beija-flor bêbado. Conta o Luiz Belo, que já a conhece faz muito tempo, que, quando ainda era extra-virgem como o azeite Andorinha, seu quadril gargalhava de tamanha alegria. Todos, todos sem exceção e não vou citar o nome para não criar constrangimento, mas o Lelo e o Birulinha estavam entre eles, ficavam embasbacados com tamanha felicidade. Até o Mello Menezes, à noite, desenhava na parede em frente a cama, pensando na Bundinha. Hoje, embora o tempo tenha passado e a felicidade seja mais contida, não

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

há quem não pare e olhe em sua direção. Que o diga o Flavinho que decorou todos os movimentos da moça, seu jeito de se encostar na parede da farmácia, de se mexer enquanto fala. Por falar em Flavinho e aproveitando, creio eu, a presença nessas páginas do Coronel Ademar, vamos contar, um dia, como a Anjinha enfrentou um julgamento familiar. Falaremos também das façanhas do Claudio Marcelo quando era Comodoro do Iate. O meu sábio amigo, maior filosofo vivo entre todos desta Ilha, foi o dirigente de mais brilho nessa plêiade de Conselheiros e Comodoros. Diz o Serginho Cabeleireiro que ele era, como direi... Bom, que ele não deixava passar nenhuma senhorita incólume. Comeu do bom, do melhor e do mais ou menos. Mas o supra-magnifico coiffeur não para por aí e relata que a Andrea, minha carinhosíssima amiga, tinha hábitos exorcistas. Ela, no auge da ansiedade, chegou a bater com um crucifixo na testa da Anik, para afastar um encosto errado. Essa Anik também não é fácil. Conta ele que ela chegou a afogar um periquito, trocando por um bombom. Isso na barca, em plena Baia de Guanabara, em nome da liberdade das aves. Para que não me entendam mal, explico que ela abriu a porta da gaiola e deixou o periquito australiano sair. Não havia nenhuma chance do bichinho sobreviver no meio da baia. Bem, como o verão voltou tudo floresce. A Moça da Saia Curta, cada vez mais gentil, me encanta com o jeito meigo de estender o braço. E cada vez que estende, mais o decote se amplia, mais a noite se alumia. É por isso que o Benedito da Chácara dos Coqueiros aconselha um banho de alfavaca toda a sexta de tardinha. Banho com a folha que dormiu na mesa de santos de Dona Elisa Rezadeira, avó dele, Bené. É infalível com mulher.

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JuLIO MArquEs

Ah! As noites olorosas com o luar refeito em rosas. Mas grande alegria mesmo é, como diz a Cristina, ver a barca sair, toda iluminada, e você ficando. Cristina é um dos “tipos inesquecíveis” que terá sua estória contada em verso e prosa. Mito, diva e personagem fundamental da musica popular passeia pela sua Ilha com tal respeito que se o Manacéa visse, comporia de novo, só para que tudo recomeçasse em uma eterna roda-gigante. Pensar que bom era ouvir “quantas lagrimas’ em uma loja de discos na siqueira Campos em frente ao Teatro Opinião, muito tempo atrás e nunca mais esquecer. De toda maneira mantenho a afirmação de que qualquer semelhança com casos, fatos e pessoas é mero acaso. Dona Lourdes teima em afirmar que é futrica mas o ricky mudou de idéia e voltou a dizer que nessa Ilha não há fato só boato. Acho que o Miltinho é que está certo, quando cantou, acompanhado do Jorge som - “ todo boato tem seu fundo de verdade”. Por falar em Lurdinha, estamos aguardando para ver a sambiquira dela. será que é, com muito alho e farofa, tão boa como ela diz ? Julio, com a colaboração de Serginho Cabeleireiro, Benedito da Chácara e Valéria do Zarur e os “pitacos” geniais de Claudio Marcelo e Luis da Gil.

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A VIDA É COMO ELA É

NOVEMBRO 2013

Existem momentos em que eu gostaria, por pura leviandade, de ser Deus. Não por pretensão de me locupletar com alguma vantagem pessoal, mas por ter saudades da utopia, como diz minha amiga Inês, de quem roubo o mote, e para ver as pessoas se sentirem melhor. Queria ver a Marina Presidente da Republica. Bastariam três meses. Queria muito ver a cara de tacho de seus eleitores com o discurso vazio transformado em ações prolixas. Podia ser que corridas de cavalos e biquínis fossem proibidos e cachorros tivessem de usar fraldão, sem se dar muita atenção às estripulias da Rede Itaú. Acho que nós merecemos um Janio Quadros de vez em quando. Dizem que Janio Quadros era a UDN de porre. Se pudesse, ainda, definir mais algumas coisas, gostaria que a Praia da Guarda substituísse sua lama preta pelas areias brancas e fininhas do Caribe, especialmente de Cozumel, claro que contando com a ajuda da CEDAE e do novo emissário que levará nossas fezes para São Gonçalo. Gostaria que as ruas fossem re-ensaibradas, tapando-se todos os buracos, sendo proibido qualquer transporte elétrico - bicicletas, carros e assemelhados. Poderia ser estudada, por uma comissão de anjos, a utilização de eco-taxis elétricos, com velocidade limitada, à 20Km por hora. Seria proibida a violência, a inveja e a maledicência, sendo a solidariedade obrigatória sob pena de multa a ser estabelecida por São Sebastião, que possui muita experiência em flechada. Não creio ser possível reintroduzir as baleias e arraias por sua total incompatibilidade com o transito de barcas e pela impossibilidade de redução da quantidade de viagens dos catamarãs, sem causar revolta na população. Entretanto os cavalos-marinhos poderiam, tranquilamente, voltar a habitar nossas praias.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Os catamarãs, já que Deus tudo pode, manteriam sua velocidade mas não provocariam ondas que destruíssem as calçadas, sendo estas, as ondas, confinadas a certos lugares, escolhidos e dedicados à pratica do surf. Continuando no assunto catamarã, sua aerodinâmica seria substituída por um visual idêntico às antigas barcas, arejadas por amplas janelas e varandas, onde se pudesse fumar a vontade, mantido, claro, o tempo despedido no trajeto. Sei que tais desejos não atendem a todos, cada qual com sua visão de mundo e acho que nem eu ia aturar essas mudanças, mas estou certo de que, no final, todos viveriam mais felizes.. Maomé, como grande profeta dotado de extraordinária complacência, tomaria conta do controle sonoro da Ilha. Hudson seria nomeado diskjockey, único autorizado a atuar em Paquetá, com a recomendação de permitir todos os gêneros musicais, desde que satisfeitos mínimos critérios por ele mesmo determinado e de sua livre alçada. Um Concilio Ecumênico, formado por todas as igrejas e religiões, inclusive as afrodescendentes, definiria o volume máximo permitido e aos surdos seria oferecido, gratuitamente, walkman com controle autônomo de som. A Furquim Werneck seria tombada enquanto monumento histórico, sendo proibido o trafego de veículos, e as mulheres, que por lá passassem, lembrariam a Bundinha Feliz, zanzando e se balançando com toda a alegria. Todas as moças de saia curta poderiam frequentar todos os ambientes, sem nenhuma discriminação, de manhã, à tarde e à noite e os serviços da Comlurb seriam executados por seres assemelhados à Beldade, com seu estilo e elegância. Os bares, todos, abririam obrigatoriamente, no mínimo, das 18 as 05 horas do dia seguinte, com musica ao vivo e mesas na calçada e rua. Em todas as sextas, sábados e domingo haveria cinema nas praças para todos os gostos e idades. Os dias serão de sol, com chuvas, obrigatórias e exclusivamente das 4 as 8 de cada manhã, sem que isso implique em esconder a aurora.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Queria que, toda a tarde, quando o sol está se pondo na Praia da Moreninha, Birulinha e a Nega Luiza passeassem de mãos dadas, Sei que não seria de bom gosto subverter as regras da natureza, que causaria estranhamento e seria privilegiar apenas dois dentre tantos que bem merecem, inclusive meus pais, mas juro que gostaria, pelo bem que isso faria à Paquetá. Para meu próprio prazer queria que o Roberto Dinamite sumisse do Vasco e que meu ex-time voltasse a ser grande. Aliás queria que a seleção voltasse a jogar bola, que os técnicos se recolhessem a suas insignificâncias, que os empresários fossem proibidos de serem donos do passe dos jogadores. Mas a vida é, por enquanto, isso. Como disse o Gonzaguinha : “é bonita, é bonita e é bonita.” E vamos embora, com a Bundinha Feliz, cheia de “glamour”, rebolando pela Furquim. Ao longe, na contraluz do dia que se põe, a Moça da Saia Curta se prepara para viver a night da Ilha. A vida é suave em Paquetá. Como diz o Ricky, nada é fato, tudo é boato, embora “todo boato tem seu fundo de verdade” como cantou o Jorge Som. Dessa vez, satisfazendo Dona Lourdes, nada de futrica, exceto uma ou outra frase escorregadia. Julio, dessa vez sozinho, isolado, talvez pelas circunstâncias, mas pirateando a Inês.

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A VIDA É COMO ELA É

DEZEMBRO 2013

Creio que o neo-liberalismo não é só uma maneira de administrar as relações econômicas. A maneira de pensar e até as relações pessoais tem de se adaptar a esse tipo gerenciamento, exigindo comportamento coerentes. Esse papo pode parecer de uma inutilidade pedante, mas o que eu queria era colocar a Ilha nessa conjuntura. Por ser isolada por um monte de água toda ilha desenvolve características singulares. Paquetá tem ainda, em seu determinismo, o fato de estar localizada na Baia de Guanabara. Durante muito tempo e ainda hoje, ela, a Baía, tem a pecha de ser a Grande Lagoa poluída. Nada mais falso. A quantidade imensa de água que o oceano desloca, por si só impossibilita essa situação. Basta ver a quantidade imensa de pássaros marinhos A natureza, Dona Gaia, é mais forte. Essa quantidade de água entre nós e o continente nos impõe hábitos estranhos, entre eles não sermos dados a um consumo desenfreado. Sei que há pessoas que queriam que houvesse um shopping, desses bem grandes, aqui, para que elas pudessem passear nele, abandonando esse paisagem de árvores, céus e mares . Nada mais justo, mas é só pegar o catamarã e se mandar para a praça XV. Sei que as ruas, poderiam ser asfaltadas, sei que poderia haver carros, ônibus e metrô, mas Deus, sempre ele, na sua onipresença, nos fez ilha. Afinal, quando escolhemos sabíamos disso. Existem casos, eu sei, de exílio involuntário, mas isso faz parte do destino de cada um. Já pensou se a Bundinha Feliz tivesse de se mexer em uma calçada exígua, cercada por um transito infernal, cheirando fumaça de gasolina ao som de mil buzinas com o céu,a lua e as estrelas escondidas por uma muralha de concreto dos edifícios de arquitetura escrotinha.

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Julio Marques

Claro que gosto não se discute, mas vale a pena ponderar se a felicidade não deva ser uma coisa que se partilha e que não se pode comprar em loja de grife, com design repetitivo. E nem pense em criar seu próprio design. Ipanema fez isso, nos anos 60, e deu no que deu. Envelheceu e engordou. Isso faz parte da vida e não sei se vale a pena. Prefiro o cheiro de maré vazante ao falso perfume. As pessoas acabam sendo melhores. Deixemos pois que a Bundinha Feliz se requebre entre as poças de lama em dia de chuva e a moça da saia curta mostre seu decote nas noites de verão, sentada nas mesas em plena rua no bar do Zarur. Que a vida continue simples, que os nosso cantores cantem e que haja muita conversa jogada fora. Continuo querendo que proíbam o trafego de veículos na Furquim Werneck, no trecho entre o Manel e os Carecas e que, se for o caso, inventem uma catraca inteligente. Queria também que parasse de chover fora de hora, que o Hudson fosse reconhecido como o melhor disk-jockey da Ilha, que a beldade da Comlurb fosse escolhida musa da Ilha, por seu estilo e elegância. E repito, que todos os bares, todos, abrissem obrigatoriamente, no mínimo, das 18 as 05 horas do dia seguinte, com musica ao vivo e mesas na calçada e rua, sem ninguém poder reclamar. E cinema, muito cinema, todas as sextas, sábados e domingo nas praças para todos os gostos e idades. Queria que, toda a tarde, com o sol se pondo na Moreninha, Birulinha e a Nega Luiza e toda a população passeassem de mãos dadas. Que a vida seja sempre assim, com o Valtinho conversando com os amigos, sentado na calçada em frente a sua casa, com o rebolado maduro e glamoroso da Bundinha Feliz encantando a Furquim e a Xuxa sorrindo para quem passa pela praça.

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Ultimamente o Ricky tem cantado que todo o boato tem seu fundo de verdade, embora o fato é que tudo é boato. Na ausência do Claudio Marcelo e do Serginho Cabeleireiro não conto nenhuma futrica, para alívio de D. Lurdes que, por sinal, não deixou, ainda, ninguém provar da sua sambiquira. Julio, dessa vez, às pressas, porque o jornal tem de ser editado.

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crônicas de Paquetá

2014

Editado no Jornal A Ilha Janeiro 2014 - Decembro 2014 Paquetá / rJ / Brasil

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A VIDA É COMO ELA É

JANEIRO 2014

Acho que tudo são metáforas, difíceis de lidar. Não se pode deixar o samba acabar. É por isso que eu , ouvindo um antigo LP do MPB 4, vou falar desse amor imenso que enche as ruas. Foi Natal e a musica veio bem devagar. Ela chegou de um jeito tão diferente que a muito tempo não se usava usar, penso eu, alterando a letra do Chico O MPB 4 canta : “Maria Amélia eu fiquei toda noite pensando. Eu chequei lá mas me esqueci do que ia dizer do que ia falar, mas me esqueci, mas me esqueci.” Tem momentos em que a vida é a melhor possível, vejam bem, eu disse a melhor possível. Tudo acontece de modo afável e carinhoso. Como foi linda a cantoria na praça. Todos desafinando um repertorio curto, onde só dava dingobel, mas era tão amoroso que a gente se lembrava das coisas boas e tinha vontade de ficar calado, encostado no muro da praça, muro que não havia. Tem horas em que o espírito de encantatriz baixa e surge uma capacidade imensa de fazer as pessoas se sentiram bem. É natal e Papai Noel é um cara legal. Já que o assunto é emoção, eu me emocionei com o lançamento do livro com as crônicas. Vieram todos os personagens desfilando na rua, subindo pela calçada. A Moça da Saia Curta, a Bundinha Feliz e a Beldade da Comlurb se enfeitaram mais ainda porque era quase fim de ano.

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Até a periquita da Anik se fez presente, resgatada em plena baia pela Bicicleta do Claudio Marcelo. Mas a estrela da festa foi a Moranquinho que dentre todas foi a mais plena, já que a Picolé faltou. Mas quem faltou mesmo era quem não podia faltar: Serginho Cabeleireiro, que contou um monte de mentira se justificando, Luis Belo e Otavio. Fizeram muita falta. Sorte é que houveram conversas memoráveis nesse fim de ano. Primeiro, desmoralizando a história da Ilha, o Fábio, artista plástico e carnavalesco, pesquisando para enredo de 2015, descobriu que Thevet não apresenta nenhum mapa ou texto sobre a Ilha de Paquetá. Diz ele que é Jean de Lery que conta de uma ilha com arvores de ostras. Sem dúvida muito mais poético para a Perola da Guanabara. Em meio à barafunda no Bar do Paulão, alguém me balbucia, que o gesto mais solidário é, estando junto, sentado em um banco de praça, não dizer nada por absoluta desnecessidade. O Valtinho, outro artista plástico, afirma que crescer é como ir ajustando e forçando a camisa de força que nasce com a gente. Lili disse, para quem quisesse ouvir, que, por cautela, somos todos uns realistas esperançosos. Coube ao Ricky, cara genial, em parceria com a Cristina da PETSHOP, resolver o problema da CCR nos dias de pico, quando falta lugar nas barcas. Bastaria, nos dias pares só entrar quem fosse da ponte, nos dias impares o pessoal do Campo.` Eu, andando por esse mundo de meu Deus, queria que Papai Noel me desse solução para certas camisas de força que impedem o mundo de ser melhor. Nem penso na pobreza e na fome e em outras mazelas, tipo guerras, vez que não cabem no saco do Papai Noel. São coisas simples, que não podem ser classificadas de comunistas. São elas : - Fim do carro individual e nem preciso falar nos engarrafamentos e falta de

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crônicas de Paquetá

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estacionamento. A situação chega ao ridículo se pensando na produção diária desses veículos. - Terminar com a “merchandaise”. Não é mais possível que tudo seja pensado para vender alguma biginganga, como se o mundo fosse regido pela Lei Rouanet. Não se pode mais ver futebol ou ouvir musica sem que, antes e sobretudo, se tente vender alguma coisa, nem que seja a honestidade do empresário daquele jogador, emérito perna de pau, que Felipão escalou na seleção e ,depois, foi jogar no Kuwait, local ideal para se passar férias, do alto de um hotel com ar- condicionado. vendo camelos deslizarem pela areia. Não quero mais gritar, histérico, com a voz metálica que tenta me convencer, no celular ou no computador, que eu preciso de uma certa inutilidade. - E , para encerrar, que se solucione de vez, a questão da atendimento médico, porque ninguém mais aquenta brigar com inúteis planos de Saúde. O mundo inteiro se debate nessas questões e patina e eu sei, como diz minha amiga Inês, que o ruim de chutar o balde é limpar o leite derramado. Termino mandando um beijo imenso para a Andrea, a mais carinhosa de todas as minhas amigas. Desejo para ela, neste natal que passou, todo o amor do mundo. Um belo ano novo para todos os meus personagens, a todos de quem eu, levianamente, falei e dos que ainda falarei, especialmente para a Furquim Werneck. Um abraço fraterno, também de ano novo, para o pessoal da Imbuca, Regina e Afonso, meus grandes companheiros, para o Bernardo e a Cizinha, Glorinha, Wadih, Isabel, Ana e Samuel, Sandra Souza (prefiro do Sossonho), que não mora lá mas quase. Por fim quero que a Xuxa me abençoe com sua alma imensa e que o Ricky nunca esqueça que nada é fato, tudo é boato. Encerramos, então, com a canção de natal da Irinea em plena praça do hospital e com a ênfase da Lili, que escreve, escandalosamente, aos berros. Julio. irmanados a todos nessa Ilha.

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A VIDA É COMO ELA É

FEVErEIrO 2014 Não acredito. Nunca vi coisa tão ridícula como essa. O Conselho de segurança Local. presidido pela D. Élida, em reunião feita na r. Gomes Freire, isto é distante, uma viagem de barco, do local onde vive a população a qual deveria ouvir, foi comunicado - concordando ou não, não sei - que está proibido bailes de carnaval em todos os clubes de Paquetá. Espero que tamanho ato de desatino não se consumo, especialmente em uma Ilha, onde o nível de violência é tão baixo que eles deixam apenas 3 policiais de plantão. será que alguém pensa que os clubes são o foco de black-bocs enlouquecidos. Não, não posso acreditar. A segunda loucura é um verdadeiro choque dedesordem. Não deixaram que o Cineclube PqT fizesse sua estreia e proibiram o show da Cristina Buarque, até a festa de aniversário de dois anos de filha de amigo foi considerado evento e devidamente vetado. Dizem que a proibição foi dos Bombeiros que, por sinal, no último incêndio, não tinham água nocarro-pipa, fato considerado normal pela população jáque o anterior tinha acontecido 109 anos atrás. Em singela comparação entre o catamarã e o salão do Iate quem lembrará mais a Boate Kiss? Com a ausência de paredes e frontada imensa dando para o mar, só se esse mar pegasse fogo. Pelo jeito, para os inimigos o rigor da Lei. Inimigos? quem? Dizia shakespeare : Há algo de podre no reino da ....... Não posso acreditar que nós vamos ser, em toda a história, o único bairro do rio onde o carnaval foi proibido. D. Élida não vai poder se fantasiar e desfilar pela Furkin em homenagem à Nega Luíza. sei lá se por pirraça ou senso de oportunidade, dizem que os blocos de Paquetá, agora, terão itinerário, número determinado de pessoas, rotas de fuga, hora de começar e de acabar, não podendo nunca ultrapassar as 21 horas. Essa inusitada lei do silêncio ameaça nos transformar no mais desanimado carnaval do planeta em todos os tempos.

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crônicas de Paquetá

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Mas, para alegrar os corações, temos uma boa nova. Falam que um mecenas, dizem que candidato a deputado, fornecerá, gratuitamente, carros de som para todos os blocos inscritos e fará, coincidentemente, às 21 horas um grande baile de carnaval na Praça Pedro Bruno. Seremos um grande carnaval privatizado. Vamos em frente que as coisas tristes não apagam o que temos de alegria, afinal Paquetá tem coisas impagáveis. Não no sentido de preço, tão em moda, nesse momento nefando para a Ilha, mas no de engraçada, inigualável, impensável. Veja só que a Anjinha ...Anjinha, filha de Orlando Bambu, é da mais pura estirpe paquetaense, dessas que aportou junto com os franceses e ficaram fazendo Estória, com E maiúsculo. Pois não é que a Anjinha toma um eco-taxi na Ponte de um cara que ela nunca tinha visto, salta na Casa de Artes e, faceira, não paga a corrida e, sem dar nenhuma explicação, manda um casal de turista se aboletar no veículo. Na maior cara de pau entra correndo para ver o recital das crianças. Pior é que o eco-taxi foi embora como se tudo isso fosse normal. Nessa ilha de malucos o fato vira boato. Mas quando a ilha está cheia de gente eu me sinto mais só. Tem tanta gente, entupindo e atrasando e alterando os horários das barcas, que só falta os bares fecharem por falta de cerveja. Como dizia o Estanislau Ponte Preta. dá vontade de descer prá Praça XV. A confusão está de tal ordem que a Cristininha Estampas, vendo a Xuxa quase ser atropelada por um caminhão de lixo e o nosso magnífico editor soterrado por uma caixa de cerveja, me conta que ela é prima da Bundinha Feliz. Para vocês terem uma idéia, o pessoal já desce das barcas acabando com os pães dos Carecas, com o Pastel do Zarur e com as cervejas da Carminha. Uma lástima. Podes crer que apesar de tudo, bonito mesmo é o por do sol da moreninha, mais ainda se você ganha como bonificação a Vanja de biquíni.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

O ruim é que ó Luis foi proibido de colocar mesa e cadeira na praia pela administradora Janaína ou pelo chefe dela, enfeando tudo e tirando o conforto de quem vem passear no feriadão. Quase proibiram o Bola Preta de desfilar pela Praça Pedro Bruno, alegando falta de policiamento. A prefeitura não compreende que o neo-liberalismo chegou já decadente em Paquetá. Talvez nem tenha chegado, trazendo as besteiras do Fernando Henrique, só comparáveis, aliás, aos micos do Manhattan Connection, onde a Luísa, santo nome, dona dos Magazines Luisa, com todo o seu jeito simples de caipira teve de explicar para o Diogo Maynard que inadimplência geral nunca esteve tão baixa, o que se justifica porque ele só lê a revistinha The Economist, o que, convenhamos, não é suficiente para tentar dar aula na televisão. Pior que isso só se aporrinharem o magnífico Bloco do Perola da Guanabara, da filha do Afonsinho. Mas voltando ao sério, essa conversa de lotação excessiva da ilha tem que ser melhor discutida. Isso aqui é um bairro, não é um condomínio fechado. Quem quer isolamento, que não confunda com privacidade , que vá morar na Barra ou em S Paulo, na Raposo Tavares, onde se chega de helicóptero. Acho que chegou a hora de se discutir o que é uma APAC e assumir , de vez nossa identidade e história. Somos o Rio antigo e sua tradição de piquenique. Somos uma aula de civilidade e temos de impor nosso maneira de se comportar e exportar esse comportamento de verdadeira civilidade. Não deve ser proibido comer na praia, farofa e galinha. Pixinguinha, Villa lobos e toda a velha guarda da Portela fazia isso desde que o Ameno Resedá, o Rancho, virou escola. O serviço da guarda municipal deve impor e educar para que se deixe tudo limpo e garantir latões de lixo por toda a Ilha. Latões e banheiros públicos. Aliás, nós somos o bairro mais limpo do Rio, por características únicas. Não há shopping.. Entretanto brigas tem de ser severamente punidas, os responsáveis presos e mandados de volta para o continente. No maior rigor e delicadeza.

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

Há que se respeitar que cada um tenha sua gosto musical, mas não esculhambe o dos outros. A policia tem de zelar pela harmonia, não viver de repressão. Isso tudo pode parecer difícil, mas nos somos o bairro mais harmônico do planeta. Esse é o espírito de Paquetá e tem de ser divulgado para cada um que chegar aqui saiba onde está pisando. Afinal, fazemos luaus na praia, piqueniques no Darke e festas de aniversários nas praças. Porque só nós? se a infra-estrutura de comida e hospedagem não é suficiente, que se facilite a implantação de soluções provisórias, que vicejam em todos os lugares, da Bahia e às Ilhas Gregas, só para citar exemplos agradáveis para alguns. Enfim, quem quer se trancar em casa que se tranque. que a vida assim seja. Amem. Ah! ricky. será que está indo embora um tempo e agora o fato vira boato. Termino rezando para que não roubem e queiram privatizar o rebolado da Bundinha Feliz, a graça espontânea da Beldade da Comlurb ou a marca dos seios da Moça da saia Curta no vestido decotado. Peço também que esqueçam o cágado da Vavate, tarado em comer almofada, que não pode ver o sergio Cabeleireiro, sem rugir meigo, revirando os olhos. Dessa vez eu acho que vamos ter de limpar o leite derramada se nos deixarem sem fornecimento de gás. Já pensou em descer todo dia para almoçar na praça XV ou ter de se mudar para o continente. Isso quem puder, ainda mais porque, sem gás os restaurantes terão de fechar e o desemprego dará pulos que abalaram os índices do IBGE. Mando um beijo, o maior do mundo, para a Andrea, a que mais falta faz nesses momentos confusos. que a Xuxa abençoe todos nós e que prevaleça a lição do ricky de que tudo é boato, nada é fato. Julio. Perplexo mas disposto a sorrir.

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A VIDA É COMO ELA É

MArÇO 2014

Já dizia Pedro Caetano que “ o que se leva dessa vida é o que se come/ o que se bebe/ o que se brinca, ai, ai ...” Foi uma maravilha de carnaval. O “Fecha-Bar” foi garbosa, faceira, uma escola onde tocava quem aparecia. Comandada pelo Mestre Nando, que comia pelas beiradas, e chuleada pela genialidade vocal do Zé Melão, o “Fecha” passeou pelos sambas e marchinhas de todos os carnavais. Mas garbosa prá valer, faceira e gostosa foi nossa “lilibeleza”, rabiscando o céu com o estandarte e fazendo a moçada urrar. Tudo tão “sem camisinha” que a gente queria ser “o barão da cabrochas, luminoso cartaz”, como dizia o Geraldo Pereira. Isso sem falar na “Perereca sarada” da Denise e sua corte de chacretes despejando sensualidade no Bar da Carminha. Tudo isso é legal mas, no fim das contas, sinto falta da Nega Luiza e do Birulinha. sei que eles ficariam orgulhosos da gente, claro que mantida as devidas proporções. sobra a saudade do “silencio do Amor” e do “são roque” que fazem muita falta, muita falta mesmo. sem eles, na Furquim, não surgirão novos “Bené Venuto, Jorge Carreiro e Vadinho”. sem eles o Veras não fica o mesmo, nem Padulinha, nem Carlinhos com seu tamborim insuperável, nem Ivanzito no surdo, nem sereno cantará igual. Nunca seremos os mesmos, nem Paquetá. Mesmo assim o “Toma uma” botou prá quebrar, o Bloco das Piranhas estraçalhou e o “Camelo”, com seu membro reformado pela Tia Loide, prá quem gosta fez bonito como sempre. No sábado, as louras povoaram o salão das burrinhas do Mello. enquanto os candongueiros fizeram bonito com o Gallotti desfilando sambas imortais.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Mello é um caso a parte Do alto dos seus 101 anos, o filho de D. Sofia é o magistral autor da caricatura que encima esta crônica. Dono do melhor traço do pais, fez capas imortais de discos geniais e é intimo das boas musicas e moças, além de cantar em francês. Foi inacreditável, quase milagre, que a Ilha não tivesse transbordado de gente. Apesar da propaganda do jornal e do sucesso estrondoso das marchinhas Sirizada e Periguete, cantadas divinamente pelo Cezar e pelo Claudio Marcelo, nenhuma briga ocorreu e a paz reinou entre nós. Quero, ainda, salvar Oxalá que nos fez escapar da breguice que assola o continente. Preta Gil que não nos deixe mentir. Passado o reinado de Momo voltam nossos sons familiares : o plim-plim do Luis do Gás, a buzina do trenzinho e os passarinhos a gorjear. Na quinta, no Paulão, prá fechar o ciclo e encerrar o carnaval. Cristina comandou uma roda de samba, cantando Roberto Martins, Geraldo Pereira e sambas de terreiro da Portela e da Mangueira. A vida volta ao seu rumo e prumo Cristininha, a das estampas, curada da crise de abstinência, passeia pacatamente por nossas alamedas e o pessoal recém aportado começa a se enturmar, não sem passar por uma triagem que o Nando e o Bruno Jardim impuseram. O Botafogo, que também é um sujeito cheio de estórias, quase naufragou em uma traineira vindo de Arraial do Cabo. O Velho Lobo do Mar e seu valente companheiro Alemão, rumando para a África, foram achados por uma corveta da Marinha Brasileira. Acho que sempre me esqueço que não falo só para quem conhece as figuras da Ilha e deixo de, como direi, biografar um pouco meus personagens. Por exemplo a Xuxa, nossa Rainha do Carnaval, é viúva de pescador, trabalha vendendo flores e árvores em um quiosque na praça do hospital. Xuxa, de coração puro, nos seus 50 ou 60 anos, vive sorrindo e brincando com quem passa. Embora a idade possa lhe ter tirado um certo encanto juvenil, namora

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

um francês, que vem todo ano passar o verão por aqui e que fica tricotando, com rara habilidade, sentado em banquinho de praça ao lado de sua namorada que vende flores. Agora vejam vocês, com tanto coisa boa, lá vem o Bloco dos desavergonhados, sempre atrasado e atravessando o desfile da vida. Pois é, quem diria que uma senhora do sBT, sherezade, ia acabar pedindo a volta da Ditadura. Logo ela, que nas mil e uma noite bailava a dança do ventre, ia descambar para a prisão do mesmo. Haja privada. No fundo trata-se de preservar o que o Zé Ketti já dizia: “ uns com tanto, outros tantos com algum e a maioria sem nenhum”. Vamos deixar as mascaras e os paetês de lado, porque na quarta feira vai tudo para o lixo e vamos acompanhar a Bundinha Feliz, a Beldade da Comlurb, a Moça da saia Curta e as demais bundinhas, todas requebrando, felizes, na Furquim com o sol imenso se pondo nesse céu de flamboyant. Viva a vida. Me desculpe o ricky mas, agora e sempre, há que se atentar para que o boato não vire fato. Julio, feliz com o carnaval e com as musas dessa festa eterna

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A VIDA É COMO ELA É

ABrIL 2014

Errei sim e a Cristina me corrigiu. Não é do Zé Keti a frase “ uns com tanto, outros tantos com algum, mas a maioria sem nenhum”. É do Elton Medeiros e do Mauro Duarte, mas os três entendem o fluxo da vida. Bem, passado o verão mergulha-se no nosso mundo, antigo e novo como a lua em Paquetá, já dizia Aldir. Vale, portanto, relembrar o carnaval com a Nina Wirtti e a Julieta Brandão cantando como “Marlene e Emilinha” no baile das burrinhas do Mello Menezes ou a Alice na roda de samba da Cristina, sem falar na própria diva, cadenciando a tarde no bar do Zarur. Teve também a Fanfarrada, tocando salsa pelas ruas, fazendo todo mundo dançar e teve santa Tereza, no aniversário do Marcos, invadindo o Paulão com um samba sincopado e cabrochas da media classe se rebolando com todo gosto. Tamanha felicidade me fez lembrar Copacabana da minha adolescência, quando os horizontes me pareciam infinitos. Não era o mar que não acabava, nem o céu que azulava forte ou mesmo a areia macia que rangia como se gemesse. Eram as pessoas que se gostavam e aprendiam juntas o sabor das coisas. Como tudo, isso durou até crescermos e as festas de apartamento na casa dos pais das meninas passarem a ser exclusivas. só alguns eram convidados. Como disse o samba :”uns com tanto, outros tantos com algum”. Depois veio a faculdade, só para uns, e lá se foi a amizade se esgarçando, puindo, rompendo. A vida ficando formal, perdendo a graça primeira. Bem que tentei nadar contra a maré mas, como a gente já sabia, meninos de beira de praia com mil ondas nas costas, o fôlego acaba e a gente se deixa levar.

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Julio Marques

Tal qual o pobre do Jean-Charles, com nome emprestado de outras línguas, batizado pela ilusão. Para quem não se lembra, Jean foi um brasileiro de uma cidadezinha mineira que emigrou para Londres. Não ganhou um tostão, morou mal, trabalhou duro e morreu assassinado pelas costas e, suprema gloria, pela Scotland Yard. Foi confundido com terrorista, esse, por sinal, nunca encontrado. Era branquinho, não carregava mochila, não andava com nenhum árabe, nunca se meteu em política. De qualquer maneira os atentados pararam e virou mais uma dessas coisas mal explicadas. É sempre assim. Mesmo nós, com nossa vida pacata, inebriados pela Bundinha Feliz, encantados pela Beldade da Comlurb, iluminados por um pôr do sol de dar inveja, somos perseguidos por gente que procura nos enganar. Veja o caso da Standard & Poor’s com suas notas e “ratings”. O leigo se confunde todo e fica esperando uma tragédia que lhe tome o salário e o futuro. A “padronizada e pobre de espírito” (apelido que lhe deu uma amiga minha do City Bank) pertence a uma empresa de, digamos, corretagem chamada McGraw-Hill Financial, que utiliza esses índices para orientar seus clientes. Não é a única no mercado e ficou famosa por dar AAA (cotação máxima) em agosto de 2008, véspera da crise americana, à Lehman Brother que faliu 30 dias depois. Todo mundo é um pouco Jean-Charles. Somos cheios de ilusões que a vida, às vezes, assassina pelas costas. No final das contas, o que vale mesmo é ver o André Luis, filho do Valtinho, fazer bonito como jurado no desfile do grupo especial na Marquês de Sapucaí. No meio disso tudo vale citar um trecho da Inês sobre o vento : “Finalmente um pouco mais domesticado, depois de levantar as saias penduradas no varal e a poeira assentada após a última faxina, já dentro da residência, o vento arregaça a intimidade devassada da sala de estar, ainda inconveniente, bolinando familiares que pairam indefesos nas paisagens dos

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JuLIO MArquEs

quadros pregados nas paredes “. ah! As pessoas são inesquecíveis porque são feitas de detalhes. Certos assuntos lembram gestos e frases de pessoas que só vimos uma vez e que, pela alegria ou pela tristeza, ficaram na memória. Pronto, esse papo está muito cabeça e lembra um lero bobo sobre intelectuais. Aviso logo que gosto de samba de terreiro mas não sou antropólogo. sou brasileiro, de estatura mediana e vivi bastante para conhecer um monte de coisas. Mudando para um assunto bem melhor, da minha varanda olho a Moreninha e adoro ver os piqueniques de fim de semana. Verdade que o pessoal faz muito barulho como “um bando alegre de colegiais” - já diz nosso hino - mas a alegria das pessoas fazem bem a alma de qualquer um que não esteja irritado com a vida. Nesse colorido todo me despeço, mandando um abraço para o Flavio da Cantina, que encontrei com o olhar perdido, vendo a Bundinha Feliz se pavonear em frente ao Itaú como se quisesse fazer toda a Ilha aparecer e bater palmas. Juntos olhamos mais a frente e vimos a Beldade da Comlurb graciosa como sempre. Melhor só o arroz com alho do Fernando. Antes de fechar o texto quero falar de alguém que sempre foi uma lady, como dizia Julinha. No começo era “Bebê”. Boba mas elegante e sobria, brincando na medida certa. Acabou “Pepe”, Petra. Elegante no seu dourado, meiga e elegante. Faz uma falta danada como todo cachorro em Paquetá. Bom, o ricky sabe que nada aqui é boato mas eu quero afirmar que estou ansioso para ver o documentário-novela que vocês estão fazendo sobre o Pasquim. Não vou conseguir aguardar até novembro. Julio, já calmo, sóbrio e cheio de boas intenções.

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MAIO 2014

O outono é uma boa estação. Sinto falta daquele calor insuportável mas o outono tem uma luz e uma transparência de fazer inveja a todas as demais estações do ano. Quando a gente anda pelas praias de Paquetá vendo as montanhas se desenhar no azul de aquarela, dá vontade de parar o tempo e namorar, quem sabe aquela moça perdida na memória da juventude. Mas nem tudo é alegria. Como disse Aurinha, filha de D. Maria, um muro se calou. Porisso, nessa hora, quero agradecer à Iara pelos sorrisos escancarados que recebi. Creio que muitos muros falarão pela força da bondade, dela e de sua gente. Quando a Nega Luíza passear pela Moreninha, andando majestosa e o Birulinha estiver jogando vôlei na Praia Grossa, com o pessoal do Jaca’s, caindo a noite, os surdos e tamborins vão soar no desfile do São Roque e, em frente a padaria, Iara dançará com o estandarte sagrado, cantando bem alto que “ nós somos os tamoios do Brasil “. Valtinho, sério, cuidando da harmonia do Silêncio do Amor, suando para manter o rebolado das morenas, prestará sua reverencia à todas as grandes figuras da Ilha. Cartola é que está certo ao dizer que “a sorrir eu pretende levar a vida ....”. Salve Iara, salve a Xuxa e seu sorriso, salve a Bundinha Feliz, eterna no seu rebolado,. Salve a vida. Um dia desses, na Cantina do Fernando ou na Bar do Zarur, não sei ao certo se o Serginho Cabeleireiro, a Cristininha ou o Rubens da Lurdinha, disse que “o que se leva dessa vida é o que se come, o que se bebe, o que se brinca ai, ai”, parodiando um sambista esquecido mas sempre lembrado. Pode ter sido até outra pessoa, pois como diz o Tibério Gaspar : “em musica, erro quase sempre vira arranjo”. E lá vem de novo aquele papo de acabar com as charretes, asfaltar as ruas, pôr carrinhos elétricos e transformar Paquetá em um condomínio fechado. Parece que besteira não cansa.

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Julio Marques

O que importa é que a Beldade da Comlurb continua varrendo a sujeira que outros espalham e limpando a vida com mais beleza e charme que todas as meninas do Leblon. Vejam vocês mais esta “pérola”. Autoridades britânicas comprovaram que era fraude estudo realizado por medico de lá, que informava que vacinas haviam contaminado crianças. Apesar disso um surto de meningite, cuja vacina já foi descoberta a bastante tempo, reaparece em Tulsa, uma das grandes cidades americanas, graças a uma campanha anti-vacina promovida por grupos locais. Eremiah Mitchell, de 10 anos, aparece na primeira página de jornal de grande circulação nos Estados Unidos, com a mãe colocando suas próteses nas pernas. Ele teve pernas e mãos amputadas aos 6 anos, quando cursava o Jardim de Infância. Outras cinco crianças de seu colégio também foram infectadas e duas morreram. Por isso é que é preciso dizer, sempre, que não é uma boa ser ignorante. Ignorante não é quem não sabe ler e escrever. Isso é só mais umas ferramentas para se aprender. Importantíssimas e necessárias, mas simples ferramentas para o conhecimento. Ignorante é quem ignora e não aprende com a experiência, própria ou alheia. Lendo, vendo um filme, ouvindo uma musica. Trabalhando e conversando, a gente está pegando o conhecimento alheio, porque afinal o conhecimento pertence a todo ser humana e, como é uma propriedade coletiva, a gente deve se apropriar dele. Claro que há pessoas que mentem, tentam enganar os outros em beneficio próprio. Para essas armadilhas não há universidade que dê jeito. É preciso seguir nosso bom instinto e procurar nunca prejudicar ninguém. O ruim é que às vezes a má fé toma conta do noticiário e pode prejudicar a vida de todos nós. É um vale-tudo, um MMA terrível. Por isso é que, mais uma vez, teço loas à grande Iara. Nunca vou esquecer que a vi rodopiar na esquina da Furquim, mexendo as cadeiras e a bandeira do silêncio. Salve essa filha de Campogrande, salve todos os descendentes dos reais fundadores dessa Ilha, onde franceses e índios, por mais que sejam elegantes, nada plantaram e nada deixaram.

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Julio Marques

Acho que, todos nós, temos pouco tempo para ser feliz e fazer os outros felizes. Gloria eterna a quem consegue. Sabe, Ricky, em um luar das luzes dos navios da Petrobras, cujo Pre-sal é tão cobiçado, me pergunto se boato, do jeito que estão as coisas, não é melhor ser substituído pela dura realidade, mas chego à conclusão que boato pode ser bom ou ruim, dependendo da utopia ou da ilusão de cada um. Julio, um bocado melancólico apesar da zona ao nosso redor, como dizia Leila Diniz.

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JULHO 2014

É verdade que quem não chora não mama - aproveito essa “deixa” para homenagear o Cordão do Bola Preta - mas a baixaria que foi praticada por torcidas organizadas e por galeras de condomínios de classe media passou dos limites. O ódio destilado pelo camarote VIP do Itaquerão, após o gol do Brasil na abertura da Copa, mandando a Presidente tomar no c.. é difícil de justificar. Mal de grana não estão porque senão não estariam aonde estavam e, pela mesma razão, não sofrem com a falta de prestigio. Só posso imaginar que, invés do Neymar preferiam um lourinho para fazer gol, ou, incomodados pela presença de uma mulher no comando da nação, apelaram para as suas preferências pessoais. Devem, talvez, ficar ofendidos por ter jogo da Copa em Cuiabá e em Manaus, ou, quem sabe, pela quantidade de gente pobre e feia lotando os aeroportos. Melhor sempre foi um torneio de tênis, melhor ainda que o padrão FIFA. Amenizando um pouco esta crônica informamos que Moça da Saia Curta apareceu mais uma vez. Roupa surrada como se tivesse dormido em casa alheia, cara de quem comeu e não gostou. Mais ainda assim, numa simpatia de dar inveja às propagandas do McDonald, sorria para todo mundo. Sorria porque não sabia que tinham roubado a Sapucaia da Alice, por todos nós plantada, na Praça dos Tamoios, junto com o cordão umbilical da recém nascida. Que gesto canalha esse assalto, perpetrado com requinte de elegância utilizando equipamentos caros para não machucar a planta, no mesmo estilo dos palavrões da Copa, magoando todos que se uniram em um ato de amor à Ilha e à criança. Maldito seja quem fez isso porque nunca será perdoado.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Certos atos não são esquecidos, mesmo que a pessoa se aposente e se mude para outro pais, que more em Miami ou Genebra, que use toga, farda ou chapéu de professor. Pode-se perder ou ganhar a Copa mas o que é bonito é que “nunca se viu tanta beleza, aí que lindo é o meu Brasil” como cantava o Chico no filme “Quando o Carnaval chegar” e nós mesmos, percebendo a festa no país inteiro. Mas tem um outro lado que é esse clima de revanche de quem tenta dar um “rolézinho’ nos shoppings e é reprimido. Aliás, desde sempre, nunca se pôde dar “rolézinho”, por exemplo, nas praças elegantes da zona sul do Rio. Esse clima se espalha até aqui, onde gente pobre de espírito tem a ilusão de que gritar na rua, tentando assustar as pessoas, torna o autor mais poderoso. São garotos eu sei mas há que aprender à respeitar os outros. É preciso respeitar quem quer dar um “rolé”, seja aonde for, e quem quer ficar tranqüilo. E por final, vejam vocês, assaltaram a casa do Otavio. Arrombaram a porta da rua e levaram uns poucos reais que encontraram. Isso põe, no ar, um sentimento de insegurança. Em nenhuma casa por aqui vai se achar pouco mais que alguns trocados, a não ser que levem geladeiras e televisões. Tentam, sabendo ou não, levar nosso bem mais precioso - nosso sentimento de tranqüilidade. Quem fez isso, pode ser que tomado pela compulsão de se drogar, não sabe o mal que fez por tão pouco. Não sabe que os piores sentimentos surgem e tomam conta das conversas. Uns pensam em se armar, outros em contratar “justiceiros”. Nomes são aventadas, suspeitos são nominadas. Isso é ruim, muito ruim. Espero que tenha fim e que este fim não seja trágico. Mas é tudo pavulagem, como diz a Conceição. Flavinho da Cantina, observando o movimento da Furquim Werneck, percebe que não há só a Bundinha Feliz, mas outras, de diversos tamanhos e formas, todas dignas de registro, desfilando pela rua e alegrando o dia. Falando nisso, quem sumiu de vez foi a Menina dos Seios Fartos, talvez por causa do frio.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Esse frio é chato e , como se não bastasse para nos aporrinhar, o Globo News , Manhattan Connection e outras americanices, tentam nos convencer que a FIFA é boa e, ao mesmo tempo malvada. Como se a gente não soubesse que estádio de futebol com poucos lugares e caros só serve para nos obrigar a ver jogo pela televisão, da mesma forma que o padrão Interlagos, nas corridas de carros, e o padrão Roland Garros, no tênis. Questões estéticas como diz o Zeca. Questões estéticas baseada na democracia grega onde bonito é quem tem mais grana. Tentam dar uma força para nos fazer retroceder, tal qual o México, a quintal americano. Nos pôr na fila do gargarejo, vendo, na porta dos shoppings, as bombadas globais batendo palma para as siliconadas. Sou mais a Beldade da Comlurb. E continuando com a voz do Chico Buarque na letra do Noel Rosa e dando um basta no assunto, não se “há de viver eternamente sendo escravo dessa gente que cultiva a hipocrisia.” Como disse a Leila Diniz : apesar da zona que procuram implantar, sou feliz. Muito fazem para que o mundo fique confuso, tanto que o Rubinho da Lourdes, com essa nevoa toda, errou o banheiro e foi fazer pipi no jardim, mas não conseguem nos impor os carrinhos elétricos. E eis que passa a Bundinha Feliz, rebolando seu sorriso, sem nenhum peso da idade. Que eterno seja esse lugar onde. como diz o Ricky, nada é fato, tudo é boato e se vive de utopia. e ,como diz o Luiz da Gil, idiotia é uma praga que dá e passa. Julio. otimista com a conjuntura nacional e internacional, onde os tigres mostraram suas garras e deu para ver que elas são de papel.

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AGOSTO 2014

Ando nessas ruas de saibro e as garças estão pousadas nas pedras redondas. Acabo de saber que Verinha morreu e parece que já fazem mais de dois anos. Uma dor , até que doce, passeia comigo. Tenho saudade mas já disseram que saudade é sempre de si mesmo. Lembro do Recife, da casa na praia, das ilusões políticas. Puxa, tudo devia ficar parado como estatuas em homenagem ao que fomos. Verinha, nesse momento te amo muito e queria retribuir todo o carinho que você me deu. Caramba, eu estou muito triste. Tenho a impressão que o segredo da vida é se saber sempre, a cada momento, o papel que se desempenha. Nem mais nem menos. Disse o Ricky que o João Ubaldo escreveu que não existem fatos, só existem historias. Paquetá é um arquipélago de histórias de muitas ilhas idealizadas. Creio que a festa de aniversário da Tânia é uma dessas coisas que a gente não imagina que é possível. Casa linda, comida farta, bebida à vontade e muito carinho espalhado. Imaginem vocês uma mesa com Serginho, o magnífico coiffeur, Ana Claudia, Anjinha, Flavinho da cantina, Paloma e o Fernando lotando de refil de whisky o centro da mesa. Futricas deslizavam pelos cantos das bocas. Claudio Marcelo me mostra Cléa e Magda pulando no salão ao som do Trinidance, bonitas cada uma a seu modo. Mudando para outra ilha desse arquipélago de ilusões, para mim a maior figura de Paquetá é a Xuxa. Pelos menos, riso melhor não há. Verdade que não voto por fobia ao Face, mas, depois que a Nega Luiza e a Iara foram passear, ninguém consegue se igualar em brilho à Xuxa.

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Julio Marques

Graças a Deus, que me permita o novo padre, temos Xuxa para transmitir todo esse encanto à Ilha. Nem a Bundinha Feliz, nem a Beldade, nem a moça da Saia Curta - verdade que servem a gostos mais lúdicos - conseguem dar à vida a magia que a Xuxa da em seus gestos, que parecem infantis e sem ritmo. Salve ela. Agora, como é hora de recreio, convém lembrar do furúnculo do Zarur, muito mal localizado mas que foi tratado no hospital Villaboim, com um creminho aplicado pelo, digamos, atendente. Não esqueçamos, é claro, de desejar boas-vindas ao Padre Nixon. Que Watergate não lhe seja um empecilho. Cabe aqui uma observação. Dizem, que tem gente em S. Paulo que quer que a Bolsa Família tenha a marca Louis Vuitton, mas, como dizia o Mauro Duarte : “quem conhece a vida não se desespera / o que tinha de ser já era”. Todos sabem que Paquetá é um céu profundo e que vivemos alimentados de horizontes, daí nossa eterna utopia. Mas, vejam vocês, as pessoas, além da poça, não tem idéia do que é morar numa casa onde cantam os sabias e os bem-te-vis, como dizia Castro Alves. Não sabem viver as ruas onde as crianças brincam vadias. A rua é do povo como o céu é do “ubu” segundo a fala da minha neta Luiza. Voltando ao João Ubaldo, minha historia é a estória de um menino que chegou de Manaus em um navio. Suponho que o navio deve ter descido o Rio amazonas , ladeado de florestas imensas, povoadas de mistérios para os olhos de uma criança, o que não era o meu caso. Eu era um bebê. O Vapor, porque devia ser um vapor parecido com esses que foram bombardeados pelos alemães tempos antes ( corria o ano de 1946), era uma mistura de cargueiro e de passageiros bem diferentes dos que, hoje, singram os mares como cassinos de luxo imitando a cafonice de Las Vegas. A viagem deve ter sido emocionante para pessoas como minha mãe que , embora veterana navegadora do rio Madeira e do Solimões, nunca tinha visto a grandeza dos Oceanos, sua fúria e placidez.

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Julio Marques

As cidades aparecendo, no horizonte, grandes, imensas como não se supunha existir. Recife, Salvador, sei lá quantas mais, desfilando na sucessão de dias. Não sei se passearam pelas cidades comigo no colo. Eu devia ser um trambolho, desajeitado, incomodo e chato, e minha mãe esmagada pelo convívio complicado com os pais de meu pai, sozinha, sem o marido que ficara , sem a mãe e os irmão, ela que sempre conviveu com sete, deve ter se confinado na cabine, pouco vendo os contornos das cidades. Como é bom contar a gênese dessa parte da minha família, que, na certa, viajavam com as mãos cheias de esperanças - meu avô, minha avô. minha mãe. Pegamos um Ita no norte. Um dia farei isso. Por isso é que, mais que o João Ubaldo, o Ricky é que tem razão. Sem o boato não existe o fato e nem a Ilha. Julio, feliz da vida graças ao arquipélago de Paquetá.

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OUTUBRO 2014

Fala Silvio. Faz mais de mês que você não aparece e uma mistura de saudade e desamparo toma conta de toda a Ilha. Sei que a vida a gente a leva sozinho por mais que tenhamos companheiros de viagem, mas incomoda a poltrona do lado vazia. Não se esqueça que foi você quem inventou o jornal A ILHA. A paisagem aqui continua bonita mesmo com esse frio chato que espanta o calor necessário. Não chove mas o sol anda escasso. É verdade que a Bundinha Feliz continua zanzando pela Furquim Werneck, embora pareça meio acabrunhada como se faltasse a alegria de antigamente. Até a Beldade da Comlurb não desfila com tanto garbo e a Moça da Saia Curta não tem aparecido. Os bares não estão vazios, contrariando um samba famoso, mas o Zarur fechado é um breve contra a luxuria da vida. Tua falta é sentida em toda roda de chope. Não se bebe com a mesma volúpia, carecemos da liga necessária. Só o contraditório gera a harmonia. Mas o verão está chegando e eu tenho certeza que, com o calor e a multidão de gente que se prenuncia, você vai aparecer, pelo menos de vez em quando. Vamos combinar o seguinte: no primeiro final de semana depois do réveillon, com o Zarur aberto e assim que o sol se por, todos, com nossas melhores roupas, nos encontraremos nas mesas espalhadas pela Rua dos Colégios. Eu vou de D. João, Regina de Carlota Joaquina, André com o smoking que usa no Oscarilha, Veras de Papai Noel, a Carla de Nossa senhora. O Cantareira vai desfilar sua apoteose servindo de abertura para o magnífico show produzido pela Fatinha. Carlos Veras com seu cavaco, Mauro na

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Julio Marques

percussão e o Iran no violão ocuparão o palco improvisado no muro em frente ao bar. Não custa imaginar um naipe de sopro, com destaque para o K-ximbinho e o Louis Armstrong, que, dizem, esteve aqui com a Claudia Cardinale que, dizem também, deu para o Carlinhos, figura iconoclasta da Ilha. Aí você surge no eco-taxi do PC, cantando junto com a Clara Nunes ( não se esqueça de chamá-la). Todos vão dar canja. Cristina, saudosa, vai recitar “Quantas lagrimas”, com o Pedrinho Amorim chorando Anacleto e o Bolão na bateria. A Angélica, o Tainã, a Irinéa, o Tibério Gaspar e o Bambo de Bambu, vão fazer backing para você solar “Fim de semana em Paquetá”. No fundo, sobre o muro descascado, um painel do Fabio Borges e uma escultura do Valter Lano. Um conjuntão de Rock com a Lili, o Coelho, Ricardinho Magrela, Nando, Bria, quem sabe o Claudio Marcelo, vão tocar Beatles até o sol raiar, entremeado, às vezes, com o Samba da Portela cantando Candeia em tua homenagem. Aí, quando o sol aparecer, a Orquestra Jovem de Paquetá vai atacar um Bach, o Bruno Jardim sambando à frente, despedindo-se de um dia inesquecível , que, como todo dia, um dia passa. Não se esqueça de avisar a Yara para trazer o estandarte do São Roque, a Nega Luiza o do Silencio do Amor, lembrando o Januário de tocar repenique. Não deixa de falar com o Birulinha. Todos sabem que, no mundo do “se”, tudo pode ser invertido, como os espelhos da Alice no país das maravilhas. Se o Lott tivesse sido eleito ao invés do Janio, o Marechal poderia ter evitado o golpe militar de 64. Sem a ditadura brasileira seria pouco provável a ditadura chilena e por conseqüência a argentina. A America Latina não teria ficado de joelhos, a CEPAL seria uma entidade respeitada e o Fernando Henrique, não podendo renegar o que escreveu, já que o mundo caminhou para outro lado, seria um sociólogo respeitado dessa Entidade, podendo sentar ao lado de Ariano Suassuna. O mundo teria avançado por outros caminhos, o padrão ouro de Bretton Woods ainda persistiria. O neo liberalismo seria o liberalismo ridicularizado por Keynes e mera lembrança do início do século XX. Vidas teriam sido poupadas, melhor o mundo estaria.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Ou não. Tudo poderia ter sido mais violento ainda, como na Faixa de Gaza. O Rio bombardeado, de Buenos Aires não ficaria pedra sobre pedra, Santiago arrasada seria substituída por Arica como capital do Chile. Sábio nosso amigo Ricky quando afirma que não há fato só boato. Vejam Paquetá. O que seria dessa Ilha se limpássemos os boatos, ficando os fatos, nus e crus. Por isso, Silvio, não se esqueça do que o Ricky sempre diz. A vida é um boato, seja aqui na ilha seja em qualquer lugar. Julio, um pouco desconcertado com essas esquinas da vida

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A VIDA É COMO ELA É

NOVEMBRO 2014

Tudo são olhares, como diz o Valter Lano. A gente enxerga o mundo através dos óculos das nossas vivências. É bom que assim seja e também é bom que todos expressem seus sentimentos, seja lá de que maneira for. Mas que tenham cuidado, muito cuidado, porque certos valores da humanidade devem ser preservados, a saber: a liberdade, a igualdade e a fraternidade.. Quem ousar levantar a voz contra qualquer um deles tende a ser combatido, e será, sem trégua, mais dia menos dia. Igualdade e liberdade são definidas em leis, normas econômicas, toda uma serie de aparatos e instituições que muitas vezes são deturpadas, dribladas. Nem adianta “Tapetão”. Tudo acaba sendo, progressivamente, respeitado e aprimorado. Entretanto a Fraternidade, que anda pelo terreno da ética e da moral, sem edifícios que a sustentem a não ser a palavra e os costumes, é a mais difícil de ser defendida. Daí a razão de meu amor por Paquetá. Aqui, de uma maneira ou de outra, talvez pelo espaço exíguo, pela paisagem, pelo contato humano estreito e constante, somos, de certa forma, irmãos, embora com diferenças e desavenças. Vejam vocês o caso da morte das savelhas. Ninguém se entende sobre o assunto. Um peixe tão pequeno, cheio de espinha e que ninguém come, que não serve nem para lata de sardinha, passou, de um tempo para cá, a ser o centro das nossas preocupações. Especialistas negam que a morte descontrolada ocorra por poluição das águas, mesmo que por falta ou excesso de oxigenação. O povo, desconfiado, acha que os poderosos compraram os especialistas. É verdade que o cheiro de podre de cardumes mortos empestam o ar, acabando com o perfume das damas da noite, e enfeiam o luar vermelho da Praia dos Tamoios.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Uns dizem e outros afirmam. Os boatos são variados. Acusam os pescadores por descarte desse peixe inútil, ou a Petrobrás e a Cedae por poluição. As savelhas continuam morrendo e só elas, nenhum outro peixe. Só “bocas tortas”, como os ilhéus apelidaram esses peixes feios e despreparados. Cá para nós, minha teoria, meu boato, é que é suicídio. Suicídio coletivo. Creio que anos, séculos de desprezo, agora até das fabricas de sardinha em lata, criaram uma neurose coletiva entre as savelhas. O seu suicídio em massa teria sido provocado por depressão profunda, embora elas nadem quase na superfície. Pondo as cabecinhas para fora, elas teriam se embriagado com o oxigênio saturado. Atordoadas com o som das bicicletas elétricas e pelo olhar complacente da Bundinha Feliz, com uma bermuda prá lá de pequena, elas, em uma overdose de ar, explodiram seus pequenos corações. Claudio Marcelo, no seu jeito blasée, sempre afirmou que tudo é uma maneira de ver. Tanto pode ser saia pequena ou bunda grande, questão de angulo. Para comprovar isso, basta a gente parar uma tarde na Furquim e sentir o povo se expressando. Um jogo de futebol, uma bola mal chutada por um atacante que ganha um fortuna por mês, tem mil significados que envolvem desde a FIFA até o Gê, nosso querido presidente do Municipal. É verdade que todos, desde o Afonso Celso até o Serginho Cabeleireiro, concordam que o Botafogo vai para a Segundona. Também é verdade que o Luis Belo acredita na possibilidade de virada de mesa, mas ele é um sonhador, torce pelo Fluminense e adora um “Tapetão”. Com o tempo tudo isso passa e quando a Bundinha Feliz troca sorrisos cúmplices, por trás de um short curto e apertadinho, o humor de todos nós melhora. A paisagem fica linda e ensolarada, perfumada pelos jasmins e pelas promessas da Moça da Saia Curta de não mais sumir. Aliás, a Moça da Saia Curta precisa, urgentemente, com seu melhor decote, inebriar as noites do Nativa. Paquetá fica menor sem suas pernas cheias de trejeitos, quase safados, e seu jeito dolente de se encostar na cadeira do bar.

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Julio Marques

Pouco importa que os ranhetas de sempre impliquem com a Beldade da Comlurb e com as charretes que se enfeitam para receber o pessoal que chega e parece não ligar para o fedor do mar. Tipo chato os “ranhetas” e é por isso que o sábio Ricky tem sempre razão : nada melhor que os boatos. Julio, feliz com a futura reinauguração do Zarur

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A VIDA É COMO ELA É

DEZEMBRO 2014

Claro que tem malucos no pedaço, malucos histérico tipo o Lobo Mau e os quatro irmãos porquinhos. Graças a Deus que são pouquinhos pois, como sabemos, Deus e o Papa são latino-americanos, o que, segundo as más línguas é quase “bolivariano”. Como disse alguém, parece coisa de menino ou menina mimado. Quanta molecagem ! Mas, afinal, o Brasil é brasileiro, como diria Ary Barroso, e Paquetá é um bairro popular. Tenho a mais absoluta certeza de que ser um bairro popular é o grande encanto e a razão da crescente atração que a Ilha desperta, embora certo tipo de gente não goste disso. Deve ser desagradável para elas pegar a barca no fim de semana e se misturar com o povo que vem, alegre e barulhento, em um rolezinho, brincar como moleques por essa ilha vadia. Bem diz o Antonio Carlos da Silva, Paquetá é uma ilha vadia. Além de tudo isso, como que por milagre ou coincidência, é moradia de magníficas pessoas. Dentre elas não me canso de exaltar o genial coiffeur Serginho, com sua habilidade de transformar um simples corte de cabelo em uma escultura. Sergio é, também, o rei das frases perfeitas. Diz ele, em uma dessas tardes em que a gente observava o tempo passar, que já estamos em dezembro e ainda sentimos o cheiro da comida do ano passado. Completa a idéia, achando graça que o Valderi ainda não tenha aposentado as castanhas do natal de 2013, preferindo fazê-las descansar em cestinhas verdes ao lado das passas, essas sim já um pouco passadas. Isso tudo é brincadeira. Valderi é uma grande figura, dono do melhor empório da Ilha, renovando o estoque toda quinta. Tem o papo mais maluco que eu conheço e é um pé de valsa alucinado.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

É claro que, como sempre, existem pessoas de caráter duvidoso, mas essas a gente finge não ver e, afinal, elas aparecem tão pouco e a vida segue em frente. Lógico que é sorte não se viver em um condomínio fechado e elegante, não tendo de ser hipócrita e servir a deuses que renegamos, pensando atender nossos desejos e julgando visar o bem comum. Reparem bem no Luis Belo, na Xuxa, na doce ranhetice da Carminha, na Beldade da Comlurb e na Bundinha Feliz. Impossível encontrá-los em outro bairro. Do modo que aqui se apresentam, não combinariam. Mudariam de jeito ou de lugar ou mesmo se trancariam em casa e pediriam delivery de pizza e comida japonesa. Outro dia, andando pela zona sul em um domingo de manhã, percebi as pessoas com um ar mal-humorado, parecendo carentes de alguma coisa. Uma angustia pesava no ar, como se tudo que tinham não bastasse. Olhei para as árvores ( é, tinha árvores) e elas eram meio sujas e deprimidas, embora, é justo observar, fossem bem colocadas e arrumadinhas. Pobres árvores postas em lugar errado. Bem diz meu filosofo preferido que não há felicidade sem o mito e o mito sem o boato. O Ricky , para variar, está certo. O fato é sempre bobo, viva o boato. Sei, por isso tudo, que teremos um bom natal e um lindo e perfeito ano novo. Julio, eterno otimista que manda daqui um abraço ao Tio Pedro, figura impar desta Ilha.

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crônicas de Paquetá

2015

Editado no Jornal A Ilha Janeiro 2015 - Dezembro 2015 Paquetá / rJ / Brasil

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A VIDA É COMO ELA É

JANEIRO 2015

Cada um lê, vê ou ouve de acordo com sua experiência de vida. Como disse Mario Peixoto : “ ..talvez com o inútil de cada um”. Copiando um cronista famoso, mando um abração ao Sr. Revisor e explico que não quero copidescagem comigo. Com a minha concordância concordo eu. Meu tempo é meu. Os parágrafos existem no ritmo da minha respiração e, confesso, às vezes gaguejo e gosto do meu gaguejar. Acredito nas regras mas as vejo como uma cerca a ser pulada. A gente erra e acerta. Isso me lembra as razões d’eu vir pr’a cá. Como diz e recita a Cristina - eu vim porque não tive paciência. Não estava a fim de lutas e novidades, mesmo porque não havia. O neo-liberalismo estava a toda, muros haviam caído para o lado errado e, já que nada interessante acontecia, era melhor ficar quieto. Afinal eu havia visto o que quis e o que não quis. Acontece que Paquetá foi uma novidade. Não pela paisagem, já tinha conhecido iguais ou melhores no conceito formal da beleza, mas pelo que havia atrás do mar não tão azul, das casas não tão antigas e das ruas não tão de saibro. O que Paquetá preservava não eram as árvores antigas mas um jeito antigo de ser livre. No começo pouco saia de casa. Trazia pessoas para cá, criava festas e saraus e o tamanho da casa condizia com isso. Aos poucos fui conhecendo gente, mais do que gente o espírito da coisa. A Casa de Artes foi um rito de passagem, um meio termo entre a cidade do Rio de Janeiro e seu bairro-ilha. Mais pessoas conheci até achar o Bar do Zarur. Lembro de uma tarde inesquecível. O bar vazio, só com um mesão. Gente com surdo, tamborim, pandeiro, cavaquinho e violão cantando sambas do Estácio. De público só eu e Marilda, mãe de Anginha. Foi assim que eu conheci a Cristina. Sem pompa e circunstancia. O bar foi crescendo, minha Paquetá foi se ampliando.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

No bar nasceu um painel com fotos de quem queria, fotos antigas, fotos recentes. Cristina lançou um disco com uma roda de samba que fechou todas as ruas. Mais rodas de samba se formaram ali, mais pessoas interessantes apareceram por lá. Um biblioteca foi criada, fundou-se um cineclube, no começo só com curta metragem musical. Começamos a fechar a rua para um bate-papo mensal que existiu por uns três anos. Ali falaram, em uma mesinha tosca com um microfone fanho, o Sergio Cabral, o Lan, Haroldo Costa, Edino Krieger, Elton Medeiros, Muniz Sodré, Isabel Lustosa. Pessoas de Paquetá contaram sobre a Eliziária, sobre a escola, futebol e carnaval e suas próprias vidas. Áurea, Valtinho, Afonsinho, Regina Yolanda e Valeria e Liliane, Mello e Domício deram vida a uns domingos vazios. Aliás, queria dizer que isso só existiu graças ao Jorginho, famoso atacante do imbatível Barreirinha e pianista, mais famoso ainda, nas noites cariocas. Naquele bar fundou-se a Foliona e se fez o 1º baile de abertura do Carnaval de Paquetá. Teve festa de S. João com casamento de verdade professado pelo Pastor Ronaldo. Quem foi foi, quem não foi paciência, sabendo que é melhor ir na canela do que perder o jogo. Viva as metáforas . Por ali passaram, como diz o Chico, sambas imortais dançados pela Nega Luiza e Yara foi coroada Rainha do Carnaval. Ali Birulinha bebeu a ultima cerveja e tirou foto comigo e com o Mello. Ali Domício Proença Filho cantou e recitou.. A Bundinha Feliz sentou naquele bar, pra felicidade da cadeira e para beber cerveja. A Beldade da Comlurb passou distante e a moça da Saia Curta falou sem parar. Ali fui feliz noites e mais noites. Julio, melancólico e saudoso mas acreditando nas novas conjunturas embora com um pé atrás.

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FEVErEIrO 2015

Não queria cronicar sem ver minha neta Luisa desfilar, garbosa, no Bloco do Preventório e ganhar, de lavagem, o concurso de fantasia. Afinal serei jurado e não vendo minhas certezas. Não posso, também, descrever a emoção de assistir a Bundinha Feliz requebrando no desfile do Corso e eu, dentro de uma burrinha, rebolando muito alegre. Não falo, porque ainda não vi, da Moça da saia Curta trotando no Fecha-Bar e da Globeleza, de meia-calça, balançando seu galhardete. Não falarei, porque ainda não passei por isso, da emoção de testemunhar a passagem dos “mil ratos”. queria homenagear Benevenuto e seus cem anos, compositor e lenda que devia ser nome de praça. Como diz o ricky, tudo são boatos salvos no carnaval. Ah! os carnavais.... Foram muitos, confusos, maravilhosos e esquisitos. Na barafunda dessas memórias relembro meu primeiro baile, em resende quase Itatiaia, que foi muito chato e que. pior ainda, tinha o calor de uma fantasia bem idiota. Isso poderia ter posto um ponto final nessa aventura e, não fosse a graça das marchinhas, eu nunca teria pulado que nem louco nos blocos da vida. Afinal, a gente tem de superar o besteirol familiar porque, como diz o serginho Cabeleireiro, no carnaval até o vestido dessa Marta cheia de truques encolhe na chuva. só sei que tenho mesmo é saudade do silencio do Ademir. É monótono esse excesso de melancolia mas a saudade, reparem no tracinho, do silencio do Amor é forte - que linda metáfora em homenagem à Marcia K!

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JuLIO MArquEs

queria dar uma salva de palmas para a Furquim toda enfeitada, com a Verinha em uma gaiola dourada com gente por todo lado, Carlinhos no tamborim, Valtinho de terno branco beijando a bandeira do bloco. Vem forte a lembrança da Gloria Bicuda, em um Ford de papelão, acenando prá todo o mundo e sorrindo enquanto o povo dizia : sossega, leão, sossega leão.... revejo Alfredo de fio dental e o Veras acariciando o cavaquinho e cantando, juntos com a Lucinha, o samba do sereno. Nesse exato momento a Xuxa arrastava a saia no chão de terra, perto das outras baianas dessa grande escola do samba. É um frenesi de memórias pois são muitos os assuntos, de Olinda aos bailes de rua - rua Duvivier engalanada, namoradas gauchas, cariocas e baianas. O carnaval era sempre o fim das férias de sol com a escola esperando na esquina e as moças se rebolando. Me lembro bem da unidos de Lucas atravessando na Avenida, Elizete lá em cima, no alto da alegoria, e o povo na arquibancada ajudando, errando, a cantar o samba errado que não acabava nunca e a Presidente Vargas também. Lá longe, bem longe, o batuque. E os bailes do Botafogo... E os bailes do Monte Líbano e eu querendo muito ver alguma mulher pelada. Não posso acabar sem saudar o Coqueiros. Ivanzito no comando, tocando um samba do Bernardo, do Cataldi e do Dalmir e o Beto cantando de um jeito bem dividido. salve o grande companheiro, gente que a gente não esquece. Claro que o passado, por sorte, é um caminho seguro. Julio, achando que o carnaval talvez seja uma imprudência e que o preço disso tudo possa ser uma certa solidão.

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MARÇO 2015

Antes, na época em que se escreveu a Bíblia, chamava-se ganância e usura. Hoje, com a globalização e o neo-liberalismo, modernizaram-se os nomes - Bancos de Investimento, Financeiras, Bolsas de Valores, fundos abutres e seus sistemas mundiais, envolventes, cheios de propaganda nos jornais, TVs e rádios, vendendo uma vida cheia de glamour que poucos alcançam e duvido que valha a pena. Mas a vida não é o que se vive mas o que se imagina poder viver. Como diz o Ricky: mais vale o boato. E assim vamos nós, cercados de uma paisagem fotogênica mas também das armadilhas da modernidade consumista. Eis que nos deparamos com nossas próprias contradições. Bicicletas elétricas, scooters e motos. Velocidade e conforto. Verdade que ninguém pode ser obrigado a fazer exercício cada vez que vai ao mercado simplesmente em nome da vida eterna, ou ter de sair de casa mais cedo para pegar a barca ou mesmo atravessar a ilha, de ponta a ponta, para visitar uma amiga ou prestar um serviço. Por outro lado existem os outros. Todos disputando o mesmo espaço - as ruas - que servem a pedestres adultos, jovens e também velhos e crianças e humildes bicicletas, tímidas e indefesas. Todos usando o centro da rua, a parte menos inclinada. Ganhará, sem duvida, o mais forte e o mais forte pode ser aquele sujeito magrinho e baixinho, juiz, que com relacionamento ou dinheiro, poderá impor regras e comprar melhor e maior quando assim desejar. Não existe a democracia do consumo. O que é barato pode virar caro. Veja as cidades onde existem multas, gastos com manutenção, estacionamentos e outros babilaques que protegem quem melhor gasta.

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Julio Marques

Acho que melhor seria um acordo sobre a velocidade e a gentileza de dar passagem do que regras mais draconianas que caem na cabeça de quem se acha mais esperto. Big-brother é uma farsa e os vencedores estão aí para provar. Não dá para entrar dentro da tela da TV e participar do enredo que não é você que escreve. Creio que, em primeiro lugar, tem de ser esclarecida a lei, seja para mudá -la, seja para detalhá-la. Isso para que todos nós possamos dela usufruir ou mesmo contestá-la. Gostaria de saber se o uso de motor, seja de que tipo for (movido à gasolina, elétrico ou atômico), exceto os que sejam considerados de utilidade publica é, de fato, proibido. E por fim, o que é utilidade pública ? Entretanto, Independente da lei, considero que há que se impor um limite de velocidade e respeito ao outro. Dizem que a Lei Orgânica do Município estabelece, no que toca à Paquetá, que as ruas são prioritariamente dos pedestres. Se é verdade somos mais humanos, mais gentis e mais modernos. Não me venham dizer que é impossível controlar a velocidade e impor a gentileza. Não é verdade. Não quero semáforos, “pardais” e guardas de transito. Nem flanelinhas e asfalto. Mas quero, de todo o coração, que a Bundinha Feliz possa desfilar pela Furquim, que os cachorros possam se estirar nas ruas de terra e nós todos possamos andar despreocupados. Enfim, passado o carnaval é que se vê quantas falsas baianas passaram pela gente e só valeu quem , parodiando Geraldo Pereira, requebrou os olhinhos e disse qualquer coisa. Não quero o fascismo, a arrogância, a prepotência e a imbecilidade. A imortalidade, esse carnaval frenético, são momentos breves. Julio, certo de que o problema não é o motor mas se ter um pouco menos de velocidade e um pouco mais de gentileza.

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ABRIL 2015

Pois é. como diz meu caro amigo Afonsinho, as vezes se fica dando tapa no vento. Fiz 70 anos dia 7 de abril ! Que incrível. Mais incrível ainda foi acabar vindo morar em Paquetá e viver na rua, andando a pé ou de bicicleta sem obrigações, conversando as conversas mais diferentes e ouvindo o Francimar falar sobre a vida e o Zarur chamar o Bené de corno. Há momentos em que tudo o que faz sentido é ler os textos que o Otavio me manda, do Wanderley Guilherme ou do Pedro Celestino, pensando sobre o Brasil e o mundo, ouvindo as musicas que a Cristina escolhe a cada dia e convivendo com minha neta, vendo suas descobertas, conversando com ela como se fosse comigo mesmo. E pensar que em 1986 já se havia passado 20 anos de 1966. Vinte anos sem a Ilka e Nuti, sem Elsa, sem Luis, sem Valter, Liana, sem Mauricinho, sem Silvinha Maconha. Em 2016 meio século sem eles. Caramba. Que saudades da Mimi que tinha uma loja de disco em frente ao Teatro Opinião onde tocava muito Roberto Ribeiro e o Lefê freqüentava. Ambos sumiram. Só vou mudar de assunto porque são lindos os salmos bíblicos que a Gigi transcreve e eu que, além de ateu, era preconceituoso até com preceitos de Maomé, demonizados pelos americanos na cobiça do petróleo alheio, passo a perceber que os árabes pregam o respeito aos outro. Embora não seja chegado à religiões não há como deixar de louvá-las porque são uma tentativa de explicar o que ainda não se sabe. Deixando isso prá lá, não é verdade que alguém possa dizer, como a Piaf : “non. je ne regrette rien”. Há sempre oportunidades perdidas.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Mas me acalmo desde a Praça XV, onde até a Bundinha Feliz passeia no futuro jardim - passando pelo Paço com a Arlequim e atravessando a baia. vendo gaivotas e fragatas, serras ao fundo - porque já adivinho a chegada à Paquetá. Para quem , como eu, já mergulhou no terno e gravata de 8 às 18 tudo parece um grande boato, uma ficção que inventei para poder estar junto da Moça da Saia Curta, vendo a Bundinha Feliz e a Beldade passearem em frente à Cantina, enquanto o Serginho Cabeleireiro inventa mais uma fantasia sobre a ilha de sua adolescência. Como dizem a Mary e a Cristina, as coisas só valem a pena serem feitas quando divertem. Eu, enquanto ora ouço Rock no 40 graus da Imbuca, ora vejo o Pedro Amorim dedilhar o Bandolim no Carecão, pouco me importo se a felicidade é tão barata. Ela vale o peso do mundo em ouro. Que saudade de não ter visto a Elizete cantando no chuveiro do Seu Seraphim, acompanhada ao violão pelo avô da Magda, sentado no peixe do Pedro Bruno. Julio, feliz mas achando que o sucesso embriaga e, às vezes, a gente tem de virar a pagina

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MAIO 2015

A população da ilha aumentou. Foi rápido, fração de segundos. Acordamos e pronto. Uma multidão de pessoas se aglomerava em frente ao Carecas olhando o painel de “aluga-se” e o telefone da Gorete não parava de tocar. Não, não se tratava de um boato do Ricky nem de uma fantasia do Serginho Cabeleireiro. A dura realidade se impôs e, na esquina da Furquim, o congestionamento de veículos não deixava ninguém mais por ali passar. Claro que alguns moradores, ainda uns poucos, se mudaram para o continente - tendo lá suas razões - alegando que, ao menos, no centro existem flanelinhas e sinais de transito e os taxis trafegam após às 8 da noite. Ainda bem que na Furquim, apesar da multidão aglomerada, se pode ver, quase que escondida, a Bundinha Feliz esgueirar-se entre as pessoas que passam, afobadas para não perder a barca. É verdade que o comercio vai de vento em popa mas o Fernando, na porta da Cantina, não pode mais fumar em paz porque a fila já dobra a esquina do Manel, onde é impossível conseguir uma mesa para sentar. Pena que a Moça da Saia Curta, agora, pouco vem à Ilha - pouco se ouve falar dela - e a Beldade da Conlurb está cavando uma transferência para Rocha Miranda. Antigas chácaras foram, todas elas, vendidas e, embora haja boatos de hotéis e SPAs, algumas pessoas ainda falam em desenvolvimento sustentável, sonhando com uma Paquetá tranqüila e sem violência. A Globo não para de plantar matérias elogiando a ilha e suas belezas naturais mas o Campo se mantém calmo. Entretanto as motocicletas e os eco taxis trafegam em alta velocidade e as crianças não brincam mais nas ruas e nem

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

os idosos podem comprar pão na padaria do Manduca. Calmo, encostado em uma cadeira do Zeca’s , Claudio Marcelo, o mais sábio entre nós, balança a cabeça, falando : - Às vezes a gente tem de ter paciência. Como sempre disse o Bolão, genial baterista, o tempo tem ritmos diferentes,. Claudio lembra que o Zarur insiste em fechar a rua e fazer a festa, com todo mundo dançando feliz, embora nostálgicos. É, isso é verdade como também é verdade que o Bené coloca sua fantasia de urso e o cheiros dos pastéis de camarão inundam a Rua Cerqueira, o Cerqueirão. E, para nossa felicidade, a Maria não deixa cair a peteca e mantêm as sopas noturnas com um sorriso impecável. Viva o Manduca. Então eu acordo com o sol entrando pela janela. Seria um pesadelo ? Me espreguiço, vou para a varanda e vejo que a vida continue igual mas há muito mais gente na praia da Moreninha. Como diz a Vanilza, dormi além do alcance. O Luis Belo passa de bicicleta e comenta, do nada, que as coisas são que nem ônibus, não acabam, passam. Se termina um amor outro amor virá, como canta uma antiga musica. Nessa embolação toda só espero ainda ver o Quim, de mãos dadas com o Birulinha e com a Nega Luisa, passeando pela Ponte da Saudade ao som de uma valsa que o Orestes e o Silvio Caldas tinham acabado de compor. Julio, incrédulo e com saudade da Moça da Saia Curta

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JULHO 2015

Vai que a vaca é fria. Névoa. Nóvoa, muita névoa. Estava eu posto em sossego, fumando na porta da cantina do Fernando, quando a fantasia do mais sábio dos meus parceiros me fez atentar prá moça que passava, a Pitelzinha do Mercado. Nada mais lindo, disseram os companheiros. Que ritmo observou o Bolão, o mais baterista de todos. E você ainda fala da Bundinha Feliz, completou Flavinho, atento como sempre. Luis Belo, calado, só filosofava. De fato, a Furquim, como em um desfile de misses, parece ter eleito sua rainha. Um salva de palmas se fez ouvir, em silêncio. Claro que uma mulher de quadril matreiro e seios espertos teria de aparecer logo aqui, mostrando que essa Paquetá dá de mil nos outros bairros. Isso porque a Ilha é uma Ilha com letra maiúscula e porque seus coqueiros requebram com o vento.. Fato que, de fato, a conversa mudou rapidinho de tom já que, como diz a Regina do Quintal, o afobado come cru como, também, bem sabem o Cunha, o Aécio e um garotinho com cara de tailandês, berço da CIA, que anda passeando pelo Brasil, tropeçando nos buracos. Aqui interrompo o assunto para informar, como escrevo para um jornal à sombras das havaianas imortais, que, em furo de reportagem, em breve, o JORNAL da ILHA publicará entrevista com os, como direi, “baracas” (seu revisor não me corrija) que mataram os flamboyants. Isso pouco antes de irem em cana. Como se trata de um bem tombado, que não podia ser derrubado, o dano ambiental é crime inafiançável Portanto os responsáveis pela, assim conhecida, chacina da Moreninha, ficarão na cadeia por um bom período.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Nessa entrevista os depredadores confessam seus gostos musicais e mandam beijos de despedida para a mãe e para a vizinha. Falam, também, de seu programa de TV favorito, o que é importante para evitar que nossos filhos e netos abusem da droga. É bom que todos saibam que o Plantar Paquetá, premiado pela Prefeitura do Rio e apadrinhado pela Secretaria de meio-ambiente, não brinca em serviço. Só brinca de embelezar a Ilha. Como diz o Ricky, fato é fato, boato é boato. A Lurdinha, apoiada pelo Rubens, completa, enfática, dizendo que aqui só tem futrica. A estória de hoje seria sobre o meu amigo Zarur. Percebendo que ele lembra o Obelix, pesquisei e constatei os Gitsin chegaram aqui junto com os Galeses. Sim, porque antes dos Franceses, em uma saga que lembra os vikings americanos (não me venham com correções históricas porque eu falo de Hollywood), fugindo dos romanos com seu latim chato e escapando de ursos polares e baleia, vieram se encontrar com os ascendentes do índio Poty, que só o Valtinho conheceu. Os caros leitores podem ficar ansiosos porque o mais só se contará na próxima edição. Até daqui a mês se Deus quiser, para o quem contamos com a ajuda do Padre Nixon, Pastor Ronaldo e outros influentes. Julio e Claudio Marcelo agradecem os aplausos, sem se responsabilizarem pelos boatos recolhidos, fruto da invenção coletiva de gente ociosa, impulsionados pela imaginação febril do Serginho Cabeleireiro, pela observação arguta do Flavinho e pelo estilo elegante do Luis Belo.

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AGOSTO 2015

Quando o Bloco Pérola da Guanabara desceu da barca ao som de um forró “lascado”, com Tio Pedro cantando e bebendo e se despedindo do povo na Praça, foi uma emoção só. Por isso não posso afirmar se Deus criou essa Baia da Guanabara ou se foi a Baia quem criou Deus. Uma certeza eu tenho: foi Ele quem inventou a festa de S. Roque. E aí não importa se o Joãozinho fica espalhando boatos dizendo que a Bundinha Feliz está, agora, cheia de estrias e celulites ou se estamos um tanto gastos pelo tempo e com os cabelos grisalhos. Nada perdeu o charme. Claro que a Festa está um tanto, digamos, “amassada”, pois se até a da Penha murchou um pouco. Fato é que surge, excitante, a sexta-feira e o Auto de S. Roque vem desfilando pelas ruas como uma procissão iluminada por archotes e a voz da Telma entoa o Hino, pendurando-o nas árvores e nos corações. Centuriões, Reis e Rainhas se espalham na Praça e Santas Marias e Bispos, Santos e Diabos passeiam, reverentes e irreverentes, junto com o povaréu do poço fechado, inundando nossos olhos na imaginação de uma fé a tempos esquecida. Mas, mais que de repente, acaba a fantasia e começa a realidade do som de um DJ moderno que nos recoloca nesse mundo difícil. Daí prá frente é uma tentativa de alegria. Um papo rola aqui, a Moça da Saia Curta rebola acolá. Tudo morno nessa noite quase fria. Sorte é que depois da sexta vem sábado e podemos recompor a magia usando da imaginação. Façamos desfilar no palco os grandes personagens da Ilha, tendo no fundo um painel da Guanabara feito pela Lia Mitarakis.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Abre o espetáculo o maior dos mestres, Anacleto de Medeiros, com a Banda da Sociedade Recreio Musical Paquetaense tocando “Yara” e o povo todo fica a se recordar da nossa porta-bandeira que, com a Nega Luiza, enobreceu os carnavais. Tocando juntos lá estão o Pedro Amorim, o Oscar Bolão e o Gabriel. Tudo é tão lindo que o Birulinha e a turma do Jaca’s, que nunca mais tinham vindo à Festa, tiram as moças para dançar. Vem depois as serestas com Silvio Caldas e o Villar cantando Orestes, ajudados pela Elizete no Chão de Estrelas que se esparrama pela praia. Encerrando chega o samba, com todas as Escolas que sempre desfilaram por aqui. Cristina, mestre de cerimônia, inicia o desfile do Rancho Ameno Resedá, aquele do Sinhô, o primeiro sambista consagrado. Cartola, Mestre Fuleiro e Anescarzinho, junto do Roberto Martins, Wilson Batista e Paulo da Portela, formam uma roda com o João Nogueira para homenagear o Nelson Lopes. O tempo no batuque passa rápido e, com o sol nascendo, o pessoal vai embora. Aí o domingo vem de mansinho porque ainda tem muita gente para se apresentar. Tem a Orquestra Jovem tocando Villa Lobos, Veras tocando Jobim, Irinéa e Tainã cantando bossa nova, a Angélica homenageando seu primo Luis Carlos da Vila e assim vai até a noite dormir, com um pouco de rock do Markinhos 40º e do grupo do Ricardinho e da Lili,. Ia me esquecendo do Tibério Gaspar cantando sua “Sá Marina”, acompanhado pelo piano do Jorginho Gafanhoto. Como diz o Ricky, fato é fato, boato é boato. Julio, insistindo que a gente não pode esquecer a vida e a vida é feita de seus personagens.

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sETEMBrO 2015 Acontece que hoje acordei cedo. Abro as portas e dou de cara com a Moreninha. Mar de banheira sob uma luz que vai surgindo aos poucos. “Durante meio século, os burgueses de Pont-L’Évêque invejaram a sra. Aubain por sua criada Felicidade.” sempre quis começar assim, imitando Flaubert, porque isso resume o essencial. A casa, pintada de laranja, é situada em uma ladeira que termina na praia. O interior, de temperatura agradável no verão, começa em um corredor ladeado por três quartos. Esse corredor acaba em uma sala com duas poltronas cobertas por um tecido aveludado e gasto, e duas janelas que dão para um jardim interno. As paredes estão cobertas de quadros e objetos, lembranças de um tempo de consumo meio exagerado. Passa pela minha cabeça o cenário de Copacabana e minhas lembranças de adolescência. revejo uma sala de aula e uma menina escrevendo no quadro negro, a bundinha se mexendo. A praia era calma, cheia de ondas e jacarés, traiçoeira como todo mar o é. Todas as namoradas por ali passeavam e se banhavam e posso revê-la sem nenhuma pátina de tempo. Todos os prédios tinham portaria de mármore, onde a gente se sentava, a noite, para namorar ou conversar. Hoje as grades rudes cercam a entrada como se para impedir alguma intimidade, prendendo quem adentra o corredor para tomar o elevador, como se aquilo fosse uma prisão ou antigo hospício. Mas Isso é simples matéria de memória, tudo muda e Paquetá muda junto. Vejam vocês que, embora a quantidade de veículos confunda, parece que vi o sylvio, o fundador desse nosso jornal, a bordo de um veloz ecotáxi partindo em direção ao Campo. Fazia tempo que ele não aparecia por aqui, mais de ano. Deve andar atrapalhado, do outro lado da poça, confuso com a confusão reinante e sem tempo para fazer shows no night-club da Fatinha.

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

repito de novo o Candeia : “a verdade está sempre com os dois lados.. “. Eu, por exemplo, prefiro as grandes barcas lentas. Gosto de ver as gaivotas e o recorte das montanhas no horizonte sobre a baía, mas entendo a necessidade de chegar mais cedo em casa ou de acordar mais tarde. Fico triste de perder o prazer das vistas amplas e acho mesmo que as pessoas seriam mais felizes se dispusessem de mais tempo para deslizar na calma da baía, sem precisar correr de um lado para outro. Fato é que a vida vai mudando e os bairros se transformando. A preferência por um modo de vida não tem o poder de parar o tempo, que é fruto de possibilidades, talvez até de ganância. Como disse o compositor, “ pois é, pra que?”. Certo está o ricky que sempre fala que fato é fato, sonho é sonho, boato é boato. Acho que barcas mais velozes e com mais frequência são a mesma face da mesma moeda das bicicletas mais velozes e em maior quantidade. Basta reparar nos outros bairros, tudo fruto do aumento na população moradora. Frear a vida é impossível : que o diga a carta e o correio na disputa contra o email e o whatsApp. Mesmo que se queira brigar para fazer valer a armadilha do condomínio fechado, com regras para todo lado, nada pode parar o movimento das cidades, especulativo e desumano, até que tudo e todos mudem para algo melhor, seguindo os passos e junto com os outros bairros. Como disse John Donne, inglês dos anos 1500: “nenhum homem é uma ilha ... todo homem é uma parte do continente ..”. quanto a mim, sem dúvida eu prefiro ouvir a Velha Guarda da Portela a ver a nova guarda do Portelão. Mas não dá para fechar a porteira. Julio, triste com saudade do sol.

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OUTUBRO 2015

Acontece que hoje acordei cedo. Abro as portas e dou de cara com a Moreninha. Mar de banheira sob uma luz que vai surgindo aos poucos. Passa pela minha cabeça o cenário de Copacabana e minhas lembranças de adolescência. Revejo uma sala de aula e uma menina escrevendo no quadro negro, a bundinha se mexendo. A praia era calma, cheia de ondas e jacarés, traiçoeira como todo mar o é. Todas as namoradas por ali passeavam e se banhavam e posso revê-las sem nenhuma pátina de tempo. Todos os prédios tinham portaria de mármore, onde a gente se sentava, à noite, para namorar ou conversar. Hoje as grades rudes cercam a entrada como se para impedir alguma intimidade, prendendo quem adentra o corredor para tomar o elevador, como se aquilo fosse uma prisão ou antigo hospício. Mas isso é simples matéria de memória, tudo muda e Paquetá muda junto. Vejam vocês que, embora a quantidade de veículos confunda, parece que vi o Sylvio, o fundador desse nosso jornal, a bordo de um veloz ecotáxi partindo em direção ao Campo. Fazia tempo que ele não aparecia por aqui, mais de ano. Deve andar atrapalhado, do outro lado da poça, confuso com a confusão reinante e sem tempo para fazer shows no night-club da Fatinha. Repito de novo o Candeia: “a verdade está sempre com os dois lados.. “. Eu, por exemplo, prefiro as grandes barcas lentas. Gosto de ver as gaivotas e o recorte das montanhas no horizonte sobre a baía, mas entendo a necessidade de chegar mais cedo em casa ou de acordar mais tarde.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Fico triste de perder o prazer das vistas amplas e acho mesmo que as pessoas seriam mais felizes se dispusessem de mais tempo para deslizar na calma da baía, sem precisar correr de um lado para outro. Fato é que a vida vai mudando e os bairros se transformando. A preferência por um modo de vida não tem o poder de parar o tempo, que é fruto de possibilidades, talvez até de ganância. Como disse o compositor “ pois é, pra quê?”. Certo está o Ricky que sempre fala que fato é fato, sonho é sonho, boato é boato. Acho que barcas mais velozes e com mais frequência são a mesma face da mesma moeda das bicicletas mais velozes e em maior quantidade. Basta reparar nos outros bairros, tudo fruto do aumento na população moradora. Frear a vida é impossível: que o diga a carta e o correio na disputa contra o email e o whatsApp... Mesmo que se queira brigar para fazer valer a armadilha do condomínio fechado, com regras para todo lado, nada pode parar o movimento das cidades, especulativo e desumano, até que tudo e todos mudem para algo melhor, seguindo os passos e junto com os outros bairros. Como disse John Donne, inglês dos anos 1500: “nenhum homem é uma ilha ... todo homem é uma parte do continente...”. Quanto a mim, sem dúvida eu prefiro ouvir a Velha Guarda da Portela a ver a nova guarda do Portelão. Mas não dá para fechar a porteira. Julio, triste com saudade do sol.

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A VIDA É COMO ELA É

NOVEMBRO 2015

“Durante meio século, os burgueses de Pont-L’Évêque invejaram a Sra. Aubain por sua criada Felicidade.” Sempre quis começar assim, imitando Flaubert. A casa, pintada de laranja, é situada em uma ladeira que termina na praia. O interior, de temperatura agradável no verão, começa em um corredor ladeado por três quartos. Esse corredor acaba em uma sala com duas poltronas cobertas por um tecido aveludado e gasto, e duas janelas que dão para um jardim interno. As paredes estão cobertas de quadros e objetos, lembranças de um tempo de consumo meio exagerado. Isso é agradável e tudo mais, embora a vida, para ser bem vivida, tem de ser construída com personagens que vão se eternizando na nossa lembrança. A pessoa mais corajosa que eu conheci foi o Tonico. Ele era do tipo que não buscava adrenalina para fugir do tédio. Ponderava os gestos mas não vacilava. Nossas conversas ( eu, ele e Raimundo), quando quase todos haviam sido aniquilados e se tinha de reconstruir tudo, buscavam saídas em uma conjuntura onde parecia não haver espaço para nada. Era o tempo da luta por liberdades democráticas. O risco estava sempre presente, ainda se matava nas prisões, mas brincávamos com o nervosismo como em uma corda bamba. Reuniões clandestinas, manifestações, assembleias dissolvidas por meganhas, tudo era cotidiano e não nos assombrava. Íamos encontrando e reencontrando pessoas que pensavam parecido, íamos recrutando gente para o movimento. Era necessário se movimentar, sempre assumindo que o que fazíamos era legal, porque era e tinha de ser partilhado.

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crônicas de Paquetá

Julio Marques

Enquanto todos se calavam, candidato a vereador, Tonico subia em um banquinho, nos pontos de ônibus da praça Tiradentes, por exemplo, e falava contra a ditadura, espantando e conquistando pessoas, corações e apoios. Depois, eleito, a bomba explodindo em seu gabinete não nos espantou ou amedrontou, mas matou seu tio. Havia que lutar mais, falar mais alto, e fizemos jornais e vendemos jornais e levamos a denúncia aos quatro cantos da ditadura. Ocorre que a gente erra. Uma capa errada, uma palavra mal colocada e a ditadura cai, mas leva junto o que se construiu para aquele momento. Claro que a história é feita de vitórias e derrotas mas, para mim, o Tonico é o símbolo maior daquele período onde se acertou mais capas e mais palavras. Voltando à Paquetá, acontece que a ilha está cheia de gente e quase não se enxerga a Bundinha Feliz e o Birulinha, junto com a Nega Luiza, andam escondidos nas brumas da manhãzinha. O Jornal da Ilha vai de vento em popa e a Moça da Saia Curta saltita de felicidade. Embora o Ricky não tenha se desdito, dessa vez não há fato nem boato. No mais, afirmo que se for preciso chover que chova. Julio, feliz com tanta baía pra se ver.

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A VIDA É COMO ELA É

DEZEMBrO 2015

quanta violência, quanta ganância, quanto desespero. Paris ou barragens em Minas são iguais. De qualquer maneira, é ironia procurar achar felicidade em um show do Eagles of Death Metal. Dingobel, dingobel, Aí vem Papai Noel .... O Zarur sempre disse que o Bené e o Zeca’s são malucos. Pelo jeito são. Por isso, entre fatos e boatos, a procissão vai caminhando: a Beldade da Comlurb, com seu gingado, e a Moça da saia Curta, bem diz a música, com seu andar de moça prosa. A Bundinha Feliz não vai, mas leva a gente. Lá, mais na frente, vão Coronel Paulinho e Zé Lavrador, juntando pedaços espalhados, desfilando como na Escola de samba silêncio do Amor, em honra e homenagem ao Zé Proença, apesar das divergências possíveis. Isso é muito bom, porque Domício Proença Filho e Zé Proença, cada um a seu jeito, ambos provam que quando a alma não é pequena tudo vale a pena (já falou Fernando Pessoa). Contando a estória pelo começo, Paquetá só podia ser assim: libertados os escravos, aparecem os “humildes tetos de pescadores”. Depois são parceladas as terras e, construídas grandes casas, começam as férias de verão. Os “humildes tetos” se espalham e, dando um duro danado com força sobrehumana, uns crescem mais que outros, mas todos mostram, como Anacleto, que são imortais. Faço um parênteses porque, graças a Deus, o verão bate às nossas portas. sinto pelo cheiro de manga madura e pelas figuras que começam a aparecer.

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

O calor ainda engana, vai e volta, mas a Gostosa de Biquini rosa já surge no Iate. Eloquente, de idade indefinida mas pronta para fazer acontecer qualquer coisa. A Gostosa é boa gente, embora - diferentemente da Bundinha Feliz, da Beldade da Comlurb e da Piteuzinha do Mercado - pareça às vezes meio besta. No fundo, pessoa sensível às sutilezas da vida, a Gostosa é sazonal como as mangas e lembra um pouco essa fruta. Isso prova que Paquetá, democrática na beleza, tem suas peculiaridades. O calor - que eu prefiro - e as multidões têm suas inconveniências mas são compensadas pelas graças da Gostosa de Biquíni rosa. Pegando o assunto de volta, é bom dizer que o engenho também tem suas espertezas, atalhos e macetes, mas a coragem não. Zé, militante do PC do B, não avisou que ia embora. Domício, filho de Dona Maria, teve a valentia de andar pela vida e soube subir as escadas desde os degraus bem baixos. Hoje preside a Academia Brasileira de Letras mas, mais que isso, caminha conosco de bermuda e chinelão, honrando esta ilha que foi dura e doce com ele. Plagiando minha amiga Nóvoa, acho que ele olhou na boca do inverno e viu a gota de sombra na hera. quero ensinar minha neta a erguer, como eles, castelos de areia. Julio, cantando Dingobel junto com a Matilha, certo de que a vida e a morte são melhores em Paquetá.

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Editado no Jornal A Ilha Janeiro 2016 - Abril 2016 Paquetรก / rJ / Brasil

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cr么nicas de Paquet谩

2016

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A VIDA É COMO ELA É

JANEIRO 2016

Mas as pessoas não sossegam na sanha de encher o saco dos outros. Não adianta, a vida nunca será um condomínio fechado. Eles estão malucos, basta olhar e ver que, sujos e feios, vivem cercados de grades que encarceram eles mesmos e as charretes são intermináveis nas alamedas da vida enquanto os carrinhos são entulhos que vão engarrafar os aterros sanitários. O Ricky está certo , mais do que nunca, em dizer que nada é fato, tudo é boato. Mais engraçado é que agora percebo que não é só aqui, em Paquetá. No mundo inteiro espalham que os Estados Unidos ganharam a guerra do Vietnã, que a China não é mais comunista e que o Aécio ganhou as eleições. Não adianta : a vida é mais forte que a farsa. Ando devagar porque já tive pressa e sei que a vaidade é tola. Uma coisa me deixa triste : Seu Armando foi embora de Paquetá. Foi-se uma gentileza que não mais vou encontrar nas noites vadias. Eu e Dilma vamos sentir falta das palavras certas e bem vividas. Sorte é que ele vai se encontrar com o Birulinha e a Nega Luiza prá falar das noites da antiga Praça Mauá. Salve ele e eles. O diabo é que nessas armadilhas de mau gosto acabamos nos esquecendo que o Natal sempre vem e o Ano Novo também. A Moreninha estava lotada e a Bundinha Feliz pos o seu melhor vestido. A Moça da Saia Curta usou uma saia ainda mais curta e cumprimentou, feliz, a Piteuzinha Do Mercado. O pagode soou bem alto não deixando o Pedro Amorim sossegar e o Gê foi tomar cerveja no Oducio. Enfim vida que segue com a Gostosa do Biquíni Rosa chegando atrasada, vinda na última barca, esbaforida e elegante, sorrindo prá todo mundo.

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Julio Marques

No palco iluminado alguém, contratado pela RioTur, encheu encher o saco de alguns embora fizesse a felicidade de muitos. E vamos nós para mais um ano, com a Xuxa de mãos dadas com Papi, com os luares mantendo a performance e o Manduca não deixando cair a qualidade dos pães. Julio, mandando daqui um abraço ao Seu Armando, certo de que ele, o Birulinha e o Zé Proença estão aprontando um baile com as prostitutas da antiga Praça Mauá, animado por um coro de anjinhos de harpa, regado com muito vinho português.

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FEVEREIRO 2016

Tô melancólico. Não é pela tristeza de ver uma lógica psicopata escorrendo das páginas de jornal e nem por presenciar uma raiva idiota, travestida em síndrome de Miami, saída pelas frestas de um armário embutido, saudosa da violência da ditadura militar. Não, não me dou ao trabalho de ter preocupação com o ridículo de quem tem medo do Chico Buarque, embora não me esqueça do fascismo que matou Lorca e Victor Jara. Como o Chico mesmo diz, os bobalhões vão passar, mas do outro lado da rua com seus tristes velhos fatos e “ truques” e traques. Sei que amanhã será, sempre, outro dia. Como disse o Padre Nixon, em belo sermão, é a disputa entre a luz e a escuridão. Me sinto melancólico porque percebo que a Bundinha Feliz se esfumaça na bruma errada da manhã, talvez porque a Beldade da Comlurb nunca mais foi vista, talvez porque a Nega Luiza e o Birulinha não passeiem mais, na madrugada, pela Praia da Guarda e o Serginho Cabeleireiro esteja cansado demais para contar estórias da Anginha, da Picolé e da Gostosa de Biquini Cor de Rosa. Mas enfim, vida que anda e a Furquim é muito mais boulevard do que SaintGermain, com a Verinha fantasiada de periquito e os tupinambás do Rael tocando tamborins. Mas, como repete sempre o Ricky, se vive de boato e o Luiz Belo me conta que, nos anos 90, algumas desfilavam “peladas” no Silêncio do Amor (ele não diz quem). Valtinho também conta que as brigas, nos antigos carnavais, tinham mais sabor e o Pau Preto era o campeão delas.

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Julio Marques

Quanto a mim, eu morro de saudades dos carnavais do Silêncio do Amor nos tempos do Ademir e ouço o Claudio Marcelo que fala que craque mesmo era o Lula, na ponta direita do Barreirinha, e mais craque ainda o Jorge Gonga tocando cuíca nos blocos de antigamente. Meu Deus, como é chato escrever tão antes do carnaval, sem sentir o clima. Enfim, sei que vai ter muita gente na ilha e quase ninguém brigará. Sei que o Toma Uma e o Bloco da Tartaruga arrebentarão nas ruas e o Zarur venderá muito chope no seu batmóvel. No final das contas, todo mundo será um pouquinho mais feliz e, podem crer, e digo isso a quem desconhece ou pouco conhece a ilha, que pinto as cores com a maior veracidade, geografia e personagens pois, como repito repetindo o Ricky, a boataria coloca luz sobre os fatos, e o que é o boato senão a fantasia? Novidade e realidade, o chato é que continua chovendo enquanto escrevo e ouço música que encantava minha geração, reflexo das nossas paixões. Há coisas que não podemos perder. Julio se despedindo, melancólico com tanta gente saindo de cena que a gente acaba ficando sem um pedacinho da alma.

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A VIDA É COMO ELA É

MArÇO 2016

“se acaso meu bloco encontrar o seu Não tem problema Ninguém morreu são três dias de folia e fantasia..” Etc, etc, etc. Foi muito bom. É sempre muito bom. Ah! Os carnavais.. E lá vinha o Toma uma, com gente transbordando o copo em uma grande batucada. O Cerqueirão não parou de cantar, e a Esquina do Pecado, seja lá onde for, tocou de tudo, doa a quem tenha doído. Ocupando as ruas, vieram a Tartaruga, o Coqueiros, o Primos e o Camelo, com seu membro armado fazendo de conta que está tudo bem, e o Fecha Bar arrebentando os tamborins com o Nando e o Bebo e mais toda a família mostrando suas virtudes, com a Lili reafirmando, sempre, a galhardia do estandarte. Melhor Fecha não há. Minha alma canta, de braços abertos, em plena contradição : “.. o nosso amor morreu ...” “ quanto riso Oh! quanta alegria” “ ..Até quarta-feira

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crônicas de Paquetá

JuLIO MArquEs

Lá-ra-lá-lá-lá Lá-ra-lá-lá-lá lá-lá-lá-ra-lá-lá lá-lá-lá” Ah! Eu te amo, carnaval “É com esse que eu vou sambar até cair no chão É com esse que eu vou me acabar na multidão.” seja lá como for. É difícil acreditar que o pessoal do silêncio, que não é do amor, pense em se mudar pro “santuário das Fadas” que, dizem eles, é bem legal. são longos os caminhos dessa ilha. O tempo voa e há tanta coisa pra se ver. Como dizia aquela música americana : “sonhar mais um sonho impossível”. Eu queria uma festa que tivesse o clima dos antigos bailes de rua dos meus treze ou dezesseis anos, quando eu, apaixonado pela Ana, mas de olho naquela baiana Gaúcha que nunca mais apareceu, cantava, mais uma vez de braços abertos, que “ ..as águas vão rolar..”, e o coro era composto pelo ronaldo Mãozinha, pelo Charles e pelo Mauricinho, pela Iara e pela Marcinha. e por aquela menina que morava em Bangú e, não sei por que, apareceu por lá. Julio. cantando Cidade Maravilhosa cheia de encantos mil, em parceria com a Fernandinha, sem o que nada seria possível.

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A VIDA É COMO ELA É

ABRIL 2016

Eu ia falar do menino, inteligente mas bobo, que queria ser menina e foi pro Rio atrás da vida e acabou morto aos 17 anos, mas preciso dar voz a um grande artista, criador do desenho ao lado, que dá vida a esta coluna. Com vocês Mello Menezes, mas antes digo: NÃO VAI TER GOLPE.

“ MENINOS, JURO QUE VI. Nas décadas de 1950/60, estenderam uma rede de vôlei entre duas jaqueiras e ali começou o Jaca’s Society. A casa ficava em Paquetá e pertencia à família Ajuz. Foi residência do patriarca José Bonifácio e é patrimônio histórico. Já o patrimônio do Jacas Society era a empolgação e a vibração de uma juventude que aglutinava em suas brincadeiras centenas de bicicletas a pedalar para diferentes prazeres: pelas manhãs, na praia Grossa, disputa de frescobol, vela, esqui e water-polo nas estacas da antiga estação das barcas. Nas tardes, todos bronzeados pelo sol da manhã, vôlei na sede esportiva, entre as jaqueiras do Jaca’s. Nas noites, o restaurante do Teixeira na praça Bom Jesus era um salão de bar todo decorado. O nosso diretor social, Luiz Belo, promovia bailes inesquecíveis ao som do maestro Sodré, com o crooner que Jamelão mais gostava, Pedrinho Rodrigues. A juventude balançava nos sambas, foxes, rock, jazz e boleros até o início da manhã, quando todos da festa levavam os músicos até a primeira barca, às cinco e meia, e ela se despedia apitando: Phuuuuu! phuuuuu! Então o conjunto recomeçava, espalhando música pela Baía de Guanabara. E assim as férias passavam com intensas atividades e histórias para contar. Numa tarde de janeiro, centenas de bicicletas lotavam a sede esportiva do Jaca’s para assistir ao jogo JACA’S X VISITANTES, quando aconteceu uma jogada incrível que entrou para os anais do voleibol. As belas meninas Milady Ajuz, Ieda e Marilda animavam a nossa torcida e o Vaninho, grande caráter e coração de capitão, era o nosso craque maior: sacava, recebia, bloqueava e cortava. O juiz faltou, então improvisaram o diretor social, Luiz Belo, como juiz da partida.

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Julio Marques

O jogo estava 14 x 12 para os visitantes, quando então Negrito defendeu e Edinho levantou na medida. Vaninho subiu 4 metros e cortou mirando e derrubando uma jaca, e ele, no alto e no tempo, a jaca também cortou. (cantores repentistas): “Aí instaurou-se a maior confusão Vibração e apupo Porque nesse conto maluco O juiz Luiz Belo Decretou PONTO DUPLO” Quando a confusão acalmou, o nosso juiz Luiz Belo solenemente explicou: “Meus queridos visitantes, como já disseram os nossos poetas, músicos, pescadores, pintores, escritores, aqui na ilha a poesia é tanta que naturalmente a fantasia permeia a realidade. O Vaninho cortou, no tempo, a bola e a jaca, portanto o ponto é duplo. Declaro então empate técnico poético e todos ao bar brindar!” Mil brindes, os visitantes concordaram. etc e em entrevista para as rádios e TVs o nosso juiz Luiz Belo assim concluiu : “Fatos como esse atestam que, através dos tempos, muitos dos que vieram apenas como visitantes hoje pedalam pela ilha’ Nessa crônica, eu, Mello Menezes, brinco e homenageio o amigo Luiz Belo, que sempre foi generoso e preocupado com Paquetá. Como jornalista e cronista social do jornal Última Hora, atuou ao longo do tempo em algumas entidades da ilha, sempre somando esforços para a solução dos problemas, demonstrando seu amor a Paquetá. Luiz Belo, seus amigos da ilha, do Rio, do Brasil e do Mundo querem envolvê-lo num grande abraço. “ Bom, aqui me despeço do Mello.

Julio, com pena dos charreteiros tolamente enganados, com dó dos cavalos que certamente virarão sabão e triste porque Paquetá ficará mais feia.

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A VIDA É COMO ELA É crônicas de Paquetá

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A VIDA É COMO EL A É crônicas do jornal A Ilha

JuLIO MArquEs

Editado no Jornal A Ilha Outubro 2012 - setembro 2015 Paquetá / rJ / Brasil

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