Jornal de Abrantes janeiro 2019

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Ambiente 02

JANEIRO 2019

O Renascer do Tejo

O desastre ambiental permanece na memória. Prejudicou vidas. Não só as dos que dependiam do Rio como uma fonte de rendimento, como a de todos nós. No terreno, as melhorias são notórias, mais ainda não são suficientes. O “Guardião do Tejo” diz que “ainda não está a 100%, mas está 85% mais limpo”. Mesmo assim, num restaurante junto ao Tejo, o peixe do rio que se serve ainda não é daquelas águas.

MARIA BRAGANÇA ESTA D COMUNICAÇÃO SOCIAL

O impacto da poluição do Rio deixou “mazelas”, afirma Arlindo Marques, também conhecido como “Guardião do Tejo”. Com 53 anos, nasceu e cresceu “no meio do rio”. Natural de Ortiga, concelho de Mação, sempre o viu limpo, com “águas cristalinas, nada de especial”. Em finais de 2014, Arlindo Marques verifica a existência de uma “espuma branca” na superfície da água, que intitulou como “espuma da morte”. As águas corriam negras e “com um cheiro característico a químicos”. Começa a expor a situação, através das suas redes sociais, e rapidamente obtém “milhares e milhares” de visualizações. Integrante do Movimento Protejo, como secretário, tem uma “rede montada”, desde pessoas que trabalham nas barragens, pescadores e desportistas, que o contactam para denunciar diversos focos de poluição. “O rio esteve a 0,1mg de oxigénio. Não há vida possível”, denuncia o ativista. Arlindo alega saber quem são os responsáveis: “Não tenho medo nenhum de dizer, nunca tive. Foi a Celtejo!” A Celtejo é uma empresa de celulose, sediada em Vila Velha de Ródão, per-

tencente ao Grupo Altri, que produz pasta de eucalipto branqueado, produzido “de forma económica e ambientalmente sustentável”, segundo o site do Grupo. Num domingo à tarde, Arlindo foi chamado ao local, junto do tubo de descarga da Celtejo. “Parecia o cogumelo da bomba atómica, um cheiro a químico, horrível.” A montante de Vila Velha de Ródão as águas estavam “completamente transparentes”. Arlindo Marques admite que “pode vir algum fósforo de Espanha”, mas garante que “não é aquela coisa horrível”. A fábrica triplicou a produção e “não tinha equipamento suficiente” para combater o problema. “Durante três anos o rio esteve a ser bombardeado com tudo do pior que pode haver”, sublinha. O pouco peixe que havia, “começou a saber mal”. Deixaram de consumi-lo, “muita gente perdeu a sua fonte de rendimento”. Confrontado com a Capa nº 759 da Revista SÁBADO, com a manchete "Como Espanha envenena a água do Tejo", Arlindo Marques garante que as algas, sinal de poluição, “ainda não chegaram a Vila Velha de Ródão, nem ao Fratel, nem a Ortiga”. A Revista SÁBADO pertence ao grupo Cofina, que detém a Altri (Celtejo, Celbi e Caima). “Nós vivemos num país de cor-

L Arlindo Marques rupção ao mais alto nível. O poder económico daquela fábrica passou à frente da preocupação ambiental. É uma ‘máfia’ que anda por trás disto tudo. Dá muito dinheiro”, assegura o ativista. Devido às acusações, a Celtejo instaurou um processo por difamação contra Arlindo Marques, no valor de 250 mil euros, com “juros de mora a pagamento integral”. O "Guardião do Tejo" acredita que o processo tem um único objetivo: destruí-lo “psicologicamente e monetariamente”. Diz que é provável que venha a ser condenado numa primeira instância. O ambientalista espera que se faça justiça, porque o rio “ainda não está bom”. “Ainda não está a 100%, mas

está 85% mais limpo”, garante. João Serrano, presidente da Associação Confraria Ibérica do Tejo (ACIT), descreve o estado do Rio Tejo como “catastrófico”. Em termos de Política Ambiental, considera que o problema do Tejo “não é só um problema de Portugal, nem de Espanha. É um problema da União Europeia”. “As águas já vêm poluídas de Espanha, é um facto. Mas isto já acontece há mais de 40 anos, e nada disto é falado”, avança o presidente da ACIT. O excesso de poluição e a falta de oxigénio leva ao surgimento de algas. “O Rio Tejo está completamente coberto de algas”, aponta. João Serrano acrescenta que “a informação que chega às pessoas em relação aos reais problemas do Rio Tejo não é zero, mas é próxima de zero”. Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco, destaca-se pela sua riqueza em património natural. A poluição visual das fábricas contrasta com a natureza envolvente. A poluição afetou toda a gente, mas mais diretamente o setor marítimo-turístico. No cais está um dos poucos pescadores, resistentes, de Vila Velha de Ródão. António Ribeiro Pinho, conhecido como “Tonho” Pinho, oriundo de uma família de pescadores, diz que vai à pesca todos os dias. “Ainda ontem apanhei um siluro de 15 kilos”, conta o pescador. Com 70 anos de estórias, recorda-se do tempo em que “apanhava o peixe que queria” e que “nessa altura não havia descargas das fábricas”. Soma diversas experiências profissionais, entre elas como trabalhador da fábrica de pasta de papel. “Eu fui o 3º empregado da celulose. Mas nessa altura não havia poluição”, revela. As fábricas empregam grande parte da população. “Só quem não quer fazer nada é que não trabalha nas fábricas”,

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O turismo tem vindo a aumentar, “as coisas estão muito melhores” e “o futuro é promissor”

ESTA JORNAL FOTOGRAFIA ARLINDO MARQUES

adianta António Pinho. Conhecedor do Tejo, o pescador nunca deixou de comer peixe, embora algumas pessoas o tenham feito. Garante que “já se notam” as melhorias desde que as fábricas “deixaram de poluir”. Quem também já assistiu ao rio nos seus piores dias foi Vasco Fernandes. Empresário, natural de Vila Velha de Ródão, tem uma vista privilegiada para o Tejo. “A poluição afeta toda a gente, direta ou indiretamente. No meu caso concreto na área do turismo, afeta muito mais”, confessa. Vasco garante que o turismo tem vindo a aumentar, “as coisas estão muito melhores” e “o futuro é promissor”. No seu Restaurante VilaPortuguesa, situado em Vila Velha de Ródão, o prato típico de peixe do rio é uma oferta que têm, mas “não será por isso que as pessoas vêm a este restaurante”. Têm pratos de peixe do rio, mas não são do Rio Tejo. “Ainda não”, lamenta Vasco Fernandes, porque ainda há o “receio de não ter a qualidade desejada”. Considera “uma situação resolvida há muito pouco tempo”. Garantir a qualidade é imperativo. Segundo informações do Ministério do Ambiente, foi feita uma intervenção de limpeza do fundo do rio, no âmbito da Operação Tejo 2018, que removeu cerca de 2.500 toneladas de lamas, com uma carga poluente superior a 90%. As licenças das indústrias da celulose, que operam em Vila Velha de Ródão, foram revistas, e em todas estas licenças foi determinada uma redução da carga poluente. O trabalho que foi executado foi pioneiro e, por isso, a qualidade da água teve uma evolução exponencial. Mas as autoridades ainda não dão garantias de ausência total de poluição e mantêm a vigilância.g


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