Entrevista
Simone de Oliveira
Simone de Oliveira, começou a cantar para curar a tristeza. Aos 19 anos, depois de ter sido vítima de violência doméstica por parte do marido, sofreu de depressão e foi aconselhada a distrair-se. Inscreveu-se no Centro de Preparação de Artistas da Emissora Nacional e, com 20 anos, estreou-se a cantar em público no primeiro Festival da Canção Portuguesa. Ficou em terceiro lugar na primeira edição do Grande Prémio TV da Canção Portuguesa com o tema “Olhos nos Olhos”. No ano seguinte vence com “Sol de Inverno”. Mas é em 1969 que canta o maior êxito da sua carreira, pelo qual ainda é conhecida por todos os portugueses: a “Desfolhada Portuguesa”, tema com que venceu o Festival RTP da Canção e que a consagrou. Aos 83 anos, tem uma carreira recheada, também como atriz. Fez teatro, cinema, televisão e revista e gravou dezenas de discos. Tem dois filhos, Pedro e Eduarda e é viúva do ator Varela Silva, com quem foi casada 23 anos. Conversámos com Simone na Praça das Flores, onde nos falou de como é morar há 47 anos na freguesia da Misericórdia. Simone é, para muitos, sinónimo de liberdade. Como viveu este último ano e meio em que tivemos tantas restrições aos movimentos? Quando não saímos de casa porque não pode ser, tudo bem. Agora, quando não podemos sair porque está proibido, dá logo vontade de descer as escadas! Mas estive em casa, habituei-me. Tenho uma casa pequena. Às vezes é um bocadinho claustrofóbica, mas moro ali há 47 anos e não é agora que eu saio dali. Fui para aquele prédio morar com o meu marido, o Varela, para o primeiro andar. Um dia, ao fim de alguns anos, a porteira disse-nos que um apartamento no último piso, que era um pouco maior, tinha vagado. A renda eram seis contos (30 euros) e nós, no primeiro andar pagávamos cinco. Para a época, era caro. Mas lá fomos. Depois de ele morrer continuei ali. Fiz obras para mudar o aspeto da casa, mas continuei ali. Tirei portas, fiz arcos, mudei janelas. Não para apagar, porque eu acho que não se apaga uma vida de 23 anos com a pessoa de quem se gostou e com quem se viveu tantos anos, mas para pelo menos aliviar um bocadinho aquela pressão. Durante três anos andei com a cabeça a bater nas paredes, estava sempre à espera de ouvir a chave na porta. Foi um grande companheiro. Tem muitas memórias vividas neste bairro. Sim. Algumas histórias bem caricatas passaram-se aqui. Eu e o Varela já vivíamos maritalmente havia 17 anos, quando ele me pediu em casamento. Foi pedir aos meus filhos a autorização para casar comigo. Eu, que a princípio lhe disse que estava doido, aceitei e lá marcámos o casamento para 7 de setembro, porque o Varela fazia 60 anos no dia 15 e queria casar ainda com 59. No dia, apanhou um táxi para me ir buscar e irmos juntos para a conservatória, que era ali no Camões, e pergunta-lhe o taxista: “Ó senhor Varela, vai casar, mas é com a senhora Simone, não é? “Responde-lhe 14
mag misericórdia / julho 2021
o Varela: “Mas homem, é para isso que temos de ir a casa buscá-la!” E faz vida de bairro? Sim. Havia perto de casa, no largo, uma mercearia, um lugar de frutas, que era do senhor António e onde fui anos seguidos. Entretanto passou a restaurante e é o filho do senhor António que agora está à frente desse lugar. Encomendo comida muitas vezes de lá, porque já não tenho paciência para cozinhar. Já fiz tanta sopa, tanto rosbife! A minha farmácia é a mesma de sempre. Basta telefonar para lá e encomendar aquilo de que preciso. Durante anos vim aqui à Praça das Flores, à peixaria. Agora tenho uma pessoa que me leva as compras a casa.
Durante anos vim aqui à Praça das Flores, à peixaria. Agora tenho uma pessoa que me leva as compras a casa. Gosta de viver aqui? Gosto muito. Só tenho pena de não haver sardinheiras nas janelas. Não tenho uma varanda, que era o meu sonho, para ter sardinheiras. Neste último ano as rotinas ficaram mais limitadas, passámos muito tempo em casa. Faço muita renda, ponto cruz. A minha filha tem uma toalha bordada por mim. Um dos meus netos mais velhos, também. O André tem o elevador de Santa Justa bordado a preto e branco, o Tomás pediu uma janela do Bairro Alto. Para o mais novo é que já não tive olhos para fazer.







