Crítica em Movimento \ O vão entre a crítica e o circo

Page 1

2

crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

1


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Memória e Pesquisa | Itaú Cultural Crítica em movimento: o vão entre a crítica e o circo / organização Itaú Cultural; [textos Valmir Santos, Alice Viveiros de Castro, Fátima Pontes, Daniel de Carvalho Lopes e Erminia Silva]. - São Paulo : Itaú Cultural, 2021. - (Crítica em movimento ; 2) 931 Kb ; PDF ISBN 978-65-88878-08-8 1. Crítica. 2. Artes da cena. 3. Teatro. 4. Dança. 5. Circo. I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 792.015 Bibliotecário Jonathan de Brito Faria - CRB-8/8697

2


PT

Transformações da prática e do pensar crítico Valmir Santos

__ 4

Exercício de acrobacia mental: crítica, estética e circo Alice Viveiros de Castro

__ 10

“O vão entre a crítica e o circo”: __ 20 uma história cheia de percalços! Fátima Pontes Respeitável público: falem bem, __ 40 falem mal, mas falem de mim Daniel de Carvalho Lopes Erminia Silva Endereços na internet

__ 56

Ficha técnica

__ 58

Versión en español

__ 60

3


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Transformações da prática e do pensar crítico 1. Jornalista, crítico e cocurador do Crítica em Movimento. Idealizador e editor do site Teatrojornal – Leituras de Cena desde 2010. É doutorando em artes cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou mestrado na mesma área.

Valmir Santos1

A fortuna crítica de uma obra corresponde ao campo de pensamento que ela instaurou quando veio a público editada, gravada, filmada, esculpida, pintada, apresentada ou performada. Os oito cadernos concebidos especialmente para a quarta jornada Crítica em Movimento desejam inverter um pouco essa expectativa ao articular 24 textos no âmbito justamente do fazer crítico. São visões heterogêneas do que consiste e de como se desdobra em criações em circo, dança e teatro, com variantes para intervenção e performance. Sabemos o quanto as circunstâncias históricas, sociopolíticas e culturais envolvem praticantes e partícipes, artistas, pesquisadores e, claro, espectadores-leitores. Realizado anualmente desde 2017 pelo Itaú Cultural (IC), o ciclo de debates discute a recepção das artes da cena e o imprescindível diálogo entre públicos, criadores e críticos. Em 2021, neste periclitante contexto da pandemia, o estímulo ao pensamento contorna a impossibilidade do encontro presencial por meio da veiculação de conteúdos reflexivos em texto e podcast. Além de ampliar o acesso, busca-se perenizar as discussões das três edições passadas, que abordaram a prática da crítica à luz de problemas desse ofício e contaram com a apresentação de espetáculos. Entre as pautas abarcadas estavam a precarização do trabalho no âmbito do jornal impresso e a busca pela sustentabilidade em contraponto ao mero diletantismo; o consistente avanço da análise na internet com ganas de reinvenção de estilo; e a adoção de novos procedimentos e de ideias consonantes com os estudos universitários e a inquietude da cena brasileira contemporânea. Também foram abordadas as realidades sociais de sujeitos colocados à margem e ancorados na dramaturgia de Plínio Marcos, bem como um recorte latino-americano e caribenho com obras e reflexões de representantes da Argentina, do Chile e de Cuba. Dado o insólito cenário do ano anterior, marcado pela irrupção global do novo coronavírus, uma das alternativas foi elaborar uma publicação on-li-

4


\editorial

ne, com oito itinerários de escritas realizados por 25 pessoas do universo das artes da cena. Cada volume enfeixa três análises estimuladas pelos seguintes motes: 1) o papel da crítica de teatro no Brasil – do jornal impresso à plataforma digital; 2) o vão entre a crítica e o circo; 3) estados da crítica de dança; 4) espaços digitais empenhados em artes cênicas; 5) a dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua; 6) a cena engajada no contexto contemporâneo; 7) teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil; e 8) panorama do teatro latino-americano visto da ponte. Neste segundo caderno, portanto, você percorre o tema “O vão entre a crítica e o circo”, explorado por artistas e pesquisadores de Pernambuco e São Paulo afeitos às artes circenses. Coordenadora-executiva da Escola Pernambucana de Circo (PE) – uma das referências nacionais em pedagogia do circo social, fundada em 1985 e sediada no bairro da Macaxeira, no Recife –, Fátima Pontes admite que há muita gente pesquisando e escrevendo sobre as artes circenses atualmente, mas pouco se sabe a respeito da crítica dos respectivos espetáculos. Por isso, ela se pergunta como deve se sentir uma pessoa especializada em artes e cultura ao escrever sobre as artes circenses de forma crítica. Seria necessário ter especialização para tanto? “Pergunto isso porque não é fácil transcrever para o papel todas as questões relacionadas às artes circenses presentes num espetáculo, num número, numa performance. Como trazer para a escrita crítica tudo aquilo que comecei falando sobre as artes circenses? Como falar sobre a destreza do artista, a estética do espetáculo, os figurinos, as músicas? É possível diferenciar o circo contemporâneo e o itinerante/tradicional daquele que é feito nos projetos de circo social, que tem nas suas trupes a forma de expressar o seu trabalho pedagógico com crianças, adolescentes e jovens? Como analisar criticamente um artista circense da nova geração, que tem acesso a muita informação e tecnologia, ao lado dos artistas mais velhos, que se mantêm com seus números e espetáculos cheios de tradições?” Provocadora, Fátima é também artista do picadeiro, e reflete sobre seus primeiros anos de vida e a condição de espectadora que a levou a tomar gosto pelo ofício artístico e se tornar uma formadora.

5


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Após pinçar do dicionário palavras-chave como “crítica”, “estética”, “acrobacia” e “arte”, a atriz e especialista em circo Alice Viveiros de Castro (SP) declara, com bom humor e inteligência: “Sou acrobata mental. Penso o circo, salto e me equilibro tentando conhecer a história das artes circenses e o papel que elas têm na nossa sociedade. São milênios de acrobacias em todas as culturas, em todos os tempos. Descobri que era impossível lutar pela valorização das artes circenses sem conhecer sua história e seus personagens. Acrobata mental, muito prazer”. Em sua opinião, não é possível ter uma visão crítica quando não se conhece a história de uma arte nem as diferenças estéticas com que ela se desenvolve. “Nas últimas décadas do século passado o circo viveu um período de revolução estética muito importante. Infelizmente, a falta de conhecimento sobre as artes circenses criou equívocos que ressoam até hoje. A França chamou o movimento de ‘novo circo’. Isso transformaria os que tinham outro tipo de espetáculo em ‘velho circo’? No Brasil, a ignorância absoluta dos nossos jornalistas fez com que espetáculos que se identificavam com essa experiência estética fossem tratados como teatro. E é circo, tudo circo! Quem é capaz de realizar proezas que desafiam a gravidade é circense. A ignorância irrita”, confessa Alice, dando seu testemunho de como viu surgirem a carioca Intrépida Trupe, em 1986, e toda uma coleção de equívocos que atribui a parte da imprensa – seja por não reconhecer o talento circense nato do “grupo capaz de fazer proezas de alto nível”, seja por cair em tergiversações, como “grupo de teatro e dança que utiliza técnicas circenses”. Ao comentarem a respeito do circo no Brasil do século XIX e de sua difusão sob o regime do Império, a professora e pesquisadora Erminia Silva e o pesquisador Daniel de Carvalho Lopes, ambos do site Circonteúdo (SP), permitem um contraste com a realidade do século XXI. Naquele período, essa arte constituía “uma das formas mais frequentes e atrativas de divertimento para a sociedade, reunindo os mais variados grupos sociais. Ao longo dos anos 1800, centenas de companhias viajavam por todo o país, vindas de turnês por outros continentes”, conforme os autores. “Esses diversos circos, cada um com uma maneira própria de produzir e organizar seus espetáculos, se relacionaram intensamente com a vida so-

6


\editorial Transformações da prática e do pensar crítico

cial e urbana do período e, consequentemente, receberam ‘enxurradas’ de público – termo comum nos jornais para tratar do sucesso que algumas companhias estavam obtendo na época. Por causa de suas atrações e de sua magnitude (muitos circos possuíam dezenas de animais e artistas e mesmo navios próprios para o transporte da companhia, como o Circo Grande Oceano), assim como por mobilizarem o imaginário de homens, mulheres e crianças de mil maneiras, foram também tema de ‘enxurradas’ de crônicas, críticas, notas, sátiras e charges de praticamente todas as produções bibliográficas da época, principalmente as jornalísticas”, recapitulam Erminia e Lopes. E ainda situam: “Assim, como podemos observar por meio dos exemplos aqui apresentados, os espetáculos circenses, seus artistas e suas realizações no Brasil ao longo do século XIX e, claro, no início do século XX foram frequentemente contemplados por parte da imprensa e da crítica em diversificadas publicações. Falaram bem, falaram mal, mas sempre falaram do circo. Diante da multiplicidade das produções circenses e de sua permanente reinvenção, o circo sempre esteve sob os holofotes da opinião pública e estampado nas páginas de jornais, revistas, folhetins e até mesmo em publicações voltadas para a educação ou a produção cultural artística”. Os demais escritos presentes na publicação on-line são assinados pela atriz Alice Guimarães, do Teatro de Los Andes (Bolívia); pelo encenador Altemar Di Monteiro, do grupo Nóis de Teatro (CE); pelo artista-pesquisador e professor chileno radicado em Fortaleza Héctor Briones (CE); pela docente, produtora e gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); pela atriz e pesquisadora teatral Camila Scudeler (Colômbia); pelo jornalista e crítico de dança Carlinhos Santos (RS); pelo artista transdisciplinar e crítico de dança Daniel Fagus Kairoz (SP); pelo ator e crítico de teatro Diogo Spinelli, do site Farofa Crítica (RN); pelo ator, diretor e professor de teatro Edson Fernando, do site Tribuna do Cretino (PA); pelo ator e diretor Fernando Cruz, do Teatro Imaginário Maracangalha (MS); pela jornalista e crítica de teatro Ivana Moura, do blog Satisfeita, Yolanda? (PE); pelo ator e pesquisador teatral Lindolfo Amaral, do Grupo Imbuaça (SE); pelo diretor Luis Alonso-Aude, do grupo Oco Teatro Laboratório e do Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia (FilteBahia/BA); pelo pedagogo, crítico de teatro e pesquisador Luvel García Leyva (Cuba); pela atuadora e pesquisadora Marta Haas,

7


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS); pela atriz e agitadora cultural Nena Inoue (PR); pela diretora e dramaturga Fernanda Júlia Onisajé, do Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (BA); pela jornalista e crítica de teatro Pollyanna Diniz, do blog Satisfeita, Yolanda? (PE); pelo crítico de teatro e jornalista Macksen Luiz (RJ), atuante no Jornal do Brasil (1982-2010), colaborador de O Globo (2014-2018) e criador de um blog de críticas com seu nome (2011); pela pesquisadora em dança, bailarina e professora Rosa Primo (CE); e pela artista-pesquisadora e professora Walmeri Ribeiro, do projeto Territórios Sensíveis (RJ). Como se vê e se lê, é uma produção textual que se pretende geográfica e ideologicamente não hegemônica. Ela se derrama sobre o fazer crítico, suas potências e seus impasses nesta quadra da história do Brasil, em que as já insuficientes políticas públicas para as artes e a cultura enfrentam ataques beligerantes. Escuta ativa Em simbiose com os cadernos, o podcast Crítica em Movimento chama o público em geral a ativar a escuta reflexiva por meio de cinco episódios. Cada um deles traz uma pergunta para os convidados. No primeiro, Macksen Luiz e a crítica de teatro, pesquisadora e artista Daniele Avila Small, da Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais, ambos atuantes no Rio de Janeiro e de distintas gerações, respondem à pergunta: “Quais são os enfrentamentos da prática da crítica de teatro hoje?”. O tópico perpassa a precarização do trabalho remunerado, a migração do fazer crítico para a internet e como expandir a conversa com públicos, artistas e gestores culturais, com mediação do jornalista e crítico de teatro que escreve estas linhas. No segundo episódio, a pesquisadora, artista e docente Lourdes Macena (CE) e o ator e diretor Rogério Tarifa (SP) se dedicam à questão: “Como a crítica se relaciona com a noção do popular nas artes cênicas?”. Com mediação do pesquisador e professor Diógenes Maciel (PB), é um diálogo acerca da recepção de expressões culturais emanadas do povo, muitas vezes em oposição ao conhecimento formal, às normas e às ambições dos poderes políticos e econômicos em jogo na sociedade.

8


\editorial Transformações da prática e do pensar crítico

“Qual é a percepção de quem cria a respeito do trabalho da crítica?” – eis o ponto do terceiro episódio. Para respondê-lo, foram ouvidos artistas de coletivos cênicos dos mais longevos do país: Tânia Farias, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), fundada em 1978, e o dramaturgo e diretor Edyr Augusto Proença, do Grupo Cuíra (PA), formado em 1982. A mediá-los, a pesquisadora, performer e jornalista Maria Fernanda Vomero (SP). Essa triangulação vai sondar como as suas respectivas criações são miradas por quem escreve crítica em suas regiões ou para além delas, uma vez que as realidades social, política e econômica do Brasil apresentam contrastes e convergências. A pesquisadora e docente Walmeri Ribeiro (RJ) e o ator Pedro Wagner, do Grupo Magiluth (PE), ruminam sobre como exercer olhares e escutas a partir da cena remota. A crítica de teatro e jornalista Luciana Romagnolli, editora do site Horizonte da Cena (MG), medeia os desafios da análise diante dos procedimentos artísticos que emergem dos tempos atuais e abrem precedentes para uma nova ideia de presença e corpo mediado. Por fim, o último episódio discute qual é o lugar da resistência na formação da crítica a partir dos olhares de Henrique Saidel (RS) e Dodi Leal (BA), artistas que radicam pesquisa, criação e docência em suas lidas cotidianas. Sob mediação da jornalista, crítica de teatro e professora Julia Guimarães (MG), os artistas prospectam de que maneira o estudo e o exercício da crítica podem implicar procedimentos de escrita e de pensares tão expandidos quanto a pulsante produção contemporânea. O programa pode ser acessado no site itaucultural.org.br ou tocado no seu aplicativo de podcasts favorito. Evoé.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

9


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Exercício de acrobacia mental: crítica, estética e circo

Alice Viveiros de Castro¹

1. Atriz e diretora de teatro e de espetáculos circenses. Autora do livro O Elogio da Bobagem: Palhaços no Brasil e no Mundo (Editora Família Bastos, 2005). Representou a área do circo no Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura (2006-2012). Em 2013, publicou o artigo “Acrobatas da Serra da Capivara – 27.000 anos de proezas e equilíbrios circenses” na Revista Ensaio Geral (UFPA/ETD).

2. Constantino Leite Moisakis (1925-1986), conhecido como Velho Faceta, foi um dos maiores mestres de pastoril de seu tempo. Tem discos gravados que mostram bem sua irreverência e identidade de palhaço.

3. Todas as definições são baseadas em verbetes do Grande Dicionário Houaiss.

10

Como diria o Velho Faceta:² primeiro do que tudo, segundo do que nada, vamos ao dicionário para algumas definições simples, quase simplistas. Crítica: examinar obra de arte ou ciência, costumes, comportamentos e suas características, nomeando sem preconceitos e com detalhes. Estética: no kantismo, estudo dos juízos por meio dos quais os seres humanos afirmam que determinado objeto, artístico ou natural, desperta universalmente um sentimento de beleza ou sublimidade. Acrobacia: arte de dançar sobre a corda e, por extensão, tudo o que apresenta dificuldades análogas às dos acrobatas em suas atividades. Acrobata: akróbatos, no sentido de “aquele que anda na ponta dos pés”. Arte: produção consciente de obras, formas ou objetos voltados para a expressão da subjetividade humana, de nossos sentimentos e opiniões, assim como para retratar nossas experiências, transmitir informações e semear beleza, divertimento e reflexão.³ Sou uma acrobata mental.⁴ Criei esse termo para dar conta da pergunta: “O que é que você faz no circo?”. Não sabia muito bem como explicar o que eu estava fazendo ali. Entrei no circo por meio das lutas sindicais, das discussões sobre políticas públicas para a cultura. Sou atriz, sempre fui, mas de repente estava lá. O que eu fazia no circo? Acabei descobrindo: sou acrobata mental. Penso o circo, salto e me equilibro tentando conhecer a história das artes circenses e o papel que elas têm na nossa sociedade. São milênios de acrobacias em todas as culturas, em todos os tempos. Descobri que era impossível lutar pela valorização das artes circenses sem conhecer sua história e seus personagens. Acrobata mental, muito prazer. Demorei muito para compreender o porquê do desinteresse pelas artes circenses. Qual é a origem do menosprezo, do preconceito? Ainda não entendi muito bem, mas estou tentando.


Fiz faculdade de teatro. Tive muitas aulas sobre história do teatro e sobre história da arte. Comprei e li os três volumes de História Social da Literatura e da Arte, do Arnold Hauser.⁵ Sei que essa minha fase de estudos acadêmicos foi há muitos anos, mas a verdade é que o circo continua fora da linha da história das artes. Os espetáculos populares também não fazem parte dessa linha. Não quero entrar aqui na discussão do que é “espetáculo popular”. Acho que dá para compreender o sentido do termo nesse contexto. Se eu dependesse dos livros e dos críticos, não teria ideia do que é um teatro de mamulengo, não saberia que Antônio José da Silva, o Judeu, era bonequeiro e todos os seus textos foram escritos para bonecos. Não conheceria o pastoril, os reisados, nada saberia da riqueza rítmica do Brasil. Não saberia o quanto os mouros deixaram na nossa história, não conheceria nossos arquitetos populares tão criativos – e isso sem falar nas culturas de tantos outros povos. Muitos vão pensar que minha ignorância era abissal, e eu concordo. Não era falta de interesse; sempre tentei ler tudo o que me caía nas mãos sobre arte, fui rato de sebo a vida toda. Mas não sabia como buscar informações sobre algo que nem imaginava que deveria conhecer. Quando comecei a trabalhar com Luiz Mendonça é que passei a compreender o mundo que não conhecia. As artes são muitas, muitas mais. Artistas existem de todos os tipos, em todos os cantos. Ninguém vai dar conta de entender e conhecer tudo, mas podemos ir muito além dessa história das artes que foram reconhecidas como importantes por pessoas que se reconheciam como importantes. Conheço pouco, muito pouco, mas abri meus olhos para as artes e ampliei esse plural em múltiplas vertentes. Não dá para tentar conhecer a história das artes com julgamentos de qualidade, sem se dar conta das diferentes formas e meios. Sem reconhecer a influência do tempo, do entorno e do objetivo de cada obra, espetáculo ou expressão.

4. Erminia Silva e Verônica Tamaoki são minhas companheiras de acrobacia mental. Além de pesquisar e estudar o circo, acrobatas mentais participam de lutas por mais respeito e apoio, seja da academia, seja dos intelectuais e dos governos. Criamos um Comitê Pró-Criação da Associação Nacional de Acrobatas Mentais, o CPCANAM. Quem está no circo precisa ter humor, sempre.

5. Em 1976, Arnold Hauser era o máximo do máximo, e seus livros – ainda não traduzidos – eram caros, muito caros.

6. Circo, como teatro, tem dois significados: a casa onde se realiza o espetáculo e o espetáculo que se realiza comumente nesse espaço. As artes circenses existem muito antes da criação do espaço circo, assim como o teatro.

E o circo,⁶ como é que fica na história da arte? Por que não está nos livros, na história oficial? Como acrobata mental, tenho ensaiado algumas possíveis respostas. E, como toda acrobata, corro o risco de cair no chão, mas vale a pena tentar. Lá vou eu.

11


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Tudo o que não pode ser feito pela elite ou apreciado exclusivamente por ela não tem importância. A definição de qualidade das artes sempre foi um atributo que coube às elites, em todas as eras. As grandes festas populares, os desfiles dos exércitos vitoriosos, as festas da colheita, os cortejos religiosos eram todos bancados por uma elite para o deleite do povo. Lá estavam faraós, sacerdotes, reis, nobres de todo tipo. Divertiam-se também, mas aquilo era para o populacho. A importância dos mecenas nos ajuda a compreender um pouco como se deu essa divisão entre o que é arte e o que não é, entre o que é nobre e o que é apenas entretenimento, uma arte menor. Até hoje, ter ou não recursos para sobreviver e criar é fundamental para qualquer artista. Músicos, compositores, literatos, poetas, escultores, pintores e tantos outros artistas das artes nobres podiam ao menos disputar um lugar ao sol. Dependiam do desejo da elite, do reconhecimento de algum mecenas. Igrejas e templos de todas as épocas precisavam impressionar seus fiéis e reforçar sua relação com o mágico, o divino, o inefável. Quem pagava a conta tinha todo o interesse em valorizar “seus artistas”, “suas obras”, exibindo sua riqueza e seu “bom gosto”. Quem escolheu os gravadores e pintores das pirâmides? Quem decidia que artista faria a rica marchetaria e as delicadas pinturas da arte chinesa? Alguém sempre tem a palavra final, alguém sempre decide o que é bom, o que é belo, o que está à altura do “dono” da obra. O caso do balé clássico é emblemático. A humanidade sempre dançou. De festas de casamento a rituais religiosos, tudo era motivo para dançar. Nas cortes, dançava-se muito também, ainda que com mais luxo, modos refinados e regras distintas das danças dos plebeus. No início do século XVI, surge nas cortes italianas o balé. Levado para a França pela rainha Maria de Médici, o balé encontra ali seu público mais apaixonado. A corte francesa acolheu encantada a delicadeza e a sutileza de seus movimentos. Outro ponto importante é que o balé necessitava das orquestras, permitindo à elite ostentar seu prestígio com “seus” músicos e “seu” corpo de baile. Estava criado o espetáculo de dança da elite.

12


Exercício de acrobacia mental: crítica, estética e circo

A divisão de classes, direitos e regalias sempre fez parte da história e, portanto, também da história da arte. Existe certa hierarquia nas artes, como bem explicita o conceito do cinema como a sétima delas. As outras são arquitetura, escultura, pintura, música, poesia e dança. Artistas circenses apresentavam-se em grandes festas da elite também. A imagem de malabaristas e cuspidores de fogo era comum nos banquetes medievais ou nos simpósios gregos. A diferença é que eles não eram considerados artistas. Com a nobre exceção dos bobos e bufões, não encontramos referências a artistas do circo bancados por mecenas de qualquer tipo. São muitas as referências aos grupos ambulantes de teatro que realizavam proezas acrobáticas, dançavam comicamente e cantavam canções licenciosas ou românticas, mas todos estavam sempre de passagem: recebiam seu pagamento e seguiam caminho. Saltimbancos sobreviviam das moedas jogadas no chapéu.

7. Os que jogam são os que se apresentam. Na cultura popular, brincar, jogar e representar são a mesma coisa. Na linguagem culta, não temos o “to play” do inglês nem o “jouer” do francês.

Voltamos ao ponto: por que as artes do circo não são tratadas como arte? Não sei e não tenho a pretensão de responder, estou tateando, buscando pistas. Na hierarquia das artes a comédia está bem abaixo da tragédia. Os assuntos transcendentais, as histórias edificantes, as grandes passagens da história, os dramas humanos e dos deuses estão na tragédia. A comédia trata dos quiproquós e confusões do dia a dia. São cornos, velhos babões, avarentos, mulheres tagarelas, o soldado covarde, o soldado valente, a mocinha ingênua e o rapaz que quer se casar com ela. De maneira geral, podemos colocar os personagens da tradição cômica em dois grandes grupos: os que comem e os que não têm o que comer e vão passar toda a história tentando resolver seu problema. São personagens que atravessaram milênios. Na Grécia Antiga eram os deikelistai – os que mostram, os que jogam.⁷ Mímicos dóricos, poetas iâmbicos, parasitas, todos, de alguma forma, usavam esses tipos caricatos que chegam aos nossos dias. Os lazzi da Commedia dell’Arte, herdeiros da farsa atelana e da comédia romana: são os roteiros que, de tão conhecidos, não precisavam ser escritos. Os personagens eram os mesmos, com pequenas variações, dependendo da região de origem e da época.

13


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Os atores acrobatas palhaços podiam fazer o mesmo personagem toda a vida. Arlequins, pantaleões, doutores, polichinelos, colombinas, as amas e as velhas são figuras que se perpetuaram ao longo dos tempos. A comédia repete infinitamente as mesmas situações básicas e, por mais que tudo pareça diferente, os sentimentos humanos são os mesmos. Sempre tentamos rir de nós mesmos. Comediantes, saltimbancos, acrobatas, músicos, dançarinos e o que mais for necessário: assim são os artistas circenses. Esse teatro popular das praças e das feiras não fazia diferença entre cada uma das habilidades de um artista. Nos espetáculos entrelaçavam-se saltos, piruetas, cançonetas, poesia, histórias cômicas ou românticas, animais em exposição ou adestrados. Todos itinerantes, vindos de lugar nenhum, indo para um lugar qualquer. Na luta por apoio financeiro e prestígio, cada ramo da arte tentava ser reconhecido como algo especial e que merecia tratamento diferenciado. O teatro era especial, e não podia ser igualado aos saltimbancos de feira. A competição era tão grande que, na França, por um longo período, só era permitido falar e tocar instrumentos em cena nos teatros oficiais que tinham permissão do rei. Portanto, os saltimbancos se reinventaram. Criaram a cena do lado de fora da barraca. Um apresentador fazia o resumo da peça e apresentava os personagens. Lá dentro, muita mímica e até mesmo uso de cartazes, como aconteceria no cinema mudo séculos mais adiante. Instrumentos insólitos acabaram se transformando em grande atração. Tocar serrote, dançar com guizos afinados, tamboretes, pandeiros, coro de buzinas: inventava-se tudo para garantir a alegria do público. O circo moderno, com maravilhosos cavalos e cavaleiros, inúmeras proezas e figuras cômicas, foi criado por Philip Astley em 1778, em Londres. No início era apenas um terreno cercado onde o público pagante podia apreciar evoluções de cavalos e cavaleiros, números com malabaristas, músicos, equilibristas, acrobatas e palhaços. Em 1779, Astley constrói seu anfiteatro com picadeiro de 13 metros de diâmetro e condições de apresentar números fascinantes, com todo o tipo de habilidade e variedade das artes circenses. Na França, já em 1782, Charles Hughes e Charles Dibdin inauguram uma casa de espetáculos com um picadeiro e um palco, com o nome de Royal Circus. Essa é a primeira vez que se usa a palavra “circo” no sentido moderno.

14


Exercício de acrobacia mental: crítica, estética e circo

Esse espetáculo com a diversidade dos saltimbancos e a perícia dos cavaleiros é sucesso em toda a Europa e logo chega às Américas. Cabe lembrar que artistas equestres, ilusionistas, acrobatas, trapezistas e aramistas já vinham ao Brasil desde o início do século XVIII. Apresentavam-se em teatros, nas ruas ou nos “círculos de touradas”. No início do século XIX, famílias de artistas vindas, na sua maioria, da Europa resolveram ficar por aqui e montaram seus circos. Não vou contar a história do circo. Nem posso, sei pouco. Sabemos muito pouco ainda. O importante é perceber que o circo, assim como o teatro e qualquer outra forma de arte, tem sua história, transforma-se, reinventa-se e segue. As artes circenses, assim como a arte da interpretação, estão presentes desde sempre e, ao longo dos tempos, passaram por várias mudanças estéticas. O espetáculo do circo do século XVIII não é igual ao do circo de lona, criado por J. Purdy Brown em 1825, nos Estados Unidos. O circo de lona é o símbolo do espetáculo itinerante, a marca dos novos saltimbancos.

8. O trapézio de voos foi criado por Jules Léotard, ginasta francês, em 1859. O acrobata saía de um trapézio (o que chamamos hoje de trapézio fixo, que balança mas não tem altura) para outro e deste para um terceiro, fazendo movimentos acrobáticos a cada passada.

Cada avanço tecnológico abre inúmeras possibilidades para as artes circenses. A “novidade” é parte delas. A “grandiosidade” também. O “aparatoso” é parte das artes circenses. As lonas crescem, passam a ter dois mastros e já podem apresentar o trapézio voador, que antes só era possível nos anfiteatros. Com a popularização do número criado por Léotard,⁸ acrobatas foram inventando dificuldades, elaborando o número e transformando o trapézio. O aparelho de voos hoje é imenso e fica a uma grande altura. Criou-se o portô, que ampara o volante, que se lança do trapézio. As trupes de hoje realizam triplos saltos mortais e outros movimentos que pareceriam impossíveis para o jovem Léotard e seus contemporâneos. Não dá para ter uma visão crítica quando não se conhece a história nem as diferenças estéticas de uma arte que se desenvolve. O trapézio, por exemplo, é um aparelho em que artistas se apoiam para realizar proezas. Mas o que faz o número não é o aparelho nem o fato de artistas serem capazes de realizar determinada dificuldade técnica. O que faz o número, o que faz do trapézio uma das imagens mais memoráveis do circo é o voador, é o volante. A música, a presença, o tempo, a escolha da série, a capacidade de encantar: isso é arte. É preciso conhecer o número de trapézio para compreender a qualidade do trapezista.

15


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

9. Cito a Intrépida Trupe como exemplo perfeito dessa confusão entre o que é ou não circo, mas poderia citar Circo Mínimo, Acrobáticos Fratelli, Teatro de Anônimo e muitos outros nomes.

Nas últimas décadas do século passado o circo viveu um período de revolução estética muito importante. Infelizmente, a falta de conhecimento sobre as artes circenses criou equívocos que ressoam até hoje. A França chamou o movimento de “novo circo”. Isso transformaria os que tinham outro tipo de espetáculo em “velho circo”? No Brasil, a ignorância absoluta dos nossos jornalistas fez com que espetáculos que se identificavam com essa experiência estética fossem tratados como teatro. E é circo, tudo circo! Quem é capaz de realizar proezas que desafiam a gravidade é circense. A ignorância irrita. Acompanhei de perto essa história. Estava lá quando começou a Intrépida Trupe,⁹ em 1986. Um grupo de jovens recém-formados pela Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha viajou para o México levando consigo artistas que vinham da dança, da capoeira e de um curso de dublês ministrado por Breno Moroni no Parque Lage. Todos participavam do Circo Voador montado no Arpoador, na beira da praia. Nenhum deles era de família circense. Nenhum deles nasceu numa barraca ao lado da lona. Eram jovens urbanos que gostavam de um tipo de música, que se vestiam como outros jovens da cidade e tinham uma bagagem cultural parecida. A Intrépida Trupe, apesar de não ter a tradição circense, trazia no seu repertório alguns números de grande dificuldade técnica. Equilíbrio no rola-rola com a volante apoiada na cabeça do equilibrista, número de formatura de Claudia Goudá e Ricardo Camilo na Escola de Circo, é um que nunca mais vi igual. Outros que merecem destaque são o tango com perna de pau e a monociclista em altura de Felicity Simpson e Hector Combo. Números que exigiam domínio técnico apurado e eram pura poesia. Os jovens driblavam as dificuldades técnicas transformando-as em oportunidades criativas. O número de trapézio triplo não era espetacular tecnicamente, mas as trapezistas nadavam no ar, e isso era lindo. Essas ideias eram algo diferente, chamaram atenção e criaram um olhar. A imprensa carioca resolveu chamar a Intrépida Trupe de “grupo de teatro e dança que utiliza técnicas circenses”. Até hoje usam esse tipo de designação para se referir a um grupo capaz de fazer proezas de alto nível.

16


Exercício de acrobacia mental: crítica, estética e circo

As acrobacias circenses são dançadas desde sempre. Há uma coreografia em cada movimento e os artistas representam o tempo todo. Entram em cena e se impõem ao público. São personagens. O homem forte não é tão forte, a bailarina tão delicada no trapézio tem músculos trabalhados e muita força. A Intrépida Trupe é um grupo de circenses e, como todos os circenses, é herdeira dos saltimbancos. O circo, por si, é um espetáculo de circo-dança-teatro-música-e-mais-alguma-coisa. No circo cabem cinema, show, televisão, tudo. A ignorância transformou o que seria um interessante estudo para a crítica numa briga por espaço e recursos. O final dos anos 1980 marcou uma nova estética no circo – mais uma. Outro olhar para a criação do espetáculo, mais um estilo dos tantos que o circo desenvolveu ao longo de sua história. Como em qualquer arte, as escolhas estéticas são múltiplas e algumas vezes pontuais, outras vezes tão marcantes que se transformam num movimento, influenciando toda uma geração. Ao mesmo tempo estão em cartaz o Cirque du Soleil e o Cirque d’Hiver Bouglione. São contemporâneos. O público pode escolher qual prefere ou mesmo assistir aos dois. São diferentes estilos e seus espetáculos são completamente diversos; no entanto, é tudo circo! É tudo arte circense. A diferença está na escolha estética e, é claro, nas possibilidades financeiras. Quando vamos começar a pensar seriamente as mudanças estéticas que atravessam as artes do circo? Vamos viajar na história para tentar entender o que significou o Ringling Brothers and Barnum & Bailey Circus criar o gigantesco espetáculo com três picadeiros? Como isso impactou os outros circos? E a criação das lonas suspensas, sem mastro, mudou alguma coisa nos espetáculos? Acho fascinante o entrelaçamento das questões tecnológicas com as artísticas nas artes circenses. As artes do circo são fascinantes mesmo.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

17


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Para saber mais No site do Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense (circonteudo. com) estão a melhor bibliografia, livros, teses de mestrado e de doutorado e artigos para download, histórias de artistas, vídeos e depoimentos. Entrar no Circonteúdo é mergulhar profundamente no circo e nas artes circenses. O Centro de Memória do Circo, no Centro Histórico de São Paulo, é um museu vivo do circo e das artes circenses, com inestimável acervo material e imaterial. Local de cursos, palestras e espetáculos, é um espaço vivo aberto a pesquisadores e ao público em geral. Imperdível.

18


Exercício de acrobacia mental: crítica, estética e circo

Referências CASTRO, Alice Viveiros de. O elogio da bobagem: palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Editora Família Bastos, 2005. CIRCONTEÚDO. Concepção: Crioula Design, 2018. Disponível em: https:// www.circonteudo.com/. Acesso em: 28 set. 2020.

19


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

1. Graduada em artes cênicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fez mestrado na área de educação pela mesma instituição. Atua como atriz, produtora cultural e professora de teatro. Coordena, há 20 anos, as áreas executiva e artística da ONG Escola Pernambucana de Circo, consolidada em Recife em 24 anos de atividades ininterruptas. A organização é vinculada à Rede Circo do Mundo Brasil, de cujo colegiado gestor faz parte, que tem parceria com o programa Cirque du Monde, do Cirque du Soleil, sendo um dos centros de referência na instrução de formadores em circo social.

20

Fátima Pontes¹

Olho a página em branco… Penso em como vou conseguir escrever sobre “o vão entre a crítica e o circo”. Daí que penso em como escrevo em geral. Meu orientador no mestrado, João Francisco de Souza – cuja falta me causa tristeza, pois era alguém que entendia minha escrita –, dizia: “Ela escreve como quem está conversando com outra pessoa”. Eu morria de rir, porque achava que era assim que se deveria escrever para que as pessoas entendessem, todas elas. Depois de um tempo, ele aceitou minha forma de escrever e não quis mais que eu a mudasse para a dissertação, porque: “Se ninguém escrever diferente na academia, vai se tornando tudo uma única coisa... Vá, faça do seu jeito”. E é assim que, depois de pensar muito, escrevo este texto: de forma que pareça uma conversa entre mim e meus amigos e amigas do circo e de outros lugares, da forma como gosto de contar histórias ou estórias. Daí que penso agora em como, na verdade e antes de entrar no tema, descrever de forma simples e rápida toda a magia que as artes circenses possuem quando tomam de rebote o seu público. Vem à mente, então, a primeira vez que vi um circo, quando ainda era criança e nem sei quantos anos tinha – 6, 7, 10 anos? Sei lá! Não me lembro mesmo, nem do nome do circo, mas acho que era um desses que usam nomes “estrangeiros”, o que acho uma delícia de poesia. As lembranças são confusas – não sei se lembro a que, de fato, assisti ou o que quero recordar –, por hoje eu fazer parte desse mundo circense e querer que ele seja sempre encantador, mágico e alegre. Mas me lembro de alguma coisa que me tomou naquele dia: quando assisti a um espetáculo do circo, ele me tomou pelo coração, pela garganta, pelo peito, pela alma. Toda a graça e a leveza da trapezista, a destreza dos malabaristas, a graça sem fim dos palhaços sempre tirando sarro de alguém da plateia, o cheiro da serragem, o encantamento com a lona cheia de estrelinhas (tinha furos também; a luz passava por eles e ia parar no picadeiro), e havia os animais. Nesse, eram os


cachorros amestrados, cavalos e um leão que me deu medo – mas mais medo do adestrador do que do leão, porque ele fazia muitas caretas ao conduzir o animal para as suas peripécias, que o público aplaudia entusiasmado. Hoje, há mais de 20 anos trabalhando com as artes circenses, ainda sinto o mesmo que senti quando criança ao ver um espetáculo de circo: fico boquiaberta, com frio na barriga, arrepiada, entusiasmada, esfuziante, eletrizada, apaixonada. Mesmo que seja aquele circo que muita gente chama de “cirquinho”, aquele “pobrezinho”, que fica lá nos “cafundós de Judas”, como se fala aqui em Pernambuco quando algo é muito, muito longe. Sinto sempre que algo de mágico atingiu alguma pessoa da plateia e os artistas – os mesmos que muitas vezes vendem as guloseimas na frente do circo, no pano de roda. “Já reparou como circo tem cheiro de pipoca?”, dizia Amanda, personagem de um espetáculo que montamos aqui em Recife em 2008, chamado Ilusão – um Ensaio Melodramático Circense, na Escola Pernambucana de Circo. E, realmente, assim como o cinema, o circo também tem cheiro de pipoca! E a maçã do amor? Só se faz daquele tipo no circo! E os brinquedos? O intervalo do espetáculo serve a isso, à venda desses produtos, e também tem uma magia, um encantamento. É o momento em que se ri ou conversa sobre os números que já foram apresentados e os que ainda estão por vir. Vamos voltar para a plateia, o espetáculo vai continuar! E ele sempre continuou, mesmo agora, em tempos tão difíceis – 2020, que ano! Momentos que jamais pensamos que iríamos viver em pleno século XXI, como se não bastassem todos os outros tormentos que as artes circenses sempre sofreram, desde o começo dos anos 1990 até hoje. A falta de terrenos nos grandes centros urbanos há muito empurrou os pequenos e médios circos para os interiores dos estados, e os grandes para os estacionamentos dos shoppings. Minhas lembranças me levam para quando comecei a trabalhar no circo. Fui empurrada para dar aulas de teatro na Escola Pernambucana de Circo, em Recife, no começo dos anos 2000 – e é de onde falo e escrevo, porque só sei falar e escrever a partir de onde venho e estou no mundo. Nada entendia daquela arte; até hoje acredito que pouco sei, porque todos os dias aprendo mais e mais com todos os que fazem artes circenses, dos mais novos aos mais velhos. Quanta sabedoria de todos e todas elas! No entanto, o encantamento que acredito ter tido na primeira vez que fui ao circo continua o mesmo.

21


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Adoro ver os meus meninos e meninas da Escola Pernambucana de Circo e de outros projetos de circo social treinando, aprendendo, se desafiando, se superando, pesquisando, encontrando novas formas de fazer de novo o que sempre foi feito. Vejo isso na maioria das centenas de circenses que hoje conheço e com quem convivo, de todas as categorias: itinerantes, independentes, de rua, de trupes, grandes companhias, pequenas companhias, grupos, artistas solo, enfim, tudo isso ainda me encanta. Esse é o motivo de continuar remando nessas ondas que vão e vêm, como o mar que tanto amo! Assim, chego a pensar em como se sente um crítico especializado em artes e cultura ao escrever sobre as artes circenses de forma crítica. Será que ele tem que ter especialização em circo para fazer isso? Pergunto isso porque não é fácil transcrever para o papel todas as questões relacionadas às artes circenses presentes num espetáculo, num número, numa performance. Como trazer para a escrita crítica tudo aquilo que comecei falando sobre as artes circenses? Como falar sobre a destreza do artista, a estética do espetáculo, os figurinos, as músicas? É possível diferenciar o circo contemporâneo e o itinerante/tradicional daquele que é feito nos projetos de circo social, que tem nas suas trupes a forma de expressar o seu trabalho pedagógico com crianças, adolescentes e jovens? Como analisar criticamente um artista circense da nova geração, que tem acesso a muita informação e tecnologia, ao lado dos artistas mais velhos, que se mantêm com seus números e espetáculos cheios de tradições? Como diz minha amiga – graças a Deus – e companheira de tantas trocas de experiências e conhecimentos, a doutora Erminia Silva: “Circo é circo!”. Concordo com ela, porque também acredito que a expressão do que é apresentado é dita por quem está apresentando, seja bom, seja ruim, ótimo ou excelente aos olhos de quem aprecia. Quem está atuando é que sabe o porquê de seus fazeres – “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, como diz o grande Caetano Veloso. Embora existam distinções entre os fazeres e as formas circenses de se apresentar, todos têm o mesmo objetivo: trazer para a plateia o frio na barriga, o arder das mãos em aplausos calorosos. Ah, a difícil tarefa de não enlouquecer pensando: “Como ele(a) consegue fazer isso?”. Será que os críticos, tendo de pensar na forma de escrever, assim como eu no começo deste texto, conseguem entender o que são as artes circenses? Sem querer ser pedante, mas já sendo, acredito que não.

22


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

E, logicamente, não é que os críticos não queiram escrever sobre circo, mas acho que a especificidade da arte circense dificulta esse processo de escrita da linguagem das artes cênicas, que no meu entendimento é a mais difícil de fazer sem ter a tal técnica, mesmo que imatura. Não existe possibilidade de fazer malabares sem, de alguma forma, manter os objetos no ar; não tem como fazer acrobacias sem rolar no chão de forma direcionada para o salto mortal ou algo mais espantoso ainda. Enfim, a diversa expressão da linguagem circense exige um treinamento de meses ou até de anos para a sua destreza. Isso sem tirar o mérito dos cantores, atores, dançarinos e bailarinos que também trabalham muito para mostrar suas habilidades. Mas é que o circo tem o tal do risco iminente, e isso, sim, é difícil descrever, principalmente sem entender que risco é esse. Não é só da queda, é de tanta coisa que nem sempre nos damos conta. E nós fazemos parte do mercado, então, imagine quem não faz, quem não pesquisa artes circenses, quem não escreve sobre isso sistematicamente.

2. A primeira dessas cartas foi traduzida por Erica Stoppel, do Circo Zanni (SP), com o título “A necessidade de uma redefinição”. Disponível em: https://panisecircus. com.br/abrilretrato-de-casalde-acrobatasem-intimo-ericastoppel-e-acarta-ao-circo-dadramaturga-bieke/. Acesso em: 21 out. 2020.

A dramaturga belga Bauke Lievens, em uma série de cartas que escreveu em 2016 voltadas para os artistas circenses, fala sobre a sua destreza: O Circo, com o seu amor pela habilidade física e a sua tradição de colocar o público no picadeiro, não tenta criar uma ilusão. Em vez disso, concentra-se em um verdadeiro encontro de corpos. Não há uma quarta parede. Aconteça o que acontecer, faz isso em tempo real, no aqui e agora da grande lona. Não há história, mas uma sucessão de atos. Com exceção dos palhaços, não há persona dramática.² Isso reforça a especificidade das artes circenses e a dificuldade de entendê-las de uma maneira, digamos, formal. O circo se reinventa o tempo todo – embora muitos achem que ainda estamos presos nos séculos passados, quando o circo chegou ao Brasil. Já outros creem que o circo se “perdeu” – principalmente os artistas de circos itinerantes e o público leigo, que gostam do chamado “circão”, aquele feito ali na frente do público, “nu e cru”. Isso é mais frequente ainda quando são aqueles espetáculos de circo contemporâneo, sobretudo aqueles ditos “cabeçudos”.

23


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Ainda bem que hoje em dia tem muita gente pesquisando e escrevendo sobre artes circenses. Mas muito pouco se sabe sobre crítica dos espetáculos circenses. Inclusive, discorremos sobre isso no seminário Crítica em Movimento promovido pelo Itaú Cultural em 2017, do qual participei com Erminia Silva e Rodrigo Matheus. Chegamos à conclusão de que, infelizmente, não existe uma produção robusta de críticas de espetáculos circenses. Eu e Rodrigo Matheus – Erminia disse que não queria se meter nisso – ficamos de pensar uma forma de dar conta dessa lacuna, mas o tempo passou e nunca mais falamos sobre isso. Disse “infelizmente” porque o mercado ainda sofre com essa carência que deixa em aberto registros históricos das andanças de circos itinerantes, companhias, grupos e trupes do Brasil afora. Quem também fala sobre essa lacuna é José Carlos de Andrade, em artigo escrito em 2016 para o Sesc São Paulo: Se por um lado a sobrevivência dos circos de lona, sobretudo os populares, é um desafio para os artistas e para os gestores que trabalham com a política pública, por outro surge nas últimas décadas uma nova geração, a partir de uma novidade relativamente recente que são as escolas – as de circo propriamente ditas e também as escolas de teatro, onde aspectos particulares do repertório circense são foco de aprendizado e treinamento, como é o caso das diversas técnicas de clown. Como quase sempre acontece, esta ampliação não tem sido correspondida com muito rigor pela crítica, sobretudo a jornalística. Ainda que a reflexão acadêmica tenha multiplicado especializações e estudos em torno do circo tradicional ou das novas formas da arte circense, a produção contemporânea mais cotidiana continua sendo vista através de instrumentos críticos ainda relativamente carentes de um repertório específico a respeito desta arte. Raramente ouvimos falar de uma “crítica de circo”. O mais comum

24


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

é observarmos críticos de teatro escrevendo sobre espetáculos circenses ou que envolvem técnicas circenses. E muitas vezes com pouco ou nenhum deslocamento na direção do circo propriamente dito.³ Um dos pontos interessantes tocados por Andrade é a dificuldade de a crítica entender a técnica circense. E, como falei no início deste texto, é difícil escrever sobre o que não se consegue compreender. Além disso, aponto também que os circos itinerantes têm, sim, uma dramaturgia, já que o roteiro de apresentação dos números não deixa de ser dramatúrgico, como nos circos ditos contemporâneos: Por um lado, este quadro se justifica pela dificuldade em reconhecermos os aspectos próprios de linguagem que vêm dali, apesar de ela ser, como vimos, tão antiga quanto a própria história do país. E por outro tem a ver também com aquela tendência da cena atual, de desestabilizar gêneros e oferecer ao olhar do crítico, cada vez mais, “experiências cênicas” ao invés de criações cujas coordenadas formais estejam restritas a alguma área mais específica. De todo modo uma crítica jornalística especializada em geral ainda caminha, se comparada ao trabalho de criação artística, na retaguarda de um pensamento vivo, presente e que se manifesta nas suas variadas formas de acontecer, seja no sentido de recolocar a tradição, seja no sentido de experimentar cruzamentos inusuais.⁴

3. O circo, o teatro e a crítica: uma história de encontros e desencontros. Disponível em: https://www.sescsp. org.br/online/ artigo/10017_O+ CIRCO+O+TEATRO+ E+A+CRITICA+ UMA+HISTORIA+ DE+ENCONTROS+ E+DESENCONTROS. Acesso em: 24 set. 2020.

4. Idem.

Então posso dizer que, diante do meu entendimento e das pesquisas que fiz para a escrita deste texto, esse problema para a classe circense, da incompreensão da crítica, tem sido um pouco mais discutido nos últimos anos – os textos que cito datam de 2016 e 2017. Em março de 2012, porém, em artigo publicado na Rebento – Revista de Artes do Espetáculo, Rodrigo Morais Leite discorre sobre Décio de Almeida Prado, o circo e outros gêneros “menores”, como chama. Apresenta algumas considerações sobre as críti-

25


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

cas que o autor fazia sobre teatro e circo, embora nesse aspecto refira-se muito mais ao circo no teatro: Dividido em quatro partes – “As crônicas”, “Um crítico elitista e conservador”, “O teatro e a salvação pelo popular” e “O palhaço no teatro” –, este trabalho aborda, inicialmente, as críticas que Décio de Almeida Prado escreveu sobre espetáculos de circo, passando, em seguida, ao exame de alguns pressupostos teóricos de sua historiografia para, enfim, se deter sobre as críticas de teatro com elementos circenses (LEITE, 2012). O que fica mais uma vez evidente é que, já naquela época, de 1946 até 1968, quando escrevia para o jornal O Estado de S. Paulo, Décio falava muito mais sobre os elementos circenses que estavam presentes nos espetáculos de teatro do que propriamente dos espetáculos de circo: Com efeito, embora o teatro prevalecesse de modo incontestável, nos primeiros tempos de sua atividade de crítico do “Estadão”, Décio de Almeida Prado, vez ou outra, cedia espaço para tratar de outras manifestações de arte cênica, como o circo (LEITE, 2012). Ainda segundo Rodrigo Morais Leite: Quando passou a se chamar simplesmente “Teatro”, sua seção naquele jornal – não assinada, como era comum na imprensa da época – intitulava-se “Palcos e Circos”. Essas aberturas a espetáculos de diversa ordem não se manteve no decorrer do tempo: à medida que os anos foram se passando, elas foram se tornando cada vez mais raras, até que o teatro adquirisse pleno monopólio, daí a mudança do nome da coluna a partir de 1959 (LEITE, 2012).

26


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

Ressalto ainda como o autor analisa a escrita de Décio sobre o circo, especificamente: Das poucas “crônicas” que o crítico paulista escreveu, nessa fase relativamente curta de sua longa carreira intelectual, a respeito de espetáculos especificamente de circo, pois outra coisa é teatro com elementos circenses, somente duas foram salvas do esquecimento destinado a gêneros por excelência jornalísticos (portanto efêmeros) como a crítica e a crônica, adquirindo sobrevida nas páginas supostamente perduráveis do livro impresso. Antes, porém, de citá-las, um pequeno parêntese: grafamos “crônicas” com aspas por dois motivos: em primeiro lugar porque, à época em que elas foram escritas, esse termo tinha uma conotação mais ampla, designando também o que hoje é denominado somente de crítica; em segundo lugar porque as críticas de Décio de Almeida Prado que tratam de circo são, na verdade, muito mais crônicas do que críticas, de acordo com o sentido algo restrito que a palavra adquiriu mais recentemente (LEITE, 2012). Uma coisa relevante das crônicas/críticas de Décio de Almeida Prado é sua forma de descrever o circo como “cansado”, “sedentário” e “resignado”, porém sem mencionar de que circo estava falando. Seria um circo moderno? Um circo no estilo “novo circo”? Não sei, não fica claro no artigo. Mas observamos que, desde lá, se falava de uma forma “antiga” de fazer circo, mais relacionada aos circos itinerantes, como ainda é hoje em dia, infelizmente. Vale a pena reforçar, porém, que o autor do artigo reconhece as limitações de Décio para falar das artes circenses: [...] lacunas, contradições e analogias temerárias que até esta altura do trabalho procuramos expor, retiradas de uma porção mínima da obra de Décio de Almeida Prado, não se devem, é importante ressaltar, a incompetência técni-

27


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

ca. O problema, acreditamos, é de ordem diversa. Preliminarmente, pelo fato de ele ter sido, no máximo, um analista de circo bissexto, isto é, um crítico de teatro que de vez em quando escrevia sobre um espetáculo de circo, e mesmo assim num período relativamente curto de uma carreira de vinte e dois anos, não produziu e, por conseguinte, não refletiu o necessário à elaboração de uma teoria da matéria em questão. Embora, muito provavelmente, entendesse o suficiente do assunto, suas observações a respeito dele não obedeciam a nenhuma plataforma conceitual, por mais ampla que fosse. É isso, basicamente, o que explica, senão justifica, as incongruências supracitadas (LEITE, 2012). Portanto, mais uma vez constatamos que escrever sobre crítica circense nunca foi fácil. Talvez por isso a escassez dos textos de crítica, principalmente por sua especificidade técnica e estética. Além disso, existe o caráter do valor financeiro do empreendimento circense: quanto mais barato, ou seja, quanto mais o circo for de pequeno e médio porte, mais difícil é que algum jornalista vá deixar seu lugar para ir assisti-lo. Afinal, esses circos se encontram mais frequentemente nos interiores dos estados e nas periferias dos centros urbanos. Falo isso do circo itinerante, mas também posso mencionar as companhias de circo de grande porte que, mesmo tendo essa característica, não recebem a devida atenção do jornalismo crítico. Se isso é verdade para os grandes, é ainda mais real para as pequenas companhias, grupos e trupes circenses, principalmente se forem oriundos de projetos de circo social. Mas, para não dizer que não falei das flores, trago uma história do Seminário Internacional de Crítica Teatral, realizado por uma produtora de Recife em 2011. Nós, da Trupe Circus – um grupo profissional da Escola Pernambucana de Circo –, tivemos o espetáculo Círculos que Não se Fecham... Experimento no 1 avaliado criticamente nesse evento. A montagem tratava de questões da juventude, principalmente aquelas relacionadas à violência sofrida pelos jovens de todas as classes sociais, mas enfocando aqueles das periferias

28


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

urbanas (violência de gênero, na escola, no futebol, contra a mulher etc.). Trazíamos o olhar da juventude contemporânea como ponto de partida, num mix de dança, música e teatro. Porém, o espetáculo foi criticado por jornalistas que escreviam sobre teatro, já que o seminário era de crítica teatral, e não sobre circo. Por isso, as críticas trazem muitas avaliações sobre os elementos teatrais e pouco ou quase nada sobre as artes circenses. Pelo menos nos sentimos um pouco contemplados e até felizes por receber um olhar crítico ao nosso trabalho artístico depois de 11 anos montando espetáculos com a trupe. E parou por aí. Depois desse espetáculo, já montamos mais quatro e não tivemos a presença de jornalistas na plateia nem críticas sobre as exibições – o que é uma pena, porque sabemos o quanto isso é importante para um trabalho artístico. As escritas elaboradas no seminário fizeram com que nos avaliássemos e revíssemos coisas que estávamos nos propondo com a encenação. Ah! Vale ressaltar duas coisas: primeiro, que essas escritas não foram espontâneas, já que os críticos não foram nos ver por livre e espontânea vontade. Elas existiram porque os críticos convidados tinham que escrever sobre os espetáculos a que assistiam e que eram escolhidos pela organização do seminário. Por isso, entramos no “bolo” dos espetáculos analisados criticamente. Segundo: entramos numa edição do seminário chamada de Teatro Fora do Eixo; então, entendemos que a escolha se deveu ao tema que seria debatido naquele ano, no qual nosso espetáculo se encaixava porque era visto como circo-teatro e realizado em nossa sede, na periferia da cidade de Recife. As escritas foram dos jornalistas, professores e autores teatrais Márcio Bastos, Jorge Bandeira, Paulo Vieira e Márcio Braz. E, embora esses críticos escrevessem mais sobre teatro, eles tiveram certo cuidado no olhar sobre o nosso espetáculo e sobre as artes circenses provindas dele, como colocou Márcio Braz: É cada vez mais raro estarmos diante de uma catarse coletiva em espetáculos de artes cênicas no Brasil. Muitos se entregam ao apelo do melodrama, ao susto-espetáculo, a

29


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

5. Disponível em: http://seminariocri ticateatral.blogspot. com/2011/08/ leitura-criticacirculos-que-naose_7579.html.

6. Disponível em: http://seminariocri ticateatral.blogspot. com/2011/08/ leitura-criticacirculos-que-naose_31.html.

performers exacerbadas e a dramas cerebrais. Mas não foi o que vimos no espetáculo “Círculos que não se fecham... experimento n. 1”, onde a emoção, a tensão e o calor do circo estiveram presentes num espetáculo bem dirigido, cheio de momentos instigantes, climas dramáticos e, principalmente, contagiante pela alegria de seus intérpretes.⁵ Já Paulo Vieira traz mais esta análise teatral: O ponto verdadeiramente frágil do espetáculo se encontra no nível interpretativo, quando em algumas cenas parte do elenco é chamado pela direção para representar, seja a professora repressora, sejam policiais ou alunos rebeldes. Vê-se que aí se necessita de um trabalho específico melhor elaborado, mesmo que sejam os atores alunos de uma escola de circo, não de teatro, mas uma vez que se propõem a trabalhar teatralmente, então que se trabalhe técnicas interpretativas do mesmo modo que se fez com malabares, trapézio e outras técnicas circenses, ou mesmo a coreografia das danças hip hop.⁶ Márcio Braz, embora fale sobre o ritmo e pouco sobre a arte circense, traz ainda certo preconceito ao falar do circo tradicional, que também chama pejorativamente de “velho circo”: O que mais chamou a atenção foram os climas criados pela encenadora Fátima Pontes. A sequência dos quadros foi pensada de modo a produzir um ritmo, uma respiração. De momentos bruscos pintados ao som de rap e passos de dança de rua a outros de extrema singeleza e outros mais de humor, o espetáculo tornou-se agradável e sem inspirar o cansaço. A emoção

30


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

“jogada” do chamado “velho circo” ou circo tradicional deu vez a emoção concentrada e objetivada oriunda do “novo circo” envolvendo ainda mais a plateia já bastante entusiasmada pelas peripécias dos intérpretes.⁷

7. Ver nota de rodapé número 5.

Esse trecho da crítica tensiona mais uma vez as divisões entre as diversas formas de expressão das artes circenses, já que em muitos casos fica evidente esse clima de disputa de “quem é o melhor”. Quem teria como distinguir exatamente o chamado circo tradicional/itinerante (porque teria as técnicas mais antigas) do “novo circo” (que dizia trazer inovações como as coreografias, o próprio teatro, a dança e um mix de tecnologias) e do “contemporâneo” (no qual se diz imperar a dramaturgia e a subjetividade dos temas abordados pelas performances)? Vamos relembrar a dramaturga belga Bauke Lievens, citada lá no começo do texto? Não precisamos nos definir, precisamos refletir não sobre o que fazemos, mas sobre como fazemos para agradar e continuar encantando o público com as artes circenses. O tratamento dado a esse chamado circo contemporâneo, caracterizado pela junção de tecnologias de alto valor monetário com as técnicas e os roteiros circenses, é bastante diferente. Isso fica evidente nas apresentações da companhia canadense Cirque du Soleil, que já veio seis vezes ao Brasil e sempre teve seus espetáculos analisados criticamente por jornalistas especializados em teatro. Sem me estender muito sobre esse assunto, podemos refletir mais uma vez que não interessa à crítica especializada o que existe de expressões circenses no próprio país, principalmente se elas forem mais “pobres”. Como sempre, é mais valorizado o que vem de fora. Daí seguimos com nosso “tupiniquismo”. Encontrei uma única crítica mais severa a um dos espetáculos do Cirque du Soleil, que foi justamente de uma pessoa de circo, Hugo Possolo – artista, palhaço e um dos fundadores da Companhia Parlapatões, de São Paulo. Hugo incluiu não só a crítica à encenação, mas também ao próprio fazer circense e sua desvalorização no país. Por isso, acho importante trazer trechos apenas dessa crítica e não daquelas sobre os outros cinco espetáculos da companhia no Brasil, redundantes na sua rasgação de seda ao show, aos

31


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

artistas e às suas técnicas. Sim, realmente eles são todos excelentes, o que não poderia ser diferente em se tratando da maior companhia de circo do mundo, que usa cenários caros, música sempre ao vivo e altas tecnologias de luz e efeitos visuais. Bom... Trouxe Hugo Possolo: [O espetáculo do Cirque du Soleil] Saltimbanco tem 15 anos. É o Brasil recebendo o fim da linha das turnês internacionais. Talvez uma crítica a esta altura não faça diferença, mas não posso deixar passar ao largo o valor simbólico que gera, a visibilidade que dignifica a atividade. O problema é saber se o circo brasileiro desfrutará disso. A força dos números engole a dramaturgia. A aventura de um menino que se transforma no saltimbanco do título não chega a se cumprir. E o espetáculo de variedades passa a obedecer à fórmula mais tradicional, o que não é nenhum demérito. Traz os altos e baixos de números não-integrados entre si. Coreografias coletivas de gestos uníssonos empobrecem números primorosos. Caso dos palhacinhos-malas que roubam a atenção enquanto queremos ver a equilibrista no arame. Sempre saí alegre do circo. Desta vez, saí um pouco angustiado por constatar o provincianismo de uma elite que desconhece nossos maiores talentos, criatividade e valores. Hesitei, pensando que achariam que escrevo por inveja. Não tenho que temer dar minha opinião. Se não desse, morreria como artista. Quem empreende não tem medo de parecer despeitado. Os covardes, que desistem dos sonhos, é que ficam no ranço da reclamação. Doloroso é saber que, talvez, o que venha a instigar o público serão perguntas como: por que a pipoca é R$ 12? Por que o estacionamento é R$ 20? São as dúvidas do mundo do consumo. A globalização atropela até mesmo o circo. E a arte que se vire para concluir que a colonizada miséria nos pertence (POSSOLO, 2006).

32


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

É lógico que, para os padrões socioeconômicos do Brasil, é caro assistir ao Cirque du Soleil, mesmo podendo dividir o valor dos ingressos em dez vezes, como faria o público mais pobre se quisesse ou pudesse comparecer. Já os mais abastados vão lá assistir ao tão sonhado espetáculo e fazer sua “social” – afinal, é chique ir ao Cirque du Soleil. Porém, os próprios artistas circenses têm pouco acesso a esses espetáculos e a outros que são apresentados nas grandes capitais, porque muitos estão correndo atrás do seu sustento para o outro dia. Hoje, muitos circos de pequeno e médio porte estão cobrando ingressos de 5 ou mesmo 2 reais, costurando dia e noite, mais uma vez, suas lonas furadas. Companhias, grupos e trupes estão correndo atrás de contratações para se manter fazendo circo, a arte que escolheram para a vida. Mas a realidade é que está difícil; 2020 trouxe algo novo para o mundo do circo: a tal da pandemia de covid-19. Isso complicou a situação circense ainda mais: virou o mundo de cabeça para baixo, circos fechados há mais de seis meses – então, o que era pouco virou quase nada. Outro mundo começou a existir, um que todos chamam de “novo normal”. Ainda não sei dizer o que é para mim, só sei que estou na luta, junto com os circenses, junto com a minha equipe da Escola Pernambucana de Circo, na Câmara Setorial de Circo do estado de Pernambuco, tentando resistir. E estamos conseguindo. Vale ressaltar que, neste momento tão difícil, é grande o número de artistas circenses de todas as classes e categorias se ajudando. É triste e ao mesmo tempo lindo. Vamos lá! Um pouquinho daqui e outro dali, vamos seguindo juntos e juntas! Que povo guerreiro é esse de circo! Desde que me entendo por gente, ouço falar que o “circo está morrendo”. Nunca ouvi falar que o teatro ou a dança estão morrendo, mas sobre o circo sempre ouvi e vi muita coisa nesse sentido. Depois de observar debates, palestras e discussões, e estando hoje por dentro da história, percebo que essa “estória” sempre foi uma jogada para levar o circo cada vez mais para a marginalização. Mas aí já é outra história e outro texto. O que importa mesmo é que o circo está vivíssimo e passando por mais um período difícil da história mundial firme e forte, lutando aos trancos e barrancos, mas sempre gracioso e mágico.

33


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

É lógico que, no fazer circense, sempre houve “vãos” entre os diversos segmentos: circo itinerante/tradicional, escolas, grupos, trupes, companhias, artistas independentes e de rua. Mas, hoje, isso está mais – digamos assim – tranquilo. Para nós mesmos da Escola Pernambucana de Circo, é muito bom estar ao lado de circos com os quais já desenvolvemos trabalhos. Alguns estão em andamento, como Disney (Alhandra/ PB), Alves (Caruaru/PE), Montagem Circus (Santa Rita/PB), Empyre Circus (Parnamirim/RN) e suas respectivas proprietárias: Francisca, Gardênia, Josiline e Madalena – olhe aí as mulheres comandando os circos itinerantes, que maravilha. Como é bom também estar junto de Cia. 2 em Cena (Recife/ PE), Carcará (Cabo de Santo Agostinho/PE), Garrett Circus (Recife/PE), Devir (Recife/PE) e Casulo (Recife/PE), entre outras companhias, grupos, espaços de formação e artistas independentes e de rua. Os circos estão reabrindo aos poucos, seguindo as medidas de segurança dos órgãos de saúde de cada local, de cada capital, de cada cidadezinha, de cada recanto. Grupos, trupes, companhias e artistas independentes e de rua também estão procurando seus caminhos, incluindo muito o uso da internet: gravam espetáculos, disponibilizam os já gravados, criam coisas novas, procuram se reinventar. O importante é estarmos fazendo circo. Fazendo, encantando, emocionando, se superando, se excedendo, se mostrando, se “amostrando”. Fazendo mesmo que a crítica não veja nada disso. Poucos escreverão sobre tudo que está acontecendo, sobre toda a grandeza artística do circo neste período. Embora as artes circenses – assim como as outras expressões artísticas – não precisem da crítica para sobreviver, seria bom que alguém, algum crítico mesmo, mas bem sensato, bem coerente, bem amoroso, bem atencioso, bem carinhoso, fosse assistir a um espetáculo de circo neste momento e pudesse escrever não somente com seu olhar crítico, mas com seu olhar humano. Isso, sim, iria ficar para a história. Mas, enquanto isso não acontece, sigamos... E, com todo o meu amor, viva o circo brasileiro!

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

34


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

Apêndice 1. João Francisco de Souza era sociólogo e professor catedrático do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Falecido em 2008, ministrava disciplinas voltadas para a educação popular e era coordenador do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e membro da Academia Pernambucana de Letras. É autor de mais de dez livros sobre educação popular e multiculturalismo. 2. Erminia Silva possui graduação em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas) e em história pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com mestrado em história e doutorado em história da cultura pela mesma instituição. É autora dos livros Circo-Teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil (Altana, 2007) e Respeitável Público...: o Circo em Cena (Funarte, 2009). Desenvolve atividades de formação e de pesquisa na Escola Nacional de Circo (Funarte/RJ), é cocoordenadora do grupo de estudo e pesquisa das artes circenses Circus (FEF/Unicamp) e coordenadora, junto com Daniel de Carvalho Lopes, do site Circonteúdo, que possui um vasto banco de dados sobre a arte circense no Brasil e tem sido referência para trabalhos acadêmicos no campo da história da cultura e das artes cênicas. 3. Bauke Lievens é uma dramaturga belga formada em teatro pela Universidade de Gante (UGent) e em filosofia da arte contemporânea pela Universitat Autònoma de Barcelona. É professora e pesquisadora no departamento de drama da Royal Academy of Fine Arts (Kask), da School of Arts em Gante, na Bélgica, onde atualmente trabalha no projeto de pesquisa artística The Circus Dialogues. Como dramaturga freelancer, colabora em várias companhias de circo, dança e teatro, como Un Loup pour l’Homme e Floor Van Leeuwen (Schwalbe). Desde 2015, também faz seu próprio trabalho, criando Aneckxander (2015) e Raphaël (2017) ao lado de Alexander Vantournhout. É autora de dois livros sobre pesquisa artística em circo e faz parte do conselho editorial da revista Rekto:Verso. 4. Rodrigo Matheus é trapezista, diretor e dramaturgo circense e professor de técnicas circenses. É fundador e diretor do Circo Mínimo, além de um dos fundadores do Centro de Formação Profissional em Artes Circenses (Cefac) e da Central do Circo.

35


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

5. José Carlos de Andrade é bacharel em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas), licenciado em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em literatura e crítica literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/ SP). Possui mestrado em artes cênicas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com dissertação chamada Décio de Almeida Prado e a Historiografia Teatral Brasileira. 6. Márcio Bastos é jornalista cultural. Passou pela Folha de Pernambuco e atualmente escreve sobre arte e cultura para o Jornal do Commercio de Pernambuco. 7. Jorge Bandeira é crítico, dramaturgo, encenador, naturista e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). 8. Paulo Vieira possui licenciatura em educação artística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestrado em artes e área de concentração em teatro pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em artes pela mesma instituição. Atua como professor associado e coordenador do mestrado profissional em artes da UFPB. 9. Márcio Braz é bacharel em comunicação social com habilitação em jornalismo pela Universidade Católica de Brasília (UCB), com licenciatura plena em pedagogia pelo Instituto de Educação Superior Ascensão (Iesa/DF) e em sociologia pela Faculdade Alfamérica (Alfa/SP). É especialista em orientação educacional pelo Prodeesp/DF e em educação com ênfase na diversidade e cidadania na educação de jovens e adultos pela Universidade de Brasília (UnB). 10. Hugo Possolo cursou comunicação social na Faculdade Cásper Líbero e história na Universidade de São Paulo (USP), ao mesmo tempo que aprendia técnicas circenses no Circo Escola Picadeiro. Fundou, em 1991, o grupo Parlapatões de São Paulo, em que também atua. É hoje o secretário de Cultura do município de São Paulo.

36


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

Referências BORTOLETO, M. A. C. (org.). Introdução à pedagogia das atividades circenses. Jundiaí: Fontoura, 2008. CAMAROTTI, Marco. O palco no picadeiro: na trilha do circo-teatro. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2004. CONSTÂNCIO, Rudimar. Circo social: a experiência da Escola Pernambucana de Circo. 2010. Monografia (Especialização em Ensino de Arte) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. COSTA, Eliene Benício Amâncio. Saltimbancos urbanos: a influência do circo na renovação do teatro brasileiro nas décadas de 80 e 90. 1999. Tese (Doutorado em Artes) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. DUPRAT, R. M.; BORTOLETO, M. A. C. Educação física escolar: pedagogia e didática das atividades circenses. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, São Paulo, v. 29, n. 2, 2007. FERREIRA, Claudia Márcia (coord.). Circo – tradição e arte. Rio de Janeiro: Museu de Folclore Edison Carneiro: Funarte/Instituto Nacional do Folclore, 1987. GALLO, Fabio Dal. Circo, educação e a cena contemporânea. GT2 – Pluralidades Culturais Materiais e Imateriais. III Seminário Internacional Interlinkplus, Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Salvador, 2008. LEITE, Rodrigo Morais. Décio de Almeida Prado, o circo e outros gêneros “menores”. Rebento: Revista de Artes do Espetáculo, São Paulo, n. 3, 2012. MALARD, Letícia. Hoje tem espetáculo: Avelino Fóscolo e seu romance. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1987. MALARD, Letícia. O circo social e a universalidade da linguagem circense. GT2 – Pluralidades Culturais Materiais e Imateriais. III Seminário Internacional Interlinkplus, Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Salvador, 2008. POSSOLO, Hugo. Globalização atropela o circo. Folha de S.Paulo, 4 ago. 2006.

37


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

SILVA, Erminia. O circo: sua arte e seus saberes. O circo no Brasil do final do século XIX a meados do século XX. 1996. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 1996. SILVA, Erminia. Saberes circenses: ensino/aprendizagem em movimentos e transformações. In: BORTOLETO, M. A. C. (org.). Introdução à pedagogia das atividades circenses. Jundiaí: Fontoura, 2008. SILVEIRA, Cléia. Circo: educando com arte. Rio de Janeiro: Fase, 2001. SILVEIRA, Cléia. Revista Circo do Mundo Brasil: uma proposta metodológica em rede. Rio de Janeiro: Fase, 2003.

38


“O vão entre a crítica e o circo”: uma história cheia de percalços!

39


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim 1. Doutor em educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP), mestre em artes pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e graduado em educação física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Integra o grupo de estudo e pesquisa das artes circenses Circus [Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp] e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Gesto, Expressão e Educação (Gepgee), da FE/USP. Cocoordenador do site Circonteúdo, é educador de circo social na Instituição de Incentivo à Criança e ao Adolescente de Mogi Mirim (ICA).

40

Daniel de Carvalho Lopes¹ Erminia Silva²

Começaremos este texto com a expectativa de que ele seja um agradável encontro com todas, todos e todes, pois, nas distâncias impostas nos tempos bicudos e insalubres do ano de 2020, nada mais reconfortante que a possibilidade de estar junto de alguém. Ademais, é nos encontros que a linguagem circense se faz e se refaz cotidianamente, em cada rua, praça, teatro ou picadeiro. Assim sendo, que este texto seja um agradável encontro para a ida a alguns espetáculos circenses. E que espetáculos seriam esses? Seriam aqueles que, por sermos pesquisadores das histórias do circo, são múltiplos e se processam de muitas e muitas maneiras diferentes ao longo da história e, obviamente, até os dias de hoje. São aqueles que estão em constante mudança, carregando elementos de outras épocas e fazeres, gerando permanentemente novas buscas estéticas. E, se assim eles são e estão sendo, é porque esses espetáculos conversam e se misturam todos os dias com tudo o que os cerca: pessoas, tecnologias, culturas, políticas, estéticas, sociedades etc. E o que dizem sobre eles? Bem, dizem variadas coisas e desde muito tempo! Se olharmos para o Brasil do século XIX, perceberemos que era constante os jornais da época falarem sobre eles.³ Falarem bem, falarem mal, mas falarem abundantemente! E aqui vale mais uma pergunta: por quê? O circo, nesse período, se constituiu como uma das formas mais frequentes e atrativas de divertimento para a sociedade, reunindo os mais variados grupos sociais. Ao longo dos anos 1800, centenas de companhias viajavam por todo o país, vindas de turnês por outros continentes. Entre muitas delas, podemos citar: Circo Olímpico Francês, da família Fouraux, Circo Chiarini, Circo Temperani, Circo Spinelli, Circo Casali, Companhia Equestre Italiana, de Luigi Guillaume, Companhia de Cavalinhos Guilherme Southby e também o Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha, construído em alvenaria no centro do Rio de Janeiro e que perdurou por mais de 50 anos, recebendo apresentações de artistas do seu próprio grupo e de outras companhias.


Esses diversos circos, cada um com uma maneira própria de produzir e organizar seus espetáculos, se relacionaram intensamente com a vida social e urbana do período e, consequentemente, receberam “enxurradas” de público – termo comum nos jornais para tratar do sucesso que algumas companhias estavam obtendo na época. Por causa de suas atrações e de sua magnitude (muitos circos possuíam dezenas de animais e artistas e mesmo navios próprios para o transporte da companhia, como o Circo Grande Oceano), assim como por mobilizarem o imaginário de homens, mulheres e crianças de mil maneiras, foram também tema de “enxurradas” de crônicas, críticas, notas, sátiras e charges de praticamente todas as produções bibliográficas da época, principalmente as jornalísticas.

2. Doutora e mestra em história social da cultura pela Unicamp, cocoordenadora do grupo Circus e do Gepgee. É autora de Circo-Teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil (Altana/Funarte, 2007) e cocoordenadora do site Circonteúdo.

Para ficar mais claro, apresentaremos aqui algumas delas. O Circo Chiarini, dirigido pelo artista equestre Giuseppe Chiarini, esteve no Brasil em dois momentos diferentes, de 1869 a 1872 e de 1875 a 1877, e era uma grande companhia circense que apresentava números equestres e acrobáticos, com animais selvagens e pantomimas. Uma vez no Rio de Janeiro, seu íntimo envolvimento com a sociedade fluminense rendeu variadas publicações em jornais e revistas:

3. Ver: Silva (2007 e 2009); Lopes (2015); e Lopes e Silva (2015).

Mestre Chiarini vai em maré de rosas. A variedade de espetáculos e o mérito da companhia chamam numerosa concorrência ao circo da Guarda Velha (A Vida Fluminense,⁴ 23 abr. 1870, p. 132).

4. Os títulos dos jornais citados neste texto encontram-se registrados com a grafia da época.

Teve ontem duas enchentes a companhia Chiarini. Os artistas trabalharam perfeitamente. O público deu visíveis demonstrações de apreço ao mérito dos acrobatas e ginastas. Viu-se ali a melhor sociedade fluminense (Jornal da Noite, 11 set. 1871, p. 3). Não cessa o Sr. Chiarini de monopolizar os espectadores e com isto bem andam insatisfeitos os empresários da Phenix e do Ginásio. São leis das compensações humanas. A Phenix e o Ginásio já tiveram suas épocas de reinado da moda, e em breve terão de novo, temos fé nisso e com isso consolamos ambas as empresas (D. Pedro V, 12 nov. 1871, p. 4). 41


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

5. Para mais informações, ver: Cafezeiro e Gadelha (1996, com a transcrição da solicitação de João Caetano dos Santos); Souza (2002); e Silva (2007).

Como podemos observar por meio dessas citações, Chiarini conquistou o variado público da corte, tendo em vista a presença da “melhor sociedade fluminense” nos espetáculos. Isso não era uma exclusividade dessa companhia, pois vários outros empreendimentos circenses contavam com a frequente presença das Senhoras Majestades Imperiais. Até mesmo o circo que Chiarini ocupou nesse período, o Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha, era muito frequentado por dom Pedro II. O imperador acabou por ceder o terreno onde foi construído o que seria nomeado futuramente de Teatro Imperial D. Pedro II, mas sobre esse espaço trataremos mais tarde. É importante agora, entre as críticas apresentadas sobre os espetáculos do Circo Chiarini, ressaltar aquela que informa que os empresários da Phenix e do Ginásio, dois importantes teatros do Rio de Janeiro, andavam insatisfeitos por Chiarini “monopolizar os espectadores”. Os circos ofereciam forte concorrência aos espetáculos teatrais do período e as rivalidades eram explícitas. Por esse motivo, João Caetano dos Santos, ator, ensaiador e empresário, figura expoente do “teatro de cunho nacional”, aderindo à ideia de que o circo era um mero divertimento, sem caráter educativo, e afastava o público dos espetáculos teatrais, em 1862 solicitou ao Marquês de Olinda que companhias circenses e de espetáculos com animais não pudessem trabalhar nos dias de “teatro nacional”, sendo ainda obrigadas a pagar um imposto caso o fizessem. Seu propósito, com essa enérgica ação, era o de regenerar e preservar o “teatro nacional”, considerado em decadência naquele momento.⁵ João Caetano não estava sozinho em suas posturas críticas e contrárias aos circos. Em fins do século XIX, o dramaturgo, poeta, escritor, crítico e jornalista Arthur Azevedo ficou contrariado com a estreia da grande companhia do circense Frank Brown no Theatro São Pedro de Alcântara, que, conforme anunciavam as propagandas do espetáculo, transformou o teatro em circo (O Paiz, 23 abr. 1894, p. 4). Azevedo, em sua coluna intitulada Palestra, professou suas ácidas críticas à companhia:

42


Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim

A cidade reanima-se. A pouco e pouco vai se desvanecendo a sinistra lembrança dos bombardeios e tiroteios que ainda há dois meses nos sobressaltavam. Espero que a companhia equestre do S. Pedro de Alcântara venha consolar definitivamente o Zé-povinho, que é doido por peloticas, e dá mais apreço a Rosita de La Plata [artista equestre do circo] que à própria Sarah Bernhardt [atriz francesa]. Entretanto, para os espíritos mais refinados aí está o Mancinelli, com uma companhia lírica de primeira ordem (O Paiz, 28 abr. 1894, p. 1). O modo de se referir aos espetáculos circenses pelo termo “peloticas” era comum no período e fazia menção à manipulação de bolas, ou seja, ao jogo de malabares. Arthur Azevedo utilizava essa expressão com o intuito de passar uma ideia desqualificadora tanto do circo quanto do gosto do público, o qual acusava de preferir esses divertimentos em detrimento do que considerava um “teatro sério”. Assim, o autor explicita o quanto os espetáculos de circo cativavam e disputavam o mesmo público que frequentava os teatros. Suas críticas não paravam por aí. Em seus escritos, ele sempre retomava as tensões que mantinha em relação às companhias circenses que “invadiam” os “templos do teatro nacional”: [...] anuncia-se que mais uma vez, e não será com certeza a última, o glorioso e venerado teatro S. Pedro de Alcântara será transformado em circo de cavalinhos. Quando as mais poderosas razões tivéssemos para supor que entramos definitivamente numa época de transformação moral, bastava, para nos convencer do contrário, a inconsciência feroz com que se insulta assim o teatro digno, pela tradição, de ser considerado um monu-

43


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

6. Grifo nosso.

mento histórico, intimamente ligado à fundação de nossa nacionalidade. Não falo do seu passado artístico, porque no Rio de Janeiro a arte, ao que parece, é uma recomendação negativa. Por isso, bem-vinda seja a “Caravana”, essa nova associação fundada por iniciativa de Coelho Netto, que vem, na realidade, ensinar a nossa gente a respeitar o espólio sagrado dos nossos avós, e fazer com que ela se envergonhe de mostrar a D. Carlos I, não artistas, mas cachorros, cavalos e macacos, no teatro construído por D. João VI. É preciso notar que, para fazer a fortuna de uma companhia equestre, um teatro não vale um circo.⁶ A prova aí está no popular Spinelli, que já deu duzentos e tantos espetáculos consecutivos, e o seu circo ainda se enche todas as noites, e é a alegria do nosso bairro mais populoso. Vá o Spinelli para S. Pedro, e verá como tudo lhe corre torto (O Paiz, 12 ago. 1907, p. 3). Contudo, as ferrenhas posturas de Arthur Azevedo e João Caetano não lograram êxito efetivo, e, como podemos ver numa crítica do ano de 1872 direcionada ao Circo dos Irmãos Pereira, a concorrência entre as produções teatrais e circenses persistia: Companhia ginástica. Se as companhias dramáticas e líricas que tem ultimamente visitado a nossa cidade se tem retirado sem saudades de nós, e fazendo mesmo um juízo muito desfavorável a nosso respeito, o mesmo, de certo, não podem dizer as companhias equestres e ginásticas, que tem feito as delícias do nosso beau monde [belo mundo]. De todas elas, a que nos deixou impressão mais saudosa foi, com certeza, a de Chiarini. O público, neste ponto, tem mostrado o seu

44


Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim

bom senso, porque aos amantes das mágicas é justo que protejam os cavalinhos. Chiarini teve a glória de ver a mais bela sociedade do Rio todas as noites nas suas reuniões, e isto, o que é extraordinário, por três meses consecutivos. Compreendendo o gosto e a civilização do povo fluminense por esta espécie de divertimento, e testemunhas das ovações da companhia Chiarini, de que então faziam parte, os irmãos Pereira resolveram organizar uma companhia com uma parte de figuras e animais da companhia italiana e inauguraram ante ontem os seus espetáculos no circo da rua do Espírito Santo. É muito menor o pessoal de que dispõe hoje a companhia, é certo também que há entre eles artistas de mérito. Pouco diremos sobre a execução dos trabalhos executados pelos diversos artistas, mesmo porque o público já teve ocasião de apreciar. Seria, contudo, uma grave injustiça da nossa parte se esquecêssemos de mencionar particularmente o nome de Mlle. Pereira. Já na última vez que trabalhou no trapézio, ela demonstrara grande beleza e segurança de movimento; ante ontem, porém, reconhecemos que ela tem se aplicado muito depois da sua última estada nessa cidade. Trabalhando agora só, no trapézio, mostrou ela ainda mais confiança do que quando trabalhava em duo; além de muita elegância em todas as suas posições, executa ela movimentos arriscadíssimos, prolongando a situação a ponto de causar vertigens no auditório, que lhe pediu por muitas vezes que os terminasse. No entanto, o sorriso que lhe pairava nos lábios e os seus continuados agradecimentos feitos com as mãos, que na maior parte das vezes se achavam livres, provam evidentemente a muita

45


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

confiança que em si possui, e animava os espectadores, que temiam a todo o momento vê-la despenhar-se daquelas alturas. Mlle. Pereira é deveras uma princesa do ar; a este respeito a imprensa não nos enganou. O resto dos artistas poderão em outras noites mimosear-nos com alguns trabalhos novos; os que executaram na noite de sábado, não apresentaram nem movimento nem atração. O espaço marcado para servir de arena, parece-nos menor que no tempo de Chiarini; não julgamos que o haver menos artistas seja a razão para isso, em compensação, está mais bem iluminado. Como o público gosta desta espécie de divertimento, e os Srs. Pereira procuram, com alguns trabalhos difíceis satisfazer a sua curiosidade, é muito de esperar que a resolução da companhia em visitar-nos seja coroado de um excelente sucesso. Pela nossa parte é o que lhe desejamos (Correio do Brazil, 2 dez. 1872, p. 1). Por meio da crítica apresentada, para além da evidência da concorrência entre as companhias teatrais e circenses, vale mencionar outra temática frequente nas publicações diversas sobre os circos do período. Os artistas circenses (sejam eles pessoas ou animais) e seus números sempre foram muito destacados nas publicações periódicas oitocentistas. Não faltaram linhas dedicadas, em especial, à representação da mulher circense, enaltecendo sua coragem, beleza e delicadeza nos números equestres, de trapézio, de malabarismo ou acrobáticos. A respeito dos artistas e das atrações, novamente, uma crítica referente ao Circo Chiarini é bem ilustrativa: Sábado à noite estreou no magnífico circo do Sr. Batholomeu, à rua da Guarda Velha, a companhia equestre do Sr. Chiarini. Raras vezes terá a expectativa pública sido mais completa e brilhantemente satisfeita.

46


Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim

A afluência era enorme: o circo que acomoda milhares de espectadores estava literalmente cheio. O auditório estava mais escolhido do que o costuma ser o que frequenta tais espetáculos. Cumpre confessar que o Sr. Chiarini se ocupa as cem bocas da fama e não a obriga mentir. Os trabalhos que apresenta são perfeitos. O programa dos primeiros espetáculos de que podemos dar notícias foi habilmente organizado, pontualmente preenchido e admiravelmente executado. Os cavalos da companhia são magníficos e alguns, como o Ab-del-Kader e o Othelo, de rara beleza de formas e de pelo. Admira, mais do que isso, surpreende deveras o ensino desses animais. Vê-se que o Sr. Chiarini aprendeu com os melhores mestres e que conhece perfeitamente todos os recursos e segredos da arte que professa. Só com os seus cavalos pode ele oferecer aos verdadeiros amadores da hípica espetáculos dos mais interessantes. A um gesto, a um monossílabo, proferido à meia voz, Othelo, ou Turco, cavalinho andaluz de graciosas e elegantes formas, obedecem ao mestre como seres altamente inteligentes. Os exercícios de Ab-del-Kader montado à amazona pela elegante e hábil escudeira Catharina Holloway são por si coisa para ver e admirar. Sem o mais leve esforço, com a maior delicadeza, cedendo a um simples movimento de rédeas, o inteligente animal executa todos os passos possíveis aos de sua espécie, inclusive marcar com as mãos caminhando o compasso de uma polca e depois de uma valsa. Dentre os artistas da companhia que já estrearam, citaremos como sumamente notáveis – Theodoro Cuba, o morenito que faz diabruras sobre

47


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

três cavalos em pelo e por fim sobre quatro, trazendo calçadas botas de montar; o jovem Elie que na corda tesa depois dos mais arrojados equilíbrios com maromba e sem ela, acaba dando três saltos mortais de costas firmando-se sempre na corda em um pé só; W. Carlo, que depois de fazer sobre uma e muitas garrafas os mais delicados e difíceis equilíbrios, coloca a boca de uma garrafa sobre a boca da outra, firma a cabeça sobre o fundo desta e sem mais ponto de apoio gira em todos os sentidos e dispara dois tiros de pistola; G. Ross, que unido ao mesmo Carlos faz exercícios ginásticos de maior perfeição e destreza; finalmente Belém Cuba, a morenita que num cavalo em pelo e sem rédeas executa com audácia e desgarro a corrida denominada – grande ato principal. Dizemos por último que o exercício dos quatro cavaleiros e quatro damas dirigidos por Sr. Chiarini com que se abriu o espetáculo é de mais brilhante efeito: a precisão e elegância dos movimentos, a rapidez das manobras, a riqueza dos vestuários dão a esta cena alguma coisa de fantástico. O Sr. Chiarini monta nessa ocasião um admirável animal que se chama Monte-Christo. Os espetáculos da companhia Chiarini divertem, interessam e não corrompem. O pai, o filho, o marido que se respeita a si e à sua família pode lá ir com ela, sem receio de a ver corar ou de ter de dar explicações de gestos cínicos ou de palavras dúbias (A Reforma, 9 nov. 1869, p. 3). Chiarini realizou seus espetáculos no circo estável da Rua da Guarda Velha, de propriedade do artista e empresário Bartholomeu Corrêa da Silva. Essa importante edificação, posteriormente batizada de Teatro Imperial D. Pedro II, como mencionamos, e de Theatro Lyrico, ficou em plena atividade na capital do império dos anos iniciais de 1860 até o começo de 1934, quando foi demolida. Não somente por ser um circo que teve um longo período de vida na cidade, mas principalmente pelos constantes espetáculos que 48


Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim

promovia e acolhia e pela intensa atuação de Bartholomeu Corrêa da Silva como empresário, o Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha e sua companhia foram frequentemente tratados nos periódicos fluminenses: Companhia equestre: Duas coisas nos surpreenderam quando entramos no circo da Guarda Velha; a primeira foi o soberbo interior, ainda incompleto, do edifício, que contrasta com a insignificância do exterior; a segunda foi, como é natural, a perfeição dos trabalhos da companhia Chiarini. Reservado estava a uma celebridade equestre estrangeira vir revelar-nos a existência entre nós de um magnífico teatro, que a inteligente perseverança de um homem laborioso vai erigindo, a custa sabe Deus de que esforços, e à sombra de excessiva modéstia – criminosa modéstia –, quisermos dizer, porque a numerosa e brilhante sociedade que agora frequenta o circo do Sr. Bartholomeu Corrêa da Silva, tê-lo-ia de há muito animado e auxiliado, em sua monumental empresa. O público fluminense tem de agradecer ao Sr. Bartholomeu Corrêa a construção do circo, e ao Sr. Chiarini a sua descoberta: o Sr. Chiarini foi o Colombo do Circo Bartholomeu. Falamos da perfeição dos trabalhos da companhia equestre italiana. Não especializaremos. O público tem aplaudido principalmente o Sr. Chiarini e a Sra. Laura Ruiz, cavaleiros de alta escola; e todos são unânimes em dizer que possui o Sr. Chiarini excelentes cavalos, cavalos-tipo (Semana Illustrada, 21 nov. 1869, p. 3.735).

7. Sobre algumas das diversas apresentações realizadas por Bartholomeu e outros circos no espaço do Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha, ver: Souza (2002); Silva (2007); Lopes (2015); Lopes e Silva (2015); e Vieira (2015).

Ao longo de várias décadas, o Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha apresentou espetáculos organizados pela própria companhia de artistas de Bartholomeu, como também sediou espetáculos de vários outros circos, grupos circenses,⁷ festejos e atrações variadas, sendo que a incorporação de artistas era permanente: 49


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

8. Correio Mercantil, 14 mar. 1856.

9. Dezeseis de Julho, 28 mar. 1870, p. 2.

10. A Vida Fluminense, 2 abr. 1870, p. 105.

Penna e Bastos são realmente dois artistas célebres. Os trabalhos de acrobacia e alta ginástica que executam dão-lhes merecidos triunfos. O Sr. Bartholomeu engrandeceu bastante a sua companhia com a aquisição daqueles acrobatas que tão grandes enchentes estão promovendo ao Circo Olímpico, esplêndido edifício que muito honra a capital do império, e que conseguiu erguer à custa de sacrifícios (Diario do Rio de Janeiro, 1 jan. 1871, p. 3). Nesses espetáculos, como podemos observar pela citação acima, sempre estiveram presentes os mais variados números ginásticos e acrobáticos. Bartholomeu, em razão tanto de suas apresentações como acrobata quanto das de sua companhia, recebeu críticas positivas logo no início de sua carreira, em coluna publicada no Correio Mercantil assinada por “O saltimbanco independente”.⁸ A motivação da coluna ocorreu, no entanto, por causa da publicação de uma nota na edição de 9 de março de 1856 do jornal assinada por “Um brasileiro nato”, que se indignava com o fato de as autoridades terem permitido o “escândalo” de uma “companhia de ridículos saltimbancos” apresentar, numa “tosca e ordinária barraca”, uma peça intitulada D. Pedro no Cerco do Porto, que tem como personagem “o fundador deste Império, o Sr. D. Pedro I”. Mediante essa reprovação, o autor da coluna, em defesa de Bartholomeu, ressaltou o seu caráter e a qualidade de sua atuação como circense, dizendo que “mais por amor à ginástica, e da arte que abraçou, a têm exercido com louvor geral”, mesmo podendo “viver independente da profissão que exerce”. Mas, como mencionamos, os jornais brasileiros do século XIX trataram do circo por meio de diferentes produções bibliográficas: crônicas, sátiras, informativos, propagandas, notas de agradecimento, solicitações do público etc. Um exemplo interessante dessas formas textuais é referente ao palhaço Sr. Ronland, “o qual, por si só, é capaz de divertir o público toda a noite”:⁹ No gênero palhaço é fora de dúvida que nunca veio ao Brasil um só que, à ligeireza dos saltos, originalidade das posições e profusão de ratices, reúna, como o Sr. Ronland, a elasticidade

50


Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim

muscular e essa destreza natural tão necessária ao verdadeiro CLOWN.¹⁰ Sobre esse artista, foi publicado o seguinte diálogo em uma espécie de coluna humorística de notas e notícias: – O que tens? estás tão sorumbático! – Não sei explicar-te o que sinto! Vivo triste, misantropo... parece que estou atacado de spleen!¹¹ – Eu indico-te um remédio; experimenta-o, e estou certo que tirarás bom resultado. – Faze-me este favor e ficar-te-ei sumamente grato. – Toma três vezes por semana pílulas de Ronland. – E onde encontrarei este remédio? – No Circo Chiarini (Dezeseis de Julho, 24 abr. 1870, p. 2).

11. Spleen, na língua inglesa, corresponde ao órgão humano denominado baço. A conexão entre o baço e a melancolia é oriunda da medicina grega e da teoria dos humores.

Outro exemplo de publicação ambientada no tema do circo e que reflete a assimilação, por parte da sociedade, de seu linguajar e imaginário é a seguinte sátira de cunho político: No Circo Chiarini a autoridade prende um cambista por monopolizar os bilhetes. Vem o Sr. Duque, deputado, de luneta carregada e vermelhão nas faces, e diz à autoridade: – É ilegal o seu ato... não há razão para semelhante arbitrariedade... este homem é inocente... ganha a sua vida...faz licitamente o seu negócio. Prenda-o se quiser, mas defendê-lo-ei mesmo à custa do próprio sangue! – Que fazes, Duque? Para quê semelhante oposição à ordem da autoridade? – (À parte) Cala-te, pateta: as eleições estão à porta, e eu preciso de gente (O Figaro, 15 jan. 1876, p. 19). Por fim, ainda em relação aos artistas e atrações do Circo Chiarini e às variadas publicações periódicas referentes aos circos, destaca-se também a equestre Catalina Holloway. Além da recorrente menção a ela em diversas propagandas do circo e em textos de diferentes gêneros publicados em jornais, em sua temporada no Brasil, a artista “protagonizou” um curioso 51


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

episódio pelo fato de seu sobrenome coincidir com o nome dado a uma espécie de remédio da época: A propósito do circo de cavalinhos: O Sr. Chiarini pede-me que declare que a “petite Catalina Holloway” de que tanto falam seus anúncios, não é a inventora das pílulas de mesmo nome, que se encontram à venda por aí, e que dizem ser excelentes para todas as moléstias havidas e por haver. Feita a declaração, resta-nos esperar pacientes as próximas primeiras provas públicas da companhia equestre italiana... isenta de pílulas (A Vida Fluminense, 16 out. 1869, p. 1.016). Não é para menos o olhar atento da imprensa para os espetáculos circenses, uma vez que até apresentações de balonismo foram realizadas em circos tanto na capital do império quanto em cidades do Nordeste. Para ilustrar de maneira um pouco mais detalhada em que consistiam esses números de ascensão aerostática, contamos com uma nota do Correio Mercantil a respeito da ascensão do artista Julio Buislay, realizada em Recife: Ontem presenciou a nossa população um espetáculo inteiramente novo para ela. Quero falar da ascensão do artista acrobático Julio Buislay, o qual, conforme anunciara, subiu às regiões etéreas arrebatando pelo seu Montgolfier. Uma imensa multidão, reunida no campo das Princesas, saudou o intrépido aeronauta com gritos prolongados vivas e repetidos aplausos. Eram seis horas da tarde, pouco mais ou menos, quando o balão, em que achava-se aquele artista, subiu suavemente buscando o lado do sul impelido pelo vento, que soprava para o Norte. Não estando completamente cheio começou logo a baixar, indo depor o corajoso viajante nas proximidades do Colhos.

52


Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim

Durante o trajeto o insigne artista fez diversas evoluções sobre o seu trapézio, oferecendo aos olhos da população admirada a realização de um espetáculo, para o qual há cerca de um ano havia sido convidada por Elias Bernardi, que aqui foi sempre infeliz em suas tentativas. O povo seguiu em direção ao lugar para onde caminhava o balão, e de lá trouxe o Sr. Julio Buislay no meio de constantes aplausos e ovações (Correio Mercantil, 2 nov. 1862, p. 1). Contudo, é importante pisarmos firme o chão e lembrarmos de que nem sempre os circos, seus espetáculos e os próprios artistas receberam elogios ou foram objeto de divertidas sátiras ou brincadeiras editoriais, conforme mencionamos ao tratar das posturas de João Caetano e Arthur Azevedo. As práticas e os saberes circenses foram vistos criticamente no período por defensores de práticas de ginástica pautadas por um viés higienista, educativo e respaldado no discurso da ciência, disputando saberes e poderes sobre os corpos.

12. Apesar de não termos encontrado informação sobre o autor do texto, Romão (2016) informa que a autoria é de João Pedro de Aquino, diretor do Colégio Aquino, de maneira que, em seguida no artigo, ele menciona a si mesmo em terceira pessoa.

13. O Globo, 18 jul. 1876, p. 3.

Como exemplo, temos um artigo de 1876 denominado “Um dia de alegria”, em que o autor, do qual não temos a identificação,12 tece inicialmente críticas aos poderes públicos por não compreenderem “a necessidade imprescindível de dar desenvolvimento ao estudo da ginástica em todos os estabelecimentos de ensino, à imitação do que se pratica em o Norte da Europa, e principalmente Suécia e Alemanha”.¹³ Na sequência, destaca positivamente as ações individuais de Abílio César Borges, diretor do Colégio Abílio, e de João Pedro de Aquino, diretor do Colégio Aquino, por tomarem a ousada iniciativa “nas reformas necessárias à regeneração do ensino” e por compreenderem que “a maior e mais urgente de todas as medidas era preparar os meninos para serem homens, na verdadeira acepção que se dá a esta palavra, nos países de mais energia, vigor e força de vontade”. Ele também enfatiza: Ainda há entre nós muita gente que não compreende o alcance e a importância do estudo da ginástica e de todos os exercícios físicos, e esse infeliz preconceito partilhado até por certas camadas so-

53


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

ciais que por sua colocação já devem perceber que se não pretende habilitar as crianças para trabalhar nos circos e teatros, mas sim desenvolver lhes as forças, dando flexibilidade aos músculos, habituando os meninos a não recearem qualquer esforço e a não verem perigo nas coisas mais insignificantes da vida prática e material: em suma, não se quer formar acrobatas, mas homens fortes, vigorosos, ágeis e corajosos (O Globo, 18 jul. 1876, p. 3). Outro caso é o do político, jurista e jornalista Rui Barbosa. Em seus pareceres referentes à reforma do ensino primário no ano de 1883, ele defendia a inclusão do método sueco de ginástica nas instituições de instrução pública, em razão de suas características pedagógicas e de sua formação moral, higiênica e disciplinadora embasada nos preceitos da ciência (MORENO, 2001). Ele explicitava claramente o distanciamento que os exercícios físicos deveriam assumir em relação às manifestações circenses e seus protagonistas: “Não pretendemos formar acrobatas, nem Hércules, mas desenvolver na criança o quantum de vigor físico essencial ao equilíbrio da vida humana, a felicidade da alma, a preservação da pátria e a dignidade da espécie” (MORENO, 2001, p. 132). Assim, como podemos observar por meio dos exemplos aqui apresentados, os espetáculos circenses, seus artistas e suas realizações no Brasil ao longo do século XIX e, claro, no início do século XX foram frequentemente contemplados por parte da imprensa e da crítica em diversificadas publicações. Falaram bem, falaram mal, mas sempre falaram do circo. Diante da multiplicidade das produções circenses e de sua permanente reinvenção, o circo sempre esteve sob os holofotes da opinião pública e estampado nas páginas de jornais, revistas, folhetins e até mesmo em publicações voltadas para a educação ou a produção cultural artística. Por fim, aqueles espetáculos a que esperamos um dia poder assistir juntos levados por este texto/encontro são os mesmos que, há muito tempo, encontraram um vão entre a crítica e o circo e, sabidos e intrépidos que eram, deram sobre ele um salto mortal duplo com pirueta, aterrissando confiantes e sempre renovados do outro lado, arrancando sonoros e calorosos aplausos das multidões.

54


Respeitável público: falem bem, falem mal, mas falem de mim

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

Referências CAFEZEIRO, Edwaldo; GADELHA, Carmem. História do teatro brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Eduerj: Funarte, 1996. LOPES, Daniel de Carvalho. A contemporaneidade da produção do Circo Chiarini no Brasil de 1869 a 1872. 2015. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA-Unesp), São Paulo, 2015. LOPES, Daniel de Carvalho; SILVA, Erminia. Circos e palhaços no Rio de Janeiro: império. Rio de Janeiro: Grupo Off-Sina, 2015. MORENO, Andrea. Corpo e ginástica no Rio de Janeiro: mosaico de imagens e textos. 2001. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/Unicamp), Campinas, 2001. ROMÃO, Anna Luiza Ferreira. Entre escolas, clubs e sociedades: as gymnasticas tecidas por professores no Rio de Janeiro (1850-1900). 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG), Belo Horizonte, 2016. SILVA, Erminia. Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil. São Paulo: Altana; Rio de Janeiro: Funarte, 2007. SILVA, Erminia. Respeitável público...: o circo em cena. Rio de Janeiro: Funarte, 2009. SOUZA, Silvia Cristina Martins de. As noites do ginásio. Teatro e tensões culturais na corte (1832-1868). Campinas: Editora da Unicamp, Cecult, 2002. VIEIRA, Francisco. O Theatro Lyrico: palco e picadeiro. Rio de Janeiro: 19 Design, 2015.

55


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Endereços na internet No emaranhado de algoritmos que se tornou a vida dos mortais neste planeta, achamos por bem reunir endereços na internet voltados para a prática da crítica nas áreas de circo, dança, teatro e demais variantes que instauram presença. A relação a seguir inclui fontes de pesquisa e consulta seminais para a produção de análise. São blogs, sites, revistas eletrônicas e portais que realimentam quem faz e quem frui artes cênicas (considerando-se que toda lista pressupõe lacunas). Individuais, coletivas ou institucionais, as iniciativas evidenciam uma alentada rede de espaços imbuída de registrar e pensar parte considerável das criações vindas a público em diferentes regiões do Brasil e, inclusive, no exterior. Um inventário provisório à maneira de bússola. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

56


Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

57


crítica em movimento: \O vão entre a crítica e o circo

Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES CÊNICAS Gerência Galiana Brasil Coordenação Carlos Gomes Produção Felipe Sales Cocuradoria Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPÉDIA Gerência Tânia Rodrigues Coordenação Glaucy Tudda Produção Karine Arruda

58


NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação Carlos Costa Edição Ana Luiza Aguiar (terceirizada), Milena Buarque e Valmir Santos (cocurador) Produção editorial Pamela Rocha Camargo e Victória Pimentel Design Estúdio Lumine (terceirizado) Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão do português Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) Tradução para o espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado) Revisão do espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado)

59


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

60


ES

Transformaciones de la práctica __ 62 y del pensar crítico Valmir Santos Ejercicio de acrobacia mental: crítica, estética y circo Alice Viveiros de Castro

__ 68

«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos! Fátima Pontes

__ 78

Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí Daniel de Carvalho Lopes Erminia Silva

__ 98

Direcciones de internet

__ 116

Ficha técnica

__ 118

61


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

Valmir Santos1

1. Periodista, crítico y cocurador de Crítica em Movimento. Creador y editor del sitio web Teatrojornal - Leituras de Cena desde 2010. Es doctorando en artes escénicas de la Universidad de São Paulo (USP), donde también realizó una maestría en esa misma asignatura.

La fortuna crítica de una obra corresponde al campo de pensamiento que instituyó cuando se hizo pública a través de edición, grabación, escultura, pintura, presentación e interpretación. Los ocho cuadernos diseñados especialmente para la cuarta jornada Crítica em Movimento tienen el objetivo de invertir un poco esta expectativa al articular 24 textos justo en el ámbito del hacer crítico. Son visiones heterogéneas de en qué consiste y cómo se despliega en creaciones en circo, danza y teatro, con variantes para intervención y performance. Sabemos cuánto las circunstancias históricas, sociopolíticas y culturales involucran a practicantes y participantes, artistas, investigadores y, por supuesto, espectadores-lectores. Realizado anualmente por Itaú Cultural, desde 2017, el ciclo de debates aborda la recepción de las artes escénicas y el diálogo imprescindible entre público, creadores y críticos. En 2021, en este contexto difícil de la pandemia, el estímulo al pensamiento supera la imposibilidad del encuentro presencial por medio de la circulación de contenidos reflexivos en texto y podcast. Además de ampliar el acceso, se busca perpetuar las discusiones de las tres ediciones anteriores, que abordaron la práctica de la crítica a la luz de problemas del oficio e incluyeron la presentación de espectáculos. Entre los temas tratados se encuentran la precarización del trabajo en el ámbito del periódico impreso y la búsqueda de la sostenibilidad como contrapunto al mero diletantismo; el constante avance del análisis en Internet, con el deseo de reinventar el estilo; y la adopción de nuevos procedimientos e ideas en consonancia con los estudios universitarios y la inquietud de la escena brasileña contemporánea. También se abordaron las realidades sociales de sujetos marginados y anclados en la dramaturgia de Plínio Marcos, así como una selección latinoamericana y caribeña de obras y reflexiones de representantes de Argentina, Chile y Cuba. Ante el insólito escenario del año anterior, marcado por el brote global del nuevo coronavirus, una de las alternativas fue desarrollar una publicación en línea, con ocho itinerarios de escritos realizados por 25 personas del universo de las artes de la escena.

62


\editorial

Cada volumen reúne tres análisis estimulados por los siguientes temas: 1) El papel de la crítica teatral en Brasil - del periódico impreso a la plataforma digital; 2) La brecha entre la crítica y el circo; 3) Estados de la crítica de danza; 4) Espacios digitales dedicados a las artes escénicas; 5) La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero; 6) La escena militante en el contexto contemporáneo; 7) Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil; y 8) Panorama del teatro latinoamericano visto desde el puente. Por lo tanto, en este segundo cuaderno se explora el tema «La brecha entre la crítica y el circo», explorado por artistas e investigadores de Pernambuco y São Paulo vinculados a las artes circenses. Coordinadora ejecutiva de la Escola Pernambucana de Circo (Pernambuco) —uno de los referentes nacionales en pedagogía del circo social, fundada en 1985 y con sede en el barrio Macaxeira, en Recife—, Fátima Pontes admite que actualmente hay mucha gente investigando y escribiendo sobre artes circenses, pero poco se sabe sobre la crítica de los respectivos espectáculos. Por eso, ella se pregunta cómo debe sentirse una persona especializada en artes y cultura al escribir críticamente sobre las artes circenses. ¿Sería necesario tener una especialización para eso? «Pregunto esto porque no es fácil transcribir al papel todos los temas relacionados con las artes circenses presentes en un espectáculo, un número, una performance. ¿Cómo puedo llevar al escrito crítico todo lo que comencé a hablar sobre las artes circenses? ¿Cómo hablar de la destreza del artista, la estética del espectáculo, el vestuario, la música? ¿Es posible diferenciar el circo contemporáneo y el itinerante/tradicional del que se hace en los proyectos de circo social, que tienen en las troupes su forma de expresar el trabajo pedagógico con niños, adolescentes y jóvenes? ¿Cómo analizar críticamente a un artista circense de la nueva generación, que tiene acceso a mucha información y tecnología, al lado de los artistas mayores, que se mantienen con sus números y espectáculos llenos de tradiciones?». Provocadora, Fátima también es una artista de la pista, y reflexiona sobre sus primeros años y la condición de espectadora que la llevó a adquirir el gusto por el oficio artístico y convertirse en formadora. Después de sacar del diccionario palabras clave como «crítica», «estética», «acrobacia» y «arte», la actriz y especialista en circo Alice Viveiros de Cas-

63


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

tro (São Paulo) declara, con buen humor e inteligencia: «Soy una acróbata mental. [...] Pienso sobre el circo, salto y me equilibrio, tratando de conocer la historia de las artes circenses y el papel que juegan en nuestra sociedad. Hay milenios de acrobacias en todas las culturas, en todos los tiempos. Descubrí que era imposible luchar por la valorización de las artes circenses sin conocer su historia y sus personajes. Soy acróbata mental, mucho gusto en conocerle». En su opinión, no se puede tener una visión crítica si no se conoce la historia de un arte o las diferencias estéticas con las que se desarrolla. «En las últimas décadas del siglo pasado, el circo vivió un período de revolución estética muy importante. Desafortunadamente, la falta de conocimiento sobre las artes circenses ha creado equivocaciones que todavía resuenan hoy. Francia denominó el movimiento “nuevo circo”. ¿Esto convertía a los que tenían otro tipo de espectáculo en “viejo circo”? En Brasil, el desconocimiento absoluto por parte de nuestros periodistas hizo que los espectáculos que se identificaban con esta experiencia estética se trataran como teatro. ¡Y es circo, es todo circo! Los que son capaces de realizar hazañas que desafían la gravedad son del circo. La ignorancia fastidia», confiesa Alicia, dando testimonio de cómo vio emerger a la carioca Intrépida Trupe, en 1986, y toda una colección de equivocaciones que atribuye a una parte de la prensa, ya sea por no reconocer el talento circense natural del «grupo capaz de realizar hazañas de alto nivel» o por caer en tergiversaciones como «grupo de teatro y danza que utiliza técnicas circenses». Al comentar sobre el circo en el Brasil del siglo XIX y su difusión bajo el régimen del Imperio, la profesora e investigadora Erminia Silva y el investigador Daniel de Carvalho Lopes, ambos del sitio web Circonteúdo (São Paulo), permiten un contraste con la realidad del siglo XXI. En ese período, esa arte era «una de las formas de entretenimiento más frecuentes y atractivas para la sociedad, reuniendo a los más variados grupos sociales. A lo largo de los años 1800, cientos de compañías viajaron por todo el país, procedentes de giras por otros continentes», según los autores. «Estos diversos circos, cada uno con su propia forma de producir y organizar sus espectáculos, se relacionaban intensamente con la vida social y urbana de la época y, en consecuencia, recibían “inundaciones” de público, término común en los periódicos para referirse al éxito que algunas

64


\editorial Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

compañías lograban en ese momento. Por sus atracciones y su magnitud (muchos circos tenían decenas de animales, artistas e incluso sus propios barcos para el transporte de la compañía, como el Circo Grande Oceano), así como por movilizar el imaginario de hombres, mujeres y niños de miles de maneras, también fueron objeto de “inundaciones” de crónicas, críticas, notas, sátiras y caricaturas de prácticamente todas las producciones bibliográficas de la época, principalmente las periodísticas», recuerdan Erminia y Lopes. Y agregan: «Así, como podemos observar en los ejemplos aquí presentados, los espectáculos circenses, sus artistas y sus sucesos en Brasil a lo largo del siglo XIX y, por supuesto, a principios del siglo XX fueron frecuentemente contemplados por una parte de la prensa y de la crítica en diversas publicaciones. Hablaron bien, hablaron mal, pero siempre hablaron del circo. Ante la multiplicidad de producciones circenses y su permanente reinvención, el circo siempre ha estado en el punto de mira de la opinión pública e impreso en las páginas de periódicos, revistas, folletines e incluso en publicaciones dirigidas a la educación o la producción cultural artística». Los demás escritos presentes en la publicación en línea están firmados por la actriz Alice Guimarães, del Teatro de Los Andes (Bolivia); el director Altemar Di Monteiro, del grupo Nóis de Teatro (Ceará); el artista-investigador y profesor chileno radicado en Fortaleza Héctor Briones (Ceará); la profesora, productora y gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); la actriz e investigadora teatral Camila Scudeler (Colombia); el periodista y crítico de danza Carlinhos Santos (Rio Grande do Sul); el artista transdisciplinario y crítico de danza Daniel Fagus Kairoz (São Paulo); el actor y crítico de teatro Diogo Spinelli, del sitio web Farofa Crítica (Rio Grande do Norte); el actor, director y profesor de teatro Edson Fernando, del sitio web Tribuna do Cretino (Pará); el actor y director Fernando Cruz, del Teatro Imaginário Maracangalha (Mato Grosso do Sul); la periodista y crítica de teatro Ivana Moura, del blog Satisfeita, Yolanda? (Pernambuco); el actor e investigador teatral Lindolfo Amaral, del Grupo Imbuaça (Sergipe); el director Luis Alonso-Aude, del grupo Oco Teatro Laboratório y del Festival Internacional Latinoamericano de Teatro de Bahia (FilteBahia/BA); el pedagogo, crítico de teatro e investigador Luvel García Leyva (Cuba); la actuadora e investigadora Marta Haas, de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul); la actriz y agitadora cultural Nena Inoue (Paraná); la directora y dramaturga Fernanda

65


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Júlia Onisajé, del Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (Bahia); la periodista y crítica de teatro Pollyanna Diniz, del blog Satisfeita, Yolanda? (Pernambuco); el crítico de teatro y periodista Macksen Luiz (Río de Janeiro), que actúa en el periódico Jornal do Brasil (1982-2010), es colaborador de O Globo (2014-2018) y creador de un blog de críticas con su nombre (2011); la investigadora de danza, bailarina y profesora Rosa Primo (Ceará); y la artista-investigadora y profesora Walmeri Ribeiro, del proyecto Territórios Sensíveis (Río de Janeiro). Como se ve y se lee, es una producción textual que pretende ser geográfica e ideológicamente no hegemónica. Se vuelca sobre el hacer crítico, sus potencias y sus dificultades en esta época de la historia de Brasil, en la que las ya insuficientes políticas públicas para las artes y la cultura enfrentan ataques beligerantes. Escucha activa En simbiosis con los cuadernos, el podcast Crítica em Movimento convoca al público en general a activar la escucha reflexiva a través de cinco episodios. Cada uno de ellos plantea una pregunta a los invitados. En el primero, Macksen Luiz y la crítica de teatro, investigadora y artista Daniele Avila Small, de Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais, ambos actuantes en Río de Janeiro y de diferentes generaciones, responden a la pregunta: «¿Cuáles son los enfrentamientos de la práctica de la crítica teatral actuales?». El tema recorre la precarización del trabajo remunerado, la migración del hacer crítico a la Internet y cómo ampliar la conversación con públicos, artistas y gestores culturales, con la mediación del periodista y crítico de teatro que escribe estas líneas. En el segundo episodio, la investigadora, artista y profesora Lourdes Macena (Ceará) y el actor y director Rogério Tarifa (São Paulo) se dedican al tema: «¿Cómo se relaciona la crítica con la noción de lo popular en las artes escénicas?». Con la mediación del investigador y profesor Diógenes Maciel (Paraíba), se trata de un diálogo sobre la recepción de expresiones culturales que emanan del pueblo, muchas veces en oposición al conocimiento formal, las normas y las ambiciones de los poderes políticos y económicos que están en juego en la sociedad.

66


\editorial Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

«¿Cuál es la percepción de quienes crean acerca del trabajo de la crítica?» - este es el tema del tercer episodio. Para contestarlo, se escuchó a artistas de colectivos escénicos entre los más longevos del país: Tânia Farias, de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul), fundada en 1978, y el dramaturgo y director Edyr Augusto Proença, del Grupo Cuíra (Pará), graduado en 1982. Como mediadora, la investigadora, artista de performance y periodista Maria Fernanda Vomero (São Paulo). Este trío discutirá cómo sus respectivas creaciones son vistas por quienes escriben crítica en sus regiones o fuera de ellas, teniendo en cuenta que las realidades social, política y económica de Brasil presentan contrastes y convergencias. La investigadora y profesora Walmeri Ribeiro (Río de Janeiro) y el actor Pedro Wagner, del Grupo Magiluth (Pernambuco), discuten «¿Cómo mirar y escuchar desde la escena remota?». La crítica de teatro y periodista Luciana Romagnolli, editora del sitio web Horizonte da Cena (Minas Gerais), media los desafíos del análisis frente a los procedimientos artísticos que emergen en la actualidad y sientan precedentes para una nueva idea de presencia y cuerpo mediado. Finalmente, en el último episodio se analiza «¿Cuál es el lugar de la resistencia en la formación de la crítica?» desde la mirada de Henrique Saidel (Rio Grande do Sul) y Dodi Leal (Bahia), artistas que manejan la investigación, la creación y la docencia en su vida cotidiana. Bajo la mediación de la periodista, crítica de teatro y profesora Julia Guimarães (Minas Gerais), los artistas exploran cómo el estudio y el ejercicio de la crítica pueden abarcar procedimientos de escritura y pensamiento tan expandidos como la palpitante producción contemporánea. Se puede acceder al programa en el sitio web itaucultural.org.br o reproducirlo en su aplicación de podcast favorita. Evoé.

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

67


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Ejercicio de acrobacia mental: crítica, estética y circo

Alice Viveiros de Castro¹

1. Actriz y directora de teatro y espectáculos circenses. Autora del libro O elogio da bobagem: palhaços no Brasil e no mundo (Editora Família Bastos, 2005). Representó el sector del circo en el Consejo Nacional de Política Cultural del Ministerio de Cultura (2006-2012). En 2013, publicó el artículo Acrobatas da Serra da Capivara – 27.000 anos de proezas e equilíbrios circenses [Acróbatas de Serra da Capivara: 27.000 años de hazañas y equilibrios circenses] en la Revista Ensaio Geral (UFPA/ETD).

2. Constantino Leite Moisakis (19251986), conocido como Velho Faceta, fue uno de los más grandes maestros de pastoril [manifestación folclórica que mezcla música, baile y teatro] de su tiempo. Hay discos grabados que muestran bien su irreverencia e identidad de payaso.

68

Como diría Velho Faceta:² ante todo, ante nada, consultemos el diccionario para encontrar algunas definiciones simples, casi simplistas. Crítica: Examinar obra de arte o ciencia, costumbres, comportamientos y sus características, nombrando sin prejuicios y en detalle. Estética: En el kantismo, estudio de los juicios mediante los cuales los seres humanos afirman que un determinado objeto, artístico o natural, despierta universalmente un sentimiento de belleza o sublimidad. Acrobacia: Arte de bailar sobre la cuerda y, por extensión, todo lo que presenta dificultades análogas a las de los acróbatas en sus actividades. Acróbata: Akróbatos, en el sentido de «el que camina de puntillas». Arte: Producción consciente de obras, formas u objetos destinados a expresar la subjetividad humana, nuestros sentimientos y opiniones, así como retratar nuestras experiencias, transmitir información y sembrar belleza, diversión y reflexión.³ Soy una acróbata mental.⁴ Acuñé este término para contestar a la pregunta: «¿Qué hace usted en el circo?». No sabía muy bien cómo explicar lo que yo hacía allí. Entré al circo a través de luchas sindicales y discusiones sobre políticas públicas para la cultura. Soy actriz, siempre lo he sido, pero de repente estaba allí. ¿Qué hacía yo en el circo? Lo descubrí: soy un acróbata mental. Pienso sobre el circo, salto y me equilibrio, tratando de conocer la historia de las artes circenses y el papel que juegan en nuestra sociedad. Hay milenios de acrobacias en todas las culturas, en todos los tiempos. Descubrí que era imposible luchar por la valorización de las artes circenses sin conocer su historia y sus personajes. Soy acróbata mental, mucho gusto en conocerle. Tardé mucho en comprender la razón de la falta de interés en las artes circenses. ¿Cuál es el origen del menosprecio, del prejuicio? Todavía no acabo de entenderlo, pero lo estoy intentando.


Me licencié en teatro. Tuve muchas clases de historia del teatro e historia del arte. Compré y leí los tres volúmenes de Historia Social de la Literatura y el Arte, de Arnold Hauser.⁵ Sé que esta etapa de mis estudios académicos fue hace muchos años, pero la verdad es que el circo sigue estando fuera de la línea de la historia de las artes. Los espectáculos populares tampoco forman parte de esta línea. No quiero entrar aquí en la discusión de lo que es el «espectáculo popular». Creo que se puede comprender el significado del término en este contexto. Si fuera por los libros y los críticos, yo no tendría ni idea de lo que es un teatro mamulengo [de títeres], no sabría que Antônio José da Silva, el judío, era titiritero y que todos sus textos fueron escritos para títeres. No conocería el pastoril, los reisados, no sabría nada de la riqueza rítmica de Brasil. No sabría cuánto aportaron los moros a nuestra historia, no conocería a nuestros arquitectos populares tan creativos, sin mencionar las culturas de tantos otros pueblos. Muchos pensarán que mi ignorancia era abismal, y estoy de acuerdo. No era por falta de interés, siempre he intentado leer todo lo que caía en mis manos sobre arte, toda la vida he sido un ratón de librerías de segunda mano. Pero no sabía cómo buscar información sobre algo que ni siquiera me imaginaba que debería conocer. Cuando comencé a trabajar con Luiz Mendonça, empecé a comprender el mundo que no conocía. Las artes son muchas, muchas más. Existen artistas de todo tipo, en cada rincón. Nadie podrá entender y conocer todo, pero podemos ir mucho más allá de esta historia de las artes que fueron reconocidas como importantes por personas que se reconocían a sí mismas como importantes. Conozco poco, muy poco, pero abrí mis ojos a las artes y amplié este plural en múltiples vertientes. No se puede intentar conocer la historia de las artes con juicios de calidad sin darse cuenta de las diferentes formas y medios. Sin reconocer la influencia del tiempo, del entorno y del objetivo de cada obra, espectáculo o expresión. ¿Y cómo queda el circo ⁶ en la historia del arte? ¿Por qué no está en los libros, en la historia oficial? Como acróbata mental, he estado ensayando algunas posibles respuestas. Y, como cualquier acróbata, corro el riesgo de caerme al suelo, pero vale la pena intentarlo. Allá voy.

3. Todas las definiciones se basan en entradas del Grande Dicionário Houaiss.

4. Erminia Silva y Verônica Tamaoki son mis compañeras de acrobacia mental. Además de investigar y estudiar el circo, los acróbatas mentales participan en luchas por más respeto y apoyo, ya sea de la academia, de los intelectuales o de los gobiernos. Creamos el Comitê Pró Criação da Associação Nacional de Acrobatas Mentais, o CPCANAM [Comité para la Creación de la Asociación Nacional de Acróbatas Mentales]. Quienes están en el circo siempre deben tener humor.

5. En 1976, Arnold Hauser era el máximo de los máximos y sus libros, todavía no traducidos, eran caros, muy caros.

6. El circo, como teatro, tiene dos significados: la casa donde se desarrolla el espectáculo y el espectáculo que habitualmente se realiza en este espacio. Las artes circenses ya existían mucho antes de la creación del espacio circo, así como el teatro.

69


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Todo lo que la élite no puede hacer o disfrutar exclusivamente, no tiene importancia. La definición de calidad de las artes siempre ha sido un atributo que ha correspondido a las élites, en todas las eras. Las grandes fiestas populares, los desfiles de los ejércitos victoriosos, las fiestas de la cosecha, los cortejos religiosos eran todos patrocinados por una élite para el disfrute del pueblo. Allí estaban faraones, sacerdotes, reyes, nobles de todo tipo. Ellos también se divertían, pero aquello era para el pueblo. La importancia de los mecenas nos ayuda a comprender un poco cómo se produjo esta división entre lo que es arte y lo que no lo es, entre lo que es noble y lo que es solo entretenimiento, un arte menor. Hasta hoy, el tener o no los recursos para sobrevivir y crear es fundamental para cualquier artista. Músicos, compositores, literatos, poetas, escultores, pintores y muchos otros artistas de las artes nobles podían al menos competir por un lugar bajo el sol. Dependían del deseo de la élite, del reconocimiento de algún mecenas. Iglesias y templos de todas las épocas tenían que impresionar a sus fieles y fortalecer su relación con lo mágico, lo divino, lo inefable. Quienes pagaban la factura tenían todo el interés en valorar a «sus artistas», «sus obras», exhibiendo su riqueza y su «buen gusto». ¿Quién eligió a los grabadores y pintores de las pirámides? ¿Quién decidía cuál artista haría la rica marquetería y las delicadas pinturas del arte chino? Alguien siempre tiene la última palabra, alguien siempre decide qué es bueno, qué es bello, qué está a la altura del «dueño» de la obra. El caso del ballet clásico es emblemático. La humanidad siempre ha bailado. Desde bodas hasta rituales religiosos, todo era motivo para bailar. En las cortes también se bailaba mucho, aunque con más lujo, modales refinados y reglas diferentes a las de los bailes de los plebeyos. A principios del siglo XVI, surgió el ballet en las cortes italianas. Llevado a Francia por la reina María de Médici, el ballet encontró allí a su público más apasionado. La corte francesa acogió encantada la delicadeza y sutileza de sus movimientos. Otro punto importante es que el ballet necesitaba las orquestas, que le permitían a la élite mostrar su prestigio con «sus» músicos y «su» cuerpo de baile. Se creó el espectáculo de danza de la élite.

70


Ejercicio de acrobacia mental: crítica, estética y circo

La división de clases, derechos y privilegios siempre ha sido parte de la historia y, por tanto, también de la historia del arte. Existe una cierta jerarquía en las artes, como lo explica bien el concepto del cine como el séptimo arte. Las otras son arquitectura, escultura, pintura, música, poesía y danza. Artistas circenses también se presentaban en grandes fiestas de la élite. La imagen de malabaristas y tragafuegos era común en los banquetes medievales o simposios griegos. La diferencia es que ellos no eran considerados artistas. Con la noble excepción de los bobos y bufones, no encontramos referencias a artistas de circo patrocinados por mecenas de ningún tipo.

7. Los que juegan son los que se presentan. En la cultura popular, jugar y actuar son lo mismo. En el lenguaje culto, no tenemos el «to play» del inglés ni el «jouer» del francés.

Hay muchas referencias a los grupos de teatro ambulantes que realizaban hazañas acrobáticas, bailaban cómicamente y cantaban canciones licenciosas o románticas, pero todos siempre estaban de paso: recibían su pago y seguían su camino. Los saltimbanquis sobrevivían gracias a las monedas tiradas al sombrero. Volvamos al tema: ¿por qué las artes circenses no se tratan como arte? No lo sé y no pretendo contestarlo, solo estoy tanteando, buscando pistas. En la jerarquía de las artes, la comedia está muy por debajo de la tragedia. Temas trascendentales, historias edificantes, grandes momentos de la historia, dramas humanos y de los dioses están en la tragedia. La comedia trata de las equivocaciones y confusiones de la vida cotidiana. Son cornudos, viejos verdes, avaros, mujeres charlatanas, el soldado cobarde, el soldado valiente, la chica ingenua y el muchacho que quiere casarse con ella. En general, podemos clasificar a los personajes de la tradición cómica en dos grandes grupos: los que comen y los que no tienen nada que comer y se pasarán toda la historia intentando solucionar su problema. Son personajes que atravesaron milenios. En la Grecia Antigua eran los deikelistai - los que muestran, los que juegan.⁷ Mimos dóricos, poetas yámbicos, parásitos, todos, de alguna manera, usaban estos tipos caricaturescos que llegan a la actualidad. Los lazzi de la Commedia dell’Arte, herederos de la farsa atelana y la comedia romana: son los guiones que, al ser tan conocidos, no necesitaban ser escritos. Los personajes eran los mismos, con pequeñas variaciones, según la región de origen y la época.

71


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Los actores acróbatas payasos podían interpretar al mismo personaje durante toda su vida. Arlequines, pantaleones, doctores, polichinelas, colombinas, amas y ancianas son figuras que se han perpetuado en el tiempo. La comedia repite infinitamente las mismas situaciones básicas y, por mucho que todo parezca diferente, los sentimientos humanos son los mismos. Siempre tratamos de reírnos de nosotros mismos. Comediantes, saltimbanquis, acróbatas, músicos, bailarines y todo lo que se necesite: así son los artistas circenses. Este teatro popular de las plazas y ferias no diferenciaba entre las habilidades de un artista. En los espectáculos se entrelazaban saltos, piruetas, cancionetas, poesía, historias cómicas o románticas, animales en exhibición o adiestrados. Todos itinerantes, procedentes de ningún lugar, que iban a alguna parte. En la búsqueda de apoyo financiero y prestigio, cada rama del arte intentaba ser reconocida como algo especial que mereciera un tratamiento diferenciado. El teatro era especial y no podía equipararse a los saltimbanquis de ferias. La competencia fue tan grande que, en Francia, durante mucho tiempo, solo se permitía hablar y tocar instrumentos en el escenario de los teatros oficiales que tenían la autorización del rey. Por tanto, los saltimbanquis se han reinventado. Crearon la escena fuera de la carpa. Un presentador presentaba la obra y a los personajes. Dentro de la carpa, mucha mímica e incluso el uso de carteles, como pasaría en el cine mudo siglos después. Los instrumentos insólitos terminaron convirtiéndose en una gran atracción. Tocar serrucho, bailar con cascabeles afinados, taburetes, panderetas, coro de bocinas: se inventaba de todo para asegurar la alegría del público. El circo moderno, con maravillosos caballos y jinetes, numerosas hazañas y figuras cómicas, fue creado por Philip Astley en 1778, en Londres. Al principio era solo un terreno vallado donde el público pagador podía apreciar los movimientos de los caballos y jinetes, espectáculos con malabaristas, músicos, equilibristas, acróbatas y payasos. En 1779, Astley construyó su anfiteatro con una pista de 13 metros de diámetro y condiciones de presentar fascinantes espectáculos, con todo tipo de destreza y variedad de las artes circenses. En Francia, en 1782, Charles Hughes y Charles Dibdin inauguraron una casa de espectáculos con una pista y un escenario, llamada Royal Circus. Fue la primera vez que se utilizó la palabra circo en el sentido moderno.

72


Ejercicio de acrobacia mental: crítica, estética y circo

Este espectáculo con la diversidad de los saltimbanquis y la experiencia de los jinetes fue un éxito en toda Europa y luego llegó a las Américas. Cabe recordar que desde principios del siglo XVIII ya venían a Brasil artistas ecuestres, ilusionistas, acróbatas, trapecistas y funámbulos. Se presentaban en teatros, en las calles o en los «círculos de toros». A principios del siglo XIX, familias de artistas procedentes, en su mayoría, de Europa decidieron quedarse aquí y abrieron sus circos. No contaré aquí la historia del circo. Ni siquiera puedo hacerlo, pues sé poco sobre ella. Todavía sabemos muy poco. Lo importante es darse cuenta de que el circo, al igual que el teatro y cualquier otra forma de arte, tiene su historia, se transforma, se reinventa y continúa. Las artes circenses, así como el arte de la interpretación, siempre han estado presentes y, a lo largo del tiempo, han tenido varios cambios estéticos. El espectáculo del circo del siglo XVIII no es el mismo que el del circo en carpa, creado por J. Purdy Brown en 1825, en Estados Unidos. El circo en carpa es el símbolo del espectáculo itinerante, la marca de los nuevos saltimbanquis.

8. El trapecio al vuelo fue creado por Jules Léotard, un gimnasta francés, en 1859. El acróbata pasaba de un trapecio (lo que hoy llamamos trapecio fijo, que se balancea, pero no tiene altura) a otro y de este a un tercero, haciendo movimientos acrobáticos a cada paso.

Cada avance tecnológico abre innumerables posibilidades para las artes circenses. La «novedad» es parte de ellas. La «grandiosidad» también. Lo «aparatoso» forma parte de las artes circenses. Las carpas aumentaron, pasaron a tener dos mástiles y ahora podían presentar el trapecio volador, que antes solo era posible en los anfiteatros. Con la popularización del espectáculo creado por Léotard,⁸ los acróbatas han inventado dificultades, mejorando el espectáculo y transformando el trapecio. El trapecio al vuelo actual es inmenso y está a gran altura. Se creó al portor, que soporta al ágil, que se lanza del trapecio. Las troupes de hoy realizan triples saltos mortales y otros movimientos que parecerían imposibles para el joven Léotard y sus contemporáneos. No se puede tener una visión crítica si no se conoce la historia o las diferencias estéticas de un arte en desarrollo. El trapecio, por ejemplo, es un aparato en el que los artistas se apoyan para realizar hazañas. Pero no es el aparato que hace el espectáculo, ni el hecho de que los artistas sean capaces de superar una determinada dificultad técnica. Lo que hace el espectáculo, lo que hace del trapecio una de las imágenes más memorables del circo es el que vuela, el ágil. La música, la

73


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

presencia, el tiempo, la elección de la serie, la capacidad de encantar: esto es arte. Hay que conocer el espectáculo de trapecio para comprender la calidad del trapecista. En las últimas décadas del siglo pasado, el circo vivió un período de revolución estética muy importante. Desafortunadamente, la falta de conocimiento sobre las artes circenses ha creado equivocaciones que todavía resuenan hoy. Francia denominó el movimiento como «nuevo circo». ¿Esto convertía a los que tenían otro tipo de espectáculo en «viejo circo»? En Brasil, el desconocimiento absoluto por parte de nuestros periodistas hizo que los espectáculos que se identificaban con esta experiencia estética se trataran como teatro. ¡Y es circo, es todo circo! Los que son capaces de realizar hazañas que desafían la gravedad son del circo. La ignorancia fastidia. Seguí esta historia de cerca. Estaba allí cuando comenzó la Intrépida Trupe,⁹ en 1986. Un grupo de jóvenes recién egresados de la Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha viajó a México llevándose con ellos a artistas procedentes de la danza, la capoeira [mezcla de artes marciales y danza] y de un curso de dobles impartido por Breno Moroni en el Parque Lage. Todos participaban en el Circo Voador instalado en Arpoador, en la playa. Ninguno de ellos pertenecía a una familia circense. Ninguno de ellos había nacido en una tienda de campaña al lado de la carpa. Eran jóvenes urbanos a los que les gustaba un tipo de música, que vestían como los demás jóvenes de la ciudad y tenían un bagaje cultural similar. Intrépida Trupe, aunque no tiene la tradición circense, trajo en su repertorio algunos espectáculos de gran dificultad técnica. Equilibrio en la tabla de equilibrio con el ágil apoyado en la cabeza del equilibrista —número de graduación de Claudia Goudá y Ricardo Camilo en la Escola de Circo— es algo que nunca he visto igual. Otros que merecen destacarse son el tango sobre zancos y la monociclista en altura, de Felicity Simpson y Héctor Combo. Espectáculos que requerían un gran dominio técnico y eran pura poesía. Los jóvenes superaban las dificultades técnicas convirtiéndolas en oportunidades creativas. El espectáculo del trapecio triple no era espectacular en términos técnicos, pero los trapecistas nadaban en el aire y eso era hermo-

74


Ejercicio de acrobacia mental: crítica, estética y circo

so. Estas ideas eran diferentes, llamaron la atención y crearon una mirada. La prensa de Río de Janeiro decidió denominar a Intrépida Trupe como un «grupo de teatro y danza que utiliza técnicas circenses». Hoy todavía utilizan este tipo de designación para referirse a un grupo capaz de realizar hazañas de alto nivel. Siempre se han bailado las acrobacias circenses. Hay una coreografía en cada movimiento y los artistas actúan todo el tiempo. Entran en escena y se imponen al público. Son personajes. El hombre fuerte no es tan fuerte, la bailarina tan delicada en el trapecio tiene músculos definidos y mucha fuerza.

9. Cito a Intrépida Trupe como un ejemplo perfecto de esta confusión entre lo que es o no es circo, pero podría mencionar Circo Mínimo, Acrobáticos Fratelli, Teatro de Anônimo y muchos otros.

Intrépida Trupe es un grupo circense y, como todos los grupos circenses, es heredera de los saltimbanquis. El circo, en sí mismo, es un espectáculo de circo-danza-teatro-música-y-algo-más. El circo abarca cine, espectáculo, televisión, todo. La ignorancia transformó lo que sería un interesante estudio para la crítica en una disputa por espacio y recursos. El final de los años 1980 marcó una nueva estética en el circo, una más. Otra mirada a la creación del espectáculo, un estilo más entre los muchos que el circo ha desarrollado a lo largo de su historia. Como en todo arte, las elecciones estéticas son múltiples y algunas veces puntuales, otras veces son tan marcadas que se convierten en un movimiento que influye en toda una generación. Al mismo tiempo están en cartelera el Cirque du Soleil y el Cirque d’Hiver Bouglione. Son contemporáneos. El público puede elegir cuál prefiere o incluso ver ambos. Son estilos diferentes y sus espectáculos son completamente diversos, sin embargo, ¡es todo circo! Es todo arte circense. La diferencia está en la elección estética y, por supuesto, en las posibilidades financieras. ¿Cuándo vamos a empezar a pensar seriamente en los cambios estéticos que atraviesan las artes circenses? ¿Vamos a viajar a través de la historia para tratar de entender qué significó la creación del gigantesco espectáculo con tres pistas por parte de Ringling Brothers y Barnum & Bailey Circus? ¿Cómo esto impactó a otros circos? ¿La creación de las carpas suspendidas, sin mástil, cambió algo en los espectáculos? Me parece fascinante el entrelazamiento de cuestiones tecnológicas y artísticas en las artes circenses. Las artes del circo son realmente fascinantes.

75


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Para conocer más En el sitio web de Circonteúdo —el Portal de la Diversidad Circense (<www. circonteudo.com>)— están la mejor bibliografía, libros, tesis de maestría y doctorado, además de artículos para descarga, historias de artistas, videos y testimonios. Entrar en Circonteúdo es sumergirse profundamente en el circo y las artes circenses. El Centro de Memória do Circo [Centro de Memoria del Circo], en el centro histórico de São Paulo, es un museo vivo del circo y las artes circenses, con un invaluable acervo material e inmaterial. Lugar de cursos, conferencias y espectáculos, es un espacio vivo abierto a investigadores y público en general. Imperdible.

76


Ejercicio de acrobacia mental: crítica, estética y circo

Referencias CASTRO, Alice Viveiros de. O elogio da bobagem: palhaços no Brasil e no mundo. Río de Janeiro: Editora Família Bastos, 2005. CIRCONTEÚDO. Concepción: Crioula Design, 2018. Disponible en: <https:// www.circonteudo.com/>. Accedido el 28 de septiembre de 2020.

77


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

Fátima Pontes¹

1. Graduada en artes escénicas por la Universidad Federal de Pernambuco (UFPE), tiene una maestría en el área de educación de la misma institución. Actúa como actriz, productora cultural y profesora de teatro. Desde hace 20 años, coordina las áreas ejecutiva y artística de la ONG Escola Pernambucana de Circo, consolidada en Recife en 24 años de actividades ininterrumpidas. La organización está vinculada a la Rede Circo do Mundo Brasil, que forma parte del colegiado gestor, que tiene una alianza con el programa Cirque du Monde, del Cirque du Soleil, y es uno de los centros de referencia en la formación de formadores en circo social.

78

Miro la página en blanco… Pienso en cómo podré escribir sobre «la brecha entre la crítica y el circo». Entonces pienso en cómo escribo habitualmente. Mi orientador en la maestría, João Francisco de Souza —cuya ausencia me entristece, pues era alguien que entendía lo que yo escribía—, dijo: «Ella escribe como quien habla con otra persona». Me moría de la risa, porque yo creía que esa era la forma como debería escribir para que las personas me entendieran, todas ellas. Después de algún tiempo, él aceptó mi forma de escribir y ya no quería que la cambiara para la tesis, porque: «Si nadie escribe diferente en la academia, todo se convierte en una sola cosa... Ve, hazlo a tu manera». Y así es como, después de pensar mucho, escribo este texto: de manera que parezca una conversación mía con mis amigos y amigas del circo y de otras partes, de la manera como me gusta contar historias o cuentos. Por eso ahora pienso en cómo, en realidad y antes de entrar en el tema, describir de forma sencilla y rápida toda la magia que tienen las artes circenses cuando toman de rebote a su público. Recuerdo, entonces, la primera vez que vi un circo cuando era niña. Yo ni siquiera sé cuántos años tenía, ¿6, 7, 10 años? ¡No lo sé! De verdad, no recuerdo ni siquiera el nombre del circo, pero creo que era uno de esos que tienen nombres «extranjeros», lo que me parece un deleite de poesía. Los recuerdos son confusos —no sé si recuerdo lo que realmente vi o lo que quiero recordar—, debido a que hoy soy parte de este mundo circense y quiero que siempre sea encantador, mágico y alegre. Pero recuerdo algo que me invadió ese día: cuando vi un espectáculo de circo, me invadió el corazón, la garganta, el pecho y el alma. Toda la gracia y ligereza de la trapecista, la destreza de los malabaristas, la gracia sin fin de los payasos, que siempre están burlándose de alguien del público, el olor a serrín, el encanto con la carpa llena de estrellitas (también había agujeros, por los que


pasaba la luz y alcanzaba la pista) y había los animales. En este, eran los perros adiestrados, caballos y un león, que me daba miedo —aunque yo le tenía más miedo al entrenador que al león, porque hacía muchas muecas al conducir al animal en sus trucos—, que el público aplaudía con entusiasmo. Hoy, aunque llevo más de 20 años trabajando con las artes circenses, todavía siento lo mismo que sentí cuando era niña al ver un espectáculo de circo: me quedo con la boca abierta, siento mariposas en el estómago, se me pone la piel de gallina, me siento entusiasmada, feliz, emocionada y apasionada. Aunque sea ese circo que muchos llaman «cirquito», ese «pobrecito», que está «donde Cristo perdió la alpargata», como se dice cuando algo está muy, muy lejos. Siempre siento que algo mágico le sucedió a alguien en la audiencia y a los artistas, los mismos que a menudo venden golosinas frente al circo, junto a la carpa. «¿Te has dado cuenta de que el circo huele a palomitas de maíz?», decía Amanda, personaje de un espectáculo que presentamos aquí en Recife en 2008, llamado Ilusão – um Ensaio Melodramático Circense, en la Escola Pernambucana de Circo. Y, realmente, al igual que el cine, ¡el circo huele a palomitas de maíz! ¿Y la manzana de caramelo? ¡Solo se hace de este tipo en el circo! ¿Y los juguetes? El intervalo del espectáculo sirve para esto, para vender estos productos, y también tiene una magia, un encanto. Es el momento en el que la gente se ríe o habla de los números que se han presentado y los que están por venir. Volvamos a la audiencia, ¡el espectáculo continuará! Y siempre ha continuado, incluso ahora, en tiempos tan difíciles: 2020, ¡vaya año! Momentos que nunca pensamos que viviríamos en pleno siglo XXI, como si no fueran suficientes todos los demás tormentos que siempre han sufrido las artes circenses, desde principios de los años 1990 hasta la actualidad. La escasez de terrenos en los grandes centros urbanos hace mucho empujó a los circos pequeños y medianos al interior de los estados, y a los grandes a los estacionamientos de los centros comerciales. Mis recuerdos me llevan a cuando empecé a trabajar en el circo. Fui empujada a dar clases de teatro en la Escola Pernambucana de Circo, en Recife, a principios de los años 2000, y es de ahí que hablo y escribo, porque solo puedo hablar y escribir sobre el lugar de donde vengo y donde estoy en el mundo. De ese arte yo no entendía nada y aún hoy creo que sé poco, porque cada día aprendo más y más de todos los que hacen artes circenses, desde los más jóvenes hasta los más mayores. ¡Cuánta sabiduría de todos y todas ellas! Sin embargo, el encanto

79


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

que creo que tuve la primera vez que fui al circo sigue siendo el mismo. Me encanta ver a mis chicos y chicas de la Escola Pernambucana de Circo y de otros proyectos de circo social practicando, aprendiendo, desafiándose, superándose, investigando, encontrando nuevas formas de volver a hacer lo que siempre se ha hecho. Esto lo veo en la mayoría de los cientos de artistas del circo que conozco hoy y con los que convivo, en todas las categorías: itinerantes, independientes, callejeros, troupes, grandes compañías, pequeñas compañías, grupos, artistas en solitario, en fin, todo esto todavía me encanta. Esta es la razón para seguir remando en estas olas que van y vienen, ¡como en el mar que tanto amo! Así, a veces pienso en cómo se siente un crítico especializado en artes y cultura al escribir sobre las artes circenses de manera crítica. ¿Él debe tener experiencia en circo para hacerlo? Pregunto esto porque no es fácil transcribir al papel todos los temas relacionados con las artes circenses presentes en un espectáculo, un número, una performance. ¿Cómo puedo llevar al escrito crítico todo lo que comencé a hablar sobre las artes circenses? ¿Cómo hablar de la destreza del artista, la estética del espectáculo, el vestuario, la música? ¿Es posible diferenciar el circo contemporáneo y el itinerante/tradicional del que se hace en los proyectos de circo social, que tienen en sus troupes la forma de expresar su trabajo pedagógico con niños, adolescentes y jóvenes? ¿Cómo analizar críticamente a un artista circense de la nueva generación, que tiene acceso a mucha información y tecnología, al lado de los artistas mayores, que se mantienen con sus números y espectáculos llenos de tradiciones? Como dice mi amiga —gracias a Dios— y compañera de tantos intercambios de experiencias y conocimientos, la doctora Erminia Silva: «¡El circo es circo!». Estoy de acuerdo con ella, porque también creo que el que dice cuál es la expresión de lo que se presenta es el que presenta, ya sea bueno, malo, óptimo o excelente a los ojos de quienes lo aprecian. El que actúa es el que conoce el porqué de sus actos, «cada uno conoce el dolor y el placer de ser lo que es», como dice el gran cantante Caetano Veloso. Aunque hay distinciones entre los actos y formas circenses de presentarse, todos tienen el mismo objetivo: llevar al público el cosquilleo en el estómago y el ardor en las manos causado por los cálidos aplausos. Ah, la difícil tarea de no volverse loco pensando: «¿Cómo él/ ella puede hacerlo?». ¿Pueden los críticos, al tener que pensar en cómo 80


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

escribir, al igual que yo al principio de este texto, llegar a entender qué son las artes circenses? Sin querer ser pedante, pero sin dejar de serlo, creo que no. Y, por supuesto, no es que los críticos no quieran escribir sobre el circo, pero creo que la especificidad del arte circense dificulta este proceso de escritura del lenguaje de las artes escénicas, que a mi entender es el más difícil de realizar si no se tiene esta técnica, aunque sea inmadura. No hay posibilidad de hacer malabares sin mantener de alguna manera los objetos en el aire; no hay forma de hacer acrobacias sin rodar por el suelo de manera dirigida para el salto mortal o algo aún más sorprendente. Por último, la expresión diversa del lenguaje circense requiere practicar durante meses o incluso años para obtener destreza.

2. La primera de estas cartas fue traducida por Erica Stoppel, del Circo Zanni (São Paulo), con el título «A necessidade de uma redefinição» [La necesidad de una redefinición]. Disponible en: <https:// panisecircus.com.br/ abril-retrato-de-casal-de-acrobatas-em-intimo-erica-stoppel-e-a-carta-ao-circo-da-dramaturga-bieke/>. Accedido: 21 oct. 2020.

Esto sin quitarles el mérito a los cantantes, actores, danzarines y bailarines, que también trabajan mucho para mostrar sus habilidades. Pero es que el circo tiene ese riesgo inminente, y eso sí es difícil de describir, sobre todo si no se entiende cuál es el riesgo. No es solo de caída, es de tantas cosas que no siempre nos damos cuenta. Y somos parte de ese mercado, así que imagine los que no lo son, que no investigan las artes circenses, que no escriben sobre esto de forma sistemática. La dramaturga belga Bauke Lievens, en una serie de cartas que escribió en 2016 dirigidas a artistas circenses,² habla de su destreza: El circo, con su amor por la habilidad física y su tradición de colocar al público en la pista, no intenta crear una ilusión. En lugar de eso, se centra en un verdadero encuentro de cuerpos. No hay una cuarta pared. Pase lo que pase, lo hace en tiempo real, en el aquí y ahora de la gran carpa. No hay historia, sino una sucesión de actos. A excepción de los payasos, no hay persona dramática (LIEVENS, 2016). Esto refuerza la especificidad de las artes circenses y la dificultad de comprenderlas de manera, digamos, formal. El circo se reinventa todo el tiempo, aunque muchos piensan que todavía estamos atrapados en los siglos pasados, cuando el circo llegó a Brasil. Otros, a su vez, creen que 81


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

3. O circo, o teatro e a crítica: uma história de encontros e desencontros. Disponible en: <https://www.sescsp.org.br/online/ artigo/10017_O+CIRCO+O+TEATRO+E+A+CRITICA+UMA+HISTORIA+DE+ENCONTROS+E+DESENCONTROS>. Accedido: 24 sep. 2020.

el circo «se perdió», principalmente los artistas de circos itinerantes y el público laico, a quienes les gusta el llamado «gran circo», el que se hace allí frente al público, «sin adornos». Esto es aún más frecuente cuando se trata de los espectáculos de circo contemporáneo, especialmente los llamados «cabezones». Afortunadamente, hoy en día hay mucha gente investigando y escribiendo sobre las artes circenses. Pero se sabe muy poco sobre crítica de los espectáculos circenses. Incluso discutimos esto en el seminario Crítica em Movimento, promovido por Itaú Cultural en 2017, en el que participé junto con Erminia Silva y Rodrigo Matheus. Llegamos a la conclusión de que, lamentablemente, no existe una producción robusta de críticas de espectáculos circenses. Yo y Rodrigo Matheus —Erminia dijo que no quería involucrarse en esto— quedamos de pensar en cómo cubrir esta brecha, pero pasó el tiempo y nunca volvimos a hablar de eso. Digo «lamentablemente» porque el mercado aún padece esta carencia que deja pendientes registros históricos de los desplazamientos de circos itinerantes, compañías, grupos y troupes por todo Brasil. José Carlos de Andrade también habla de esta brecha, en un artículo escrito en 2016 para Sesc São Paulo:³ Si por un lado la supervivencia de los circos de carpa, especialmente los populares, es un desafío para los artistas y gestores que trabajan con políticas públicas, por otro lado ha surgido en las últimas décadas una nueva generación, resultado de una novedad relativamente reciente, que son las escuelas, las denominadas escuelas de circo y también las escuelas de teatro, donde aspectos particulares del repertorio circense son el enfoque del aprendizaje y la formación, como es el caso de las diversas técnicas de clown. Como casi siempre ocurre, esta expansión no ha sido correspondida con mucho rigor por la crítica, especialmente la periodística. Si bien la reflexión académica ha multiplicado las especializaciones y los estudios en torno

82


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

al circo tradicional o las nuevas formas del arte circense, la producción contemporánea más cotidiana se sigue viendo a través de instrumentos críticos todavía relativamente carentes de un repertorio específico sobre este arte. Rara vez escuchamos hablar de una «crítica de circo». Lo más común es observar cómo los críticos de teatro escriben sobre espectáculos circenses o que involucran técnicas circenses. Y muchas veces con poco o ningún desplazamiento en dirección al propio circo (ANDRADE, 2016). Uno de los puntos interesantes abordados por Andrade es la dificultad de la crítica para comprender la técnica circense. Y, como dije al principio de este texto, es difícil escribir sobre lo que no se puede comprender. Además, también señalo que los circos itinerantes sí tienen una dramaturgia, ya que el guion de presentación de los números sigue siendo dramatúrgico, como en los denominados circos contemporáneos: Por un lado, este escenario se justifica por la dificultad para reconocer los aspectos propios del lenguaje que provienen de allí, aunque él es, como hemos visto, tan antiguo como la propia historia del país. Por otro lado, también tiene que ver con esa tendencia del panorama actual, de desestabilizar géneros y ofrecer a la mirada del crítico, cada vez más, «experiencias escénicas» en lugar de creaciones cuyas coordenadas formales se restringen a alguna área más específica. De todos modos, una crítica periodística especializada en general sigue caminando, si se compara con el trabajo de creación artística, por detrás de un pensamiento vivo, presente y que se manifiesta en sus variadas formas de ocurrir, ya sea en el sentido de reubicar la tradición o en el sentido de experimentar cruces inusuales (ANDRADE, 2016).

83


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Entonces puedo decir que, teniendo en cuenta mi comprensión y las investigaciones que hice para escribir este texto, este problema para el sector circense, de la falta de comprensión de la crítica, se ha discutido un poco más en los últimos años —los textos que menciono datan de 2016 y 2017—. Sin embargo, en marzo de 2012, en un artículo publicado en Rebento - Revista de Artes do Espetáculo, Rodrigo Morais Leite habla sobre Décio de Almeida Prado, el circo y otros géneros «menores», como él los llama. Presenta algunas consideraciones acerca de las críticas que hacía el autor sobre el teatro y el circo, aunque en este aspecto se refiere mucho más al circo en el teatro: Dividido en cuatro partes —«As crônicas» [Las crónicas], «Um crítico elitista e conservador» [Un crítico elitista y conservador], «O teatro e a salvação pelo popular» [El teatro y la salvación por lo popular] y «O palhaço no teatro» [El payaso en el teatro]—, este trabajo aborda inicialmente las críticas que escribió Décio de Almeida Prado sobre espectáculos de circo, pasando después a examinar algunos supuestos teóricos de su historiografía para, finalmente, detenerse en las críticas de teatro con elementos circenses (LEITE, 2012). Lo que se evidencia una vez más es que, en aquel entonces, desde 1946 hasta 1968, cuando escribía para el periódico O Estado de S. Paulo, Décio hablaba mucho más de los elementos circenses presentes en los espectáculos de teatro que de los espectáculos de circo mismos: De hecho, aunque el teatro prevaleció de manera incontestable, en los primeros tiempos de su actividad como crítico de Estadão, Décio de Almeida Prado, en ocasiones, abría espacio para tratar otras manifestaciones del arte escénico, como el circo (LEITE, 2012). También según Rodrigo Morais Leite:

84


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

Cuando pasó a denominarse simplemente «Teatro», su sección en ese periódico —sin firma, como era habitual en la prensa de la época— se titulaba «Palcos e Circos» [Escenarios y Circos]. Estas aperturas a espectáculos de diversa índole no se mantuvieron en el tiempo: con el paso de los años, se fueron haciendo cada vez más escasas, hasta que el teatro adquiriera el monopolio completo, por eso el nombre de la columna cambió a partir de 1959 (LEITE, 2012). Resalto también cómo el autor analiza el escrito de Décio sobre el circo, específicamente: Las pocas «crónicas» que el crítico paulista escribió, en esta etapa relativamente corta de su larga carrera intelectual, sobre espectáculos específicamente circenses —porque es otra cosa el teatro con elementos circenses—, sólo dos se salvaron del olvido destinado a los géneros periodísticos por excelencia (por lo tanto, efímeros), como la crítica y la crónica, adquiriendo supervivencia en las páginas supuestamente perdurables del libro impreso. Sin embargo, antes de citarlas, abro un pequeño paréntesis: escribimos «crónicas», entre comillas, por dos razones: primero porque, en el momento en que fueron escritas, este término tenía una connotación más amplia, designando también lo que hoy se llama sólo crítica; en segundo lugar, porque las críticas de Décio de Almeida Prado que tratan del circo son, en realidad, mucho más crónicas que críticas, según el significado algo restringido que la palabra ha adquirido más recientemente (LEITE, 2012).

85


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Algo relevante en las crónicas/críticas de Décio de Almeida Prado es su manera de describir el circo como «cansado», «sedentario» y «resignado», pero sin mencionar a qué circo se refería. ¿Sería un circo moderno? ¿Un circo al estilo «nuevo circo»? No lo sé, no queda claro en el artículo. Pero observamos que, desde entonces, se hablaba de una forma «antigua» de hacer circo, más relacionada con los circos itinerantes, como sigue siendo hoy, lamentablemente. Vale la pena resaltar, sin embargo, que el autor del artículo reconoce las limitaciones de Décio para hablar de las artes circenses: [...] brechas, contradicciones y analogías temerarias que hasta este punto del trabajo hemos tratado de exponer, extraídas de un fragmento mínimo de la obra de Décio de Almeida Prado, no se deben, es importante destacar, a la incompetencia técnica. Creemos que el problema es de otro orden. De manera preliminar, por el hecho de que él fue, como máximo, un analista de circo bisiesto, es decir, un crítico de teatro que ocasionalmente escribía sobre un espectáculo de circo, y además en un período relativamente corto de veintiún años de carrera, no produjo y, por consiguiente, no reflejó lo necesario para la elaboración de una teoría del asunto en cuestión. Aunque lo más probable es que entendiera bastante del tema, sus observaciones sobre él no obedecían a ninguna plataforma conceptual, por amplia que fuera. Esto es básicamente lo que explica, si no justifica, las inconsistencias antes mencionadas (LEITE, 2012). Por lo tanto, una vez más, descubrimos que escribir sobre la crítica circense nunca fue fácil. Quizás se deba a eso la escasez de textos de crítica, principalmente por su especificidad técnica y estética. Además, está el carácter del valor económico del emprendimiento circense: cuanto más barato, es decir, cuanto más pequeño y mediano es el circo, más difícil es que cualquier periodista se mueva para ir a verlo. Al fin y al cabo, estos circos se

86


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

encuentran con mayor frecuencia en el interior de los estados y en las periferias de los centros urbanos. Digo esto del circo itinerante, pero también puedo mencionar las grandes compañías de circo que, si bien tienen esta característica, no reciben la debida atención del periodismo crítico. Si esto es cierto para los grandes, es aún más real para las pequeñas compañías, los grupos y las troupes circenses, sobre todo si proceden de proyectos de circo social. Pero, para que no digan que no hablé de flores, les traigo una historia del Seminario Internacional de Crítica Teatral realizado por una productora de Recife en 2011. Nosotros, de la Trupe Circus, un grupo profesional de la Escola Pernambucana de Circo, tuvimos el espectáculo Círculos que Não se Fecham... Experimento n° 1 evaluado críticamente en ese evento. El montaje trataba temas de la juventud, principalmente los relacionados con la violencia que sufren los jóvenes de todas las clases sociales, pero con enfoque en los de los suburbios urbanos (violencia de género, en la escuela, en el fútbol, contra las mujeres, etc.). Traíamos la mirada de la juventud contemporánea como punto de partida, en una mezcla de danza, música y teatro. Sin embargo, el espectáculo fue criticado por periodistas que escribían sobre teatro, ya que el seminario era sobre crítica teatral y no sobre circo. Por eso, las críticas traen muchas evaluaciones sobre los elementos teatrales y poco o casi nada sobre las artes circenses. Al menos nos sentimos un poco contemplados e incluso felices de recibir una mirada crítica sobre nuestro trabajo artístico después de 11 años de presentar espectáculos con la Trupe. Y ahí quedó. Después de este espectáculo, hemos presentado cuatro más y no hubo la presencia de periodistas en la audiencia ni críticas sobre las presentaciones, lo cual es una lástima, porque sabemos lo importante que es esto para el trabajo artístico. Los escritos elaborados en el seminario nos hicieron evaluar y revisar las cosas que nos proponíamos con la puesta en escena. ¡Ah! Vale resaltar dos cosas: primero, que estos escritos no fueron espontáneos, ya que los críticos no fueron a vernos por su propia voluntad. Ellos existieron porque los críticos invitados tenían que escribir sobre los espectáculos a los que asistían y que eran elegidos por la organización del seminario. Por eso entramos en el conjunto de los programas analizados críticamente. Segundo: entramos en una edición del seminario denominada 87


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Teatro Fora do Eixo [Teatro Fuera del Eje], entonces entendimos que la elección se debió al tema que se debatiría ese año, con el que tenía que ver nuestro espectáculo, que se consideraba un circo-teatro y se realizaba en nuestra sede, en la periferia de la ciudad de Recife. Los textos fueron escritos por los periodistas, profesores y autores teatrales Márcio Bastos, Jorge Bandeira, Paulo Vieira y Márcio Braz. Y si bien estos críticos escribían más sobre teatro, tuvieron algún cuidado al analizar nuestro espectáculo y las artes circenses que surgieron de él, como dijo Márcio Bastos: Es cada vez más raro presenciar una catarsis colectiva en espectáculos de artes escénicas en Brasil. Muchos se entregan al reclamo del melodrama, al «susto-espectáculo», a performances exacerbadas y a dramas cerebrales. Pero no fue lo que vimos en el espectáculo «Círculos que não se fecham... experimento n. 1», donde la emoción, la tensión y la calidez del circo estuvieron presentes en un espectáculo bien dirigido, lleno de momentos fascinantes, climas dramáticos y, sobre todo, contagioso por la alegría de sus intérpretes (BASTOS, 2011). A su vez, Paulo Vieira trae este análisis teatral: El punto verdaderamente frágil del espectáculo está en el nivel interpretativo, cuando, en algunas escenas, la dirección llama a parte del elenco a representar, ya sea la maestra represora, la policía o los alumnos rebeldes. Se puede observar que ahí se necesita un trabajo específico mejor elaborado, aunque sean los actores alumnos de una escuela de circo, no de teatro, pero una vez que se proponen trabajar teatralmente, entonces deben trabajar con técnicas interpretativas de la misma forma que se hizo con los malabares, el trapecio y otras técnicas circenses, o incluso la coreografía de los bailes de hip-hop (VIEIRA, 2011).

88


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

Márcio Braz, si bien habla de ritmo y poco de arte circense, todavía muestra algún prejuicio al hablar del circo tradicional, al que también llama peyorativamente «viejo circo»: Lo que más llamó la atención fueron los climas creados por la directora Fátima Pontes. La secuencia de las escenas fue diseñada para producir un ritmo, una respiración. Desde momentos repentinos pintados al son de rap y pasos de baile urbano hasta otros de extrema sencillez y otros más humorísticos, el espectáculo se volvió agradable y sin causar cansancio. La emoción «suelta» del llamado «viejo circo» o circo tradicional dio lugar a la emoción concentrada y objetivada que se originó en el «nuevo circo», involucrando aún más al público ya bastante entusiasmado por la actuación de los intérpretes (BRAZ, 2011 ). Este fragmento de la crítica vuelve a tensar las divisiones entre las distintas formas de expresión de las artes circenses, ya que en muchos casos se evidencia este clima de disputa de «quién es el mejor». ¿Quién podría distinguir exactamente el llamado circo tradicional/itinerante (porque tendría las técnicas más antiguas) del «nuevo circo» (que decía traer innovaciones como la coreografía, el mismo teatro, la danza y una mezcla de tecnologías) y del «contemporáneo» (en el que se dice que prevalece la dramaturgia y la subjetividad de los temas abordados por las performances)? Recordemos a la dramaturga belga Bauke Lievens, mencionada al principio del texto. No tenemos que definirnos, necesitamos reflexionar no sobre lo que hacemos, sino sobre cómo lo hacemos para complacer y seguir encantando al público con las artes circenses. El tratamiento que se le da al llamado circo contemporáneo, caracterizado por la combinación de tecnologías de alto valor monetario con técnicas y guiones circenses, es bastante diferente. Esto se evidencia en las presentaciones de la compañía canadiense Cirque du Soleil, que ya ha venido a Brasil en seis ocasiones y siempre ha tenido sus espectáculos analizados críticamente por periodistas especializados en teatro. Sin

89


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

profundizarme mucho en este tema, podemos pensar una vez más que a la crítica especializada no le importa lo que existe en las expresiones circenses en el propio país, especialmente si son más «pobres». Como siempre, se valora más lo que viene de fuera. Entonces seguimos con nuestro nacionalismo. Encontré una sola crítica más severa a uno de los espectáculos del Cirque du Soleil, que fue precisamente de una persona de circo, Hugo Possolo, artista, payaso y uno de los fundadores de la Companhia Parlapatões, de São Paulo. Hugo incluyó no solo la crítica a la puesta en escena, sino también al mismo hacer circense y su desvalorización en el país. Por eso, creo que es importante traer fragmentos solo de esta crítica y no de las de los otros cinco espectáculos de la compañía en Brasil, redundantes en sus elogios al espectáculo, a los artistas y sus técnicas. Sí, todos ellos son realmente excelentes, lo que no podría ser diferente al tratarse de la compañía de circo más grande del mundo, que utiliza escenarios caros, música siempre en vivo y alta tecnología de luces y efectos visuales. Bueno... traje a Hugo Possolo: [El espectáculo del Cirque du Soleil] Saltimbanqui tiene 15 años. Brasil recibe la última de las giras internacionales. Quizás una crítica en este punto no marque la diferencia, pero no puedo pasar por alto el valor simbólico que genera, la visibilidad que dignifica la actividad. El problema es saber si el circo brasileño lo disfrutará. La fuerza de los números devora la dramaturgia. La aventura de un niño que se convierte en el saltimbanqui del título no llega a cumplirse. Y el espectáculo de variedades pasa a obedecer a la fórmula más tradicional, lo que no es un demérito. Trae los altibajos de números no integrados entre sí. Coreografías colectivas de gestos al unísono empobrecen números preciosos. Caso de los payasitos pesados que nos roban la atención mientras queremos ver al equilibrista en el alambre. Siempre he salido alegre del circo. Esta vez, salí un poco angustiado al ver el provincianismo

90


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

de una élite que no conoce nuestros mayores talentos, creatividad y valores. Dudé, pues creía que pensarían que escribo por envidia. No debo tener miedo a dar mi opinión. Si no la diera, moriría como artista. Los que emprenden no tienen miedo a parecer rencorosos. Los cobardes, que renuncian a los sueños, son los que tienen rencor a las quejas. Es doloroso saber que, quizás, lo que instigará al público serán preguntas como: ¿por qué las palomitas de maíz cuestan R$ 12? ¿Por qué el estacionamiento cuesta R$ 20? Son las dudas del mundo del consumo. La globalización atropella incluso al circo. Y el arte que se las arregle para concluir que la miseria colonizada nos pertenece (POSSOLO, 2006). Claro que, para los estándares socioeconómicos de Brasil, es caro asistir al Cirque du Soleil, aunque se puede pagar la entrada en diez cuotas, como lo haría el público más pobre si quisiera o pudiera asistir. A su vez, los más pudientes van allí para ver el tan soñado espectáculo y «socializar»; al fin y al cabo, es elegante ir al Cirque du Soleil. Sin embargo, los mismos artistas del circo tienen poco acceso a estos y a otros espectáculos que se presentan en las grandes capitales, porque muchos de ellos están buscando su sustento para el día siguiente. Actualmente, muchos circos pequeños y medianos venden entradas por cinco o incluso dos reales, cosiendo día y noche, una vez más, la carpa agujereada. Compañías, grupos y troupes buscan contrataciones para seguir haciendo circo, el arte que han elegido para la vida. Pero la realidad es que está difícil, 2020 ha traído algo nuevo al mundo del circo: la pandemia de COVID-19. Esto complicó aún más la situación del circo: puso el mundo patas arriba, los circos cerraron durante más de seis meses y entonces lo poco se convirtió en casi nada. Otro mundo comenzó a existir, uno que todos llaman la «nueva normalidad». Todavía no sé decir lo que es para mí, solo sé que estoy luchando, junto con los artistas circenses, junto a mi equipo de la Escola Pernambucana de Circo, en la Cámara Sectorial de Circo del estado de Pernambuco, tratando de resistir. Y lo esta-

91


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

mos logrando. Cabe resaltar que, en este momento tan difícil, hay un gran número de artistas circenses de todas las clases y categorías que se están ayudando unos a otros. Es triste y al mismo tiempo hermoso. ¡Sigamos adelante! Un poquito de aquí y otro poquito de allá, ¡seguimos juntos y juntas! ¡Oh, esta gente del circo es muy guerrera! Desde muy pequeña, escucho que «el circo se está muriendo». Nunca escuché que el teatro o la danza se estén muriendo, pero siempre escuché y vi muchas cosas en este sentido. Después de observar debates, conferencias y discusiones, y al estar hoy dentro de la historia, me doy cuenta de que este «cuento» siempre ha sido una jugada para llevar al circo cada vez más a la marginación. Pero esta es otra historia y otro texto. Lo que realmente importa es que el circo está muy vivo y atraviesa firme y fuerte otro período difícil en la historia mundial, luchando a pasos agigantados, pero siempre hermoso y mágico. Es lógico que, en las actividades circenses, siempre hubo «brechas» entre los diferentes segmentos: circo itinerante/tradicional, escuelas, grupos, troupes, compañías, artistas independientes y callejeros. Pero hoy, esto es más, digamos, tranquilo. Para nosotros, de la Escola Pernambucana de Circo, es muy bueno estar al lado de circos con los que ya hemos desarrollado trabajos. Algunos están en marcha, como Disney (Alhandra/Paraíba), Alves (Caruaru/Pernambuco), Montagem Circus (Santa Rita/Paraíba), Empyre Circus (Parnamirim/Rio Grande do Norte) y sus respectivas propietarias: Francisca, Gardênia, Josiline y Madalena he aquí mujeres al mando de los circos itinerantes, ¡qué maravilla! También es muy bueno estar junto con Cia. 2 em Cena (Recife/Pernambuco), Carcará (Cabo de Santo Agostinho/Pernambuco), Garrett Circus (Recife/ Pernambuco), Devir (Recife/Pernambuco) y Casulo (Recife/Pernambuco), entre otras compañías, grupos, espacios de formación y artistas independientes y callejeros. Los circos están reabriendo poco a poco, siguiendo las medidas de seguridad de los organismos de salud de cada lugar, cada capital, cada pequeño pueblo, cada rincón. Grupos, troupes, compañías y artistas independientes y callejeros también buscan sus caminos, incluido mucho uso de Internet: graban espectáculos, ponen a disposición los ya grabados, crean cosas

92


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

nuevas, tratan de reinventarse. Lo importante es que estamos haciendo circo. Haciendo, encantando, emocionando, superándonos, excediéndonos, presentándonos y «muestreándonos». Haciendo, aunque la crítica no vea nada de esto. Pocos escribirán sobre todo lo que está sucediendo, sobre toda la grandeza artística del circo en este período. Si bien las artes circenses —al igual que otras expresiones artísticas— no necesitan la crítica para sobrevivir, sería bueno que alguien, algún crítico realmente, pero muy sensato, muy coherente, muy afectuoso, muy atento, muy cariñoso, fuera a ver un espectáculo de circo en este momento y escribiera no solo con su mirada crítica, sino con su mirada humana. Esto sí pasaría a la historia. Pero, hasta que esto suceda, sigamos adelante... Y, con todo mi amor, ¡viva el circo brasileño!

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Apéndice 1 João Francisco de Souza fue sociólogo y profesor titular en el Centro de Educación de la Universidad Federal de Pernambuco (UFPE) y falleció en 2008. Impartió asignaturas centradas en la educación popular y fue coordinador del Núcleo de Enseñanza, Investigación y Extensión en Educación de Jóvenes y Adultos y miembro de la Academia Pernambucana de Letras. Es autor de más de diez libros sobre educación popular y multiculturalismo. 2 Erminia Silva es licenciada en Servicio Social por la Pontificia Universidad Católica de Campinas (PUC/Campinas) y en Historia por la Universidad Estatal de Campinas (Unicamp), con una maestría en Historia y un doctorado en Historia de la Cultura de la misma institución. Es la autora de los libros Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil (Altana, 2007) y Respeitável Público... O Circo em Cena (Funarte, 2009). Desarrolla actividades de formación e investigación en la Escola Nacional de Circo (Funarte, Río de Janeiro), es cocoordinadora del grupo de estudio e

93


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

investigación de las artes circenses Circus (FEF/Unicamp) y coordinadora, junto con Daniel de Carvalho Lopes, del sitio web Circonteúdo, que cuenta con una amplia base de datos sobre el arte circense en Brasil y es un referente para trabajos académicos en el campo de la historia de la cultura y las artes escénicas. 3 Bauke Lievens es una dramaturga belga licenciada en Teatro en la Universidad de Gante (UGent) y en Filosofía del Arte Contemporáneo en la Universitat Autònoma de Barcelona. Es profesora e investigadora en el departamento de drama de la Royal Academy of Fine Arts (Kask) School of Arts en Gante, Bélgica, donde actualmente trabaja en el proyecto de investigación artística The Circus Dialogues. Como dramaturga independiente, colabora con varias compañías de circo, danza y teatro, como Un Loup pour l’Homme y Floor Van Leeuwen (Schwalbe). Desde 2015, también realiza su propio trabajo, creando Aneckxander (2015) y Raphaël (2017), junto a Alexander Vantournhout. Es autora de dos libros sobre investigación artística en circo y forma parte del consejo editorial de la revista Rekto:Verso. 4 Rodrigo Matheus es trapecista, director y dramaturgo circense, además de profesor de técnicas circenses. Es el fundador y director del Circo Mínimo, así como uno de los fundadores del Centro de Formação Profissional em Artes Circenses (CEFAC) y de la Central do Circo.

5 José Carlos de Andrade es licenciado en Periodismo por la Pontificia Universidad Católica de Minas Gerais (PUC/Minas), graduado en Historia por la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG) y especialista en Literatura y Crítica Literaria por la Pontificia Universidad Católica de São Paulo (PUC/ SP). Tiene una maestría en Artes Escénicas de la Universidad Estatal Paulista (UNESP), con una disertación denominada Décio de Almeida Prado e a Historiografia Teatral Brasileira. 6 Márcio Bastos es periodista cultural. Trabajó en el periódico Folha de Pernambuco y actualmente escribe sobre arte y cultura para el periódico Jornal do Commercio de Pernambuco. 7 Jorge Bandeira es crítico, dramaturgo, director, naturista y profesor de la Universidad Federal de Amazonas (UFAM).

94


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

8 Paulo Vieira es licenciado en Educación Artística por la Universidad Federal de Paraíba (UFPB), tiene una maestría en Artes y Área de Concentración en Teatro por la Universidad de São Paulo (USP) y un doctorado en Artes por la misma institución. Actúa como profesor asociado y coordinador del máster profesional en artes de la UFPB. 9 Márcio Braz es graduado en comunicación social con una licenciatura en Periodismo de la Universidad Católica de Brasilia (UCB) y en Pedagogía del Instituto de Educação Superior Ascensão (Iesa/Distrito Federal), y en Sociología de la Faculdade Alfamérica (Alfa/São Paulo). Es especialista en Orientación Educativa por Prodeesp/DF y en Educación con énfasis en Diversidad y Ciudadanía en la educación de jóvenes y adultos por la Universidad de Brasilia (UnB). 10 Hugo Possolo estudió Comunicación Social en la Facultad Cásper Líbero e Historia en la Universidad de São Paulo (USP), mientras aprendía técnicas circenses en el Circo Escola Picadeiro. En 1991, fundó el grupo Parlapatões de São Paulo, en el que también actúa. Hoy es el Secretario de Cultura de la ciudad de São Paulo.

Referencias BORTOLETO, M. A. C. (Org.). Introdução à pedagogia das atividades circenses. Jundiaí: Fontoura, 2008. CAMAROTTI, Marco. O palco no picadeiro: na trilha do circo-teatro. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2004. CONSTÂNCIO, Rudimar. Circo social: a experiência da Escola Pernambucana de Circo. Monografía de especialización en enseñanza de arte por la Universidad Federal de Pernambuco, Recife, 2010. COSTA, Eliene Benício Amâncio. Saltimbancos urbanos: a influência do circo na renovação do teatro brasileiro nas décadas de 80 e 90. Tesis doctoral en Artes por la Universidad de São Paulo, São Paulo, 1999.

95


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

DUPRAT, R. M; BORTOLETO, M. A. C. Educação física escolar: pedagogia e didática das atividades circenses. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 29, n. 2. São Paulo: Autores Associados, 2007. FERREIRA, Claudia Márcia (Coord.). Circo – tradição e arte. Río de Janeiro: Museu de Folclore Edison Carneiro, Funarte/Instituto Nacional do Folclore, 1987. GALLO, Fabio Dal. Circo, educação e a cena contemporânea. GT2 – Pluralidades Culturais Materiais e Imateriais, III Seminário Internacional Interlinkplus, Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Salvador, 2008. LEITE, Rodrigo Morais. Décio de Almeida Prado, o circo e outros gêneros “menores”. Rebento: Revista de Artes do Espetáculo, n. 3, São Paulo, 2012. MALARD, Letícia. Hoje tem espetáculo: Avelino Fóscolo e seu romance. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1987. ______________. O circo social e a universalidade da linguagem circense. GT2 – Pluralidades Culturais Materiais e Imateriais, III Seminário Internacional Interlinkplus, Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Salvador, 2008. POSSOLO, Hugo. Globalização atropela o circo. Folha de S.Paulo, 4 ago. 2006. SILVA, Erminia. O circo: sua arte e seus saberes. O circo no Brasil do final do século XIX a meados do século XX. Tesis de maestría en Historia por la Universidad Estatal de Campinas (Unicamp), Campinas, 1996. ____________. Saberes circenses: ensino/aprendizagem em movimentos e transformações. En: BORTOLETO, M. A. C. (Org.). Introdução à pedagogia das atividades circenses. Jundiaí: Fontoura, 2008. SILVEIRA, Cléia. Circo: educando com arte. Río de Janeiro: Fase, 2001. ____________. Revista Circo do Mundo Brasil: propuesta metodológica en red. Río de Janeiro: Fase, 2003.

96


«La brecha entre la crítica y el circo»: ¡una historia llena de contratiempos!

97


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

Daniel de Carvalho Lopes¹ Erminia Silva²

1. Doctor en Educación por la Facultad de Educación de la Universidad de São Paulo (FE/USP), Magíster en Artes por la Universidad Estadual Paulista (Unesp) y graduado en educación física por la Universidad Estadual de Campinas (Unicamp). Es miembro del grupo de estudio e investigación de artes circenses Circus (FEF/Unicamp) y del Grupo de Estudos e Pesquisas em Gesto, Expressão e Educação (Gepgee, FE/USP) [Grupo de Estudios e Investigaciones en Gesto, Expresión y Educación]. Cocoordinador del sitio web Circonteúdo, es educador de circo social en la Instituição de Incentivo à Criança e ao Adolescente de Mogi Mirim (ICA) [Institución de Incentivo a la Infancia y la Adolescencia].

98

Comenzaremos este texto con la expectativa de que sea un encuentro agradable con todas, todos y todes, pues, en las distancias impuestas en los tiempos difíciles e insalubres de este año 2020, no hay nada más reconfortante que la posibilidad estar junto a alguien. Además, es en los encuentros donde el lenguaje circense se hace y rehace a diario, en cada calle, plaza, teatro o pista. Por lo tanto, que este texto sea un encuentro agradable para ir a algunos espectáculos circenses. ¿Y qué espectáculos serían estos? Serían los que, al ser investigadores de las historias del circo, son múltiples y se procesan de muchísimas formas distintas a lo largo de la historia y, obviamente, hasta la actualidad. Son los que están en constante cambio, cargando elementos de otras épocas y hechos, generando permanentemente nuevas búsquedas estéticas. Y, si así lo son y están, es porque estos espectáculos conversan y se mezclan todos los días con todo lo que los rodea: personas, tecnologías, culturas, políticas, estéticas, sociedades, etc. ¿Y qué dicen de ellos? Bueno, dicen varias cosas ¡y desde hace mucho tiempo! Si miramos al Brasil del siglo XIX, notaremos que los periódicos de la época hablaban constantemente de ellos.³ ¡Hablaban bien o mal, pero hablaban en abundancia! Y aquí hay otra pregunta: ¿por qué? Durante este período, el circo fue una de las formas de entretenimiento más frecuentes y atractivas para la sociedad, reuniendo a los más variados grupos sociales. A lo largo de los años 1800, cientos de compañías viajaron por todo el país, procedentes de giras por otros continentes. Entre muchas de ellas, podemos mencionar: Circo Olímpico Francés de la familia Fouraux, Circo Chiarini, Circo Temperani, Circo Spinelli y Circo Casali; la Compañía Ecuestre Italiana de Luigi Guillaume, la Companhia de Cavalinhos Guilherme Southby y también el Circo Olímpico de Rua da Guarda Velha, construido en mampostería en el centro de Río de Janeiro, donde estuvo más de 50 años, con presentaciones de artistas de su propio grupo y de otras compañías.


Estos diversos circos, cada uno con su propia forma de producir y organizar sus espectáculos, se relacionaban intensamente con la vida social y urbana de la época y, en consecuencia, recibían «inundaciones» de público, término común en los periódicos para referirse al éxito que algunas compañías lograban en ese momento. Por sus atracciones y su magnitud (muchos circos tenían decenas de animales, artistas e incluso sus propios barcos para el transporte de la compañía, como el Circo Grande Oceano), así como por movilizar el imaginario de hombres, mujeres y niños de miles de maneras, también fueron objeto de «inundaciones» de crónicas, críticas, notas, sátiras y caricaturas de prácticamente todas las producciones bibliográficas de la época, principalmente las periodísticas. Para que quede más claro, presentaremos algunas de ellas aquí. El Circo Chiarini, dirigido por el artista ecuestre Giuseppe Chiarini, estuvo en Brasil en dos periodos, de 1869 a 1872 y de 1875 a 1877, y era una gran compañía circense que presentaba números ecuestres y acrobáticos, con animales salvajes y pantomimas. En una ocasión, en Río de Janeiro, su estrecha relación con la sociedad fluminense resultó en varias publicaciones en periódicos y revistas: A Maestro Chiarini le va a las mil maravillas. La variedad de espectáculos y el mérito de la compañía atraen a un gran público al circo de Guarda Velha (A Vida Fluminense,⁴ 23 de abr. 1870, p. 132); Ayer la compañía Chiarini tuvo dos inundaciones. Los artistas trabajaron perfectamente. El público dio demostraciones visibles de aprecio por los méritos de acróbatas y gimnastas. Allí estuvieron integrantes de la mejor sociedad fluminense (Jornal da Noite, 11 sep. 1871, p. 3);

2. Doctora y Magíster en Historia Social de la Cultura por la Universidad Estadual de Campinas (Unicamp), cocoordinadora del grupo de estudio e investigación de las artes circenses (FEF/Unicamp) y del Grupo de Estudos e Pesquisas em Gesto, Expressão e Educação (Gepgee, FE/USP) [Grupo de Estudios e Investigaciones en Gesto, Expresión y Educación]. Es autora de Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil (Altana/ Funarte, 2007) y coordinadora del sitio web Circonteúdo.

3. Vea: Silva (2007 y 2009); Lopes (2015) y Lopes y Silva (2015).

4. Los titulares de los periódicos citados en el texto, en portugués, están registrados con la ortografía de la época.

El Sr. Chiarini no deja de acaparar a los espectadores, por lo que los empresarios de Phenix y Ginásio están muy descontentos. Son leyes de las compensaciones humanas. Phenix y Ginásio han tenido su época de reinado de moda, y pronto lo volverán a tener, tenemos fe en esto y así confortamos a ambas empresas (D. Pedro V, 12 nov. 1871, p. 4).

99


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

5. Para más información, vea: Cafezeiro y Gadelha (1996, con la transcripción de la solicitud de João Caetano dos Santos); Souza (2002) y Silva (2007).

Como podemos observar en estas citas, Chiarini conquistó al variado público de la corte, teniendo en cuenta la presencia de integrantes de la «mejor sociedad fluminense» en los espectáculos. Esta no era una característica exclusiva de esta compañía, ya que varias otras compañías circenses contaban con la presencia frecuente de Sus Majestades Imperiales. Incluso el circo que acogió a Chiarini durante ese período, el Circo Olímpico de Rua da Guarda Velha, fue muy frecuentado por don Pedro II. El emperador cedió el terreno donde se construyó el que después se denominaría Teatro Imperial D. Pedro II, pero de este espacio nos ocuparemos más adelante. Es importante ahora, entre las críticas presentadas sobre los espectáculos del Circo Chiarini, resaltar la que informa que los empresarios de Phenix y de Ginásio, dos importantes teatros de Río de Janeiro, estaban descontentos debido a que Chiarini «había acaparado a los espectadores». Los circos ofrecían una fuerte competencia a los espectáculos teatrales de la época y las rivalidades eran explícitas. Por ello, João Caetano dos Santos, actor, ensayador y empresario, figura destacada del «teatro de carácter nacional», se adhirió a la idea de que el circo era un mero entretenimiento, sin carácter educativo, que alejaba al público de los espectáculos teatrales y, en 1862, solicitó al Marqués de Olinda que no se permitiera a las compañías de circo y de espectáculos con animales trabajar en los días de «teatro nacional»; y que, si lo hicieran, estarían obligadas a pagar un impuesto. Su propósito con esta enérgica acción era regenerar y preservar el «teatro nacional», que en ese momento se consideraba en decadencia.⁵ João Caetano no estaba solo en sus posturas críticas y contrarias a los circos. A finales del siglo XIX, el dramaturgo, poeta, escritor, crítico y periodista Arthur Azevedo se puso molesto por el debut de la gran compañía de circo Frank Brown en el Theatro São Pedro de Alcântara, que, según anunciaba la publicidad del espectáculo, transformó el teatro en circo (O Paiz, 23 abr. 1894, p. 4). Azevedo, en su columna titulada Palestra, profesó sus ácidas críticas a la compañía: La ciudad se reanima. Poco a poco se desvanece el siniestro recuerdo de los bombardeos y tiroteos

100


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

que hace tan solo dos meses nos sobresaltaban. Espero que la compañía ecuestre de S. Pedro de Alcântara consuele definitivamente al pueblo, al que le encantan las bolitas y que aprecia más a Rosita de La Plata [artista ecuestre de circo] que a la propia Sarah Bernhardt [actriz francesa]. Sin embargo, para los espíritus más refinados hay Mancinelli, con una compañía lírica de primer orden (O Paiz, 28 abr. 1894, pág. 1). La forma de referirse a los espectáculos circenses con el término «bolitas» era común en la época y hacía referencia a la manipulación de bolas, es decir, al juego de malabares. Arthur Azevedo utilizaba esta expresión para transmitir una idea descalificadora tanto del circo como del gusto del público, al que acusaba de preferir estos entretenimientos en detrimento de lo que consideraba un «teatro serio». Así, el autor evidencia cuánto los espectáculos circenses cautivaban y disputaban al mismo público que asistía a los teatros. Sus críticas no se detuvieron ahí. En sus escritos, siempre volvía a las tensiones que mantenía con las compañías de circo que «invadían» los «templos del teatro nacional»: [...] se anuncia que, una vez más, y seguramente no será la última, el glorioso y venerado teatro S. Pedro de Alcântara se convertirá en un circo de caballitos. Cuando teníamos las más poderosas razones para suponer que definitivamente habíamos entrado en una época de transformación moral, era suficiente, para convencernos de lo contrario, la feroz inconsciencia con la que se insulta así al teatro digno, por la tradición, de considerarse un monumento histórico, íntimamente ligado a la fundación de nuestra nacionalidad. No me refiero a su pasado artístico, porque en Río de Janeiro el arte parece ser una recomendación negativa.

101


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

6. La negrita es nuestra.

Por eso, bienvenida «Caravana», esta nueva asociación fundada por Coelho Netto, que en realidad viene a enseñar a nuestra gente a respetar la sagrada herencia de nuestros abuelos y hacerla avergonzarse de mostrarle a D. Carlos I perros, caballos y monos, en lugar de artistas, en el teatro construido por D. João VI. Cabe señalar que, para hacer la fortuna de una compañía ecuestre, un teatro no vale un circo.⁶ La prueba está en el popular Spinelli, que ya ha presentado más de doscientos espectáculos consecutivos, pero su circo sigue llenándose todas las noches y es la alegría de nuestro barrio más poblado. Que vaya Spinelli a S. Pedro y verá como todo le sale mal (O Paiz, 12 ago. 1907, p. 3). Sin embargo, las fuertes posturas de Arthur Azevedo y João Caetano no lograron un éxito efectivo y, como podemos ver en una crítica del año 1872 dirigida al Circo dos Irmãos Pereira, persistía la competencia entre las producciones teatrales y circenses: Compañía gimnástica. Si las compañías dramáticas y líricas que han visitado recientemente nuestra ciudad se han ido sin extrañarnos, e incluso con una opinión muy desfavorable sobre nosotros, lo mismo, seguramente, no pueden decir las compañías ecuestres y gimnásticas, que han hecho las delicias de nuestro beau monde [hermoso mundo]. De todas ellas, la que más echamos de menos es seguramente la de Chiarini. El público, en este punto, ha mostrado su sentido común, porque a los amantes de la magia les parece justo proteger a los caballitos. Chiarini tuvo la gloria de ver cada noche en sus reuniones a la más bella sociedad de Río de Janeiro y, lo que es extraordinario, durante tres meses

102


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

consecutivos. Entendiendo el gusto y la civilización de los ciudadanos fluminenses por este tipo de entretenimiento, y al ser testigos de las ovaciones a la compañía Chiarini, de la que formaban parte en ese entonces, los hermanos Pereira decidieron organizar una compañía con una parte de figuras y animales de la compañía italiana e inauguraron anteayer sus espectáculos en el circo de la Rua do Espírito Santo. La compañía tiene hoy una plantilla mucho menor y también es cierto que hay artistas de mérito entre ellos. Diremos poco sobre la ejecución de los trabajos realizados por los diversos artistas, incluso porque el público ya ha tenido la oportunidad de apreciarlos. Sin embargo, sería una grave injusticia de nuestra parte si nos olvidáramos de mencionar particularmente el nombre de Mlle. Pereira. La última vez que trabajó en el trapecio, ella había demostrado una gran belleza y movimientos seguros; anteayer, sin embargo, reconocemos que se ha esforzado mucho después de su última estancia en esta ciudad. Trabajando sola ahora, en el trapecio, mostró incluso más confianza que cuando trabajaba en pareja; además de mucha elegancia en todas sus posiciones, ejecuta movimientos muy arriesgados, prolongando la situación hasta el punto de provocar vértigos en la audiencia, que muchas veces le pidió que los interrumpiera. Sin embargo, la sonrisa en sus labios y sus continuos agradecimientos con las manos, que en la mayor parte del tiempo estaban libres, evidencian la gran confianza que tiene en sí misma y animaban a los espectadores, quienes temían todo el tiempo verla caerse de aquella altura.

103


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Mlle. Pereira es de hecho una princesa del aire; en este sentido la prensa no nos ha engañado. El resto de los artistas podrán, en otras noches, obsequiarnos con nuevos trabajos; los que ejecutaron el sábado por la noche no presentaron movimiento ni atracción. El espacio destinado a la arena nos parece más pequeño que en la época de Chiarini y no pensamos que la menor cantidad de artistas sea la razón de esto; en cambio, está mejor iluminado. Como al público le gusta este tipo de entretenimiento, y los Srs. Pereira buscan, con algunos trabajos difíciles, satisfacer su curiosidad, es muy de esperar que la decisión de la compañía de visitarnos sea coronada por un excelente éxito. Por nuestra parte, es lo que le deseamos (Correio do Brazil, 2 dic. 1872, p. 1). A través de la crítica presentada, además de la evidente competencia entre las compañías teatrales y circenses, cabe mencionar otro tema frecuente en las diversas publicaciones sobre los circos de la época. Los artistas de circo (ya sean personas o animales) y sus números siempre se han destacado mucho en las publicaciones periódicas ochocentistas. No faltaron escritos dedicados, en especial, a la representación de la mujer circense, ensalzando su valentía, belleza y delicadeza en números ecuestres, de trapecio, malabares o acrobáticos. En cuanto a los artistas y las atracciones, nuevamente, una crítica al Circo Chiarini es bastante ilustrativa: El sábado por la noche debutó en el magnífico circo del Sr. Batholomeu, en la Rua da Guarda Velha, la compañía ecuestre del Sr. Chiarini. Rara vez se ha satisfecho la expectativa del público de manera más completa y brillante. La concurrencia fue enorme: el circo, con capacidad para miles de espectadores, estaba literalmente lleno. El público estaba más seleccionado de lo que suele ser el que asiste a

104


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

estos espectáculos. Hay que confesar que el Sr. Chiarini llena las cien bocas de la fama y no las obliga a mentir. Los trabajos que presenta son perfectos. El programa de los primeros espectáculos que podemos mencionar ha sido hábilmente organizado, puntualmente completado y admirablemente ejecutado. Los caballos de la compañía son magníficos y algunos, como Ab-del-Kader y Othelo, tienen una rara belleza en su forma y pelaje. Causa más que admiración, sorprende mucho la enseñanza de estos animales. Se ve que el Sr. Chiarini aprendió de los mejores maestros y conoce a la perfección todos los recursos y secretos del arte que profesa. Solo con sus caballos puede ofrecer a los verdaderos aficionados al hipismo los más interesantes espectáculos ecuestres. A un gesto, a un monosílabo, dicho en voz baja, Othelo o Turco, caballito andaluz de formas gráciles y elegantes, obedecen al amo como seres sumamente inteligentes. Los ejercicios de Ab-del-Kader montado a la amazona por la elegante y hábil escudera Catharina Holloway son en sí mismos algo que ver y admirar. Sin ningún esfuerzo, con mucha delicadeza, cediendo a un simple movimiento de riendas, el inteligente animal realiza todos los pasos posibles para los de su especie, incluido el marcar con las manos al caminar el compás de una polca y luego el de un vals. Entre los artistas de la compañía que han debutado, mencionaremos como sumamente notables a Theodoro Cuba, el morenito que hace diabluras sobre tres caballos en pelo y finalmente sobre cuatro, con botas de montar; el

105


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

joven Elie que, sobre la cuerda floja, después de los más audaces equilibrios con y sin barra, acaba haciendo tres saltos mortales de espaldas, siempre apoyándose en un pie en la cuerda; W. Carlo, que después de hacer los más delicados y difíciles equilibrios sobre una o muchas botellas, coloca la boca de una botella sobre la boca de otra, apoya su cabeza en el fondo de esta y, sin otro punto de apoyo, gira en todas direcciones y dispara dos tiros de pistola; G. Ross, quien junto al mismo Carlo hace ejercicios gimnásticos de mayor perfección y destreza; finalmente, Belém Cuba, la morenita, quien, sobre un caballo en pelo y sin riendas, realiza con audacia y desenvoltura la denominada carrera, gran acto principal. Por último, decimos que el ejercicio de los cuatro jinetes y las cuatro damas dirigidos por el Sr. Chiarini, con el que abrió el espectáculo, tiene el efecto más brillante: la precisión y elegancia de los movimientos, la rapidez de las maniobras y la riqueza de las prendas de vestir aportan a esta escena algo de fantástico. En esta ocasión, el Sr. Chiarini monta un admirable animal llamado Monte-Christo. Los espectáculos de la compañía Chiarini divierten, interesan y no corrompen. El padre, el hijo, el marido que se respeta a sí mismo y a su familia puede ir con ella, sin miedo a verla sonrojarse o a tener que explicar gestos cínicos o palabras dudosas (A Reforma, 9 nov. 1869, p. 3). Chiarini realizó sus espectáculos en el circo estable de la Rua da Guarda Velha, propiedad del artista y empresario Bartholomeu Corrêa da Silva. Este importante edificio, posteriormente denominado Teatro Imperial D. Pedro II, como mencionamos, y Theatro Lyrico, se mantuvo en plena actividad en la capital del imperio desde principios de 1860 hasta principios

106


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

de 1934, cuando fue demolido. No solo por ser un circo que tuvo una larga vida en la ciudad, sino principalmente por los constantes espectáculos que promovía y acogía y la intensa actuación de Bartholomeu Corrêa da Silva como empresario, el Circo Olímpico de la Rua da Guarda Velha y su compañía aparecieron con frecuencia en los periódicos fluminenses: Compañía ecuestre: Dos cosas nos sorprendieron cuando entramos en el circo de la Guarda Velha; la primera fue el soberbio interior, aún incompleto, del edificio, que contrasta con la insignificancia del exterior; la segunda fue, como es natural, la perfección de los trabajos de la compañía Chiarini. Estaba reservado para una celebridad ecuestre extranjera que viniera a revelarnos la existencia de un magnífico teatro entre nosotros, que la inteligente perseverancia de un hombre trabajador va erigiendo, a costa no se sabe de qué esfuerzos, y a la sombra de una excesiva modestia ―criminal modestia―, queremos decir, porque la numerosa y brillante sociedad que ahora frecuenta el circo del Sr. Bartholomeu Corrêa da Silva, lo habría animado y ayudado desde hace tiempo en su monumental empresa. El público fluminense debe agradecer al Sr. Bartholomeu Corrêa por la construcción del circo y al Sr. Chiarini por su descubrimiento: el Sr. Chiarini fue el Colón del Circo Bartholomeu. Hablamos de la perfección de los trabajos de la compañía ecuestre italiana. No especializaremos. El público ha aplaudido principalmente al Sr. Chiarini y la Sra. Laura Ruiz, caballeros de alta escuela; y todos son unánimes al decir que el Sr. Chiarini tiene excelentes caballos, caballos tipo (Semana Illustrada, 21 nov. 1869, p. 3.735). Durante varias décadas, el Circo Olímpico de la Rua da Guarda Velha presentó espectáculos organizados por la propia compañía de artistas de Bartholomeu, además de acoger espectáculos de varios otros circos, grupos

107


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

7. Sobre algunas de las diversas presentaciones realizadas por Bartholomeu y otros circos en el espacio del Circo Olímpico de la Rua da Guarda Velha, vea: Souza (2002); Silva (2007); Lopes (2015); Lopes y Silva (2015) y Vieira (2015).

8. Correio Mercantil, 14 mar. 1856.

circenses,⁷ celebraciones y varias atracciones, siendo permanente la incorporación de artistas: Penna y Bastos son realmente dos artistas famosos. Las acrobacias y la alta gimnasia que realizan les proporcionan merecidos triunfos. El Sr. Bartholomeu engrandeció mucho su compañía al adquirir a esos acróbatas que promueven enormes inundaciones en el Circo Olímpico, un espléndido edificio que honra mucho a la capital del imperio, y que logró erigir a costa de sacrificios (Diario do Rio de Janeiro, 1 ene. 1871, p. 3). En esos espectáculos, como podemos ver en la cita anterior, siempre han estado presentes los más variados números gimnásticos y acrobáticos. Bartholomeu, tanto por sus presentaciones como acróbata como por las de su compañía, recibió críticas positivas al principio de su carrera, en una columna publicada en Correio Mercantil y firmada por «O saltimbanco Independente» [El saltimbanqui independiente].8 Sin embargo, la motivación de la columna fue la publicación de una nota en la edición del 9 de marzo de 1856 en el periódico firmada por «Um brasileiro nato» [Un brasileño de nacimiento], quien se indignaba por el hecho de que las autoridades habían permitido el «escándalo» de que una «compañía de saltimbanquis ridículos» presentara, en un «carpa tosca y ordinaria», una obra titulada D. Pedro no Cerco do Porto, cuyo personaje es «el fundador de este Imperio, el Sr. D. Pedro I». A través de esta desaprobación, el autor de la columna, en defensa de Bartholomeu, resaltó su carácter y la calidad de su actuación circense, diciendo que «más por amor a la gimnasia y al arte que abrazó, la ha ejercido con honores», aunque puede «vivir independientemente de la profesión que ejerce». Pero, como mencionamos, los periódicos brasileños del siglo XIX abordaron el circo por medio de diferentes producciones bibliográficas: crónicas, sátiras, boletines, anuncios publicitarios, notas de agradecimiento y solicitudes del público, entre otras. Un ejemplo interesante de estas formas textuales se refiere al payaso Sr. Ronland, «quien, por sí solo, es capaz de entretener al público toda la no-

108


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

che»,⁹ y que: «En el género payaso, es indudable que nunca ha venido a Brasil uno que, a la ligereza de los saltos, la originalidad de las posiciones y la profusión de jocosidades, reúna, como el Sr. Ronland, la elasticidad muscular y esa habilidad natural tan necesaria para el verdadero CLOWN».¹⁰ Sobre este artista, se publicó el siguiente diálogo en una especie de columna humorística de notas y noticias: - ¿Qué tienes? ¡estás tan taciturno! - ¡No puedo explicarte cómo me siento! Estoy siempre triste, misántropo... ¡parece que estoy mal del spleen!¹¹ - Te recomiendo un remedio; pruébalo y estoy seguro de que obtendrás un buen resultado. - Hazme este favor y te estaré muy agradecido. - Toma tres veces por semana las pastillas de Ronland. - ¿Y dónde encontraré este remedio? - En el Circo Chiarini (Dezeseis de Julho, 24 abr. 1870, p. 2).

9. Dezeseis de Julho, 28 mar. 1870, p. 2

10. A Vida Fluminense, 2 abr. 1870, p. 105.

11. Spleen, na língua inglesa, corresponde ao órgão humano denominado baço. A conexão entre o baço e a melancolia é oriunda da medicina grega e da teoria dos humores.

Otro ejemplo de publicación ambientada en el tema del circo y que refleja la asimilación por parte de la sociedad de su lenguaje e imaginario es la siguiente sátira política: En el Circo Chiarini, la autoridad arresta a un revendedor por monopolizar las entradas. El Sr. Duque, diputado, viene con un catalejo cargado y la cara enrojecida, y le dice a la autoridad: - Su acto es ilegal... no hay razón para tal arbitrariedad... este hombre es inocente... se gana la vida... hace sus negocios legalmente. ¡Arréstenlo si quieren, pero yo lo defenderé aún a costa de mi sangre! - ¿Qué haces, Duque? ¿Por qué semejante oposición al orden de la autoridad? - (A un lado) Cállate, tonto: las elecciones están en la puerta, y necesito a gente (O Figaro, 15 ene. 1876, p. 19).

109


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Finalmente, también en cuanto a los artistas y atracciones del Circo Chiarini y las varias publicaciones periódicas referentes a los circos, también destaca la ecuestre Catalina Holloway. Además de las constantes menciones a ella en diversos anuncios del circo y en textos de diferentes géneros publicados en periódicos durante su estancia en Brasil, la artista «protagonizó» una situación curiosa debido a que su apellido coincide con el nombre de una especie de medicina de la época: Sobre el circo de caballitos: El Sr. Chiarini me pide que declare que la «petite Catalina Holloway», de la que tanto se habla en sus anuncios, no es la inventora de las pastillas de mismo nombre, que están disponibles para la venta por ahí y que se dice que son excelentes para todas las enfermedades padecidas y por padecer. Después de hacer la declaración, solo podemos esperar con paciencia las próximas primeras pruebas públicas de la compañía ecuestre italiana... libre de pastillas (A Vida Fluminense, 16 oct. 1869, p. 1.016). No es de extrañar la mirada atenta de la prensa a los espectáculos circenses, ya que incluso se hicieron presentaciones en globos aerostáticos en circos de la capital del imperio y de las ciudades de la región noreste. Para ilustrar un poco más en detalle en qué consistían estos números de ascensión aerostática, tenemos una nota del Correio Mercantil sobre la ascensión del artista Julio Buislay, que tuvo lugar en Recife: Ayer nuestra población fue testigo de un espectáculo completamente nuevo para ella. Quiero hablar de la ascensión del artista acrobático Julio Buislay, que, como había anunciado, subió a las regiones etéreas cargado por su Montgolfier. Una inmensa multitud, reunida en el Campo das Princesas, recibió al intrépido aeronauta con gritos, prolongados vítores y repetidos aplausos. Eran aproximadamente las seis de la tarde cuando el globo, en el que se encontra110


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

ba el artista, se elevó suavemente buscando el lado sur impulsado por el viento, que abundaba en el norte. Al no estar completamente lleno, el globo luego comenzó a descender, haciendo que el valiente viajero aterrizara en las cercanías de Colhos. Durante el recorrido, el insigne artista ejecutó varios movimientos en su trapecio, ofreciendo a los ojos de la admirada población un espectáculo, al que había sido invitada aproximadamente un año antes por Elias Bernardi, quien aquí siempre ha fracasado en sus intentos. La gente se movió hacia el lugar al que se dirigía el globo y de allí trajo al Sr. Julio Buislay en medio de constantes aplausos y ovaciones (Correio Mercantil, 2 nov. 1862, p. 1).

12. Aunque no encontramos información sobre el autor del texto, Romão (2016) informa que el autor es João Pedro de Aquino, director del Colégio Aquino, de manera que luego, en el artículo, se menciona a sí mismo en tercera persona.

13. O Globo, 18 jul. 1876, pg. 3.

Sin embargo, es importante hincar los pies en el suelo y recordar que los circos, sus espectáculos y los propios artistas no siempre han recibido elogios ni han sido objeto de divertidas sátiras o bromas editoriales, como mencionamos al hablar de las posturas de João Caetano y Arthur Azevedo. En la época, las prácticas y los saberes circenses fueron vistos de forma crítica por los defensores de las prácticas de la gimnasia guiadas por un sesgo higienista, educativo y respaldado por el discurso de la ciencia, disputando saberes y poderes sobre los cuerpos. Como ejemplo, hay un artículo de 1876 denominado Um Dia de Alegria [Un Día de Alegría], en que el autor, del cual no se conoce la identidad,¹² inicialmente critica a las autoridades públicas, que no comprenden «la necesidad imprescindible de desarrollar el estudio de la gimnasia en todos los establecimientos educativos, como se hace en el norte de Europa, especialmente en Suecia y Alemania».¹³ Luego, destaca positivamente las acciones individuales de Abílio César Borges, director del Colégio Abílio, y João Pedro de Aquino, director del Colégio Aquino, debido a que tomaron la audaz iniciativa «en las reformas necesarias para la regeneración de la educación» y entendieron que «la mayor y más urgente de todas las medidas era preparar a los niños para ser hombres, en el verdadero sentido de la palabra, en los países con más energía, vigor y fuerza de voluntad». También enfatiza: 111


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Todavía hay mucha gente entre nosotros que no comprende el alcance y la importancia del estudio de la gimnasia y de todos los ejercicios físicos, y este lamentable prejuicio es compartido incluso por ciertos estratos sociales que, por su posición, ya se habrán dado cuenta de que lo que se propone nos es capacitar a los niños para trabajar en los circos y teatros, sino desarrollar su fuerza, proporcionando flexibilidad a sus músculos, acostumbrando a los niños a no temer ningún esfuerzo y a no ver peligro en las cosas más insignificantes de la vida práctica y material: en fin, no se quiere formar a acróbatas, sino a hombres fuertes, vigorosos, ágiles y valientes (O Globo, 18 jul. 1876, p. 3). Otro caso es el del político, jurista y periodista Rui Barbosa. En sus opiniones sobre la reforma de la educación primaria en 1883, defendía la inclusión del método sueco de gimnasia en las instituciones de educación pública, en virtud de sus características pedagógicas y su formación moral, higiénica y disciplinaria, basada en los preceptos de la ciencia (MORENO, 2001). Él explicaba claramente la distancia que debía haber entre los ejercicios físicos y las manifestaciones circenses y sus protagonistas: «No pretendemos formar a acróbatas, ni Hércules, sino desarrollar en el niño la cantidad de vigor físico esencial para el equilibrio de la vida humana, la felicidad del alma, la preservación de la patria y la dignidad de la especie» (MORENO, 2001, p. 132). Así, como podemos observar en los ejemplos aquí presentados, los espectáculos circenses, sus artistas y sus sucesos en Brasil a lo largo del siglo XIX y, por supuesto, a principios del siglo XX fueron frecuentemente contemplados por una parte de la prensa y de la crítica en diversas publicaciones. Hablaron bien, hablaron mal, pero siempre hablaron del circo. Ante la multiplicidad de producciones circenses y su permanente reinvención, el circo siempre ha estado en el punto de mira de la opinión pública e impreso en las páginas de periódicos, revistas, folletines e incluso en publicaciones dirigidas a la educación o la producción cultural artística.

112


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

Finalmente, esos espectáculos que esperamos algún día poder ver juntos llevados por este texto/encuentro son los mismos que, hace mucho tiempo, encontraron una brecha entre la crítica y el circo y, sabios e intrépidos que eran, hicieron sobre ella un doble salto mortal con pirueta, aterrizando seguros y siempre renovados al otro lado, arrancando fuertes y cálidos aplausos de la multitud.

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Referencias CAFEZEIRO, Edwaldo; GADELHA, Carmem. História do teatro brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues. Río de Janeiro: Editora UFRJ: Eduerj: Funarte, 1996. LOPES, Daniel de Carvalho. A contemporaneidade da produção do Circo Chiarini no Brasil de 1869 a 1872. Tesis de maestría en artes escénicas por el Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA-Unesp), São Paulo, 2015. LOPES, Daniel de Carvalho; SILVA, Erminia. Circos e palhaços no Rio de Janeiro: império. Río de Janeiro: Grupo Off-Sina, 2015. MORENO, Andrea. Corpo e ginástica no Rio de Janeiro: mosaico de imagens e textos. Tesis doctoral en Educación por la Facultad de Educación de la Universidad Estatal de Campinas (FE/Unicamp), Campinas, 2001. ROMÃO, Anna Luiza Ferreira. Entre escolas, clubs e sociedades: as gymnasticas tecidas por professores no Rio de Janeiro (1850-1900). Tesis de maestría en Educación por la Facultad de Educación de la Universidad Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG), Belo Horizonte, 2016. SILVA, Erminia. Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil. São Paulo: Altana; Río de Janeiro: Funarte, 2007. ____________. Respeitável público...: O circo em cena. Río de Janeiro: Funarte, 2009. 113


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

SOUZA, Silvia Cristina Martins de. As noites do ginásio. Teatro e tensões culturais na corte (1832-1868). Campinas: Editora da Unicamp, Cecult, 2002. VIEIRA, Francisco. O Theatro Lyrico: palco e picadeiro. Río de Janeiro: 19 Design, 2015.

114


Respetable público: que hablen bien o mal, lo importante es que hablen de mí

115


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Direcciones de internet En la maraña de algoritmos en la que se convirtió la vida de los mortales en este planeta, pensamos que sería bueno reunir direcciones de Internet dirigidas a la práctica de la crítica en las áreas de circo, danza, teatro y otras variantes que se hacen presentes. La siguiente lista incluye fuentes de investigación y consulta fundamentales para la producción de análisis. Son blogs, sitios web, revistas electrónicas y portales que realimentan a quienes hacen y a quienes disfrutan de las artes escénicas (teniendo en cuenta que toda lista supone brechas). Individuales, colectivas o institucionales, las iniciativas evidencian una fuerte red de espacios imbuida de registrar y pensar una parte considerable de las creaciones que se hacen públicas en diferentes regiones de Brasil e incluso en el exterior. Un inventario provisional a la manera de brújula. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

116


Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

117


crítica em movimento: \La brecha entre la crítica y el circo

Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES ESCÉNICAS Gerencia Galiana Brasil Coordinación Carlos Gomes Producción Felipe Sales Cocuraduría Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPEDIA Gerencia Tânia Rodrigues Coordinación Glaucy Tudda Producción Karine Arruda

118


NÚCLEO DE COMUNICACIÓN Y RELACIÓN Gerencia Ana de Fátima Sousa Coordinación Carlos Costa Edición Ana Luiza Aguiar (subcontratada), Milena Buarque y Valmir Santos (cocurador) Producción editorial Pamela Rocha Camargo y Victória Pimentel Diseño Estúdio Lumine (subcontratado) Supervisión de la revisión Polyana Lima Revisión del portugués Karina Hambra y Rachel Reis (subcontratadas) Traducción al español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado) Revisión del español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado)

119


Adiós Paraguay | foto: Comunicação IC


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.