Caderno do Professor – Arte e Mobilização Política
ARTE E MOBILIZAÇÃO POLÍTICA
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Fundação Itaú | Itaú Cultural
Paladino, Luiza Mader. Arte e mobilização política / São Paulo : Itaú Cultural , 2025. (Cadernos do professor)
22 p. : PDF.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7979-202-1
1. Neuenschwander, Rivane. 2. Artes visuais. 3. Arte contemporânea. 4. Direitos humanos. 5. Movimentos sociais e arte. 6. Planos de aula. 7. Educação. I. Fundação Itaú. II. Itaú Cultural. III. Enciclopédia Itaú Cultural. IV. Título.
Esta sequência didática introduz fundamentos importantes para compreender as linguagens artísticas contemporâneas – como dissolução da autoria, participação, efemeridade, entre outras noções –, a partir das obras de Rivane Neuenschwander.
A produção dessa artista mineira possibilita dinâmicas colaborativas entre tópicos curriculares, levando em consideração o caráter interdisciplinar do campo das artes visuais. Por fim, busca-se estimular a sensibilidade e a capacidade inventiva do corpo discente, por meio de atividades práticas que exaltem o diálogo entre arte, memória, direitos humanos e consciência ecológica.
objetivos
• Introduzir elementos e categorias da arte contemporânea;
• Apresentar a obra de Rivane Neuenschwander;
• Desenvolver a leitura e a descrição de obras de Rivane Neuenschwander;
• Relacionar a obra de Rivane Neuenschwander com a produção artística contemporânea;
• Refletir sobre o diálogo entre arte, memória, direitos humanos e consciência ecológica;
• Produzir atividades práticas com base nas obras de Rivane Neuenschwander;
• Estabelecer dinâmicas colaborativas entre componentes curriculares.
áreas do conhecimento
Artes visuais, história, sociologia
segmento(s) e habilidades da BNCC
Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA) : EM13LGG302, EM13LGG304, EM13LGG305, EM13LGG601, EM13LGG602, EM13LGG603, EM13LGG604, EM13CHS502.
duração
De 4 a 5 aulas recursos necessários
• Projetor;
• Computador;
• Impressora;
• Lousa;
• Caneta de feltro;
• Caixa de som;
• Dispositivo com acesso à internet;
• Papel, cartolinas brancas e coloridas, tesoura, cola branca, cola quente, caneta hidrocor, pincel, tinta guache;
• Alfabeto em feltro;
• Suporte de madeira para cartazes.
São Paulo, 2025
1º
MOMENTO desenvolvimento
Primeiro contato com a artista
Inicie a aula perguntando aos estudantes se eles conhecem algum artista contemporâneo brasileiro ou estrangeiro. Escute as respostas e, se for o caso, comente brevemente sobre os artistas mencionados e questione quais atributos os tornam contemporâneos. Na sequência, esclareça que o objetivo desse primeiro encontro é introduzir elementos conceituais da arte contemporânea e apresentar a obra da artista Rivane Neuenschwander
Projete o vídeo sobre Rivane Neuenschwander, disponível no verbete da Enciclopédia Itaú Cultural, e peça aos alunos que anotem no caderno palavras-chave que considerem importantes e as eventuais dúvidas
Aproveite as anotações e perguntas para estabelecer um diálogo com a turma. Faça um mapa mental na lousa com as considerações feitas pelos estudantes, usando cores diferentes para diferenciar as dúvidas das observações. A partir das respostas e dos questionamentos compartilhados, amplie o diagrama com uma nova cor, inserindo componentes do processo artístico de Rivane, como os materiais ordinários que constituem muitas de suas obras – talco, sujeira, formiga, migalha de pão e fios de cabelo. Indague se alguém já viu trabalhos elaborados com elementos do cotidiano, que costumam não ter um valor artístico convencional (sobre este assunto, considere ler o Caderno do Professor Guto Lacaz: as dimensões do inusitado). Para reforçar a importância do emprego de materiais não tradicionais, apresente a obra Contingente (2008), um vídeo em que diversas formigas devoram um mapa-múndi feito de mel e alteram as fronteiras dos continentes até o completo desaparecimento do mapa. Pergunte se os alunos já viram obras como essa e destaque que o suporte selecionado pela artista está em consonância com a arte contemporânea, que não se restringe apenas a técnicas consagradas, como pintura e escultura.
Rivane Neuenschwander
Contingente, 2008
Vídeo
Frame do vídeo
Duração: 10’33”
Coleção particular
Lygia Pape
Caixa de formigas, 1967
Foto de Paula Pape
@ Projeto Lygia Pape
Para evidenciar o uso de insetos na prática contemporânea por outros artistas, considere mostrar a obra Caixa das Formigas (1967), de Lygia Pape. Na obra, parte de sua série de caixas produzidas no período, formigas saúvas eram mantidas vivas junto a um pedaço de carne em decomposição. A frase, “A Gula ou a Luxúria” presente junto a círculos concêntricos, sugere uma associação a objetificação feminina, temática explorada em outras obras da artista
A pluralidade de materiais e métodos experimentados torna a obra de Rivane complexa e multifacetada. Reduzi-la a classificações usuais da história da arte pode ser uma opção equivocada, conforme ensina a curadora e pesquisadora estadunidense Yasmil Raymond ao se referir à poética da mineira: “ela não é escultora, mas usa o material para entender a forma e o espaço. Não é pintora, mas cria superfícies gráficas que carregam sentido e que interagem com conceitos e imagens”.
Para aprofundar a conversa, leia o verbete sobre Rivane Neuenschwander, com ênfase no primeiro e no último parágrafo do texto, e amplie o mapa mental com novos tópicos: dissolução da autoria, parceria como estratégia poética e linguagens contemporâneas, como videoarte, instalação e fotografia artística Acrescente o item participação do outro, mencionado pela autora no vídeo, além de destacar os dados biográficos da artista. Assinale que uma das contribuições de Rivane para a arte contemporânea é o modo como a artista aborda os sentidos do corpo para além da primazia do olhar ao considerar o olfato e a audição, por exemplo. Rivane também trabalha os afetos, como medo, desejo, memória e esperança, para propor uma reflexão crítica sobre o tecido social e político do Brasil atual.
Para finalizar este primeiro momento, apresente as obras Eu desejo o seu desejo (2003) e Primeiro amor (2005/2021). Peça que a turma leia as legendas, com foco nos elementos centrais, como título, técnica, tamanho e ano. Reforce que, de modo geral, as informações nas legendas costumam dar pistas ao público sobre a poética e os conceitos que norteiam os artistas visuais. Para mediar essa proposta de leitura e entendimento dos trabalhos, faça algumas perguntas: há conexão entre as obras e as palavras-chave destacadas no mapa mental? Quais as principais diferenças entre os trabalhos? Quais foram os materiais e as técnicas empregados na produção da obra? Os títulos sugerem alguma informação relevante? Escute as respostas dos alunos e busque mediar os debates deflagrados pela produção de Rivane Neuenschwander, acentuando a parceria como estratégia poética nas duas obras apresentadas.
Em Primeiro amor, a autora conta com a colaboração de um artista forense e do público. Os visitantes são convidados a descrever para o profissional forense o rosto de seus primeiros amores. Embora a obra final seja um conjunto de desenhos, linguagem familiar ao público, a autoria manual dos trabalhos é
atribuída ao desenhista policial e não à Rivane. Em Eu desejo o seu desejo, uma instalação composta por fitas do Senhor do Bonfim, há a contribuição direta do público, já que a obra, segundo o curador Adriano Pedrosa, se expande “à medida que os visitantes podem levar as fitinhas impressas, amarrá-las em seus pulsos, e podem deixar em troca um papel com seu próprio desejo escrito, retroalimentando uma economia do presente”.
Rivane Neuenschwander
Eu desejo o seu desejo, 2003 Vista da instalação
Cortesia da Artista
Rivane Neuenschwander
Meu primeiro amor, 2005-2021
Cortesia da artista e Fortes
D’Aloia & Gabriel, São Paulo/ Rio de Janeiro; Stephen Friedman Gallery, Londres; Tanya Bonakdar Gallery, Nova Iorque.
Linhagens e afinidades na arte contemporânea
Relembre os temas mais relevantes abordados no primeiro momento, resgatando as palavras-chave do mapa mental. À medida que os estudantes se recordarem dos pontos debatidos, ressalte a centralidade do termo arte contemporânea para o entendimento da produção de Rivane Neuenschwander e de outros artistas de sua geração. Para aprofundar o debate, leia o verbete sobre arte contemporânea, com foco no primeiro parágrafo
Do mesmo modo com que as demarcações cartográficas são alteradas por insetos, como no vídeo Contingente, Rivane também embaralha as fronteiras da arte, seguindo uma tradição de redefinição da prática artística, que pode ser encontrada, por exemplo, nas proposições de Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape. Para esses dois artistas ligados ao neoconcretismo, a noção de espaço coletivo contribuiu para a ênfase sensorial da atividade participativa.
Faça duas linhas do tempo na lousa, uma para os movimentos internacionais e, a outra, para os nacionais. Para cada uma delas, explore marcos temporais importantes entre os anos de 1950 e 1980, com destaque para o dadaísmo como pontapé inicial, especialmente para o ready-made, nome dado aos objetos criados pelo artista francês Marcel Duchamp na década de 1910. Nessa linha internacional, destaque também a arte pop, o minimalismo, a arte conceitual, o happening e a art povera. Na linha do tempo nacional, destaque o neoconcretismo, a neofiguração, a arte ambiente e a arte conceitual
Assinale que em ambas as linhas do tempo há outros movimentos importantes, mas foram selecionadas as linhagens mais expressivas para entender a obra de Rivane. Mencione também que a pluralidade dos trabalhos da artista dificulta a classificação em qualquer um desses movimentos, ainda que seja possível traçar algum nível de parentesco das obras dela com essas referências artísticas. Se for necessário, aprofunde cada movimento a partir dos verbetes da Enciclopédia Itaú Cultural. Explique que o ponto comum entre todos esses movimentos, ao longo de 30 anos, é a noção de ruptura com o legado moderno da arte, amparado na ideia de obra única e permanente, bem como de autoria individual e de destreza manual do artista.
Para exemplificar o debate, confronte as obras Mestiço (1934), de Candido Portinari , e Divisor (1968), de Lygia Pape. Pergunte o que há de diferente entre ambas, a partir das informações da legenda. Destaque que a pintura de
Portinari condensa os parâmetros da arte moderna descritos anteriormente: é possível identificar a técnica e os elementos formais da pintura como uma obra permanente, de autoria individual, que pode ser vista na Pinacoteca de São Paulo Questione se a obra de Pape pode ser exposta em uma parede, tal qual a de Portinari. Proponha uma reflexão sobre o aspecto efêmero e experimental desencadeado pelas mídias contemporâneas, como videoarte, performances, intervenções urbanas, instalações, filmes e outros procedimentos que passaram a envolver o corpo do artista e o corpo do espectador. Sobre as proposições contemporâneas, o crítico de arte Mário Pedrosa diz que “a arte é o exercício experimental da liberdade”. Por esse viés, evidencie a noção de liberdade vivenciada pelos artistas, bem como a livre experimentação e a expansão do campo da visualidade moderna. No caso, o Divisor, de Pape, só é ativado com a integração de participantes que formam uma espécie de corpo coletivo. Esse procedimento é caro ao movimento neoconcreto brasileiro, cujos princípios são retomados por Rivane, quando a artista retira a condição de passividade do espectador, integrando-o à obra.
Candido Portinari
Mestiço, 1934
Óleo sobre tela, c.i.d. 81,00 cm x 65,00 cm
Foto de Autoria desconhecida Acervo Pinacoteca de São Paulo (Pina_)
Eu desejo o seu desejo, 2003
Detalhe da instalação
Cortesia da Artista
Para realçar o aspecto relacional entre as vertentes neoconcretas e a produção de Rivane, recupere a obra Eu desejo o seu desejo, assinalando a dimensão participativa do público, convidado pela artista para compor a obra coletiva a partir de desejos individuais. Pergunte aos alunos se eles conhecem a tradição religiosa e popular em que devotos amarram no gradil da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, Bahia, milhares de fitas com os dizeres “Lembrança do Senhor do Bonfim”, como expressão de fé e devoção. Aproveite para mostrar fotos e vídeos da Festa do Senhor do Bonfim
Lygia Pape Divisor, 1968.
Rivane Neuenschwander
Arte, reparação e direitos humanos
Relembre os principais pontos debatidos nas etapas anteriores. Depois dessa conversa inicial, apresente algumas obras realizadas pela artista Rivane Neuenschwander depois da pandemia de covid-19, como Nunca mais Brasil (2023) e V.G.T. (Ame-o ou deixe-o) (2023). Aplique o método de leitura das informações oferecidas pela legenda. O que os títulos dessas obras podem nos dizer sobre a história política recente do Brasil? Pergunte se os estudantes já ouviram falar do slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o” e introduza o tema da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Saliente que parte da produção de Rivane busca detectar no presente os resquícios do aparato autoritário desse período ditatorial. Explique que o título de ambos os trabalhos se conectam com a ditadura, como Nunca mais Brasil, uma colcha de retalhos em que monstros e criaturas que habitam o universo do medo infantil margeiam palavras embaralhadas. Peça à turma que identifique os nomes escritos na colcha e, depois, explique que eles remetem aos centros de detenção e tortura que se espalharam por todo o território brasileiro durante a ditadura. A dificuldade de reconhecer as palavras costuradas revelam como o apagamento da memória é nocivo para a compreensão do passado e gera inúmeros impasses no presente.
Rivane Neuenschwander
A.E (Nunca mais Brasil), 2023 acrílica, algodão e feltro 170 × 170 cm
Foto de Eduardo Ortega Coleção Marcelino Rafart de Seras
Rivane Neuenschwander
V.G.T. (Ame-o ou deixe-o), 2023
Foto de Eduardo Ortega Coleção Particular
Peça aos alunos que pesquisem sobre o projeto “Brasil: Nunca Mais” e identifiquem vínculos dessa iniciativa da sociedade civil com a obra de Rivane. Depois de a turma compartilhar as informações encontradas, destaque a importância desse projeto que, entre 1979 a 1985, reuniu e sistematizou em um livro as informações sobre atentados aos direitos humanos realizados pelas autoridades militares. No prefácio da obra, assinado por Philip Potter, o teólogo dominicano aponta que “a tortura é o crime mais cruel e bárbaro contra a pessoa humana. […] A lógica disso é o fenômeno do nosso tempo em que pessoas desaparecem como se jamais tivessem existido”.
Rivane Neuenschwander nasceu em 1967, ano de recrudescimento da estrutura repressiva que teve início três anos antes, com o apoio dos Estados Unidos. O golpe de Estado de 1964 chancelou a entrada dos militares na condução da vida política do país pelas duas décadas seguintes. Naquele contexto turbulento da Guerra Fria, o continente latino-americano tornou-se um território em disputa, e o discurso anticomunista se propagou por diversos países. Explique que ao longo de vinte anos, a configuração burocrática e ideológica da ditadura aperfeiçoou a engrenagem autoritária com medidas conhecidas como Ato Institucional (AI). Esses decretos aboliram os partidos políticos, as eleições livres e restringiram direitos e garantias dos cidadãos.
Explique aos alunos que uma das estratégias de desarticulação cultural durante a ditadura se deu por meio de perseguição, censura e prisão de inúmeros artistas. Por causa dessa atmosfera repressiva, importantes referências do pensamento social e artístico brasileiro buscaram o exílio, dispersando parte significativa da produção crítica local. Os artistas que permaneceram no País, como o designer e poeta Rogério Duarte, nome incontornável da Tropicália,
e o artista plástico Carlos Zílio foram presos e torturados. Durante o período em que esteve confinado, Zílio produziu uma espécie de diário do cárcere, com desenhos que testemunhavam a privação de direitos e de liberdade. Mostre a pintura Atenção (1973) e peça à turma que estabeleça uma analogia com o momento histórico em que foi produzida. Explique que a obra, produzida após a prisão, exprime o vocabulário da neofiguração, na redução tonal e na simplificação das formas, e revela um instrumento de tortura depois do uso, sugerido pela cor vermelha.
A arte é um campo privilegiado para o fortalecimento de políticas de memória, por meio do compromisso ético e estético assumido pelos artistas. Como atividade complementar, amparada nos debates desencadeados pela obra de Rivane Neuenschwander, proponha um cineclube temático sobre a ditadura civil-militar no Brasil e na América Latina, com a presença de alunos e docentes de outras disciplinas. Há diversos filmes e documentários importantes sobre esse tema: A história oficial (1985), de Luis Puenzo; Batismo de sangue (2006), de Helvécio Ratton; O ano em que meus pais saíram de férias (2006), de Cao Hamburger; O dia que durou 21 anos (2012), de Camilo Galli Tavares; Argentina, 1985 (2022), de Santiago Mitre; e Ainda estou aqui (2024), de Walter Salles.
Carlos Zilio Atenção, 1973 Vinícula sobre tela 140,00 cm x 100,00 cm Foto de João L. Musa acervo Banco Itaú
Rivane Neuenschwander e Mariana Lacerda
Manifestação do Grupo Reviravolta de Gaia, 2021 Coleção Particular Foto de Isadora Fonseca
4º MOMENTO
Reviravolta de Gaia
Comece o momento apresentando a obra Eu sou uma arara (2023), de Rivane Neuenschwander e da cineasta Mariana Lacerda Mostre à turma algumas imagens dessas manifestações realizadas entre 2021 e 2022 pelo coletivo Floresta de Cristal, que depois se tornou Reviravolta de Gaia. O filme registra a infiltração de pessoas caracterizadas de seres da floresta em manifestações convocadas por movimentos sociais. Essa intervenção artística altera significativamente a paisagem convencional desses atos públicos, pois manifestantes fantasiados de tamanduá, boto-cor-de-rosa, onça e outros animais se integram à multidão e ressignificam o léxico político com novas palavras de ordem, como é possível observar nas imagens. Inicie o debate com uma reflexão sobre o deslocamento da ação artística dos espaços tradicionais, como os museus, para a esfera da vida cotidiana. Enfatize que a relação intrínseca entre esses espaços públicos e a arte tem mobilizado a produção de artistas e intelectuais desde a década de 1960. Além disso, assinale a parceria colaborativa entre a artista e outros participantes, que tornaram possível essa ação. Antes de introduzir o tema e as preocupações que embasam o filme Eu sou uma arara, apresente algumas obras que enfatizam os vínculos entre arte e política. Comente que as décadas de 1960 e 1970 são um período-chave para compreender essa aproximação. A interlocução entre a rua e a ideia do povo como força motriz das transformações sociais tem tradição na arte produzida
em países latino-americanos que, não por acaso, sofreram com sucessivos golpes de Estado nessa época.
Exiba a obra têxtil Marcha por la verdad y la justicia (1990-2012), produzida por bordadeiras de Isla Negra, região costeira do Chile. Converse com os alunos sobre a chamada arpillera, técnica popular de bordado usada para narrar o cotidiano de luta e resistência de mulheres cujos familiares foram presos e desaparecidos pela ditadura chilena.
No contexto brasileiro, apresente duas imagens emblemáticas de manifestações políticas: Passeata dos Cem Mil (1968), do fotógrafo Evandro Teixeira, e Manifestação organizada pelo Movimento Negro Unificado (1978), do fotojornalista Luiz Paulo Lima. Essas fotos enfatizam o entrelaçamento entre a arte e a tomada das ruas em prol da democracia. Reforce as palavras de ordem dos cartazes e proponha aos alunos algumas questões: como a artista Rivane Neuenschwander recupera esse legado, atualizando essa aproximação com as forças do presente? Quais são as confluências entre as manifestações conduzidas pelo grupo Reviravolta de Gaia e as lutas históricas de libertação contra a ditadura e contra o racismo?
Aprofunde a reflexão sobre a obra Eu sou uma arara propondo uma leitura detalhada das palavras de ordem que os seres da floresta apresentam. Pergunte aos alunos se eles conhecem alguma demanda dos manifestantes e introduza uma das pautas levantadas por Neuenschwander e Lacerda, como a luta contra o projeto de lei conhecido como “PL do Marco Temporal” (PL 490/2007).
Evandro Teixeira
Passeata dos Cem Mil, 1968
Cinelândia, Rio de Janeiro
Acervo IMS
Peça que a turma faça uma breve pesquisa sobre o tema e conduza o debate sobre esse projeto, que restringe a demarcação de terras indígenas aos territórios que estavam ocupados antes da promulgação da Constituição Federal Brasileira em 1988. Alguns grupos da sociedade civil consideram essa lei inconstitucional, pois os povos originários habitam as terras brasileiras antes mesmo do período de invasão e colonização portuguesa.
As disputas em torno do Marco Temporal estimularam a formação do grupo Reviravolta de Gaia, com a presença de artistas, intelectuais e membros da sociedade civil durante a pandemia de covid-19, período de vulnerabilidade, sobretudo, das comunidades indígenas. O desmatamento da Amazônia e a política extrativista predatória foram alguns dos catalisadores da tragédia humanitária em aldeias e territórios demarcados. Foi nesse contexto de denúncia do genocídio indígena que, segundo a jornalista Lisette Lagnado, “os biomas saíram em bloco: cavalo-marinho, onça, água-viva, vitória-régia”, e se deslocaram da floresta para os centros urbanos, como a avenida Paulista, na cidade de São Paulo. Para o coletivo Reviravolta de Gaia, a opção ecológica é também uma postura ética que não está dissociada da reflexão sobre racismo ambiental e desigualdade econômica e social, pois as opressões operam de forma integrada e é urgente criar medidas para combatê-las em conjunto.
Pergunte aos estudantes se eles sabem o que significa racismo ambiental. Aproveite a discussão para explicar como a degradação ambiental e as mudanças climáticas afetam as comunidades mais vulneráveis, como as de favelas e de periferias, onde a presença negra costuma ser majoritária.
Para finalizar o debate, proponha uma atividade amparada no potencial ético e estético das manifestações de rua, a partir da obra Eu sou uma arara. Divida a turma em grupos e distribua cartolinas brancas e coloridas, caneta hidrocor, pincel, tinta guache, alfabeto em feltro, tesoura, cola branca, cola quente e um suporte de madeira. Mobilize alguns temas norteadores – como racismo ambiental, genocídio indígena, desmatamento, mudanças climáticas, entre outras pautas que despertaram o interesse dos alunos – e peça que os grupos criem cartazes para uma manifestação hipotética.
Explique que os cartazes podem ser feitos em fundo branco ou colorido e que devem divulgar uma causa por meio de palavras de ordem de fácil assimilação. Solicite que cada grupo apresente seus cartazes e pontuem quais foram as pautas escolhidas. Estimule a troca e a reflexão sobre os trabalhos e, ao fim das apresentações, peça que os alunos exponham os cartazes pelos espaços da escola, fomentando uma aprendizagem inventiva, crítica e cidadã. Esta atividade pode ter continuidade em uma próxima aula.
reflexão final
Essa sequência didática permite investigar criticamente elementos da arte contemporânea a partir de obras da artista Rivane Neuenschwander. Esses trabalhos nos convidam a refletir sobre os impasses do presente, a partir do resgate de memórias silenciadas no passado. Essa proposta pode ser ampliada, convidando os alunos a pesquisarem diversas outras obras da artista que também suscitam questionamentos de ordem política e estética.
sugestões complementares
Para ampliar o conhecimento dos alunos sobre a diversidade cultural, linguística e política das comunidades indígenas, apresente alguns filmes e documentários que integram o acervo da Itaú Cultural Play, como Águas que tocam (2022), de Juraci Júnior, Ava Yvy Vera – A terra do povo do raio (2016), de Genito Gomes, e Serras da desordem (2006), de Andrea Tonacci
referências
LACERDA, Mariana; NEUENSCHWANDER, Rivane. Reviravolta de Gaia. Rio de Janeiro: Cobogó, 2023.
LAGNADO, Lisette. Perder o medo do medo. In: LACERDA, Mariana; NEUENSCHWANDER, Rivane. Reviravolta de Gaia. Rio de Janeiro: Cobogó, 2023.
MIYADA, Paulo (Org.). AI-5 50 anos: ainda não terminou de acabar. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2019.
PEDROSA, Adriano. Rivane Neuenschwander – mal-entendidos. Milú Villela (Apresentação); Curadoria Adriano Pedrosa. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2014. Exposição realizada no período de 2 set. a 14 dez. 2014.
POTTER, Philip. Prefácio do ex-Secretário Geral do Conselho Mundial das Igrejas. In: Brasil: nunca mais. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
YASMIL, Raymond. O princípio circular de Rivane Neuenschwander. In: NEUENSCHWANDER, Rivane. Um dia como outro qualquer – Rivane Neuenschwander. Rio de Janeiro: Cobogó, 2010.
Vídeos
CONHEÇA a história da fitinha do Bonfim. Brasília: TV Brasil, 2017. Disponível em: https://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/bloco/conheca-a-historia-dafitinha-do-bonfim. Acesso em: 11 abr. 2025..