“Talvez a gente pudesse considerar que a natureza não tem tempo. Isso que a gente chama de natureza é quase uma abstração que nós, humanos, criamos para tentar nos relacionar com a terra, com essa potência que deu origem à vida.”
Ailton Krenak
Em tempos tão apressados, ouvir Ailton Krenak é como se sentar à beira de um rio, diante da sabedoria das águas, que passam, contornam e ensinam. O líder indígena, ambientalista, poeta, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras nos convida a pensar de outro modo: não em linha reta, mas em espiral. Esta publicação, parte da Ocupação Itaú Cultural que o homenageia, pretende ser chão fértil e espaço de escuta; ser húmus, palavra que carrega a raiz de “humano”. É memória plantada em forma de papel.
O livro abre como a folha de uma árvore: em suas linhas, somos recebidos por palavras da oralidade ancestral, do corpo-território, da arte como gesto político e do tempo poético. Logo no início, Lidiane Damaceno Krenak nos guia pela trajetória de seu parente, Makiãm Ailton Krenak, não como quem narra uma biografia, mas como quem celebra uma linhagem viva, feita de resistência, sabedoria e pertencimento. Ela compartilha, também, sua visão do povo Krenak, revelando os vínculos entre gerações.
Na sequência, os textos de Moara Tupinambá, Renata Tupinambá e Daiara Tukano surgem como outros mundos possíveis, entrelaçando-se à paisagem imaginada por Krenak: a de uma cidade que se reconcilia com o que a antecedeu, com a floresta.
E se nossos pés, como diz Moara, soubessem o caminho de volta?
E se fôssemos, como lembra Renata, parte da comunicação silenciosa das raízes?
E se, como propõe Daiara, plantássemos um livro?
É este o desejo desta obra: não ser apenas lida, mas vivida. Nela, há ainda criações de Ailton –em versos e desenhos – que convocam o fluir, o seguir adiante, de maneira que alcance outros olhares. Por isso, ao fim da leitura, ou quando sentir que é a hora, propomos que compartilhe esta publicação: em estações de transporte público, praças, bibliotecas comunitárias. E mais: inspirados no ato de fazer brotar, incluímos aqui algo que pode ir à terra: um marcador de páginas feito em papel-semente. Uma provocação poética e política para semear no meio da cidade, cuidar do que resiste e interromper o ciclo do descuido com uma ação mínima, mas profunda. Boa leitura e boa colheita.
Itaú Cultural
Rerré, Makiãm Krenak: a voz viva da terra
Lidiane Damaceno Krenak
krenak. Povo originário do estado de Minas Gerais e conhecido por muitos como hostil, bravo, bárbaro. Como todos os outros povos indígenas, passamos pelas chamadas “guerras justas” – nome dado ao processo violento de domínio e invasão dos nossos territórios. Não há outra palavra: invasão.
Ao longo de toda essa luta e resistência étnica, meu povo foi obrigado a adormecer. Adormeceram nossos conhecimentos, nossos modos de viver, nossa língua, nossos cantos e nossas práticas. Ao longo do tempo, nossa voz foi sendo calada.
Nossos saberes, colocados de lado. Fomos forçados a adotar uma cultura que não era nossa para que pudéssemos ser reconhecidos como gente. Mas lembro bem que, quando era criança, sentada em volta da fogueira e ouvindo os mais velhos, escutava histórias sobre como o mundo era abençoado. Nosso Inguikãn Makiãm (Deus) andava sobre a terra para apreciar sua criação. Os animais também falavam como nós, e todos se entendiam.
Naquela época, nossos mais velhos eram cuidados por um ser maior. A nós cabia apenas zelar pela Mãe Terra e pelo Pai Velho, o rio. Respeitá-los e cuidar bem deles foi o ensinamento deixado por aqueles
que vieram antes de nós. Mas chegou um tempo em que esse modo de pensar, agir e viver passou a ser visto pelo invasor como errado, como desculpa para não trabalharmos.
Diziam que não usávamos os nossos espaços, que toda a terra deste chão – à qual deram o nome de Brasil – era terra de ninguém. Mas havia, sim, milhares de pessoas aqui, cujas formas de viver, ensinar e cuidar vinham dos ensinamentos de Inguikãn Makiãm em sonho. Um modo de viver em espiral, em que tudo está interligado. Se não cuidarmos hoje, o amanhã pode não existir. Esse modo de ensinar e pensar vem sendo passado de geração para geração.
Nosso povo é de oralidade, de feitos, de sempre tirar ensinamentos e aprendizados das observações do mundo ao nosso redor. Aprendemos que tudo tem um propósito, que nada acontece por acaso. Se alguma coisa não for feita e cuidada, isso gera as consequências que enfrentamos no mundo atual.
Com as invasões que ocorreram em nossos territórios, muitos povos foram exilados. Parte do nosso povo foi extinta, e muitos foram expulsos de suas próprias terras. Entre essas famílias estava a do nosso irmão, Ailton Krenak. Quando expulsas, essas pessoas eram impedidas de retornar, sob ameaça de morte ou prisão. Foi por meio de um movimento liderado por nosso hoje Makiãm, Ailton Krenak – que chamou a atenção da nação para o que acontecia
“ Nosso povo é de oralidade, de feitos, de sempre tirar ensinamentos e aprendizados das observações do mundo ao nosso redor.”
Lidiane Krenak
com os povos indígenas na época –, que começamos a ganhar força para lutar pelo nosso território. Foi também a partir desse momento que ele pôde retornar e formar família na nossa terra sagrada, na Aldeia Krenak.
Makiãm Ailton Krenak é, para nós, um exemplo de guerreiro a ser seguido e lembrado. Ele carrega consigo o modo como os nossos Makiãm nos ensinam a ver e respeitar a Mãe Terra e a natureza. Aquilo que é visto pelo não indígena apenas como lucro ou algo sem vida, para nós é um ser vivente e parte de um ciclo que, se for quebrado, faz com que tudo desmorone. Pode até haver conserto, mas não será como antes. Suas obras nos fortalecem para continuar a nossa luta. Elas mostram ao não indígena que devemos respeitar o nosso mundo e que, se não repensarmos este lugar como um ser que precisa de cuidado, não iremos muito longe.
Como muitos parentes expulsos do seu território, Makiãm Ailton Krenak precisou se adequar ao mundo do não indígena para sobreviver. Depois, retornou à sua terra para ensinar aos mais novos – e ao mundo – a importância de respeitar nosso bem maior, que é a Mãe Terra. Mas nem tudo foram flores. Vieram os espinhos da não aceitação. Ainda hoje, muitos acreditam que nós, indígenas, não podemos estudar, nos formar, nos tornar doutores, como se isso nos fizesse deixar de ser quem somos.
Mas, dentro da aldeia, os mais velhos sempre nos orientaram a aprender a ler e escrever como os Kraí (não indígenas), porque essa era a arma deles. Por meio das palavras, seríamos ouvidos. Por meio das letras, mostraríamos quem somos e como pensamos. Nosso Makiãm aprendeu e levou essa batalha adiante. Consciente ou inconscientemente, ele está deixando um legado de aprendizado e luta para os guerreirinhos e guerreirinhas do mundo inteiro.
Quando a terra chama, o retorno é sagrado
Makiãm Ailton Krenak nos orgulha ao levar o nome do nosso povo ao mundo e mostrar o modo como o povo indígena cuida da vida e como a enxerga. Ele nos lembra de que nossos ancestrais previam o futuro ao cuidar do presente e, ao ensinar os mais novos nos moldes certos, garantiam uma vida segura no amanhã.
Nosso parente teve uma caminhada difícil, longe de sua terra. Aprendeu com os não indígenas, filtrou tudo com sua alma de guerreiro e transformou essa vivência em uma forma de luta, por seu povo e por muitos outros que, ao longo do processo de colonização, foram quase extintos no corpo e na memória. Memória essa que o nosso país insiste em não contar.
Makiãm Krenak fortalece essa história com suas publicações e suas narrativas. Ele soube pôr em prática tudo o que nossos mais velhos falavam em torno da fogueira. Ele perseverou. Dormiu em bancos de praça, comeu pão duro e marmitas frias com outros guerreiros e, ao lado deles, lutou pela demarcação do nosso território, para que nossos direitos fossem garantidos e respeitados.
Nunca esqueceu suas origens. Desde pequeno, mesmo vivendo em outra terra, jamais deixou de buscar suas raízes. Uma história dolorida, da qual tirou forças para retornar e lutar pelo chão que hoje pisa. Com o coração partido, ainda caminha até a beira do velho Uatu [nome dado pelos Krenak ao Rio Doce] para conversar com ele, ouvir no silêncio da alma as respostas que aliviam os males da vida e pedir direção para não errar no caminhar.
Assim é nosso povo Krenak e tantos outros povos: aprendendo com a sabedoria da natureza, dos rios, das aves, do vento, da chuva, da terra.
Ailton Krenak, Makiãm Krenak, leva adiante esse saber que herdamos dos mais velhos para garantir um futuro próspero às nossas crianças e uma vida digna aos nossos anciãos no presente, sempre aprendendo com quem veio antes de nós. Saberes como esses podem adiar o fim de tudo e ensinar, sempre, que o nosso amanhã nunca estará à venda.
Rerré, Makiãm Ailton Krenak. Rerré!
lidiane damaceno krenak é uma liderança indígena da etnia Krenak/Kaingang nascida e criada na Aldeia
Vanuíre, em São Paulo, da qual é cacica.
Museóloga e palestrante, foi curadora da exposição
Ató Jagí Burum Krenak. Leciona na Escola
Estadual Indígena Índia
Vanuíre, coordena o grupo de dança
Rhundhum Krenak
Vanuíre e é gestora do Museu Akãm Orãm
Krenak. Atua na luta pela educação escolar indígena e pelos direitos dos povos originários.
“Se não existisse a possibilidade da poesia, a gente já teria naufragado.”
Ailton Krenak
“Kren” quer dizer cabeça; “Nak”, terra. É dessa raiz, concreta e simbólica, que Ailton Krenak molda sua maneira de estar no mundo. Desde cedo, ele aprendeu que o pensamento pode vir do chão, de um gesto coletivo de pôr a cabeça na terra, de escutar com o corpo aquilo que muitos ainda chamam de natureza, mas que, para ele, é extensão do ser. A terra não está fora. Ela é casa.
A seguir, reunimos textos cultivados por Ailton nesse substrato, entre poesia e prosa. Os poemas são de dois tipos: alguns são inspirados na forma poética japonesa haicai e, como é comum nesse estilo, são breves, ligam-se à natureza e registram um momento e uma percepção; outros, mais longos, são marcados pela sonoridade e pelas imagens. Para além dos versos, trazemos também uma crônica, que mostra um Ailton atento aos movimentos e às sensações do cotidiano, em uma narrativa fluida.
A seleção sugere um pensamento que se recusa a separar o humano do planeta que o abriga. Traços, palavras, pausas: tudo respira junto. Para Ailton, a poesia não tem começo nem fim.
Ela nos atravessa, mesmo quando não conseguimos nomear o que sentimos. “A poesia faz contato com esse maravilhamento”, diz, lembrando que ela pode ser rito de cura e gesto de continuidade.
Veja a transcrição desta crônica nas páginas 52 e 53.
“O céu desaba como uma brincadeira...”
Transcrição da crônica sem título publicada nas páginas anteriores
Em grupos, eles passam, em fila indiana, passos apressados, inicialmente pelas soleiras das casas. Agora, já ocupam também o meio da rua, em leque, uma ao lado das outras, abraçadas, com suas blusas de malha coladas ao corpo, calças, bermuda, shorts, roupas sumárias, quase tangas. Elas.
Em grupos, correndo andando em passos de passeio tranquilo ou zanzando de bicicleta, cruzando pelas esquinas, descendo pelas ruas, muitas, todas elas desembocando na praça central, que vejo ao meu lado, de onde estou.
Eles passam. Rapasiada de adolescente, meninos, molecada. Alguns quase homens, outros marmanjos grandões, correm, brincam e mexem com os amigos em volta, todos num crescente de animação já movimentam todas as saídas de ruas que dão na praça, onde muita gente brinca, corre, quase dançam, numa alegria de crianças, de meninos e meninas.
As roupas grudadas ao corpo, com camisetas desenhando seios e bundas, as coxas e as pernas gostosas enxarcadas, os cabelos molhados, jogados
para trás, espalhados, formando raios de sombras com os giros de cabeça, pião girando. Raios, trovão, no meio da tarde tropical o céu desaba como uma brincadeira e eles saem para a chuva como num banho público, geral, uma praia ao contrário, no meio da rua, na praça, saudando o verão.
A água já sobra nas calçadas baixas, entra pelas portas e sentados nas cadeiras do bar de esquina levantamos os pés, e a conversa rola, mais ao lado no soalho alagado as pessoas repetem o gesto de deixar os pés submersos, sapateando na água...
Chuvão, cachoeira aberta sobre a cidade, ventania com reboliço de nuvens transfiguram o céu, formam seus igarapés e enchem os rios, sobem as águas do Moa, Juruá, enchem os roçados de barrancos e praias dos rios, passam os meninos e meninas todos levados pela torrente de vida líquida, mãe das águas, igapós extensos desta praça minuta, que vai ficando deserta agora que a chuva passou e só umas pequenas rajadas de chuvisco nos banha a cara ao vento.
E se a cidade voltasse a sonhar com a floresta?
Fizeram-nos crer que o progresso era pavimentado com asfalto e cercado de concreto, mas algo em nós ainda resiste, pulsa como raiz teimando em romper o cimento. Ailton Krenak propôs o conceito de florescidade para nos lembrar de que, antes de ruas e prédios, havia rio, chão, árvore. E de que a cidade não precisa ser o oposto da natureza, mas sua extensão viva. É uma ideia que propõe superar o abismo entre o ser humano e o meio ambiente, redesenhando os modos de estar e habitar o mundo.
Neste espaço da publicação, Moara Tupinambá, Renata Tupinambá e Daiara Tukano espalham palavras como quem planta. Cada texto é semente: memória, sonho, resistência e ancestralidade. São convites a reaprender o passo descalço, escutar os rios esquecidos e desenhar outros caminhos com os pés na terra e o coração voltado para a mata. Porque, antes de tudo, havia floresta. E havia semente.
Quando foi que nos afastamos de nós mesmos ao nascer e viver em cidades?
Moara Tupinambá
Quando foi que trocamos o barro dos pés pelo asfalto duro? Desde pequena, nunca deixei de andar descalça. Talvez esse hábito tenha nascido comigo, lá em Santarém (PA), quando a terra ainda era o primeiro lugar que eu pisava ao acordar. Hoje moro em São Paulo e, mesmo passando frio, continuo descalça dentro de casa.
Não é teimosia, é memória. É um gesto que me liga ao chão, como quem toca a terra para lembrar que ainda está vivo. É um costume antigo dos meus ancestrais: pisar com respeito, pisar suavemente, com escuta, com o corpo todo.
Percebi que muitos cidadãos, moradores das grandes cidades, não conseguem mais sentir a terra. Andam com os pés aprisionados em couro e cimento. Alguns vestem seus ternos e gravatas como armaduras. Outros nem sequer lembram que, por baixo do concreto, há solo, raiz, água e memória.
Quando caminho por São Paulo, fico em silêncio diante dos rios que foram soterrados. Cadê os igarapés, os lagos, as veias da cidade?
Em que momento começaram a enterrar os caminhos das águas?
Para a gente, o rio é parente. E todo rio tem mãe.
É à Mãe do Rio que pedimos licença antes de entrar. Era do rio que vínhamos: tomar banho, fazer a Piracaia1, brincar com os parentes, colher silêncio, preparar o Tarubá2. Assim me contam os meus velhos quando falam da nossa vivência junto das águas doces.
Lembremos que a Terra tem pulso. Seus pulsos batem como a batida do nosso coração. A ciência descobriu isso outro dia, mas nós sempre soubemos. Sabíamos porque a Terra é mãe, é Cy. É por isso que convido todos a abraçarem o conceito de florestania, que nos lembra de que a floresta é sujeito de direitos, e todos que nela habitam também – inclusive o invisível.
Precisamos da floresta. Ela é mãe. E nós também somos natureza.
E que possamos ir além: pensar em uma cidade que não apenas respeita a floresta, mas a integra. É o que os arquitetos conscientes estão chamando de floresticidade – floresta-cidade –, e que o papai grande Ailton Krenak tem invocado: uma cidade viva, onde o verde pulsa no lugar do asfalto, onde os rios e córregos não são enterrados, mas celebrados. Onde o planejamento urbano é feito com os pés na terra e o coração na mata.
Onde a floresta não é memória distante, mas presença viva no cotidiano urbano.
A cidade endurece quem esquece que veio da floresta. Mas nós não esquecemos. Nossos pés sabem o caminho de volta.
moara tupinambá é artista visual, comunicadora, curadora ativista e escritora. Em seu trabalho, mobiliza desenho, pintura, colagem, instalação, videoentrevista e fotografia para produzir cartografias da memória, identidade, ancestralidade e reafirmação Tupinambá na Amazônia. É autora do livro O sonho da Buya-Wasú.
notas
1. Fazer a piracaia é promover um encontro coletivo em torno de uma fogueira, onde se assa peixe como parte de um momento de confraternização ou celebração tradicional.
2. Tarubá é uma bebida fermentada tradicional de origem indígena amazônica, preparada à base de mandioca cozida. É típica de comunidades indígenas do oeste do Pará, onde costuma ser consumida em rituais, festas e momentos de convívio coletivo.
Cosmoflorestas e flores
Renata Tupinambá
A palavra “floresta” vem do latim forestis; não podemos falar de floresta sem falar das flores e do quanto sua existência em comunidade pode nos ensinar sobre a nossa própria forma de estar no mundo. Somos resultado da coletividade visível e invisível de cosmos e biomas além da materialidade. Os povos originários sempre trouxeram em seus saberes essa contribuição de que nada existe de forma isolada, conexões estão em tudo. É como uma dança química, física, espiritual, atômica, ancestral entre biomas, seres, oceanos, territórios, espécies, encantados, planetas, florestas, mundos, constelações e ondas acústicas imperceptíveis aos ouvidos humanos. Somos parte de uma vasta teia que tece sonhos frutos de câmaras de eco ancestrais em uma rede infinita de possibilidades e relações. Somos filhos da biodiversidade, netos das montanhas, dos rios, do fogo, corpos da terra. Nós, florestas caminhando e sementes de árvores antigas ainda de pé.
As abelhas, quando buscam o néctar de muitas flores, o fazem de modo coletivo e interdependente. O mel, resultado final desse processo, é o símbolo dessa colaboração entre espécies, em que a polinização é o ato de fazer circular a vida. Aprendemos que as raízes das árvores se comunicam por baixo da terra,
como uma rede de comunicação subterrânea das florestas. E os fungos formam tramas de filamentos que promovem o equilíbrio da floresta inteira ao se ajudarem mutuamente. A usurpação de recursos naturais sem limites e a tentativa de separar o homem da natureza trazem grandes atrasos para a humanidade.
Na floresta, a sobrevivência é cooperação, e não competição. Quando mergulhamos na circularidade de existir, conseguimos expandir nossa visão de forma horizontal para um todo que se complementa. Assim nasce a ideia de florestania. Pensar o conceito de cidadania para além dos humanos, trazendo também a natureza como um sujeito de direitos, e não como mero recurso. Nosso parente e pensador Ailton Krenak presenteia a todos com suas reflexões sobre essas temáticas. Como o ambientalista Chico Mendes e a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, ele contribui muito para pensarmos sobre uma cidadania ecológica que não existe sem justiça social. Florescidade nasce do pensamento de contracolonização urbana. Afirma que cidades podem ser harmoniosamente reintegradas à floresta.
O verso “flores nas encostas do cimento”, da música homônima composta por Marcelo Yuka e Maurício Pacheco, nos faz refletir sobre flores e sobre como, semelhantes à floresta, resistimos e florescemos, mesmo com o cimento urbano.
Florestas viraram cidades, grandes centros, trazendo poluição, violência, desigualdade social,
desequilíbrio – e mesmo assim a vida continua rompendo o concreto. E nós, como flores nas encostas, somos teimosos em nossa resistência, sempre prontos a florescer.
renata tupinambá é jornalista, roteirista, curadora, multiartista e produtora.
Aprender a ser floresta
Daiara Tukano
Ser floresta é uma ideia que passa por vários mo(vi)mentos, entre eles o de se compreender semente, aquela que vem de um fruto, que, por sua vez, veio de uma árvore, que está plantada e enraizada na terra.
Imaginar-se semente na terra também é abrir nossas cascas à umidade desse chão, regado a gotas de chuva, sangue, suor e lágrimas, e se permitir aos poucos enraizar para poder se nutrir do que o solo provê. Quem sabe assim conseguimos, devagar, levantar nossas ideias como pequenos brotos ao sol – esse sol de todas as cores –, continuar crescendo com a chuva e a terra, apreciar a passagem do tempo e balançar com o vento.
Floresta é um brotar coletivo que apenas é possível pela diversidade de vivências, na qual os tempos se encontram, se transformam, transpiram e respiram: lá onde tudo está em constante movimento; e, movendo-se, cria vento, torna-se nuvem, chove e rebrota.
Ser semente, ser fruto e ser semente: começo, meio e começo. E, sem perceber, já ser floresta, pois a florestania também é um estado de consciência.
Floresta é semente capaz de brotar em qualquer terreno, corpo, mente ou coração, pois onde há solo, chuva, sol, vento e memória também haverá a vida.
Florestar passa por estar flor, por se abrir ao sol e mergulhar nas cores da vida, compartilhar perfume e ser néctar. Entre as muitas sabedorias e mistérios da floresta também está o aprender com as borboletas e com tantos outros seres que, de flor em flor, ajudam a gerar frutos para que, por sua vez, os pássaros e os ventos possam ajudar a espalhar sementes.
Re.flor.estar é uma dança coletiva que envolve muitos sonhos e muitos seres, ventos e “sentipensamentos”.
Nuns dias acordo abelha, noutros passarinho. Já fui pedra no fundo do rio, andei nas nuvens, joguei-me no vento, acordei pincel, também sou tinta, deito no papel. Atravessam-me as memórias, meu coração é forjado pela batida de tantos outros, e o que brota de meu peito muitas vezes inunda meu olhar.
Por isso gosto de deitar nas cores, caminhar entre luz e sombra, dançar entre as formas. Cantando cores e contando histórias, vou cultivando também as velhas sementes dos sonhos dos nossos avós. É que, filhos da floresta, recebemos o legado de ser jardim e ao mesmo tempo jardineiros: basta olhar as mãos e o peito perceber que já temos todas as ferramentas para re.flor.estar.
daiara tukano
é artista, educadora e comunicadora.
Graduada em artes visuais e mestra em direitos humanos pela Universidade de Brasília (UnB), foi coordenadora da Rádio
Yandê, primeira web-rádio indígena do Brasil. Pesquisa a cultura, a espiritualidade e a religiosidade de seu povo, tratando de temas como o direito à memória.
Este livro, semente e rio
Inspirados na provocação de Ailton Krenak sobre incorporar a natureza no nosso cotidiano, incluímos nesta publicação um marca-páginas feito com sementes de rúcula. Plante um pouco destas páginas! A seguir, trazemos algumas recomendações sobre o cultivo dessa hortaliça.
Sugerimos que, quando o ciclo da sua relação com estas páginas for concluído, você as passe para outro leitor, seja deixando o livro em um lugar público, seja dando-o como presente. A leitura pode estar além da utilidade do ter: pode ser partilha.
Orientação de cultivo da rúcula
onde plantar
A rúcula pode ser cultivada em vasos, garrafas PET, canteiros, direto no solo ou em sistemas hidropônicos. Escolha um local com boa exposição ao sol (pelo menos seis horas por dia). Em locais sombreados, ela cresce mais devagar e com folhas menos saborosas. Caso opte por vasos, prefira os com furos de drenagem e coloque pedrinhas ou argila expandida no fundo para facilitar o escoamento da água.
preparo do solo
misture:
• 2 partes de terra vegetal;
• 1 parte de composto orgânico ou húmus de minhoca;
• 1 parte de areia grossa (para ajudar na drenagem).
A rúcula gosta de solo fértil e bem drenado.
plantio
• Faça sulcos rasos, com cerca de 1 centímetro de profundidade.
• Deixe 5 centímetros de espaço entre as sementes.
• Cubra com uma fina camada de terra e regue com cuidado (use borrifador ou regador com furos finos).
rega
• Regue de forma moderada, mantendo o solo sempre úmido, mas sem encharcá-lo.
• Ajuste a frequência conforme o clima, a temperatura e a incidência de sol no local.
colheita
• Realize a colheita entre 30 e 60 dias após o plantio, dependendo da época do ano.
• Evite que a planta entre na fase reprodutiva (pendoamento).
• Evite que surjam flores, pois as folhas podem ficar mais amargas.
Eduardo Saron comunicação institucional e estratégica
Gerência executiva
Ana de Fátima Sousa
Coordenação de estratégias
digitais e gestão de marca
Renato Corch
Edição de fotografia
André Seiti
Letícia Vieira
Redes sociais
Daniele Cavalcante (estagiária)
Jullyanna Salles
Coordenação de comunicação
institucional
Alan Albuquerque
Comunicação institucional
Caroline Sant’Ana
William Nunes
Eventos
Caroline Campos
Simoni Barbiellini
itaú cultural
Superintendência
Jader Rosa
curadorias e programação
artística
Gerência
Galiana Brasil
Coordenação de curadorias
Carlos Gomes
Pesquisa e produção executiva
Letícia Santos
Roberta Roque
Vinícius Murilo de Souza
(até abril de 2025)
Roteiro audiovisual
Roberta Roque
Coordenação de programação
artística
Natalia Souza
criação e plataformas
Gerência
André Furtado
Coordenação de criação
Carla Chagas
Coordenação de produção
Kety Fernandes Nassar
Captação de áudio
Ana Paula Fiorotto
Caio Neblina (terceirizado)
Captação de imagem
Natália Tupi (terceirizada)
Richner Allan
Captação de imagem e edição de videoguias
Karina Fogaça
Operação de drone FPV
Victor Yuri (terceirizado)
Edição e finalização de áudio
Ana Paula Fiorotto
Roteiro e edição de imagem
Richner Allan
Motion design
João R (terceirizado)
Produção audiovisual
Julia Sottili
Concepção de arte e produção de objetos
Julia Sottili
Interpretação em Libras
Ponte Acessibilidade (terceirizada)
Transcrição, revisão e sincronização de legendas
Alume Acessibilidade (terceirizada)
Audiodescrição
Iguale (terceirizada)
Edição e produção
de conteúdo
Duanne Ribeiro
Juliana Ribeiro
Stefany Silva (estagiária)
Projeto gráfico e comunicação
visual
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Produção editorial
Luciana Araripe
Produção gráfica
Lilia Góes (terceirizada)
Supervisão de revisão de texto
Tatiane Ivo
Revisão de texto
Karina Hambra
Rachel Reis (terceirizadas)
mediação cultural
Gerência
Tayná Menezes
Coordenação de mediação
cultural
Mayra Oi Saito
Equipe de atendimento
Fefa Ferreira
Matheus Paz
May Pardinho
Victor Soriano
Vinícius Magnun
Equipe do educativo
Ana Beatriz Carvalho
Bianca Martino
Edinho dos Santos
Edson Bismark
Gleice Kely
Julia Fernandes dos Santos
Matheus Maia
Monica Abreu Silva
Rafael de Oliveira
Vitor Narumi
informação e difusão digital
Gerência
Tânia Rodrigues
Coordenação de documentação
Felipe Albert
Digitalização
Talita Yokoyama
infraestrutura e produção
Gerência
Gilberto Labor
Coordenação de produção de exposições
Vinícius Ramos
Produção
Carlos Eduardo Ferreira
Carmen Fajardo
Iago Germano
Érica Pedrosa
Julia Frezza
Rodrigo Auba (estagiário)
Sarah Moreira (estagiária)
Savi Albuquerque
Wanderley Bispo artes visuais e acervo
Gerência
Sofia Fan
Coordenação de acervos
Edson Martins Cruz
Produção executiva
Angélica Pompílio
consultoria jurídica
Gerência
Julia Baptista Rosas
Coordenação
Daniel Lourenço
Advogados responsáveis
Mariana Alves dos Santos
Matheus Matos da Paz
agradecimentos
Academia Brasileira de Letras (ABL)
Aldeia Rio da Silveira
Andréia Schinasi
Anna Dantes
Carlos Papá
Casa de Cultura Tupinambá
Cipassé Xavante
Cris Takua
Davi Kopenawa
Eliane Potiguara
Hiromi Nagakura
Hutukara Associação Yanomami
Inimá Pappiani Lacerda
Instituto Socioambiental (ISA)
Jurandir Siridiwê Xavante
Lidiane Krenak
Madeleine Deschamps
Maíra Pappiani Lacerda
Mocidade Unida da Mooca
Naka Krenak
Ní Krenak
Noua Krenak
Renan Ribeiro
Severiá Idioriê
Terra Indígena Pimentel Barbosa/ Aldeia Etenhiritipá (MT)
Vinicius Murilo de Souza
O Itaú Cultural (IC) e a curadoria agradecem a todos os fotógrafos que cederam imagens e a todos os artistas, sucessores e colecionadores que autorizaram a exibição e emprestaram suas obras para a exposição.
Foram realizados todos os esforços para encontrar os detentores dos direitos autorais incidentes sobre as imagens/obras aqui expostas e publicadas, além das pessoas fotografadas. Caso alguém se reconheça ou identifique algum registro de sua autoria, solicitamos o contato pelo e-mail atendimento@itaucultural.org.br.
O IC integra a Fundação Itaú. Saiba mais em fundacaoitau.org.br.
nota sobre a tradução
Esta 70a Ocupação Itaú
Cultural, enriquecida pelo diálogo com Ailton
Krenak, ganhou um nome renovado: Men am-ním, que traduz o termo em português para o idioma
Krenak. Segundo Lidiane
Krenak, colaboradora desta publicação e responsável pela tradução, men am-ním significa “lugar conquistado, adquirido, ocupado.
Lugar onde quero estar para passar o saber”. Que esse ato possa ser mais uma celebração da cultura do povo Krenak.
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fundação Itaú | Itaú Cultural
Men am-ním Ailton Krenak / organizado por Itaú Cultural ; vários autores . - São Paulo : Itaú Cultural , 2025. il.: PDF ; 96 p.
Título em português: Ocupação Ailton Krenak
ISBN: 978-85-7979-197-0
1. Krenak, Ailton. 2. Literatura brasileira - Poesia. 3. Cultura indígena - Brasil. 4. Ética. 5. Natureza. I. Instituto Itaú Cultural. II. Fundação Itaú. III. Título.
CDD 304.2
Bibliotecário Fernando Galante Silva CRB-8/10536
ocupação ailton krenak visitação
de quarta-feira 3 de setembro a domingo 23 de novembro de 2025 terça a sábado, das 11h às 20h domingo e feriados, das 11h às 19h piso térreo | entrada gratuita
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