Revista Educação Integral - 36ª edição - Dezembro 2025
Na última edição, do ano de 2025, da “Educação Integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana”, os responsáveis pela organização e publicação da revista, junto ao Conselho Editorial, pretenderam retomar as reflexões sobre os investimentos do Centro Universitário FAEP na pesquisa científica. No final de 2023 e de 2024, com a publicação dos artigos das alunas e alunos participantes do “Programa de Iniciação Científica Tecnológica e Artística da FAEPICTAF”, os mantenedores, diretores e coordenadores desejavam impulsionar a adesão dos estudantes, de diferentes cursos, ao programa e dar visibilidade às pesquisas realizadas pelos participantes. Neste ano, os coordenadores da ICTAF propuseram, em diálogo com os inscritos, integrar Pesquisa Científica e Literatura.
Acreditam que ambas, embora distintas, interligam-se profundamente, influenciando a produção de conhecimento, a compreensão da natureza humana, a expressão artística e cultural e a transformação social. Embora a literatura possa também se constituir em objeto de estudo, envolvendo a teoria da literatura, a crítica literária e estudos culturais e históricos, o objetivo do diálogo entre a pesquisa científica e determinada obra literária, nesta edição da revista, foi mudar a concepção de muitas pessoas de que a primeira trata do pensamento objetivo e da verdade e a segunda de texto ficcional que não contribui para o saber científico.
Os organizadores da revista defendem que a literatura pode ser fonte de inspiração para a antecipação de inovações e reflexão sobre dilemas éticos das descobertas científicas (eugenia, inteligência artificial etc.), explorando e humanizando conceitos complexos que alimentam o pensamento filosófico e científico. Ela fornece dados sobre relações sociais, emoções e comportamentos para a Psicologia, Sociologia, Serviço Social, Teologia, Pedagogia e outras ciências.
Dessa forma, diferentes gêneros, como “A ficção científica”, podem funcionar como um campo de testes imaginários na construção de hipóteses para a pesquisa e de teorias. A escrita de textos científicos com clareza, coesão e argumentação pode ser aprimorada pela leitura e análise literária, sendo que a narrativa pode inspirar a apresentação dos resultados da pesquisa. A influência mútua entre a pesquisa científica e a literatura revela que o conhecimento pode ser mais completo se interconectar as estratégias rigorosas da investigação científica e a perspicácia e amplitude da expressão literária, promovendo explorações e estudos interdisciplinares. Ao defender a tese da interlocução entre literatura e pesquisa científica, os educadores do Centro Universitário FAEP indicaram para os participantes da ICTAF-2025 obras literárias que se relacionavam com seus temas, propondo um desafio para a construção do projeto de pesquisa, o processo de investigação e a elaboração do artigo. As reflexões realizadas com o grupo partiram de discussões das afirmações: “A literatura é uma arte que procura compreender as singularidades humanas, suas potencialidades e fragilidades”; “A obra literária é construída na relação entre leitor e escritor, portanto ela é sempre inacabada: ao ler, participo do jogo do texto”; “A literatura desperta a sensibilidade do olhar, pois a narrativa trata de questões humanas, que sensibiliza a pesquisa científica: traz observação apurada, memória e imaginação” Portanto, esta carta ao leitor visa provocar os leitores a organizarem as suas pesquisas, a partir da leitura da literatura ou a buscarem obras literárias que se relacionam com as suas investigações. Esse diálogo pode possibilitar um outro olhar para: o mundo, a realidade, a sociedade, o ser humano, as injustiças, as desigualdades, a diversidade, a ética, o saber científico. Convida os interlocutores da revista a escreverem textos que exponham essa conexão e os enviem para a publicação.
Educação Integral: Reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana
INEQ / FAEP VOLUME 1 - NÚMERO 36 (DEZEMBRO DE 2025)
Periodicidade: Trimestral
Os conceitos contidos nesta revista são de inteira reponsabilidade dos autores. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia autorização dos autores.
CONSELHO EDITORIAL
Profo Dr. Claudinei Aparecido da Costa Profo Dr. Clemente Ramos dos Santos Profa. Ms. Ana Maria Gentil
EDITOR CHEFE
Profo Dr. Claudinei Aparecido da Costa REVISÃO E NORMATIZAÇÃO DE TEXTOS
CAPA E PROJETO GRÁFICO Vanice Aparecida da Costa
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO e QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – INEQ
Rua Santa Ângela, 252, Vila Palmeiras, Freguesia do Ó, São Paulo – SP - Cep: 02727-000
Tel.: (11) 3564 1256
e-mail: educacaointegral@ineq.com.br
ISSN 2525-4294
Revista educação integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana / Centro Universidade FAEP – Vol. 1 nº 34 (jun./dez 2025) – São Paulo: INEQ/FAEP, 2025.
Vol. 1 nº 34 (mar./dez 2025)Trimestral
ISSN: 2525-4294
1. Educação 2. Integralidade Humana 3. Emancipação I. Centro Universidade FAEP
Elaborado por Paola de Carvalho Gomes – Bibliotecária - CRB 8756
CDD 370
APRESENTAÇÃO
REVISTA EDUCAÇÃO INTEGRAL – Dezembro de 2025
Nesta edição da revista “Educação Integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana”, os responsáveis pelo seu planejamento e organização destacam o processo de construção das concepções que subjazem à pesquisa científica com estudantes e professores do Centro Universitário FAEP. Embora o foco da “Carta ao Leitor” seja o Programa de Iniciação Científica, cujos participantes publicam seus artigos na última edição do ano, a realização da pesquisa científica e sua relação com as obras literárias não seria possível, sem a contribuição dos professores que, periodicamente, divulgam seus textos na revista e possibilitam a ampliação dos saberes e a compreensão da estrutura dos artigos de divulgação científica.
Dessa forma, os dois primeiros textos foram escritos por mestres e doutores do Centro Universitário FAEP, comprometidos com a Educação Superior de qualidade. O primeiro analisa a visão contemporânea a respeito do corpo, que não foi considerado apenas como uma entidade estática e meramente biológica, mas como um objeto de múltiplas interpretações ao longo da história das civilizações. O segundo destaca a imersão e a reflexão dos estudantes no mundo digital. Os dois objetos de estudo – o corpo histórico-cultural e a tecnologia digital- oferecem ricas reflexões sobre os desafios atuais.
Assim, no artigo “A construção histórica e cultural do corpo humano”, os autores revisitam as concepções de corpo, como instrumento de sobrevivência, dimensão espiritual e política, expressão do belo, objeto de estudo da arte e da ciência. Na Modernidade, surge o dualismo entre mente e corpo, reduzindo-o à matéria e a certa máquina produtiva para o mercado de trabalho. Na Contemporaneidade, estudiosos e pesquisadores, como Foucault e Merleau-Ponty, ressignificaram as concepções anteriores: o primeiro denunciou a disciplina, a vigilância e o poder, como forma de controle do corpo e o segundo considerou-o como sujeito perceptivo, indissociável da consciência. O artigo traz outras abordagens, que possibilitam ao leitor uma reflexão importante sobre a identidade, a aprendizagem e a expressão das emoções. Portanto, o corpo deve ser visto como uma potência expressiva e simbólica na arte e na educação. Enfatizam a necessidade de a educação rever a visão fragmentada, ao analisar o ser humano, e o imobilismo presente nas práticas escolares, considerando que o corpo em movimento pode ser um meio de aprendizagem e dimensão constitutiva da formação humana. O texto apresenta, com aprofundamento filosófico, a necessidade de superar a lógica dualista e reducionista na compreensão do corpo, sugerindo o reconhecimento da integralidade dos seus as-
pectos. Para os escritores do artigo, o corpo deve ser reconhecido como um território de sensibilidade, criatividade, subjetividade e transformação social.
No artigo “ Pensamento Computacional e fluxogramas na educação básica: integração curricular e estratégias metodológicas”, os autores ressaltam que o Pensamento Computacional (PC) é um processo mental estruturado para formular problemas e soluções, de tal forma que possa ser executado por seres humanos ou máquinas, transcendendo a programação e sendo uma competência cognitiva ampla. Eles explicam como a utilização de fluxogramas, como ferramenta pedagógica, e de algoritmos, como ferramenta cognitiva e estruturante do pensamento, contribuem para a desenvolvimento do PC e para a aprendizagem significativa de conceitos matemáticos, na Educação Básica. Expõem que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) inclui os fluxogramas, que são as representações gráficas e visuais de um algoritmo, como percurso metodológico, no ensino da Matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A implementação dessas práticas exige a utilização de metodologias ativas e de uma avaliação que envolvam a aplicação prática dos conceitos do PC. Acreditam que a integração do PC e dos fluxogramas, de forma significativa, na Educação Básica, torna imprescindível a formação docente continuada. Dessa maneira, demonstram para os leitores que a integração do Pensamento Computacional, por meio dos fluxogramas, desenvolve habilidades cognitivas complexas nos estudantes, exigindo a adoção de um novo paradigma didático nas escolas.
O artigo “Cracolândia Digital: o algoritmo como catalisador da dependência em apostas online”, escrito por estudante da Inicia-
ção Científica Artística e Tecnológica - 2025, pode ajudar a discutir, sob outro ponto de vista, a natureza e função dos algoritmos, que evoluíram de um instrumento matemático para um mediador central das escolhas cotidianas, nos espaços online. Definido como um conjunto finito de regras e instruções que orientam a execução de tarefas, o texto destaca os algoritmos preditivos, que traçam o perfil comportamental dos usuários para induzir o consumo. O autor do artigo aponta os cassinos virtuais e bets, como uma “Nova Epidemia no Brasil”, considerando que a proliferação incessante de anúncios, principalmente em smartphones, deixou os usuários vulneráveis aos algoritmos agressivos, que trouxeram o jogo digital. Argumenta que a ausência de fiscalização eficiente e a situação econômica levam muitos apostadores, frequentemente integrantes da população de menor poder aquisitivo, a encararem as apostas como um investimento, criando uma fórmula perfeita para o vício. Esse vício é comparado à dependência de substâncias psicoativas, sendo chamado pelo autor de “Cracolândia Digital”, revelando a falta de políticas públicas para o tratamento da “epidemia”. O texto é crucial para pensarmos sobre os comportamentos coletivos, que indicam a dependência em apostas digitais, que não se constitui apenas em escolhas individuais, pois estão moldados por interesses econômicos e induzem à marginalização tecnológica. Serão necessárias a regulamentação das apostas e a abordagem ética no uso de algoritmos. A denúncia presente neste artigo precisa ser compartilhada nos meios educacionais e na sociedade como um todo.
Os três próximos artigos enfatizam o papel do Serviço Social nas frentes: atendimento na saúde mental, abandono do idoso, inclusão da pessoa com Síndrome de Down.
O artigo “O Cemitério dos Vivos: estudo comparativo entre a crítica presente na obra de Barreto e os fundamentos do movimento antimanicomial, com foco na atuação do Serviço Social”, escrito por estudante da Iniciação Científica Artística e Tecnológica - 2025, denuncia a história brutal dos manicômios no Brasil, que organizavam mecanismos, cada vez mais cruéis, para realizar o controle social e a exclusão de pessoas marginalizadas (pobres, negros, dissidentes, homossexuais, prostitutas), e não eram considerados somente espaços de tratamento psiquiátrico. Para estabelecer o diálogo com a literatura, a autora utiliza a obra de Lima Barreto – “Cemitério dos Vivos”, para ilustrar a criminalização da existência e a atuação da polícia na internação, e o livro “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex, para expor o genocídio institucionalizado de mais de 60 mil pessoas, no Hospital Colônia de Barbacena. Destaca a luta antimanicomial, iniciada nos anos 70, que defendia “Uma Sociedade sem Manicômios”, substituindo o modelo asilar pelos cuidados em liberdade, com foco na humanização e na cidadania. Nesse processo de desinstitucionalização, o Assistente Social é um elemento crucial na busca da autonomia dos usuários da saúde mental, atuando na identificação de vulnerabilidades, articulando as redes de apoio e garantindo o acesso às políticas públicas. O conteúdo do texto traz subsídios importantes para romper com a lógica manicomial, que ainda permanece no imaginário social e nos encaminhamentos familiares e de profissionais da saúde e da educação.
Outro artigo da revista, que trata do papel do Assistente Social, relacionando pesquisa científica e literatura, intitula-se: “Abandono: impacto na condição de vida da pessoa idosa e o papel do Assistente Social”, e foi escrito por estudante da Iniciação Científi-
ca Artística e Tecnológica – 2025. Aborda o crescimento alarmante do abandono da pessoa idosa no Brasil, a violação dos seus direitos, a sua desvalorização e a invisibilidade social. O esquecimento e abandono do idoso é causado pela fragilidade dos vínculos familiares e pela desproteção da comunidade e do Estado. No contexto literário, a autora expõe a solidão, a desconfiança e a tristeza na velhice de Bentinho, em “Dom Casmurro”, obra de Machado de Assis, ilustrando a negligência familiar e social que também se observa na atualidade. Embora existam marcos legais, como a Política Nacional e o Estatuto do Idoso, que consideram o abandono um crime, as estatísticas mostram um aumento de 855% de denúncias de abandono de idosos no Brasil. O texto denuncia a luta da sociedade contra o envelhecimento, pois considera o idoso improdutivo e um peso para os ativos. Nesse sentido, o Assistente Social tem um papel fundamental na garantia dos direitos da pessoa idosa, facilitando o acesso aos recursos e serviços; promovendo a autonomia e o fortalecimento de vínculos familiares; intervindo em casos de negligência, abuso e violência; sensibilizando a sociedade sobre o envelhecimento e defendendo aas políticas públicas. Em suma, o artigo é uma denúncia do abandono da pessoa idosa e uma indicação da responsabilidade da família, da sociedade e do Estado na proteção, retomada da dignidade e participação social do idoso na comunidade.
O autor do texto “ A Importância do Assistente Social no apoio às famílias com pessoas com Síndrome de Down” aborda o papel essencial do Serviço Social na garantia de direitos e respeito à diversidade, especialmente na inclusão da pessoa com deficiência. Destaca a definição e as características da Síndrome de Down, apontando a singularidade e a variabilidade individual. Acentua a
importância da educação, desde a primeiríssima infância, para o desenvolvimento das potencialidades, pois as limitações resultam da interação entre as condições individuais e as barreiras ambientais. Nesse sentido, o papel do Serviço Social é fundamental, porque a escuta ativa, o acolhimento e o apoio de diferentes profissionais às famílias de pessoas com essa condição podem ser um pilar estratégico, para garantir o desenvolvimento pleno e a cidadania de pessoas com Síndrome de Down. O Assistente Social pode atuar junto às famílias, no diagnóstico e acompanhamento contínuo, como mediador e garantidor de direitos, fortalecendo-as com grupos de apoio, combatendo estigmas e barreiras sociais. O artigo anuncia múltiplas possibilidade, para romper com o isolamento e concretizar a transformação social, no que se refere à inclusão de crianças, adolescentes, jovens e adultos com Trissomia do Cromossomo 21.
Os próximos artigos de estudantes da Iniciação Científica Artística e Tecnológica – 2025 debatem sobre temas polêmicos nos espaços religiosos. A violência doméstica contra a mulher e a inclusão do homossexual nas igrejas cristãs indicam a presença de reinterpretações dos textos bíblicos e de outros documentos que orientam os pensamentos e comportamentos de fiéis cristãos.
A autora do artigo ”Entre a Fé e a Dor: A Violência Doméstica em Lares Cristãos e seus Impactos Históricos, Sociais e Espirituais”, estudante da Iniciação Científica Artística e Tecnológica – 2025, analisou a violência contra a mulher nas igrejas cristãs, iniciando pelo estudo desse fenômeno complexo, pela predominância histórica do patriarcado, o qual se construiu, ao longo dos séculos, definindo a mulher como propriedade e procurando controlar o corpo feminino. Aponta
que no Brasil, a força do patriarcado entrelaçou-se com o racismo estrutural, fazendo com que a mulher negra sofresse uma tripla opressão (gênero, classe e raça). No meio religioso, o sistema patriarcal também se manifesta e observam-se dados alarmantes- 43% das mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil são cristãs. O texto destaca o silenciamento das mulheres cristãs e a vivência da exclusão, no que se refere ao exercício do ministério patriarcal, desconsiderando exemplos de liderança feminina nas Escrituras e realizando interpretações bíblicas descontextualizadas. O artigo indica o papel fundamental da Igreja, que é ser agente de justiça e libertação, incluindo: denúncia de todas as formas de violência, acolhimento pastoral e psicológico seguro, promoção de uma hermenêutica crítica e libertadora e colaboração com a autoridade civil ao encaminhar as vítimas às autoridades competentes. A força do texto está em apontar os avanços legais, denunciar o sistema patriarcal existente e confirmar o compromisso da igreja cristã em tornar-se um espaço de dignidade, igualdade, respeito humano e vida plena para todas as pessoas.
O artigo “Interfaces entre fé cristã e homoafetividade: conflitos, diálogos e perspectivas teológicas contemporâneas” foi escrito por estudante da Iniciação Científica Artística e Tecnológica – 2025 e trata do paralelo com a fé cristã e a inclusão LGBTQIA+ nas igrejas, analisando a história da homossexualidade e a origem do preconceito. A autora retoma o surgimento do preconceito institucionalizado, que surgiu na Europa Medieval, com a combinação das primeiras religiões e a sacralização da relação heterossexual pelo Estado. As perseguições aos homossexuais tinham suas origens nos fatores religiosos e econômicos, que estavam entrelaçados, porque a relação homoafetiva não gerava des-
cendência biológica. Assim, a homossexualidade foi condenada como pecado pela Igreja Católica e, na Inquisição, os praticantes de sodomia foram torturados e executados. No século XVIII, a visão evoluiu de pecado para “doença mental ou moral”, sendo que a OMS só retirou a homossexualidade da CID, em 1990. O Conselho Federal de Psicologia proibiu a “cura”, em 1999. Entretanto, a evolução científica e os estudos não transformaram as concepções sobre a homoafetividade na sociedade. Nas igrejas cristãs, existe uma divergência na interpretação bíblica sobre a homossexualidade com alguns mantendo a visão tradicional e outros buscando reformulações teológicas. O texto aponta três atitudes históricas, que se observam até os dias atuais. São elas: aversão, omissão e compaixão. Algumas igrejas cristãs têm mudado a sua postura para o acolhimento e inclusão, aceitando membros e até celebrando uniões homoafetivas. O desafio é possibilitar que o homossexual expresse a sua fé e pertença a uma comunidade religiosa, sem abandonar a sua orientação. A importância do diálogo desencadeado pela pesquisa é a constatação de que o dilema continua presente na Igreja Cristã, necessitando de aprofundamento, no que se refere à revisão hermenêutica das escrituras e à transformação das práticas pastorais.
Finalmente, o artigo, que amplia as reflexões sobre o trabalho educacional, para possibilitar uma educação de qualidade social, escrito por estudante de Pedagogia, participante da Iniciação Científica Artística e Tecnológica – 2025, intitula-se “O acolhimento na Educação Infantil, na perspectiva da participação das crianças, em Janusz Korczak”. Ele explora a Pedagogia de Janusz Korczak, que dedicou a sua vida às crianças de orfanatos e morreu com elas no campo de extermínio de Treblinka, defendendo-as como sujeitos de
direito, completos e capazes. Explicou que o médico polonês considerava que a criança pode assumir responsabilidades, pensar seus atos e gerir a comunidade, como protagonista. Korczak buscava a vivência da gestão democrática, promovendo a autogestão e a participação infantil nas decisões, ensinando o exercício da cidadania. A autora afirma que o mártir realizava o verdadeiro acolhimento, como método pedagógico, criando um ambiente de pertencimento e confiança. O texto informa que duas unidades de Educação Infantil, na cidade de São Paulo, concretizam os princípios de Korczak, por meio da gestão democrática, do protagonismo infantil e de mecanismos como Assembleias Infantis e Conselhos Mirins, possibilitando que as crianças vivam suas infâncias plenamente e participem das decisões sobre a escola e a proposta pedagógica. A importância da leitura desse artigo, para a sociedade em geral e educadores está em reconhecer que o verdadeiro processo educacional encontra-se nas práticas de acolhimento e de escuta dos educandos, respeitando-os e criando condições para a construção de uma personalidade solidária e participativa.
Portanto, os organizadores desta edição da revista pretenderam proporcionar um espaço de inúmeros diálogos com temas essenciais para a vida e para a educação contemporânea. Os diferentes autores destes artigos almejaram compartilhar suas pesquisas e estudos, esperando que possam dialogar com os leitores e receber retorno de suas concepções e vivências marcadas nas linhas e entrelinhas desta apresentação.
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SUMÁRIO
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CULTURAL DO CORPO HUMA- NO ATRAVÉS DOS TEMPOS
- Viviane Ferreira Fonseca (autora)
- Edson Fernandes (co-autor)
- Verianne Santos (co-autora)
PENSAMENTO COMPUTACIONAL E FLUXOGRAMAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: INTEGRAÇÃO CURRICULAR E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
- Evandro de Almeida
- Danieli Cristina Ramos Hernandes
CRACOLÂNDIA DIGITAL: O ALGORITMO COMO CATALISADOR DA DEPENDÊNCIA EM APOSTAS ONLINE
- Victor Raphael De Paula Oliveira
O CEMITÉRIO DOS VIVOS: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A CRÍTICA PRESENTE NA OBRA DE BARRETO E OS FUNDAMENTOS DO MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL, COM FOCO NA ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL
- Jéssica de Souza
ABANDONO: IMPACTO NA CONDIÇÃO DE VIDA DA PESSOA IDOSA E O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL
- Izilda de Oliveira Caetano
A IMPORTÂNCIA DO ASSISTENTE SOCIAL NO APOIO ÀS FAMÍLIAS COM PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN
- Danieli Cristina Ramos Hernandes
- Evandro de Almeida
ENTRE A FÉ E A DOR: A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM LARES CRISTÃOS E SEUS IMPACTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E ESPIRITUAIS
- Talita Lemos da Silveira
INTERFACES ENTRE FÉ CRISTÃ E HOMOAFETIVIDADE: CONFLITOS, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS TEOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS
- Samara Santos Oliveira
O ACOLHIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL NA PERSPECTIVA DA PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS, EM JANUSZ KORCZAK
- Fabiana de Souza Lacerda Viana
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CULTURAL DO CORPO HUMANO ATRAVÉS DOS TEMPOS
Viviane Ferreira Fonseca (autora)1
Edson Fernandes (co-autor)2
Verianne Santos (co-autora)3
Resumo
O corpo humano, ao longo da história, passa por várias interpretações, dentro do aspecto biológico e, posteriormente, na construção simbólica, cultural e histórica (Le Breton, 2003; Mauss, 2003). Diante disso, o problema de pesquisa que orienta este estudo é que o corpo foi historicamente construído e ressignificado em diferentes períodos culturais e filosóficos? O objetivo geral é analisar a construção histórica e cultural do corpo humano, identificando as principais concepções atribuídas ao corpo em diferentes períodos históricos e discutindo suas repercussões para a contemporaneidade. Esse estudo configura-se como uma pesquisa de natureza qualitativa, de caráter bibliográfico e analítico. O estudo foi construído a partir da revisão de literatura clássica e contemporânea, contemplando filósofos como Platão, Aristóteles, Descartes, Merleau-Ponty, Sartre, além de antropólogos e sociólogos tais como Mauss, Le
Breton, Goffman, e de autores que discutem a corporeidade sob diferentes dimensões, histórica, fenomenológica, psicanalítica, educacional e artística como Foucault, Lowen, Vygotsky, Morin, Colker, Bertazzo, Bausch. A relevância desta investigação está em reconhecer o corpo como categoria fundamental para pensar a condição humana em sua totalidade. A análise evidencia que há uma mudança no decorrer do tempo a respeito do corpo, e que atualmente, a redução do corpo ao aspecto biológico vem sendo atravessada pelas esferas sociais, filosóficas e educacionais.
O corpo humano, no decurso da história, passa por várias interpretações, dentro do aspecto biológico e, posteriormente, a construção
1 - Doutoranda em Educação pela Christian Business School, Mestre em Educação, pesquisadora, produtora cultural e educadora, com atuação voltada à inclusão sociocultural, educação estética e uso do cinema como ferramenta pedagógica e de transformação social.
2 - Escritor. Doutor em Comunicação, Mestre em Educação e Especialista em Psicanálise, Educação Especial e Inclusiva, e Psicopedagogia, Professor da FAEP.
3- Graduada em Psicologia pela Universidade Ceuma. Especialista em Neuropsicopedagogia pela Faculdade Gaúcha e Psicologia Jurídica pela Faculdade Metropolitana de São Paulo.
simbólica, cultural e histórica (Le Breton, 2003; Mauss, 2003).
Desde a Pré-história até a contemporaneidade, o corpo foi interpretado em diferentes contextos, assumindo múltiplos papéis: instrumento de sobrevivência, mediador das relações sociais, símbolo político e estético, além de espaço de disciplinamento e poder (Foucault, 2014).
Nesse percurso, compreende-se que a história da civilização pode ser narrada pela forma como distintas sociedades elaboraram códigos corporais, produzindo padrões de beleza, modos de expressão e práticas sociais (Daolio, 1995, Eco, 2010).
Essa visão evidencia que o corpo não é estático, mas atravessado por transformações filosóficas, científicas e artísticas (Merleau-Ponty, 1999).
Diante disso, o problema de pesquisa que orienta este estudo é: investigar como o corpo foi historicamente construído e ressignificado em diferentes períodos culturais e filosóficos?
Essa problemática parte da constatação de que, apesar dos avanços científicos, filosóficos e pedagógicos, ainda prevalece, em muitas práticas sociais e escolares, uma visão parcial do corpo, reduzido ora a objeto disciplinado, ora a máquina produtiva, ora a suporte secundário da mente. Isso evidencia a necessidade de compreender o percurso histórico da corporeidade para repensar sua função na educação e na cultura atual.
O objetivo geral é analisar a construção histórica e cultural do corpo humano, identificando as principais concepções atribuídas ao corpo em diferentes períodos históricos e discutindo suas repercussões para a contemporanei-
dade.
Como objetivos específicos, destacam-se:
1. Examinar como o corpo foi compreendido na Pré-história, Antiguidade, Idade Média, Renascimento, Modernidade e Contemporaneidade;
2. Relacionar as diferentes concepções de corpo com os contextos filosóficos, artísticos e educacionais de cada época;
3. Refletir sobre a importância da corporeidade como dimensão essencial para os processos educativos atuais;
4. Apontar caminhos para ressignificar o corpo na educação, superando visões fragmentadas e reconhecendo-o como espaço de sensibilidade, identidade e transformação social.
Desta forma, compreender a construção histórica e cultural do corpo significa revisitar as concepções passadas, e também refletir criticamente sobre os modos como ainda hoje o corpo é visto. A relevância desta investigação está em reconhecer o corpo como categoria fundamental para pensar a condição humana em sua totalidade — biológica, social, cultural e educacional.
Nesse sentido, o presente estudo busca analisar as diferentes concepções de corpo ao longo da história e discutir como tais interpretações podem contribuir para a ressignificação da corporeidade no cenário contemporâneo, especialmente no campo da educação.
1. O CORPO NA PRÉ-HISTÓRIA E ANTIGUIDADE
A história da civilização é contada por meio de
nossa percepção sobre o corpo, pois este não pode ser entendido apenas em sua dimensão biológica, mas como uma construção histórica e cultural (Le Breton, 2003; Mauss, 2003). A maneira como diferentes sociedades elaboram novos códigos para a compreensão deste corpo, gera padrões de beleza e produz uma história corporal com seus mecanismos e codificadores (Daolio, 1995).
Como exemplo, o ato de colocar a mão no joelho de outra pessoa – considerado um gesto comum no Brasil – pode, em outras culturas, ser interpretado como um sinal de desrespeito. Isso se dá pelo fato de que os gestos tendem a carregar diferentes significados em vários contextos socioculturais (Hall, 1986; Goffman, 2002).
Portanto, pensar sobre o corpo em uma perspectiva ampla implica em reconhecer o corpo como um meio de transmissão de múltiplos códigos históricos e culturais (Merleau-Ponty, 1999).
Ao traçar as várias dimensões do corpo, encontramos: a física, ligada à sua materialidade; a fisiológica, associada ao seu funcionamento; a social, vinculada às interações interpessoais; a histórica, que relaciona corpo e tempo; a energética, que remete à essência e à matriz vital; e a cultural, que se manifesta nas práticas e significados vividos em sociedade (Morin, 2000; Merleau-Ponty, 1999).
Pensando no corpo em seu contexto histórico, a cronologia nos revela como foi concebido durante cada século e os reflexos que recebeu nesse processo (Le Breton, 2003).
Na Pré-história, temos o homem primitivo que vivia em sintonia com seu ambiente, sua realidade e suas possibilidades. Sua relação com o mundo, com a natureza, e seus mecanis-
mos de sobrevivência evidenciam a centralidade do corpo nesse contexto (Eibl-Eibesfeldt, 1977; Leroi-Gourhan, 1981). Os desenhos rupestres, ao trazer as expressões corporais, revelam a simplicidade, e suas táticas de sobrevivência (Geertz, 2008).
Outra característica deste grupo era proteção da prole, além da tomada de decisões individualistas ou coletivas. Essa dinâmica relacional direta com a natureza fez do corpo primitivo um mediador entre o homem e o mundo (Leroi-Gourhan, 1981).
Na Antiguidade, destacamos a cultura asiática, uma das mais antigas do mundo, que entendia o corpo em duas dimensões: espiritual e política.
No hinduísmo, essa concepção provém de uma tradição milenar, que aceita a pluralidade do corpo, capaz de manifestar-se como corpo físico, mental, emocional e espiritual (Zimmer, 2008; Eliade, 1979). Nesse contexto, o corpo é entendido tanto como parte de um todo quanto como meio de evolução espiritual.
O budismo e a tradição brahmânica têm uma visão de mundo voltado ao entendimento do espírito libertar-se das dependências materiais impostas ao corpo, responsáveis por gerar sofrimentos constantes (Eliade, 1979).
O homem e a mulher hindus, por exemplo, por meio de suas vestes, tatuagens e joias, expressam uma corporeidade que comunica posição social e identidade coletiva, tal como se observa também na cultura egípcia, em que a mumificação estabelecia distinções de classe mesmo após a morte (Assmann, 2011).
Nesse sentido, tanto indianos quanto egíp-
cios demonstram o domínio simbólico e social do corpo, essencial para organização de crenças, rituais e a dinâmica entre corpo e a eternidade.
2. O CORPO NO PERÍODO CLÁSSICO
Entrando no Período Clássico, chegamos à Grécia. Este pensamento, em especial o socrático, representa a importância do espírito inquieto, que acredita que o conhecimento habita dentro de cada indivíduo. (Reale, 1994). Em Platão, encontramos uma ideia de que o corpo está dividido em três dimensões: racional, irracional e apetitiva. (Platão, 2006), sendo a dimensão racional localizada no cérebro, a irracional no peito e a apetitiva nas entranhas. Além disso, Platão falava sobre a necessidade de manter exercícios físicos constantes, pois para ele: “a mente sã precisa habitar um corpo são” (Platão, 2006).
O corpo, para Aristóteles, estava inserido no pensamento metafísico como ente dotado de movimento, capaz de produzir causas e efeitos, e com o potencial de transformação contínuo (Aristóteles, 2016; Reale, 1994).
Hipócrates acreditava que a natureza condicionava a saúde humana. Ele atribuía ao corpo qualidades de úmido, frio, seco e quente. Ao formular sua teoria dos humores, relacionava o temperamento e o estado físico das pessoas ao equilíbrio desses elementos e até mesmo aos alimentos consumidos, defendendo a sintonia do corpo com o entorno natural (Hipócrates, 2005; Lloyd, 2003).
De modo geral, a cultura grega valorizava o corpo pautado no ideal do belo. (Eco, 2010). Em Esparta, o corpo era moldado para a guerra, o que estava relacionado à força, coragem e virilidade. Em Atenas, o perfil diferia das outras culturas, pois era marcado pela parti-
cipação em atividades artísticas, filosóficas e oratórias. Em ambos os casos, o ideal de beleza era exaltado e aproximava-se da perfeição. (Jaeger, 1994; Vernant, 1990).
Na segunda metade do século XVII, surge a ideia de superar o dualismo psicofísico, que por séculos opôs corpo e alma. O pensamento cartesiano, que vigora na época, afirmava que o homem era constituído por duas substâncias — mente e corpo, e o encontro delas se dava por meio da glândula pineal, o que fortaleceu esse debate (Descartes, 1991; Schultz e Schultz, 2019).
A filosofia de René Descartes (1991), com o seu dualismo entre corpo e mente, entendendo o ser humano como constituído de duas substâncias distintas: a res cogitans (pensar) e a res extensa (matéria), marcou profundamente a Modernidade, ao instalar para a humanidade a divisão entre corpo e alma.
Com o avanço da ciência, autores, como Lavoisier, demonstraram que a natureza está em constante processo de transformação, indicando que o corpo, enquanto matéria, também é passível de transformação (Lavoisier, 1996; Canguilhem, 2002).
3. O CORPO NA MODERNIDADE
Na contemporaneidade, encontramos Michel Focault, que aponta a preocupação inicial com o corpo – antes centrada apenas em sua alimentação e manutenção física – deslocando-se, a partir do final da Idade Média para os séculos XVIII e XIX, para o tema da sexualidade.
Em História da Sexualidade, Foucault (2014) apresenta como surgiu a necessidade de controlar o corpo por meio de códigos de conduta, disciplina e vigilância, pois o corpo tornou-se objeto de poder nas esferas urbana,
institucional e moral.
O corpo pós-moderno passou do mundo dos objetos para a esfera do sujeito, assumido e cultivado como um ‘eu-carne’, credor de reconhecimento e de glorificação, e mesmo objeto-sujeito de culto (Ribeiro, 2003, p. 7).
Em Merleau-Ponty (1941), vemos a sua proposta de pensar o corpo por meio de uma fenomenologia que rompe com o dualismo mente/corpo, em que o corpo não é apenas objeto visível ou instrumento físico, mas sujeito perceptivo, inserido no mundo, tendo os seus aspectos visuais, táteis e motores interligados.
Esse autor destaca como partes do nosso corpo integram uma experiência perceptiva integrada, mesmo que certas partes estejam fora de nosso campo de visão direto (como as pernas quando estamos de pé, parte delas escondida por uma mesa) ou que usemos sapatos, ainda assim sentimos seu peso, sua presença, sua textura, como parte de nossa corporeidade vivida (Merleau-Ponty, 1941).
Cada um de nós se vê por um olho interior, [...] Assim, a conexão dos seguimentos do nosso corpo e a de nossa experiência visual e nossa experiência tátil, não se realiza pouco a pouco e por acumulação. Não reúno as partes do meu corpo, uma a uma: esta tradução e esta reunião são feitas de uma ver por todas em mim, são meu próprio corpo (Ponty, 1941, p. 160 e 161).
Assim, Merleau-Ponty (1999) propõe a compreensão da experiência corporal como fusão entre corpo e objeto, em que a materialidade externa se integra à consciência. Para o autor, instrumentos como o bastão, o garfo ou a caneta tornam-se extensões do corpo no ato de agir, deixando de ser percebidos como ob-
jetos à parte e passam a integrar a corporeidade vivida. Essa síntese do “corpo próprio” evidencia a elo entre consciência e corpo, sujeito e objeto, percebendo-se mutuamente como indissociáveis.
Na psicanálise, Lacan (1998) apresenta a teoria do “estágio do espelho”, em que o indivíduo, no caso a criança, se reconhece por meio de sua imagem refletida no espelho, como um ser uno, inteiro, um processo fundamental para a constituição da identidade corporal. Essa identificação marca o processo de formação do “eu” e do “eu ideal”, representando a primeira forma constituída da subjetividade humana e que também intermedia a sua relação com o mundo.
Para Vygotsky (1991), a visão sociocultural do corpo é entendida como mediador das interações e aprendizagens. O corpo, em contato com o contexto social, possibilita o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, sendo também um instrumento de mediação simbólica.
Assim, Vygotsky (1991) traz o diálogo do corpo como esse instrumento de mediação para desenvolver esse aprender a aprender, sobre aprender sobre os outros, aprender sobre o mundo, que em sintonia com este corpo nos leva muito mais além das nossas possibilidades. O autor afirma que esse corpo, em contato com o contexto social, pode se adaptar a outras experiências. É que, nesse processo de aprender a aprender, acontece o que seria predizer a fronteira do potencial do corpo.
Em Alexander Lowen (1982), encontramos o conceito de bioenergética. Essa abordagem aponta para o corpo e como ele expressa e revela emoções e conflitos psíquicos. Para o autor, a integração entre corpo e mente só é possível quando se reconhece que as experi-
ências emocionais se manifestam por meio das tensões e expressividades corporais.
Assim, o autor (1982) destaca a expressão do corpo, que percebe e reage a realidade, que seria então nomeada de percepção da reação. Essa realidade pode estar em sintonia ou não com este real, sendo que esta conexão pode afetar as emoções e os sentimentos, levando assim, aos mecanismos de defesa para enfrentar as dificuldades que lhe são apresentadas.
No Renascimento, houve uma busca pelo método científico - o que reverberou no comportamento humano e como ele era observado, descrito. Isso representou avanços técnicos, e também uma nova concepção do mundo para o homem, ou seja, uma nova cosmovisão (Burke, 1999).
Na arte, temos a representação do corpo humano sendo metrificada, e desse modo representada de forma mais realista e anatômica, como evidenciam as obras de Leonardo da Vinci e Michelangelo (Gombrich, 1999).
Com o Iluminismo, a dicotomia de René Descartes começou a ser contestada, dando lugar a uma visão mais racionalista, que negava a centralidade da experiência sensorial e corporal, em nome da primazia da razão (Cassirer, 1997).
Já no século XIX, por conta da Revolução Industrial, o corpo passou a ser entendido por meio de uma ótica mecanicista, ou seja, como elemento fundamental para um sistema produtivo. O processo de industrialização promoveu a padronização e mecanização das atividades humanas, trazendo o corpo para um cenário que o colocava como instrumento de trabalho, por vezes repetitivo e disciplinado (Foucault, 2019).
A reflexão proposta por Adroldado Gaya (2005) evidencia a discussão teórica na qual se encontra o corpo no XXI.
Será que a partir do século XXI filosofar sobre o corpo humano significará radicalizar os dualismos de Platão, Descartes e dos neo-idealistas pós-humanistas como Newel, Simon ou Moravec? Ou ainda há esperanças de filosofar na trilha de Espinosa, Merleau-Ponty, Heidegger ou, contemporâneos como Morin, Maturana e Varela, José Gil, Damásio, Deryfuss, Dennet, Le Doux, Gardner? Deveremos anunciar a morte do corpo humano? Ou haverá espaço para recuperar a sua dignidade? (Gaya, 2005, p. 335).
Se de um lado ainda persiste o conceito dualista herdado da tradição filosófica de Descartes e Platão, por exemplo, de outro lado abre-se a possibilidade de novos caminhos inspirados em pensadores como M. Ponty, dentre outros, que abrem espaço para a compreensão do corpo em sua totalidade. Dessa maneira, para não tomar o corpo humano como um mero objeto de análise biológica, a continuidade desse debate exige, portanto, revisitar os paradigmas clássicos, e construir referenciais teóricos capazes de compreender o corpo em sua pluralidade e em sua articulação com os desafios contemporâneos.
4. CORPO, EDUCAÇÃO E CULTURA
Construir uma cronologia do corpo, no processo histórico, não significa defini-lo, pois se trata de uma temática complexa com inúmeras abordagens. Porém, essa construção permite compreender como diferentes visões de mundo, descritas por meio de vários autores, ajudam-nos a compreender o contexto
cultural e as interpretações dadas ao corpo ao longo do tempo (Le Breton, 2003).
Sob a perspectiva da saúde, há um consenso de que a construção e manutenção de hábitos como alimentação equilibrada, sono adequado, prática regular de exercícios físicos contribuem significativamente para a qualidade de vida.
Contudo, quando voltamos o olhar para o campo artístico, o corpo se revela em sua potência expressiva e simbólica, indo além da dimensão biológica (Merleau-Ponty, 1999).
Nessa perspectiva, múltiplas formas de expressão emergem, como o corpo de dança em Deborah Colker (Bosco, 2012), as coreografias pedagógicas de Ivaldo Bertazzo (Bertazzo, 2015) e a poesia do movimento por meio de Pina Bausch (Servos, 2008), que exploram diferentes possibilidades da linguagem corporal.
A linguagem corporal tende a se manifestar em diversas técnicas, desde a pantomima até a dança contemporânea, evidenciando que o corpo além de biológico, é social e cultural (Mauss, 2003).
Dentro da esfera e ducacional, há o debate, desenvolvido por alguns educadores, sobre a participação do corpo dentro do processo de aprendizagem, ou seja, aprender por meio do corpo em movimento, quer seja por meio de jogos, dança e teatro, dentro outras ferramentas, que tragam o corpo para dentro do cenário escolar.
A maioria dos sistemas educacionais inibe a criatividade e é organizada com base no falso princípio de que a vida é linear e inorgânica. O discurso convencional afirma que, se você estudar um determinado assunto, seguir o cronograma prescrito e passar em todos os
exames, sua vida se encaixará perfeitamente no lugar. Caso contrário, isso não acontecerá. (Robinson, 2013, p. 34).
A linearidade da estrutura organizacional e pedagógica escolar também é abordada por Graciliano Ramos (2003, p. 214) que denuncia, de forma poética, a rigidez do ambiente escolar:
O lugar de estudo era isso. Os alunos se imobilizavam nos bancos: cinco horas de suplício, uma crucificação. Certo dia vi as moscas na cara de um, roendo o canto do olho, entrando no olho. E olho sem se mexer, como se o menino estivesse morto. Não há prisão pior que uma escola primária do interior. A imobilidade e a insensibilidade me aterraram. Abandonei os cadernos e as auréolas, não deixei que as moscas me comessem. Assim, aos nove anos ainda não sabia ler.
Para Merleau-Ponty (1999), o conhecimento sobre o corpo implica em um retorno à compreensão de que ele não se limita apenas à esfera biológica. Portanto, no campo educacional, muitos autores destacam a presença do corpo do educador e do aluno em sala de aula, reconhecendo-os como dimensão constitutiva da formação humana.
Essa nova proposta educacional sobre o corpo pressupõe pequenas modificações não apenas na estrutura da escola quanto na formação do professor, com o intuito de trazer o corpo como um meio de aprendizagem.
Para Morin (2000), é importante compreender o ser humano em sua totalidade. Esse pensamento dentro da educação aproxima a narrativa sobre uma técnica que integra teoria e prática, tradição e inovação. Dessa forma, o
desafio atual é integrá-la a educação criticamente, preservando a dimensão total do ser humano.
5. Metodologia
Esse estudo é uma pesquisa de natureza qualitativa, de caráter bibliográfico e analítico. O estudo foi construído a partir da revisão de literatura clássica e contemporânea, contemplando filósofos como Platão, Aristóteles, Descartes, Merleau-Ponty, Sartre, além de antropólogos e sociólogos tais como Mauss, Le Breton, Goffman, e de autores, que discutem a corporeidade sob diferentes dimensões, histórica, fenomenológica, psicanalítica, educacional e artística como Foucault, Lowen, Vygotsky, Morin, Colker, Bertazzo, Bausch.
O procedimento metodológico envolveu três etapas principais:
1. Levantamento teórico em obras de referência e artigos acadêmicos que abordam o corpo em sua dimensão histórica, filosófica e cultural.
2. Análise cronológica, buscando identificar as concepções predominantes em cada período histórico.
3. Discussão crítica ao relacionar as diferentes concepções de corpo com desafios contemporâneos, especialmente no campo da educação e da cultura.
5.1 Resultados e Discussão
De acordo com os dados apresentados neste estudo, o corpo foi entendido de formas distintas ao longo do tempo.
Na Pré-história o corpo, usado como instrumento de sobrevivência, estava inscrito sob a ótica ritualística e por meio de representações rupestres (Eibl-Eibesfeldt, 1977; Leroi-Gourhan, 1981).
Já na Antiguidade, surgem interpretações es-
pirituais e políticas, a citar: no hinduísmo e Egito, onde o corpo simbolizava tantas hierarquias sociais quanto transcendência espiritual (Zimmer, 2008; Assmann, 2011).
Na Grécia Clássica, o corpo foi associado ao ideal do belo, e também pensado filosoficamente como sede da razão e da emoção (Platão, 2006; Aristóteles, 2016). Nos períodos da Idade Média e Renascimento, o corpo foi redescoberto pelas artes e pela ciência, como vistos nas obras de Leonardo da Vinci. (Burke, 1999; Gombrich, 1999).
Na Modernidade, Descartes inaugura o que é amplamente conhecido como dualismo mente-corpo, que foi contestado mais tarde por perspectivas fenomenológicas como a de Merleau-Ponty (1999), que compreende o corpo como sujeito perceptivo.
Na Contemporaneidade temos Michel Foucault (2014), que discute sobre como o corpo é disciplinado e controlado socialmente, enquanto pensadores como Morin (2000) e Lowen (1982) apontam para sua integração na educação, na saúde e na cultura. No meio educacional, evidenciou-se um tensionamento: de um lado, práticas que ainda reduzem o corpo ao imobilismo escolar (Ramos, 2003; Robinson, 2013), e de outro, propostas que buscam ressignificar o corpo como meio de aprendizagem e expressão (Bertazzo, 2015; Colker, 2002; Servos, 2008).
Dessa forma, os resultados demonstram que a compreensão do corpo, apesar das várias interpretações sobre ele, no processo histórico, atualmente expressa um campo de convergência entre a biologia, cultura e subjetividade.
A análise evidencia que houve mudanças em relação ao que se escreveu sobre o cor-
po, transformando a visão reducionista de apenas um aspecto biológico para o destaque de outras dimensões, trazidas pelos estudos sociais, filosóficos e educacionais.
Essa leitura abre caminhos para pensar o corpo na contemporaneidade para além da biologia e meios de produção. Isto significa ver o corpo como um território de experiências, expressividade e criação, o que torna esse aspecto um debate para a educação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da construção histórica e cultural do corpo humano evidencia que este não pode ser compreendido apenas em sua dimensão biológica, mas como resultado de múltiplas interpretações filosóficas, sociais, artísticas e educacionais.
Ao longo da história, o corpo foi concebido como instrumento de sobrevivência, espaço de poder, objeto de disciplinamento, suporte da alma, máquina produtiva, e também como território de subjetividade, expressão estética e identidade social.
Na Contemporaneidade, observa-se que a fragmentação herdada de visões dualistas ainda permanece em práticas sociais e escolares. Todavia, novos paradigmas — influenciados pela fenomenologia, pela psicanálise, pela bioenergética e pelas pedagogias do corpo — defendem a necessidade de reconhecer a corporeidade como parte essencial da condição humana.
Compreender o corpo nessa perspectiva integral significa superar a lógica reducionista que o enxerga como objeto ou instrumento, e abrir caminho para concebê-lo como categoria fundamental de pensamento e de ação.
No campo da educação, em especial, torna-se urgente ressignificar o corpo como lugar de sen-
sibilidade, criatividade e transformação, em sintonia com o mundo social e cultural em que está inserido.
Portanto, revisitar a história do corpo é também repensar o presente e projetar novas possibilidades de futuro.
Essa reflexão não encerra o debate. Ela convida a ampliar os olhares sobre a corporeidade, reconhecendo sua potência como espaço de diálogo entre ciência, filosofia, arte e educação.
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COMPUTACIONAL E FLUXOGRAMAS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: INTEGRAÇÃO CURRICULAR E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
Evandro de Almeida1
Danieli Cristina Ramos Hernandes2
RESUMO
Este artigo investiga a integração do pensamento computacional e da utilização de fluxogramas no currículo da Educação Básica, conforme orientado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O estudo possui como objetivo geral analisar como essas ferramentas contribuem para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e para a resolução estruturada de problemas em estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental. A metodologia empregada foi de natureza qualitativa, baseada em pesquisa bibliográfica e documental, utilizando como fontes principais a BNCC, artigos científicos e dissertações que discutem a aplicação pedagógica de algoritmos e fluxo-
gramas. Os resultados indicam que a incorporação do pensamento computacional, por meio de fluxogramas, promove a decomposição de problemas, o reconhecimento de padrões e a abstração, habilidades essenciais, não apenas para a matemática, mas transversais a diversas áreas do conhecimento. Conclui-se que a abordagem fortalece a capacidade dos alunos de traduzir situações-problema em linguagens estruturadas, contribuindo significativamente para sua formação crítica e para o mundo do trabalho. A formação docente é apontada como um elemento crucial para a efetiva implementação dessas estratégias.
1 - Graduação em Relações Internacionais - Centro Universitário Belas Artes de São Paulo - FEBASP. Especialista em Negócios e Comércio Internacional – Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU; Especialista em Magistério para o Ensino Superior - Centro Universitário Belas Artes de São Paulo - FEBASP - Mestre e Doutor em Ciências Sociais – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP – Tutor em cursos de Gestão na FAEP. e-mail: evandrovsky@hotmail.com
2 - Graduada em Ciências Contábeis -Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo – FACESP. Graduação em Pedagogia - Universidade Norte do Paraná, UNOPAR. Especialista em Psicopedagogia - UNOPAR. Mestrado em Controladoria. Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo - FACESP e-mail: danieli.hernandes@cogna.com.br
Metodologias Ativas.
Introdução
A contemporaneidade, marcada pelo uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), exige da educação a formação de indivíduos capazes de compreender e interagir criticamente com um mundo cada vez mais complexo e baseado em dados. Nesse contexto, o Pensamento Computacional (PC) emerge, não como um fim em si mesmo, mas como uma competência fundamental para a decomposição e resolução sistemática de problemas, aplicável às mais diversas esferas da vida.
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018. p. 267), documento normativo orientador da Educação Básica brasileira, explicita a importância de desenvolver nos alunos a capacidade de “enfrentar situações-problema em múltiplos contextos”, utilizando diferentes linguagens, incluindo algoritmos e fluxogramas.
A justificativa para esse trabalho residiu na necessidade de se compreender as estratégias eficazes para integrar o PC ao currículo, indo além da simples programação de computadores. Conforme defendem Barcelos e Silveira (2012), a compreensão dos procedimentos do PC ultrapassa o escopo da Ciência da Computação, configurando-se como uma ferramenta mental valiosa. A BNCC (BRASIL, 2018) corrobora essa visão, ao estabelecer correlações entre a atividade matemática e a modelagem de processos computacionais, indicando algoritmos e fluxogramas como objetos de estudo concretos para essa finalidade.
O problema de pesquisa que norteou este artigo consistiu em investigar: de que maneira
a utilização de fluxogramas, enquanto linguagem e ferramenta pedagógica, pode contribuir para o desenvolvimento do Pensamento Computacional e para a aprendizagem significativa de conceitos matemáticos nos anos finais do Ensino Fundamental, conforme orientações da BNCC?
O objetivo principal deste trabalho foi demonstrar a integração do Pensamento Computacional por meio de fluxogramas e algoritmos no contexto da Educação Básica e, especificamente: a) revisar as bases conceituais do Pensamento Computacional e sua relação com a educação; b) demonstrar conceitos de fluxogramas e algoritmos e sua utilização como ferramenta de aprendizado na matemática; e c) apresentar e discutir estratégias metodológicas baseadas em fluxogramas para a sala de aula. Cada objetivo específico deu origem a um capítulo subsequente deste trabalho.
Metodologicamente, tratou-se de uma pesquisa de natureza básica, com abordagem qualitativa e objetivos exploratório-descritivos. O procedimento técnico utilizado foi a pesquisa bibliográfica e documental, baseada na análise de fontes como a BNCC, livros, artigos científicos e trabalhos acadêmicos (teses e dissertações), que versam sobre Pensamento Computacional, fluxogramas, algoritmos e seu ensino na educação básica. Autores como Wing (2006), Valente (2016), Silva (2020) e Santos (2021) constituíram o principal referencial teórico.
1 - Pensamento computacional e sua relevância educacional
O Pensamento Computacional (PC) é definido como um processo mental estruturado, voltado para a formulação de problemas e de suas respectivas soluções, de modo que estas pos-
sam ser implementadas de maneira eficaz por um agente de processamento de informação, seja ele humano ou máquina.
Essa abordagem enfatiza a importância de se organizar o raciocínio de forma lógica e sistemática, o que permite transpor desafios complexos em etapas manipuláveis e sequenciais. A aplicação do PC transcende, portanto, o ambiente digital, constituindo-se como uma competência cognitiva ampla, aplicável em diversos contextos da vida cotidiana e acadêmica.
Wing (2006), pesquisadora pioneira na popularização do termo, estabeleceu quatro pilares fundamentais para o PC: decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e algoritmização.
Nessa estrutura, a decomposição refere-se à fragmentação de um problema em partes menores e mais gerenciáveis; reconhecimento de padrões permite identificar similaridades ou regularidades entre diferentes situações; a abstração envolve o foco nos elementos essenciais, excluindo detalhes irrelevantes; e a algoritmização consiste na criação de sequências ordenadas de passos para solucionar problemas.
Trata-se, portanto, de uma habilidade de raciocínio lógico que ultrapassa o uso instrumental de computadores, preparando os indivíduos para enfrentar desafios de forma criativa e eficiente.
Na educação, o PC não se restringe a uma única disciplina, podendo ser integrado de maneira transversal ao currículo escolar. No entanto, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) destaca uma correlação significativa entre a atividade matemática e a
modelagem de processos computacionais, enfatizando o potencial dessa interface para o desenvolvimento de habilidades cognitivas complexas.
A Matemática, enquanto ciência de natureza humana, emerge historicamente das necessidades e inquietações de distintas culturas, evoluindo continuamente em resposta aos desafios contextuais. Esse caráter dinâmico permite que ela transcenda a mera aplicação técnica, constituindo-se como ferramenta fundamental para a resolução de problemas científicos e tecnológicos.
Além disso, a matemática fornece bases sólidas para descobertas e construções teóricas e práticas, gerando impactos profundos no mundo do trabalho e na sociedade contemporânea. A BNCC (2018, p. 267) reconhece essa dimensão, afirmando que esta área do conhecimento, não apenas apoia avanços tecnológicos, mas também estrutura formas de pensamento essenciais para a cidadania e a criticidade.
Dessa forma, a incorporação do PC por meio da matemática, não só potencializa a aprendizagem de conceitos específicos, mas também prepara os estudantes para atuar em um mundo cada vez mais orientado por dados e algoritmos, onde a capacidade de abstrair, decompor e modelar problemas torna-se indispensável.
As estratégias baseadas na resolução de problemas, na investigação e na modelagem, já consolidadas no ensino de matemática, apresentam um terreno fértil para o desenvolvimento de competências associadas ao PC.
O documento explicita a importância de os alunos serem capazes de “traduzir uma situ-
ação dada em outras linguagens, como transformar situações-problema, apresentadas em língua materna, em fórmulas, tabelas e gráficos e vice-versa” (Brasil, 2018, p. 271).
Nesse sentido, o desenvolvimento do PC está intrinsecamente ligado à capacidade de representação e organização do pensamento. Grover e Pea (apud Silva, 2020) ampliam a visão sobre as habilidades a serem desenvolvidas, listando desde a abstração e o reconhecimento de padrões até a depuração e a detecção de erros de forma sistemática.
O foco, portanto, conforme defende Valente (2016), não deve estar em avaliar se o aluno aprendeu a programar, mas no nível de consciência que ele desenvolve sobre conceitos computacionais e em como aplica esse entendimento em diversas atividades, entre elas a elaboração e leitura de fluxogramas e algoritmos voltados aos temas da matemática.
Desse modo, a convergência entre Pensamento Computacional e a Educação Matemática consolida-se como uma estratégia pedagógica essencial para a formação integral do estudante contemporâneo. Ao articular os pilares do PC – decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e algoritmização – com os conceitos matemáticos, promove a aquisição de conhecimentos específicos e o desenvolvimento de competências cognitivas transversais.
Essa articulação prepara os educandos para atuar em um contexto social e profissional, cada vez mais permeado por tecnologias e demandas complexas, capacitando-os para interpretar, criticar e intervir na realidade de forma fundamentada.
Portanto, a integração proposital dessas di-
mensões no currículo escolar constitui um imperativo educativo para o pleno exercício da cidadania e a inserção crítica no mundo digital.
2 - Fluxogramas e algoritmos como ferramenta pedagógica na BNCC
Os fluxogramas surgem como uma linguagem visual e acessível para operacionalizar os princípios do PC em sala de aula. Eles são definidos como uma representação gráfica de um algoritmo, ou seja, a decomposição de um procedimento complexo em suas partes mais simples, relacionando-as e ordenando-as (BRASIL, 2018). Silva (2020) complementa que o fluxograma é uma linguagem regulamentada por normas – como a ISO 5807:1985 –, o que confere visibilidade à descrição de um processo, sistema ou algoritmo.
O algoritmo, por sua vez, configura-se como uma estratégia fundamental para o desenvolvimento do PC, uma vez que se associa diretamente à resolução sistemática de problemas complexos. Consiste em uma sequência finita e ordenada de passos executáveis, elaborados para atingir um objetivo específico ou solucionar uma determinada questão.
Conforme estabelecido pela BNCC, o algoritmo corresponde à “decomposição de um procedimento complexo em suas partes mais simples, relacionando-as e ordenando-as, e pode ser representado graficamente por um fluxograma” (Brasil, 2018, p. 271).
Dessa forma, ele transcende a noção restrita de programação, tornando-se uma ferramenta cognitiva, que estrutura o pensamento e organiza a ação de modo lógico e eficiente.
A BNCC inova, ao incluir explicitamente al-
goritmos e fluxogramas, como habilidades a serem desenvolvidas nos componentes de matemática, especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental.
Habilidades como a EF06MA04 (Brasil, 2018. p. 303) “Construir algoritmo para resolver situações passo a passo” e a EF07MA03 (BRASIL, 2018. p. 307) “Comparar e ordenar números inteiros em diferentes contextos, incluindo o histórico, associá-los a pontos da reta numérica e utilizá-los em situações que envolvam adição e subtração” podem ser trabalhadas eficazmente por meio da construção e interpretação de fluxogramas.
A aplicação pedagógica dos fluxogramas é vasta. Eles não servem apenas para representar a lógica de programação, mas também para mapear processos de solução de problemas matemáticos – como verificar a paridade de um número, calcular o valor de uma expressão numérica ou entender as operações com números inteiros (Santos, 2021).
Segundo Silva (2020), suas funções principais incluem documentar e analisar um processo, padronizá-lo para maior eficiência, comunicá-lo com clareza e identificar falhas ou repetições desnecessárias.
Para exemplificar, pensamos em um fluxograma relacionado à paridade de um número natural. O processo inicia-se com a entrada de um número natural, seguindo para a verificação de sua divisibilidade por dois. Caso o resto da divisão seja igual a zero, o número é classificado como par; caso contrário, é identificado como ímpar.
A utilização dessa ferramenta não apenas facilita a compreensão do conteúdo, mas também estimula o desenvolvimento do raciocínio lógico e da capacidade de abstração,
alinhando-se, portanto, aos pressupostos do Pensamento Computacional.
É crucial que o uso do fluxograma não seja um apêndice ao conteúdo, mas sim o percurso metodológico para a construção do conhecimento. Santos (2021) adverte que não justifica desenvolver o conteúdo, para só depois trabalhar com fluxogramas. Pelo contrário, essa linguagem deve ser o caminho, que guia o estudante na conceituação e na resolução do problema, estimulando as etapas mentais características do PC.
Dessa forma, os fluxogramas consolidam-se como instrumentos pedagógicos essenciais para materializar o Pensamento Computacional no contexto educacional, transformando abstrações em processos visíveis e manipuláveis.
Sua aplicação sistemática permite aos estudantes desenvolverem competências matemáticas específicas e ainda habilidades cognitivas transversais, como organização do pensamento, resolução estruturada de problemas e capacidade de representação lógica.
A integração dessas ferramentas ao currículo, conforme orienta a BNCC, representa, um avanço significativo na modernização do ensino e na preparação dos educandos para os desafios do século XXI.
Assim, a efetiva implementação dessa abordagem depende fundamentalmente de uma mudança de paradigma didático, em que algoritmos e fluxogramas deixem de ser conteúdos periféricos, para se tornarem eixos estruturantes do processo de aprendizagem.
Cabe aos sistemas educacionais investir na formação docente e na elaboração de recur-
sos, que possibilitem essa transição, garantindo que os educadores estejam aptos a utilizar essas linguagens como ferramentas de mediação cognitiva.
Desse modo, estaremos formando não somente usuários passivos de tecnologia, como também pensadores capacitados a criar, analisar e transformar realidades por meio de ferramentas computacionais.
3 - Estratégias metodológicas e o desafio da formação docente
A implementação bem-sucedida do PC e de fluxogramas em sala de aula demanda a adoção de metodologias ativas, nas quais o aluno é protagonista de seu aprendizado. Nesse tipo de abordagem, os alunos são ativos, no sentido de fazerem uso de suas funções mentais como pensar, raciocinar, observar e refletir, sendo mobilizados por estratégias pedagógicas que os engajem na construção do conhecimento (Alves et al., 2018; Pecotche, 2011).
Para Valente (2016), as implicações das atividades desenvolvidas no âmbito do PC demandam uma análise, que ultrapasse a mera verificação de resultados. O autor defende que a avaliação deve concentrar-se prioritariamente no nível de consciência demonstrado pelo aluno acerca dos conceitos computacionais, observando como esses conceitos se manifestam concretamente em suas diversas ações e produções.
Essa abordagem requer a utilização de instrumentos metodológicos, que capturem produto final, mas o processo de raciocínio e a aplicação dos pilares do PC, como decomposição, reconhecimento de padrões e abstração.
Sugere-se, por exemplo, que os alunos construam fisicamente uma reta numérica no pátio da escola para visualizar e operar com números inteiros – uma atividade que confere materialidade a conceitos abstratos (Santos, 2009).
Após a representação do algoritmo por meio do fluxograma, é fundamental que o aluno formalize o procedimento por escrito, pois “escrever em matemática ajuda a aprendizagem dos alunos de muitas maneiras, encorajando a reflexão e clareando as ideias” (Smole; Diniz, 2001, p. 24).
Conforme abordado no contexto educacional contemporâneo, a aprendizagem significativa em matemática transcende a memorização de fórmulas e procedimentos. É imperativo que o processo educativo favoreça a reflexão metacognitiva, permitindo ao estudante articular o propósito, o método e a aplicabilidade do conhecimento.
Essa perspectiva alinha-se com as diretrizes da BNCC, que enfatizam a formação cidadã, por meio de competências cognitivas e socioemocionais. Como salienta Silva (2020, p. 28):
Faz-se necessário que o estudante expanda sua compreensão sobre o que está aprendendo, por que está aprendendo e a melhor forma de aprender. Assim, ele entenderá que os conhecimentos matemáticos são essenciais para a compreensão e vivência no mundo, e que o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico o tornará um cidadão responsável e capaz de lidar com os problemas que a vida lhe trará, como evitá-los, ou superá-los.
Nesse sentido, a citação reforça a importância de uma educação matemática, que pro-
mova autonomia intelectual e responsabilidade social. Ao relacionar conceitos abstratos a contextos reais, o estudante desenvolve habilidades técnicas, capacidades decisórias e éticas.
Tal formação contribui para o enfrentamento de desafios complexos da sociedade, transformando o conhecimento matemático em instrumento de emancipação e intervenção crítica na realidade.
O maior desafio, no entanto, reside na formação docente. A inclusão desses conceitos na BNCC é uma inovação, que muitos professores não vivenciaram em sua formação inicial.
É fundamental que os docentes sejam capacitados tecnicamente para entender e criar fluxogramas, principalmente do ponto de vista pedagógico, para integrá-los de forma significativa ao currículo, alinhando-os aos objetivos de aprendizagem e às competências gerais da educação básica.
A formação continuada é, portanto, um elemento indispensável para viabilizar essa integração. Nessa perspectiva, o foco avaliativo desloca-se da capacidade de programar ou da correção técnica de um código, direcionando-se para a compreensão dos mecanismos mentais mobilizados pelo estudante. Trata-se de identificar como os conceitos computacionais são transferidos e aplicados em contextos variados, bem como de internalizar uma lógica sistêmica de resolver problemas.
Com isso, a avaliação torna-se um instrumento para diagnosticar o desenvolvimento cognitivo e a maturidade no uso de ferramentas do PC pelos alunos, e não apenas uma medida de proficiência técnica em linguagens de programação (Valente, 2016).
Em síntese, a efetiva implementação do PC na educação básica requer uma transformação paradigmática, que integre metodologias ativas, avaliação processual e formação docente continuada. A articulação entre fluxogramas, algoritmos e conceitos matemáticos transcende a técnica, promovendo o desenvolvimento de capacidades metacognitivas e de resolução de problemas contextualizados.
A consolidação dessa abordagem educativa exige, então, um compromisso institucional com práticas pedagógicas inovadoras, que priorizem o processo de pensamento em detrimento da mera reprodução de conteúdos. É essencial fomentar ambientes de aprendizagem, que estimulem a criticidade, a criatividade e a aplicação contextualizada do conhecimento, permitindo aos estudantes transferir e adaptar saberes para situações complexas da vida real.
Dessa forma, possibilita-se a formação de indivíduos não apenas tecnicamente capacitados, mas, sobretudo, criticamente preparados para intervir e transformar a realidade de uma sociedade cada vez mais mediada por tecnologias e desafios multidimensionais.
Considerações finais
Esse trabalho buscou analisar a integração do PC e dos fluxogramas no currículo da Educação Básica, com foco nos anos finais do ensino fundamental.
Ficou evidente que o PC, com seus pilares –decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e algoritmização –, representa muito mais do que uma competência técnica. Constitui-se, de fato, como uma forma de pensar e de estruturar o raciocínio, aplicável a
contextos diversos.
Os fluxogramas se mostraram como uma ferramenta pedagógica extremamente potente para materializar esse pensamento em sala de aula, atuando como uma linguagem ponte entre a situação-problema e sua solução formalizada. A BNCC fornece o arcabouço curricular necessário para essa integração, indicando habilidades específicas, que podem ser desenvolvidas por meio dessa ferramenta.
Conclui-se que a abordagem é viável e altamente benéfica, pois desenvolve nos alunos habilidades cognitivas complexas, preparando-os melhor para os desafios acadêmicos e do mundo do trabalho.
No entanto, a efetividade desta implementação está condicionada a um investimento maciço e contínuo na formação de professores, equipando-os com o conhecimento e as estratégias necessárias para transformar as diretrizes da BNCC em práticas de ensino inovadoras e significativas.
Pesquisas futuras poderiam focar na avaliação da eficácia de sequências didáticas específicas, que utilizam fluxogramas na aprendizagem de conceitos matemáticos.
Referências
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ção básica. In: XX WORKSHOP SOBRE EDUCAÇÃO EM COMPUTAÇÃO, 2012, Curitiba. Anais XXXII Congresso da Sociedade Brasileira de computação, 2012.
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SMOLE, K. C. S.; DINIZ, M. I. (Orgs.) Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.
VALENTE, J. A. Integração do Pensamento Computacional no Currículo da Educação Básica: Diferentes Estratégias Usadas e Questões de Formação de Professores e Avaliação do Aluno. Revista e-Curriculum, São Paulo, v.14, n.03, p. 864–897, jul./set. 2016.
WING, J. M. Computational thinking. Communications of the ACM, v. 49, n. 3, p. 33–35, mar. 2006.
Victor Raphael De Paula Oliveira2
CRACOLÂNDIA DIGITAL: O ALGORITMO COMO
CATALISADOR DA DEPENDÊNCIA
EM APOSTAS ONLINE1
Resumo
Este artigo investiga a relação entre algoritmos, dependência tecnológica e a crescente epidemia de vício em plataformas de apostas on-line, a partir de uma perspectiva crítica que se distancia da abordagem moralizante ou biomédica do vício. A análise parte da obra Nada Será Como Antes, de Miguel Nicolelis, para refletir sobre a lógica algorítmica como mecanismo de aprisionamento subjetivo, cruzando elementos da ficção com experiências reais de exclusão e vulnerabilidade social. O objetivo principal foi compreender como o vício digital, especialmente em cassinos on-line e bets, configura uma nova forma de dependência, marcada pela ausência de políticas públicas eficazes e pela invisibilidade desses sujeitos no debate sobre saúde mental. Para isso, a metodologia utilizada foi bibliográfica, qualitativa e autoetnográfica, com caráter exploratório, articulando autores como Nicolelis (2024), Ayres et al. (2009), Khatib (2024), Mello (2024) e Souza (2024 apud Dip at.al.,2024), além de incluir relatos de expe-
riências pessoais do autor, como estratégia autoetnográfica. A pesquisa evidenciou que o vício em apostas digitais deve ser compreendido como um fenômeno coletivo, vinculado à precarização da vida e à manipulação algorítmica, exigindo uma resposta urgente do campo das políticas públicas. Ao se inspirar em estudos sobre a Cracolândia de São Paulo e a noção de vulnerabilidade ampliada, o trabalho defende a ampliação do conceito de dependência e a urgência de estratégias de acolhimento e regulamentação.
O presente trabalho propôs discutir a dependência em plataformas de apostas on-line à luz do conceito de personalização algorítmica e sua correlação com contextos de vulnerabilidade. O tema é relevante, pois mostra uma discussão necessária, envolvendo, não
1 - Artigo resultante de pesquisa científica, desenvolvido no Programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística da FAEP, sob orientação da Profa. Dra. Rosângela Aparecida dos Reis Machado e Profa. Me. Ana Maria Gentil. Trabalho apresentado no CONIC/SEMESP-2025.
2 - Estudante do 4º semestre do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, do Centro Universitário FAEP- 2025.
apenas a saúde mental individual, mas também lacunas nas políticas públicas e no enfrentamento de novas formas de exclusão digital, apontando a responsabilidade social frente a uma nova configuração de risco: o vício digital. A inspiração vem tanto de relatos pessoais quanto de análises acadêmicas sobre experiências reais de exclusão, algoritmos e marginalização digital. O artigo foi composto por: conceito de algoritmo, as casas de apostas e a analogia entre o vício de jogos e a dependência química. Para desenvolver a pesquisa, elaborou-se a pergunta: Como o algoritmo pode potencializar o vício em apostas on-line e como essa realidade está interligada com a dependência química? A hipótese foi: a atuação dos algoritmos favorece a repetição compulsiva dos jogos, aprofundando a vulnerabilidade de indivíduos e grupos marginalizados socialmente, de forma semelhante à dependência química.
2. Objetivos Objetivo Geral
Analisar como a personalização algorítmica e a ausência de regulamentação nas plataformas de apostas on-line têm contribuído para o agravamento de problemas sociais
Objetivos Específicos: a) investigar o que é algoritmo e como ele funciona, atuando na manutenção dos jogos digitais, usando como referência a obra de Miguel Nicolelis; b) identificar as Bets e os Cassinos Digitais como uma tendência brasileira, destacando os impactos na vida das pessoas; c) comparar a realidade observada e vivida no vício de jogos com a situação de exclusão e marginalização presentes na dependência das drogas.
3. Metodologia
Este trabalho adota uma abordagem qualitativa, autoetnográfica, de caráter explorató-
rio e bibliográfico. A pesquisa se estrutura a partir da leitura crítica da obra Nada Será Como Antes, de Miguel Nicolelis (2024), utilizada como eixo central para refletir sobre os impactos sociais e subjetivos da personalização algorítmica. Complementarmente, foram analisadas entrevistas, artigos acadêmicos e reportagens recentes sobre o crescimento do vício em plataformas de apostas on-line, com foco nas experiências brasileiras.
A escolha metodológica por uma abordagem qualitativa justifica-se pela necessidade de compreender os sentidos e as dinâmicas subjetivas, que envolvem a dependência digital em contextos de vulnerabilidade. Além de Nicolelis, o estudo se fundamenta em autores como Souza (2024 apud Dip at.al,2024), que aponta o vício em jogos como uma epidemia silenciosa; Dip et.al.(2024), que discutem o papel do algoritmo na intensificação de comportamentos compulsivos; e relatos etnográficos que ilustram como o vício se instala em redes familiares e afetivas.
Também foram incorporados relatos pessoais e familiares, que ampliam a análise a partir de uma perspectiva vivencial e empírica, reforçando o vínculo entre teoria e experiência. Assim, o trabalho articula fundamentos teóricos com testemunhos diretos, favorecendo uma compreensão mais densa e crítica do fenômeno estudado.
4. Desenvolvimento
4.1. O que é Algoritmo e como ele funciona?
Para falar de algoritmo, é preciso entender minimamente como ele funciona. A ordem em que as postagens das redes sociais são apresentadas para nós, a repetição de alguns assuntos, a sensação de que estamos sendo
observados ou até mesmo ouvidos o tempo todo, tudo tem ligação direta com a forma de trabalhar do algoritmo. Para alguns, a palavra não é tão estranha, para outros, é algo que pode ser considerado como “bruxaria moderna”.
Embora tenha surgido como um instrumento matemático essencial para o desenvolvimento da ciência, o algoritmo ultrapassou seu uso original e, hoje, ocupa um papel central na mediação das nossas escolhas cotidianas. De acordo com a Enciclopédia Britannica, o termo tem origem na palavra “algorithmi”, versão latinizada de Muhammad ibn Mūsā al-Khwārizmī, matemático persa do século IX, considerado o “pai da álgebra” e responsável por introduzir os numerais hindu-arábicos na Europa (Algoritmo [...], 2024).
Pode-se complementar o conceito de Algoritmo em Azure Microsoft (. ), como um conjunto de regras e instruções, simples ou complexas, escritas por uma pessoa programadora, para orientar a execução de tarefas, a solução de problemas ou o funcionamento de um programa. Basicamente, é uma lista de códigos, que define o passo a passo de uma determinada ferramenta, considerando diversas variáveis. Essas regras não são infinitas, tendo um começo e um fim determinado, mas conseguindo indicar combinações e linhas de programação imensas, capazes de ser encontradas em aplicações de inteligência artificial, linhas de programação, mecanismos de busca na internet, e redes sociais.
A explicação de Santos (2023, s.p.) reitera os conceitos acima citados, porque para ele “Em matemática e ciência da computação, um algoritmo é uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema”.
De acordo com Microsoft Azure (2025), entre as diversas formas de algoritmos, destacam-se aqueles utilizados para aprender os hábitos dos usuários — os chamados algoritmos de aprendizado de máquina (Machine Learning) ou algoritmos preditivos. Esse tipo de aprendizado ocorre com base nos sites acessados com frequência, nas palavras-chave digitadas, nos anúncios clicados e em qualquer outro comportamento que ajude a traçar um perfil comportamental.
Assim, quando o usuário estiver rolando o feed da sua rede social favorita e encontrar uma sugestão de anúncio, muito relevante para aquele momento, é o algoritmo preditivo fazendo sua função: entendendo o seu comportamento, suas necessidades daquele instante e o induzindo a comprar um produto ou serviço. (Tchilian, 2022)
Para Parchen, Freitas e Baggio (2021), o algoritmo preditivo também vale para plataformas de apostas, que podem entender o momento em que você está apostando e o forçam, de alguma maneira a apostar mais, seja em logo após algumas vitórias, fazendo com que você aumente o valor de suas apostas ou até mesmo após derrotas, passando a falsa impressão de que você conseguirá recuperar o valor perdido de forma rápida.
“É no processo técnico de tratamento destes dados que os algoritmos informáticos incidem, não só para corroborar o modelo de negócios que sustenta as redes sociais, mas também para influenciar bons e maus comportamentos, pois servirão de incentivo e manterão o usuário ativo, dependente e fidelizado à referida tecnologia. Cabe agora, portanto, adentrar à questão dos
algoritmos. ” (Parchen Freitas e Baggio, 2021, p.320).
Em Nada Mais Será Como Antes, de Miguel Nicolelis (2024) — obra utilizada como fundamento conceitual neste artigo — o autor alerta para um futuro em que algoritmos passam a controlar decisões humanas, refletindo preocupações reais sobre a influência das tecnologias digitais nas escolhas individuais.
5.2. Bets e Cassinos Virtuais: A Nova Epidemia no Brasil
Um dos grandes malefícios da era atual, sem dúvidas, são as bets — com destaque para os cassinos on-line. Embora os jogos de azar como bingos e cassinos sejam proibidos oficialmente no Brasil, a proliferação de anúncios incessantes nas redes sociais, o uso de influenciadores e a força de algoritmos agressivos mudaram radicalmente esse cenário.
Dessa forma, o que parecia um capítulo encerrado da história brasileira ressurgiu com força total nos últimos anos, agora em formato digital, com fácil acesso por smartphones e redes sociais. Segundo Khatib (2024), o avanço tecnológico, aliado à ausência de políticas públicas eficazes, fez das plataformas de apostas on-line um novo território de riscos. Os jogos de azar, proibidos desde 1946 pelo Presidente, o
general Eurico Gaspar Dutra, ganham força em 2018, quando apostas esportivas de quota fixa são aprovadas.
Khatib (2024) destaca ainda a popularização da nova modalidade de apostas, as chamadas bets, que começam quando empresas nacionais e internacionais passam a oferecer diversas opções para os apostadores. É
possível apostar em resultados de jogos de futebol, basquete, vôlei e até em eSports, o que facilita uma comunicação mais atualizada, criando uma base de apostadores mais jovem. Tudo isso, atrelado a novas formas de conexão e troca de informações, faz com que cada vez mais pessoas tenham problemas com jogos
Diferente de como surgiu, a regulamentação dessas bets vai na contramão do que se espera. No Brasil, foi apenas em 2023 que a Lei de 2018 foi revista, quando o Ministério da Fazenda recebeu a competência de regular o setor de apostas de quota, criando, em 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA-MF). De acordo com o Governo Federal, a publicação de portarias e a criação da SPA-MF têm a política de combate à lavagem de dinheiro, por exemplo, determinando que jogadores sejam identificados por documentos e sistema de reconhecimento facial com prova de vida, mas, na prática, isso não acontece. (Brasil, 2024).
É muito comum esbarrarmos em sites internacionais, mesmo que traduzidos para o português, que não seguem as regras brasileiras de apostas esportivas. Esses sites, que geralmente estão hospedados em países como Malta ou Curaçao, onde a legislação é favorável, continuam oferecendo opções prejudiciais e não aprovadas em território brasileiro. Os cassinos on-line, hoje popularmente conhecidos como “jogos do Tigrinho”, prometem ganhos muito rápidos, porém sem nenhuma garantia. (Larsens, 2019)
O tipo de jogo conhecido como bet, acessível por aparelhos celulares, tem seu nicho de exploração entre os mais pobres, pela facilidade de acesso e ausência de empecilhos legais e burocráticos de controle. Esse apostador contumaz, geralmente das classes
mais desfavorecidas, tende a encarar a aposta como investimento e acredita que ‘investindo’ pouco dinheiro pode multiplicá-lo. Quando essa perspectiva (‘investimento’) associa -se a um comportamento compulsivo, torna-se a fórmula perfeita para o vício e o comprometimento da renda familiar (Mello, 2014, s.p.).
É importante citar a falta de fiscalização das redes sociais e de seus algoritmos com relação a anúncios. De acordo com as regras da plataforma Meta, por exemplo:
Os anunciantes podem veicular anúncios para jogos de cassino sociais e grátis sem autorização prévia da Meta desde que não ofereçam a oportunidade de ganhar dinheiro, moeda, presentes ou algo de valor monetário (Meta, s.d.)
Todavia não é isso que se constata. Basta visitar uma plataforma de apostas on-line, para sermos bombardeados por anúncios incessantes, estimulando cada vez o vício e as apostas, com propagandas ilusórias e promessas fantasiosas.
Essa relação entre vulnerabilidade econômica e a promessa de lucro fácil reforça o caráter predatório das plataformas de apostas, que, disfarçadas de entretenimento, constroem um novo ciclo de exclusão e dependência.
Os algoritmos não apenas moldam nosso consumo, mas moldam também nossos vícios. O que antes parecia distopia de ficção científica tornou-se um cotidiano silencioso
para milhares de brasileiros.
O cenário descrito por Miguel Nicolelis, em Nada Mais Será Como Antes, pode soar como ficção para alguns, entretanto já é uma triste realidade para muitas famílias brasileiras.
O Projeto Nirvana foi criado por um cientista computacional suíço que professa a tese de que todos nós, seres humanos, devemos nos render às máquinas inteligentes (...) Baseada nesta filosofia lunática, uma empresa associada a esse cientista suíço, decidiu desenvolver um metaverso, altamente sofisticado, que permitia que pessoas marginalizadas pela sociedade pudessem ser obrigadas a viver em contínua e total imersão num mundo paradisíaco virtual (...) como contrapartida, todas essas pessoas e suas famílias, teriam que voluntariamente concordar em passar a maioria do seu tempo consciente, vagando por este universo virtual (...) como cocaína, heroína ou crack, depois de um tempo imerso, você se torna totalmente dependente dessa vida virtual ( Nicolelis, 2024, p. 187- 189)
A dependência crescente das pessoas em plataformas de apostas evidencia que, no Brasil, trata-se de uma questão de saúde pública. Conforme o psicólogo e pesquisador Souza (2024 apud Dip at. al., 2024), em entrevista para o site Pública, o vício nas plataformas de apostas é uma epidemia silenciosa, disfarçada no brilho das telas. como se pode presenciar em situações familiares próximas, em que a nova forma de vício se infiltra sorrateiramente na vida das pessoas, com efeitos tão devastadores quanto os das substâncias psicoativas.
Para além de dados e estatísticas, a depen-
dência em plataformas de apostas e cassinos virtuais mostra-se próxima demais da realidade cotidiana, vivenciam-se experiências dolorosas, com esse tipo de compulsão digital, uma trajetória marcada
por prejuízos financeiros, abalos emocionais e o comprometimento de vínculos afetivos. A sequência de fatos a seguir, vivenciada por um familiar próximo, ilustra esse processo:
“Tudo começou como uma diversão aparentemente inocente. Era uma espécie de cassino on-line, que os influenciadores diziam ‘pagar bem’. Sem pensar muito, esse familiar depositou cerca de R$20 na tal plataforma. As primeiras tentativas frustradas não geraram preocupação. No entanto, dias depois, ouvíamos novamente os sons da roleta girando e mais valores sendo depositados. Eventualmente, pequenas premiações surgiam, mas logo eram perdidas em novas apostas. Os depósitos aumentavam progressivamente. Passou a ser comum a solicitação de dinheiro emprestado, dizendo ser para uma emergência, contudo o valor acabava em mais apostas”.
É preciso ir além da superfície do jogo e considerar os mecanismos que o sustentam. A forma como o algoritmo prende a pessoa, a falta de regulamentação, tudo intensifica ainda mais a situação em que a pessoa se encontra. A falsa impressão de lucro imediato, a euforia de ganhar uma aposta ou uma boa premiação naquela rodada do “tigrinho”, assemelham-se à euforia momentânea provocada por uma substância psicoativa, como a cocaína ou o crack. A euforia é momentânea, não é eterna. Destaca-se a experiência pessoal, cuja analogia contribui para a compreensão mais ampla do fenômeno investigado, pois pode-se comparar o vício dos jogos com o das drogas:
Durante alguns meses, entre os anos de 2018 e 2019, eu vivi uma prisão mental, atrelada ao uso desenfreado de cocaína. Assim como nos jogos on-line, onde o algoritmo faz com que a pessoa sempre tenha contato com a plataforma, na vida real, a rotina, frequentar os mesmos lugares, falar com as mesmas pessoas que dividiam aqueles momentos comigo, faziam com que eu ficasse preso nessa bolha do vício. O “algoritmo da vida real” não permitia que eu saísse daquele ciclo de buscar o entorpecente, usar, esperar o efeito passar, ter uma ressaca moral e no dia seguinte, repetir o feito. Foram semanas em que permaneci preso na minha própria Cracolândia.”
Assim como as drogas, o vício algorítmico não se limita a uma questão individual ou moral. É um fenômeno coletivo, estruturado e incentivado por sistemas que lucram com a dependência. Da mesma forma que a Cracolândia escancara a ausência do Estado diante de usuários de substâncias químicas, a Cracolândia Digital
revela a omissão diante de um novo tipo de dependência: silenciosa, tecnológica, lucrativa e profundamente desigual.
Ver que tais plataformas não possuem total regulamentação reforça que as políticas públicas não conseguem pensar em indivíduos viciados em jogos. Considerar essa vulnerabilidade exige analisar não apenas aspectos individuais, mas também o coletivo e os contextos sociais — exatamente como propõe Ayres et.al. (2009 apud Camargo, Oliveira e Raupp, 2022), ao discutir os usuários da Cracolândia, perspectiva facilmente aplicável às pessoas viciadas em jogos.
5. Resultados
Legalizar as casas de apostas on-line no Brasil traria ótimos frutos não só para os usuários, que hoje estão dependentes desses jogos, como poderia aumentar significativamente a arrecadação tributária brasileira. De acordo com o Portal BNL em parceria com o Instituto Brasileiro Jogo Legal, cerca de R$ 20 bilhões são movimentados anualmente. Além disso, com medidas legislativas rígidas, é possível minimizar os impactos negativos, pensando, por exemplo, em como tratar a pessoa viciada em jogos.
Recentemente, o governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, sancionou a lei 18.186/25, que prevê a oferta de atendimento especializado nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) do Estado para pessoas com vício em jogos de azar, sejam elas em cassinos físicos ou virtuais (Menezes, 2025). Essa atitude precisa ser adotada pelo governo federal, proporcionando acolhimento correto e adequado para aqueles que estão neste momento de extrema vulnerabilidade.
É também urgente pressionar as plataformas digitais, como a Meta, para que suas ferramentas de análise de anúncios, por exemplo, façam um trabalho minucioso na hora de aprovar uma propaganda. Basta que as empresas usem palavras genéricas, sem ligar diretamente a lucro ou apostas, para que os anúncios sejam aprovados. É indispensável criar métodos mais rígidos e eficazes para que esse tipo de propagando não seja disseminado, principalmente quando ferem os códigos de conduta da própria plataforma.
6. Considerações Finais
Este artigo buscou compreender como a personalização algorítmica, aliada à ausência de políticas públicas eficazes, contribui para
o agravamento da dependência em plataformas de apostas digitais no Brasil. Com base em dados, referências
teóricas e relatos de vivenciais, foi possível identificar padrões de vulnerabilidade que atingem especialmente grupos socialmente marginalizados.
Os achados indicam que o vício em jogos digitais não deve ser tratado como escolha individual, mas como resultado de uma engrenagem mais ampla — moldada por interesses econômicos, ausência de regulação e atuação intensificada de algoritmos. A pesquisa demonstrou que o fenômeno é multifatorial e atravessado por dinâmicas de exclusão social.
É reconhecido, no entanto, que este estudo tem limitações, como a restrição do número de casos analisados e a ausência de aprofundamento em recortes de faixa etária, gênero ou raça. Ainda assim, evidencia-se a necessidade urgente de regulamentação das apostas digitais e de uma abordagem ética no uso de algoritmos, para evitar a consolidação de novas formas de marginalização tecnológica.
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Jéssica De Souza2
O CEMITÉRIO DOS VIVOS: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A CRÍTICA
PRESENTE NA OBRA DE BARRETO E OS FUNDAMENTOS DO MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL, COM FOCO NA ATUAÇÃO
DO SERVIÇO SOCIAL1
1.
RESUMO
Este artigo investiga o papel do Assistente Social na luta Antimanicomial, por meio de uma análise histórica do atendimento às pessoas com transtornos mentais, conectada com a obra literária de Lima Barreto Cemitério dos Vivos, buscando os movimentos de resistência à institucionalização e ao confinamento “de pessoas consideradas indesejáveis pela sociedade”.Assim, o principal objetivo foi compreender a práxis do Assistente Social, na perspectiva da transformação dos encaminhamentos e ações para os atendimentos psiquiátricos às pessoas com transtornos mentais. Para isso, a metodologia utilizada foi a bibliográfica e qualitativa, fundamentando-se em autores como Barreto (2017), Arbex (2013), Pereira (2011). A pesquisa revelou a importância da ação do Serviço Social na área da saúde mental, resgatando as raízes históricas da luta por uma sociedade sem manicômios, no sentido da desinstitucionali-
zação, na sociedade contemporânea. Defendeu o compromisso deste profissional com a compreensão das vulnerabilidades dos usuários, com a articulação das redes de apoio e acesso às políticas públicas, reforçando o papel ético-político do Assistente Social na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
O tema do presente artigo foi o compromisso com uma práxis do Serviço Social, que considerasse o tratamento da pessoa com transtornos mentais em liberdade, aliando-se ao movimento Antimanicomial, desencadeado por denúncias presentes na literatura ficcional e na investigação de diferentes atores sociais. Desta forma, o problema elaborado
1 - Artigo resultante de pesquisa científica, desenvolvido no Programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística da FAEP, sob orientação da Profa. Dra. Rosângela Aparecida dos Reis Machado e Profa. Me. Ana Maria Gentil. Trabalho apresentado no CONIC/SEMESP-2025.
2 - Estudante do 8º semestre do curso de Bacharelado em Serviço Social, do Centro Universitário FAEP- 2025.
para conduzir a pesquisa foi: Qual o papel do Assistente Social na luta Antimanicomial, considerando as críticas realizadas aos atendimentos psiquiátricos, nas pesquisas existentes sobre o tema e na obra de Lima Barreto, Cemitério dos Vivos?
Para responder a esta pergunta, organizou-se um texto em três partes, contendo: a trajetória histórica do atendimento psiquiátrico, comparando-a com a narrativa autobiográfica de Lima Barreto, em Cemitério dos Vivos; o movimento da luta antimanicomial; o papel do Assistente Social, no âmbito da saúde mental.
A relevância acadêmica desta pesquisa residiu em sua abordagem interdisciplinar, que transcende a análise puramente literária para utilizar a obra como fonte de crítica sociológica e histórica do modelo manicomial. Ao estabelecer um diálogo entre a crítica de Barreto e os fundamentos do Movimento da Luta Antimanicomial, o trabalho contribuiu para o campo das Ciências Sociais e da Saúde, evidenciando que as denúncias históricas e os princípios da Reforma Psiquiátrica, como a defesa da cidadania e da autonomia, não são meras coincidências, mas, sim respostas diretas às violações do passado.
Portanto, a pesquisa foi fundamental para a consolidação de uma prática profissional crítica e comprometida com a superação das lógicas manicomiais que ainda persistem no imaginário social e em algumas instituições. A denúncia de Barreto e as lições do movimento antimanicomial serviram como um alerta e um guia para a atuação do Serviço Social.
Nesse sentido, a hipótese para responder ao problema foi: o papel do profissional Assis-
tente Social é romper com o paradigma higienista e moralista do passado, tornando-se um agente fundamental na defesa dos direitos humanos e na articulação de políticas públicas que visem à reinserção social e à autonomia dos usuários.
3. OBJETIVOS:
Objetivo Geral: Analisar a trajetória histórica dos serviços de atendimento à saúde mental no Brasil, com foco na crítica institucional presente na obra Cemitério dos Vivos de Lima Barreto, para fundamentar a proposição do papel do Assistente Social na transformação dos serviços psiquiátricos.
Objetivos Específicos: a) comparar a história do atendimento à pessoa com transtornos mentais, considerando a inter-relação entre loucura, racismo e classe social com o quadro apontado em Cemitério dos Vivos; b) verificar os movimentos de resistência ao confinamento das pessoas com transtornos mentais, destacando a luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica no Brasil; b) identificar o papel do Assistente Social e do CAPS para a inclusão das pessoas em tratamento psiquiátrico, destacando a desinstitucionalização e a defesa da cidadania.
4. METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi a bibliográfica e qualitativa, por meio de um estudo comparativo entre a literatura ficcional – Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto (2017) e o histórico da realidade do atendimento em manicômios, bem como a luta Antimanicomial e o papel do Assistente Social. Fundamentou-se em autores que tratam o tema, como: Amarante (1995), Arbex (2013), Pereira (2011) e Faria (1995), bem como documentos do Ministério
da Saúde e do Conselho Federal de Serviço Social. O processo de aprofundamento em um assunto, que apresenta lacunas nas informações, pode caracterizar a presente pesquisa como exploratória.
5. DESENVOLVIMENTO:
5.1. Loucura, Racismo e Classe social: Análise Contemporânea da Atuação Manicomial e a Segregação de seus internos.
A história dos manicômios no Brasil é marcada por uma brutal intersecção entre loucura, exclusão social e opressões estruturais, como o racismo e a desigualdade de classe. A instituição manicomial não foi apenas um espaço de tratamento psiquiátrico. Foi uma engrenagem poderosa no controle social dos corpos considerados desviantes — não somente os que sofriam com transtornos mentais, mas também os pobres, negros, homossexuais, alcoólatras, usuários de drogas, e até dissidentes políticos.
Com a consolidação do modelo asilar a partir do século XIX, o que se viu foi a criação de verdadeiros depósitos humanos, como denuncia Lima Barreto em O Cemitério dos Vivos, obra autobiográfica escrita durante sua internação no Hospício Nacional de Alienados. Ele escreve: “não me incomodo muito com o Hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida” (Barreto, 2017, p. 8).
Este incômodo reflete uma crítica direta ao papel da polícia como agente de triagem moral e social, pois o louco, o desajustado e o indesejado eram indistintamente confinados. O autor acusa que, antes mesmo de um diagnóstico médico, havia a criminalização da existência:
Estou no Hospício ou, melhor, em várias dependências dele, desde o dia 25 do
mês passado. Estive no Pavilhão de Observação, que é a pior etapa de quem, como eu, entra aqui pelas mãos da polícia […] Não me incomodo muito com o Hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida (Barreto, 2017, p. 34).
Afirma também:
A Polícia, não sei como e porquê, adquiriu a mania de generalizações e as mais infantis. Suspeita de todo o sujeito estrangeiro com nome arrevesado; assim os russos, polacos, romaicos são para ela forçosamente caftens; todo cidadão de cor há de ser por força um malandro; e todos os loucos hão de ser por força furiosos e só transportáveis em carros blindados (Barreto, 2017, p. 143-¬144).
As instituições psiquiátricas no Brasil foram, dessa maneira, centros de poder, onde se materializou uma medicina punitiva, atravessada por critérios morais e políticos.
Como analisa Foucault (1978), o nascimento do hospital psiquiátrico está atrelado a uma lógica de segregação e não de cuidado, pois a loucura é retirada do convívio social para ser domesticada e silenciada.
A acusação das condições desumanas que permeavam esses espaços ganhou força com obras como Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex (2013), que desvela o cenário de horror vivido por milhares de internos no Hospital Colônia de Barbacena (MG), onde mais de 60 mil pessoas morreram,ao longo de décadas de funcionamento.
Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre
o pátio e inundava o chão do pavilhão feminino. [...] Moscas pousavam em cima dos mortos-vivos. O mau cheiro provocava náuseas” (Arbex, 2013, p. 170).
Nesses espaços, apresentava-se um verdadeiro genocídio institucionalizado, muitas vezes respaldado pelo Estado e por instituições acadêmicas. Os mortos viravam objeto de lucro:
A partir de 1960, a disponibilidade de cadáveres acabou alimentando uma macabra indústria de venda de corpos. [...] Em meia década, a venda de cadáveres atingiu quase R$600 mil” (Arbex, 2013, p. 76).
A loucura, assim, tornou-se mercadoria, e a vida daqueles enclausurados, descartável. Isso evidencia como o manicômio operava não apenas como instituição médica, mas como mecanismo de exclusão e extermínio de populações consideradas inúteis ao projeto de nação. Não é coincidência que os mais pobres, os negros e os desviantes de gênero e sexualidade figuravam como maioria absoluta nos leitos e pátios desses hospitais.
Lima Barreto, negro, alcoólatra e crítico do sistema, viveu por experiência própria os efeitos dessa política de silenciamento. Suas internações forçadas, descritas com lucidez amarga em O Cemitério dos Vivos, ilustram o quanto o manicômio era um reflexo do racismo estrutural e da hipocrisia social da Primeira República. Ele escreve:
“Devido a pigmentação negra de uma grande parte dos doentes aí recolhidos, a imagem que se fica dele é que tudo é negro. O negro é a cor mais cortante,
mais impressionante; e contemplando uma porção de corpos negros nus, faz ela que as outras se ofusquem no nosso pensamento. É uma luz negra sobre as coisas, na suposição de que, sob essa luz, o nosso olhar pudesse ver alguma coisa […]” (Barreto,2017, p. 168).
É urgente revisitar essas narrativas, não só como denúncia histórica, mas também como alerta à permanência de lógicas manicomiais na contemporaneidade.
Movimentos como o da Luta Antimanicomial, o Sanitarismo Crítico e os coletivos de sobreviventes psiquiátricos vêm desempenhando um papel essencial na denúncia dessas violações e na construção de um novo paradigma: o cuidado em liberdade, a autonomia dos sujeitos e o direito à diferença.
Conforme aponta Amarante (1995), a reforma não pode ser simplesmente uma mudança de instituições, é necessário que seja uma transformação profunda de saberes, práticas e valores. A loucura deve ser escutada — não contida. A sociedade precisa deixar de temê-la como ameaça e reconhecê-la como parte da diversidade humana.
5.2. Críticas, Denúncias e o surgimento da Luta Antimanicomial: Reforma Psiquiátrica com foco em Liberdade e Cidadania
A partir da década de 60, movimentos de psiquiatras e profissionais de saúde mental começaram a criticar o modelo manicomial. Franco Basaglia, psiquiatra italiano, influenciou o pensamento crítico com o movimento da Psicoterapia Institucional e a ideia de desinstitucionalização; seu pensamento inspirou a luta antimanicomial e a busca por um modelo de atenção em saúde mental mais
humano, inclusivo e baseado nos direitos humanos.
No Brasil, Basaglia esteve presente e interferiu diretamente o processo da Reforma Psiquiátrica, que resultou em avanços. Ele visitou vários manicômios para saber como era o tratamento dos pacientes nos hospitais psiquiátricos públicos. Segundo a Sociedade Mineira de Psicologia, ao conhecer o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, o psiquiatra italiano foi impactado pelas condições precárias e desumanas em que se encontravam os indivíduos no manicômio. Basaglia ficou horrorizado com a realidade do local, comparando-o a um “campo de concentração nazista” e fomentando a Reforma Psiquiátrica Brasileira. (Oliveira, 2011 apud Valente, s/d).
Durante a visita ao Centro Hospitalar Psiquiátrico, Basaglia constatou: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia com esta” (Arbex, 2013, p. 207)
As origens dessa luta foram em 1978, com um movimento social para os direitos dos pacientes psiquiátricos – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), composto de trabalhadores, sindicalistas, familiares e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas. O movimento apresentou denúncias de violência nos manicômios, com crítica à internação hospitalar como forma de tratar os transtornos mentais. Inspirado pela desinstitucionalização, na experiência italiana, o movimento ganhou força e, no II Congresso Nacional do MTSM, em 1987 (Bauru, SP), adotou o lema “ Por uma Sociedade sem Manicômios”. Neste período, surge o Primeiro CAPS, no Brasil, em São Paulo (Brasil, 2005)
Desta forma, a Luta Antimanicomial obteve
visibilidade e apoio da população. Com o passar dos anos, criaram-se equipamentos públicos para o tratamento gratuito das pessoas encaminhadas para a psiquiatria, originando múltiplos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que visavam à terapia em liberdade e com foco na reabilitação psicossocial. As Residências Terapêuticas, inicialmente para ex-internos, sem vínculos familiares, também se constituíram em espaços de reabilitação, com a pretensão de atendimentos mais humanizados.
Para articular os serviços de saúde, assistência social e direitos humanos, foi criada a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial).
De acordo com o Ministério da Saúde, é função dos CAPS prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as longas internações em hospitais psiquiátricos; promover a reinserção social das pessoas com transtornos mentais através de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em Saúde Mental na sua área de atuação e dar suporte à atenção à Saúde Mental na rede básica Os CAPS, portanto, organizam a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios procurando viabilizar os direitos e atenção social aos usuários do serviço (Brasil, 2004, apud Pereira, 2011, p.57).
Assim, os CAPS apresentam um programa terapêutico para cada indivíduo, oferecendo um conjunto de oficinas, projetos, atividades e atendimentos, voltados para as singularidades de cada um, possibilitando que possam responder, de forma satisfatória, aos cuidados destinados aos sujeitos que necessitam dos seus serviços.
5.3. Saúde Mental e Direitos Humanos: o papel do Serviço Social na defesa da autonomia e inclusão
Historicamente, o Assistente Social estava vinculado à Igreja, que pretendia direcionar o comportamento da sociedade, impondo uma ética conservadora, voltada para a caridade e a moral. A Igreja agia com base em concepções higienistas, que desejavam excluir pessoas, tais como: etilistas, prostitutas, mães solos, negros, homossexuais, pessoas com deficiência e transtornos mentais, que poderiam influenciar negativamente os indivíduos da sociedade. Vê-se que havia embasamento profissional em estudos pautados no conservadorismo e não havia outras maneiras amplas de estudo para a prática profissional. No livro Serviço Social e Filosofia das Origens a Araxá, Faria (1995, p.55) destaca: “Sem uma formação moral socialmente edificada sobre uma base de princípios cristãos, a atividade será falha, porque lhe faltarão elementos que garantem uma ação educativa que é visada pelo Serviço Social”.
Com a revolução sobre os direitos e o apoio ao trabalhador, o Serviço Social rompeu com o pensamento retrógrado, no que se refere à saúde mental. Assim, foi consolidada, ao longo dos anos, a identidade do Assistente Social, que passou a adotar uma práxis pautada no compromisso ético-político com os Direitos Humanos e a Justiça Social, na intenção de garantir direitos e promover a cidadania.
De acordo com Iamamoto e Carvalho (1998 apud Pereira, 2011), o Serviço Social tinha, inicialmente, o objetivo de fornecer assistência aos trabalhadores, para diminuir a contradição existente na relação entre capital e trabalho.
Dessa maneira, durante um espaço de tempo, o Assistente Social não constituiu a sua identidade no campo psiquiátrico “como um espaço sócio ocupacional, devido principalmente ao pequeno número de assistentes sociais trabalhando com a problemática da loucura” (Iamamoto e Carvalho, 1998 apud Pereira, 2011, p. 63).
Conforme aponta o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), o reconhecimento da questão social como objeto de intervenção profissional exige que se compreenda os determinantes sociais, econômicos e culturais, que afetam o processo saúde-doença. Então “O assistente social deve contribuir para que a Reforma Psiquiátrica alcance seu projeto ético-político” (CFESS, 2010, p. 41).
Pereira (2011) argumenta que, com o avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o Assistente Social é uma peça-chave na garantia de direitos e na promoção da autonomia dos usuários
O estudo da autora (2011) possibilitou a organização de uma argumentação sobre a prática do Assistente Social no RAPS e, especificamente, no CAPS, cuja função é ir além do tratamento clínico, para atuar na defesa dos direitos humanos e sociais, realizando ações como:
a) Identificação de vulnerabilidades: quais as condições familiares e sociais que interferem na saúde mental dos indivíduos;
b) Articulação de todas as redes de apoio: reintegrar o indivíduo na sociedade, buscando diferentes formas de conexão com a família, a comunidade em que está inserido e instituições que podem oferecer suporte.
c) Investigação das possibilidades de acesso às políticas públicas: identificar benefícios, programas sociais e direitos sociais, como moradia, educação e trabalho.
Dessa forma, considera-se que:
A base da direção social da formação profissional, norteiam o perfil do bacharel em Serviço Social, profissional este que atua nas expressões da questão social, formulando e implementando propostas para o seu enfrentamento, por meio de políticas sociais públicas, empresariais de organização da sociedade civil e movimentos sociais. Profissional dotado de formação intelectual e cultural generalista crítica, competente em sua área de desempenho, com capacidade de inserção criativa e propositiva, no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho, comprometido com os valores e princípios norteadores do Código de Ética do Assistente Social (Brasil, 1999, p. 01, apud Pereira, p.88).
6. RESULTADOS
Reitera-se o posicionamento de Pereira (2011), que indica as principais dificuldades enfrentadas pelos assistentes sociais, como a precariedade das políticas públicas e a falta de recursos para desconstruir o modelo manicomial, que ainda está presente no imaginário social. Para superar esses obstáculos, a autora propõe: o olhar crítico, para além da visão biomédica e reconhecimento da influência de fatores sociais; a mediação, atuando como uma ponte entre pessoas diagnosticadas com transtornos mentais, suas famílias e os serviços de saúde, promovendo a participação ativa dos usuários em seus processos
de cuidados; o fortalecimento da autonomia dos indivíduos, para que construam uma jornada de recuperação e reinserção social.
Acredita-se na transformação do pensamento conservador, no que se refere à saúde mental, impactando as práticas excludentes, que ainda são observadas no encaminhamento de tratamentos de pessoas com transtornos mentais, como apontado por Lima Barreto em Cemitério dos Vivos. Nesse sentido, o Assistente Social é visto como uma peça-chave na defesa da autonomia dos usuários da saúde mental, atuando na identificação de vulnerabilidades, na articulação de redes de apoio e na garantia do acesso a políticas públicas, como benefícios, moradia, educação e trabalho. Esse profissional pode ser um agente de mudança para promoção de um tratamento em liberdade, garantindo a cidadania plena desses indivíduos.
Após a trajetória da pesquisa, acredita-se que seja necessário que o profissional do Serviço Social tenha um olhar atento às expressões da “questão social” e um forte compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, utilizando ferramentas de trabalho, como a promoção da emancipação, a escuta qualificada e as opções de apoio para cada caso apresentado. Para uma abordagem integral, indica-se a existência da equipe multidisciplinar, que envolve outros profissionais como psicólogos, médicos, educadores, advogados, etc.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao realizar a pesquisa, considera-se que será necessária uma maior investigação sobre a realidade atual do serviço à população atendida pela psiquiatria, diagnosticada como tendo transtornos mentais, pois constata-se
que ainda existem heranças relacionadas ao olhar preconceituoso e às ações discriminatórias, que precisam ser reconhecidas e contestadas.
Abordou-se a história dos manicômios no Brasil, destacando-se como eles serviram para controlar e excluir pessoas “marginalizadas da sociedade”, como os pobres, negros, homossexuais e dissidentes políticos, sob o pretexto de tratamento psiquiátrico. A obra de Lima Barreto “O Cemitério dos Vivos” ilustra a repressão exercida por essas instituições.
Discutiu-se as denúncias sobre as condições desumanas nos manicômios, como as reveladas no livro “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex, que expôs o massacre de mais de 60 mil pessoas no Hospital Colônia de Barbacena (MG), onde os corpos dos internos se tornavam mercadoria.
Destacou-se a Luta Antimanicomial, que surgiu na década de 1970, influenciada por mobilizações internacionais, como as do psiquiatra italiano Franco Basaglia. Esse caminho, iniciado no Brasil pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), defendia a substituição do modelo asilar por uma abordagem mais humana e inclusiva. Como resultado, surgiram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e as Residências Terapêuticas, focados no cuidado em liberdade e na reabilitação social dos pacientes.
Por fim, examinou-se o papel do Serviço Social nesse contexto. Inicialmente, a profissão tinha uma abordagem conservadora, ligada à caridade e a práticas higienistas. No entanto, com a evolução da área, o Assistente Social passou a adotar uma práxis comprometida com a justiça social e os direitos humanos. Assim, este profissional pode ser um importante agente de mudança para superar a ló-
gica manicomial e garantir a cidadania plena dos indivíduos com transtornos mentais.
8. FONTES CONSULTADAS
AMARANTE, Paulo. Loucos pela Vida: A trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.
ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro: A história do maior hospital psiquiátrico do Brasil e da morte de mais de 60 mil pessoas. 4ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
BARRETO, Lima. Diário do Hospício & O Cemitério dos Vivos. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil. Conferência Regional de Reformas dos Serviços de Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Parâmetros para a atuação de assistentes sociais na saúde. Brasília, DF: CFESS, 2010. p. 41
FARIA, Ayda. Serviço Social e Filosofia: Das Origens a Araxá. [S. l.]: [s. n.], 1995.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.
PEREIRA, Jaira Alana Claro.O Serviço Social na Saúde Mental: Um estudo acerca das demandas, competências e dificuldades profissionais nos CAPS à luz da reforma psiquiátrica. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa. PB: UFPB, 2011.
VALENTE, Pablo. Franco Basaglia, a figura-símbolo da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Blog CENAT, Sem Data. Disponível em: https://blog.cenatcursos.com.br/franco-basaglia/ Acesso em 22 de agosto de 2925.
CONDIÇÃO DE VIDA DA PESSOA IDOSA E O PAPEL DO ASSISTENTE
SOCIAL1
Izilda de Oliveira Caetano2
1 - RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar as representações de abandono da velhice em Dom Casmurro e na realidade das famílias contemporâneas, bem como as implicações para a prática profissional do Assistente Social. Com destaque para a questão do abandono, procurou-se também refletir, de forma sucinta, acerca da legislação vigente, com foco na proteção do idoso. Evidenciou-se que estudos direcionados a esta temática envolvem outras áreas do conhecimento que, em articulação conjunta, visam ao desenvolvimento de políticas adequadas para o atendimento a essa parcela da população. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e qualitativa, com algumas informações quantitativas, para ajudar na argumentação. Foi lida e considerada a obra de literatura ficcional Dom Casmurro de Machado de Assis (2015). Consultou-se autores que tratam do tema, como Beauvoir (2020), Mariano (2019), Silva (2016), Passos (2016). A velhice de Ben-
tinho, em Dom Casmurro, narrada com tom de amargura, ressentimento e isolamento, pode ser interpretada como uma metáfora do abandono social e afetivo de pessoas idosas. Tais elementos literários dialogam diretamente com os desafios que o Serviço Social enfrenta, hoje, no atendimento a idosos em situação de vulnerabilidade, especialmente os que vivem em abandono, negligência familiar ou institucional. A obra, portanto, serve como provocação ética e crítica para pensar políticas públicas e práticas profissionais voltadas à dignidade na velhice. O Serviço Social, na prática com a terceira idade, deve ter como compromisso a autovalorização do idoso, embasado numa concepção homem-mundo, tendo uma atuação social, com propensão a transformar a realidade do idoso, vendo-o como sujeito de direitos e valorizando-o na sociedade, procurando, por intermédio de ações interventivas, superar as formas de isolamento e exclusão social.
Palavras-chave: Serviço Social. Pessoa Idosa.
1 - Artigo resultante de pesquisa científica, desenvolvido no Programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística da FAEP, sob orientação da Profa. Dra. Rosângela Aparecida dos Reis Machado e Profa. Me. Ana Maria Gentil. Trabalho apresentado no CONIC/SEMESP-2025.
2 - Estudante do 8º semestre do curso de Bacharelado em Serviço Social, do Centro Universitário FAEP- 2025.
2 - INTRODUÇÃO
O Serviço Social, ao longo de sua trajetória, passou por diversas transformações que acompanharam as mudanças na sociedade e na maneira da tratativa com as questões sociais e políticas públicas, relacionadas à velhice. Este trabalho teve como objetivo explorar essas mudanças no papel do Assistente Social, no que se refere ao abandono da pessoa idosa, retratado na literatura e constatado na observação da realidade vivida. A necessidade de abordar a temática surge a partir da constatação de que o processo de envelhecimento é um fenômeno mundial e que tem sérias consequências, mas, não só no âmbito da saúde, como, também, no aspecto socioeconômico.
O problema que delimitou o tema escolhido foi: quais as implicações para a prática do Assistente Social, diante da identificação do abandono vivenciado pela população idosa em diferentes espaços da sociedade? Para essa questão, elaborou-se uma hipótese: o papel do Assistente Social é articular os acessos para uma melhor convivência da pessoa idosa na sociedade.
Organizou-se um artigo com a seguinte estrutura: relação das linhas e entrelinhas da obra literária – Dom Casmurro, com o abandono na velhice; situação do idoso na família e os impactos sociais; a legislação e as políticas públicas de proteção e apoio ao idoso; papel do Serviço Social, no que se refere ao abandono da pessoa idosa.
3 - OBJETIVOS
Objetivo Geral: Analisar a representação do abandono na velhice em Dom Casmurro e na sociedade contemporânea, destacando as suas implicações para a prática profissional do Assistente Social.
Objetivos Específicos: a) identificar elementos do abandono e da solidão na narrativa de Bentinho como idoso, em Dom Casmurro; b) refletir sobre os impactos sociais, emocionais e políticos do abandono na velhice; c) discutir as garantias previstas no Estatuto da Pessoa Idosa e em outras legislações, quanto ao combate ao abandono do idoso; d) compreender o papel do Assistente Social, no que se refere ao trabalho com a pessoa idosa.
4 - METODOLOGIA:
Esta pesquisa se constituiu como de natureza qualitativa. O objeto e o objetivo deste estudo não se pautaram, prioritariamente, em referências quantitativas, embora foram utilizadas, em alguns momentos, para apoiar a argumentação sobre a situação do idoso, na atualidade. Para que os objetivos fossem alcançados, utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica. Neste sentido, a pesquisa bibliográfica será utilizada a partir do levantamento ou revisão de obras publicadas, tomando por base a teoria que irá direcionar ao trabalho científico, embasado em legislações, como o Estatuto do Idoso (2003), bem como a obra literária de Machado de Assis Dom Casmurro (2015). Os autores investigados foram: Beauvoir (2020), Mariano (2019), Silva (2016), Passos (2016)
5 - DESENVOLVIMENTO
A partir dos estudos realizados, destacam-se o crescimento do abandono e as violações contra a pessoa idosa, que sempre estará presente sem ser valorizada. E essa desvalo-
rização pode ser causada ou porque as pessoas não analisaram a questão, ou porque é mais cômodo não assumir o que essa fase da vida exige da comunidade e da sociedade. Assim, ao considerar a velhice como período de inatividade, os idosos são abandonados em hospitais, instituições ou nas ruas, sem serem consultados sobre seus projetos de vida. Eles acabam sendo esquecidos, sofrendo violação dos direitos e tornando-se invisíveis. O abandono como “renúncia” e “esquecimento” da pessoa idosa, ocorre não só pela falta de vínculos familiares, mas pela desproteção da comunidade e do Estado.
5.1. Solidão e Invisibilidade na Velhice: uma Análise da Figura de Bentinho, em Dom Casmurro
Em Dom Casmurro (Assis, 2015), a relação com a velhice é central. Bentinho, o narrador, já velho e solitário, relata sua história de amor e desconfiança por Capitu, sua esposa, em um esforço para compreender melhor sua vida e a própria história. A obra é uma reflexão sobre o passado, a memória e a busca por sentido em um casamento que se desfaz sobre o peso da desconfiança e do ciúme, que aflige Bentinho na velhice. A narrativa de Bentinho é marcada pela tristeza e pela solidão, características comuns à velhice.
A obra reflexiona sobre a natureza humana, as relações sociais, as ilusões e as decepções da vida, todas vistas sob o prisma da velhice e do olhar de Bentinho. A memória dessa personagem como a de qualquer pessoa, não é um registro perfeito, mas sim uma construção que pode ser influenciada pelas emoções e pela própria visão do passado.
Embora seja uma obra de ficção, fica exposta a negligência familiar e social em relação a
idosos, que se observa na contemporaneidade. Esta realidade é um problema grave, com consequências que vão desde a deterioração da saúde física e mental até o isolamento social e a perda da dignidade. É importante compreender que a negligência pode manifestar-se de várias formas como a omissão de cuidados básicos, violência física ou psicológica, abandono e a exploração financeira.
5.2. Família, Cuidado e Omissão: os Vínculos Fragilizados na Velhice Literária e Real
Na velhice, os vínculos, tanto em contexto literário quanto na realidade, tendem a se fragilizar devido a uma série de fatores, incluindo mudanças físicas e mentais, perda de autonomia, maior dependência, sendo assim, os idosos apresentam dificuldades nas relações familiares e sociais.
Embora a literatura possa explorar esses temas de forma aprofundada, é crucial reconhecer a realidade complexa e multifacetada da fragilidade dos vínculos na velhice. A velhice é definida como um período de solidão, isolamento, dificuldade de comunicação, dependência e perda de conexão com o passado, presente ou futuro. Em Dom Casmurro, Machado de Assis (2015) retrata a solidão, as angústias e tristezas de Bentinho.
Ao pensar na realidade, observa-se que o número da população com mais de 65 anos cresce continuamente, gerando questões econômicas e crise social, provocando exclusão de pessoas idosas e um aumento da preocupação de muitos indivíduos em parecer mais jovens. Nesse sentido, Mariano (2019) afirma que falar sobre o passado é um ato de coragem, pois as pessoas do mundo de hoje vivem lutando contra o envelhecimento.
Pode–se observar nas estatísticas que o abandono do idoso é uma prática que cresce no Brasil. Em junho de 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (2023) divulgou um dado alarmante: as denúncias de abandono de idosos: registraram um aumento de 855% entre janeiro e maio, em comparação ao mesmo período de 2022. Foram quase 20 mil registros ao longo de cinco meses em 2023, contra 2.092 casos registrados no ano anterior.
Os números tornaram-se ainda mais preocupantes, quando se nota a tendência de envelhecimento da população em todo o planeta. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2015), até 2050, os idosos serão um quinto da população global. O Conselho Regional de Serviço Social do Maranhão, informa: “A OMS estima que em 2025, pela primeira vez, a população de idosos no planeta ultrapassará a de crianças. Segundo estudos da OMS, em 20 anos o Brasil será o sexto pais do mundo com maior número de pessoas idosas” (CRESS-MA, 2022).
No Brasil, a população segue a tendência de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo IBGE (2016) - 10,5% da população brasileira tem 65 anos ou mais. Até 2030, o número de idosos deve ultrapassar o de jovens na faixa de zero a 14 anos, conforme previsão do Ministério da Saúde (2018).
Se por um lado, a longevidade pode ser observada como uma conquista decorrente de melhores condições de saúde dos idosos e de avanços da medicina, por outro, ela traz grandes desafios, principalmente no que diz respeito à proteção dessa população, que muitas vezes se torna total ou parcialmente dependente com o passar dos anos.
A convivência social, no Brasil, não tem explicitado princípios de civilidade e igualdade de direitos, pois a sociedade brasileira está estruturada sob o jugo da escravidão e do mando patrimonial. Uma parte da população sempre gozou de privilégios, sendo que uma grande faixa populacional foi destituída de bens essenciais à existência humana, contrariando a ideia de uma sociedade democrática (Silva, 2016)
Aí está o crime de nossa sociedade. Sua “política de velhice” é escandalosa. Mais escandaloso ainda, porém, é o tratamento que inflige à maioria dos homens na época de sua juventude e de sua maturidade. A sociedade pré-fabrica a condição mutilada e miserável que é o quinhão deles na última idade. É por culpa da sociedade que a decadência senil começa prematuramente, que é rápida, fisicamente dolorosa, moralmente horrível e a razão por que esses indivíduos chegam à última idade com as mãos vazias. Explorados, alienados, quando a força a deixa, tornam-se fatalmente “refugos”, “destroços”. (Beauvoir, 2020, p.560)
A sociedade baseada em valores democráticos, éticos, de justiça e de cidadania faz parte de uma história recente do Brasil, desencadeada por movimentos da sociedade civil e pelo marco legal da Constituição vigente. A agenda desses movimentos da sociedade civil organizada permanece voltada para uma cultura política de civilidade., que tem buscado os canais democráticos conquistados, em marcos constitucionais de grupos mais fragilizados, como a pessoa idosa. Esses movimentos procuram atuar nas políticas públicas e em uma ação fiscalizadora e propositiva das ações governamentais. (Silva, 2016)
Para os idosos, a construção de uma cultura de civilidade precisa considerar a dimensão da convivência entre as gerações, o que significa o compartilhamento de responsabilidades e a identificação de papeis sociais a serem desempenhados. A
questão intergeracional instiga o debate nas universidades abertas para a terceira idade e nos programas de extensão universitária voltados para essa população, que vêm se proliferando no Brasil a partir da década de 1990. Através das atividades desenvolvidas nesses espaços de educação permanente, os diálogos com os próprios idosos têm posto como tema de reflexão e mobilização a identificação do lugar social dos idosos como sujeitos políticos de direitos. Nesse aspecto, sobressai o direito ao envelhecimento com dignidade, conforme disposto na legislação social que objetiva assegurar proteção básica e especial a esse segmento social.
Em política, o indivíduo conserva durante toda sua vida os mesmos direitos e os mesmos deveres. O Código Civil não faz qualquer distinção entre um centenário e um quadragenário. Os juristas consideram que, fora dos casos patológicos, a responsabilidade penal dos idosos é tão integral quanto a dos jovens. Os idosos não são considerados uma categoria à parte e, por outro lado, isso não lhes agradaria; existem livros, publicações, espetáculos, programas de televisão e de rádio destinados às crianças e aos adolescentes; aos idosos, não. Em todos os planos eles são incorporados aos adultos mais jovens (Beauvoir, 2020, p. 9)
No que se refere ao estatuto econômico, considera-se que a pessoa idosa pertence a
uma espécie estranha: “os idosos não têm as mesmas necessidades nem os sentimentos dos outros homens, já que nos basta conceder-lhes uma miserável esmola para nos sentirmos desobrigados com relação a eles” (Beauvoir, 2020, p. 561).
Os legisladores e economistas julgam que os não ativos representam um peso para os ativos, esquecendo que também serão não ativos no futuro e que poderiam assegurar o próprio amparo, quando estivessem nessa fase de suas vidas (Beauvoir, 2020).
Para a autora (Beauvoir, 2020):
Os idosos que não constituem qualquer força econômica não tem meios de fazer valer seus direitos: o interesse dos exploradores é o de quebrar a solidariedade entre os trabalhadores e os improdutivos, de maneira que estes últimos não sejam defendidos por ninguém. Os mitos e os clichês postos em circulação pelo pensamento burguês se aplicam em mostrar o idoso como um outro. Esquecem que é com adolescentes que duram um número bastante grande de anos que a vida faz os idosos; observa Proust; eles conservam as qualidades e os defeitos do homem que continuam a ser. Isto é, a opinião que ignora (p. 9).
Para a sociedade, o idoso deve dar exemplo de virtude. Se manifesta sentimentos e desejos semelhantes aos mais jovens, as pessoas se escandalizam, uma vez que o ciúme parece ridículo, a violência irrisória e a sexualidade repugnante. A exigência da serenidade permite a desconsideração por sua infelicidade. Atribuem uma imagem de sábios experientes de cabelos brancos e quando não é da forma que as pessoas
imaginam, o idoso é considerado louco, caduco e delirante. Dessa forma, seja pela virtude ou pela atribuição de loucura, a pessoa idosa sente-se fora da humanidade (Beauvoir, 2020). Dessa maneira, recusam, sem escrúpulos, o mínimo necessário para uma vida humana digna.
5.3. A legislação e as políticas públicas voltadas para a pessoa idosa.
A população brasileira e mundial envelhece e é crescente a necessidade de cuidadores e programas de proteção ao idoso. A Política Nacional do Idoso, Lei 8.842/1994 (Brasil, 1994), promulgada em 1994 e regulamentada em 1996, assegura que a pessoa idosa, aquela que tem 60 (sessenta) anos ou mais, tem direito à autonomia, integração e participação social, reafirmando também o acesso à saúde integral no SUS. O Estatuto do IdosoLei n. º 10.741/ 2003 é destinado a regular os direitos assegurados às pessoas, com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, prevendo que o abandono de idosos é crime e as implicações podem levar à responsabilização cível e criminal. No Artigo 4°, essa lei indica que “Nenhum idoso será objeto de discriminação, violência, crueldade, negligência ou opressão, e todo atentado aos direitos por ação ou omissão será punido na forma da lei. É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.” (Brasil, 2003)
Existem ainda políticas públicas voltadas à população idosa, algumas delas referem-se à Saúde: programas de saúde específicos para idosos, acesso facilitado a cuidados médicos, prevenção de doenças crônicas e promoção de estilos de vida saudáveis são essenciais.
5.4. O papel do Serviço Social no atendimento à população idosa.
O trabalho do profissional de Serviço Social sempre procura responder às necessidades sociais e garantir o atendimento, pautado no projeto ético-político em relação à pessoa idosa e proporcionar a promoção ao acesso à proteção e aos direitos sociais e necessários aos idosos, fortalecendo os vínculos com a família, a comunidade e o protagonismo social dos idosos (Passos, 2016). No que se refere à saúde do idoso, o Assistente Social deve encaminhar aos serviços especializados, acompanhando em cuidados domiciliares, em caso de negligência, abandono e maus tratos.
Dessa forma, o Assistente Social desempenha um papel fundamental no trabalho com idosos, pois é responsável por garantir que suas necessidades sociais sejam
atendidas de forma adequada e que tenham acesso a serviços e recursos que promovam seu bem-estar e qualidade de vida.
A seguir, são destacadas importantes ações do Assistente Social diante de idosos:
I. Avaliação e planejamento: realizam avaliações abrangentes das necessidades dos idosos, levando em consideração fatores como saúde física e mental, apoio familiar, habitação, finanças e acesso a serviços médicos. Com base nessas avaliações, eles desenvolvem planos de cuidados personalizados para garantir o suporte necessário, envolvendo diferentes setores (articulação interdisciplinar);
II. Acesso a recursos: orientam os idosos a acessar uma variedade de recursos comunitários, como programas de assistência financeira, serviços de saúde, transporte, habitação acessível, programas de lazer e atividades sociais;
III. Apoio emocional: oferecem apoio emocional aos idosos e suas famílias, por meio da escuta ativa, ajudando-os a lidar com questões como solidão, depressão, perda de entes queridos e adaptação a novas circunstâncias de vida, sabem que envelhecer pode ser um período desafiador da vida, com mudanças físicas, emocionais e sociais significativas; IV. Advocacia e defesa de direitos: defendem os direitos dos idosos, trabalhando para garantir que sejam tratados com dignidade e respeito em todas as áreas da vida. Apoiam-se nas políticas e práticas que promovam a inclusão, a igualdade de acesso aos serviços e a proteção contra abusos e negligência; V. Intervenção em crises: em situações de abuso, negligência, violência doméstica ou emergências médicas, os Assistentes Sociais intervêm para garantir a segurança e o bem-estar dos idosos, colaborando com outros profissionais para oferecer o suporte.
Assim, os Assistentes Sociais desempenham um papel essencial no trabalho com idosos, fornecendo suporte holístico e personalizado para ajudá-los a viver com dignidade, autonomia e qualidade de vida na velhice.
6. RESULTADOS
A partir da pesquisa realizada, a obra literária e os textos de base científica demonstraram que a pessoa idosa, na sociedade contemporânea, é negligenciada por uma intersecção de motivos., entre eles : a busca da imagem jovem pela população ; a ideia de que o idoso se torna improdutivo com o avançar da idade; a crença de que todo idoso tem uma saúde vulnerável , tanto física ,como psíquica e emocional; a percepção
de que a pessoa idosa não apresenta as características esperadas para a sua condição:
sabedoria, conhecimento, experiência e comportamento adequado.
Nesse sentido, o Assistente Social tem o papel de contribuir com a garantia do direito dos idosos, facilitando acesso aos serviços, encaminhando-os às práticas de atividades que favorecem o seu bem-estar, possibilitando o estreitamento dos vínculos familiares, prevenindo e intervindo em casos de violência e negligência. Portanto, trabalhando para a emancipação da pessoa humana.
Destaca-se o desempenho do Assistente Social na conscientização e sensibilização da sociedade sobre o envelhecimento e o cuidado com a pessoa idosa, evitando, dessa maneira, o abandono. Pode também atuar na criação e a promoção de políticas públicas para essa população, mobilizando diferentes setores, incluindo a educação, para a mudança das mentalidades.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo discute o abandono e a violação de direitos contra a pessoa idosa no Brasil. A velhice é frequentemente vista como um período de inatividade, levando ao abandono e à invisibilidade dos idosos, que são deixados em hospitais ou nas ruas por negligência ou falta de condições de cuidado. O abandono, que pode ser familiar ou social, tem crescido de forma alarmante no país.
Os dados estatísticos e o texto literário” Dom Casmurro” explicitam a solidão, a invisibilidade e a fragilização dos vínculos que marcam a velhice. A sociedade atual desvaloriza os idosos, produzindo condições de vida que levam ao seu abandono, vendo- os como “refugos” e “improdutivos”.
Para combater essa realidade, o Brasil conta com leis como a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, que definem a pessoa idosa (a partir dos 60 anos) e consideram o abandono um crime. Nesse contexto, destaca-se o papel fundamental do Serviço Social, cujo profissional atua como mediador entre os idosos e a sociedade, garantindo o acesso a direitos, recursos e apoio emocional. O assistente social promove a autonomia, a dignidade, a participação social e a proteção dos idosos contra qualquer tipo de violência.
8. FONTES CONSULTADAS
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Campinas. SP: Via leitura, 2015.
BEAUVOIR, S. de. A Velhice: ensaio sobre a condição humana. (Tradução aria Helena Franco Martins) – Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2020.
BRASIL. Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e dá outras providências. Disponível em https://www.mds.gov.br/webarquivos/ publicacao/assistencia_social/normativas/ politica_i doso.pdf. Acesso em 08 de agosto de 2025.
BRASIL. Estatuto da Pessoa Idosa. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2003.Disponível em: https://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741. htm. Acesso em 08 de agosto de 2025.
CRESS- MA. Conselho Regional de Serviço Social do Maranhão. Dia Nacional e Internacional da Pessoa Idosa – 01/10. São Luís. MA, 2022.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2016. In: IBGE. Estudo e Pesquisas:
Informação Demográfica e Socioeconômica, nº 36. Rio de Janeiro, 2016.
MARIANO, Vinícius Neves. Velhos demais para morrer. Rio de Janeiro. RJ: Malê, 2019.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Brasil: um país de idosos. 2018. Disponível em: https://www. gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-brasil/ noticias/2018/brasil-um-pais-de- idosos. Acesso em: 3 set. 2025.
MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA. Brasil. Brasil registra mais de 202 mil violações de direitos contra pessoas idosas no 1º trimestre de 2023. Brasília. DF, 2023. Disponível em: https://www. gov.br/mdh/pt- br/assuntos/noticias/2023/ maio/brasil-registra-mais-de-202-mil-violacoes-de-direitos- contra-pessoas-idosas-no-1o-trimestre-de-2023. Acesso em 22 de agosto de 2025.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS. Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde- 2015. Disponível em: https://sbgg.org.br/ wp-content/uploads/2015/10/OMS- ENVELHECIMENTO-2015-port.pdf. Acesso em 20 de agosto de 2025.
PASSOS, Rachel Gouveia. Trabalho, cuidado e sociabilidade: contribuições marxianas para o debate contemporâneo. In.: Vários autores. Envelhecimento e Capitalismo. Coleção Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, 2016 SILVA, Maria do Rosário de Fátima e. Envelhecimento e proteção social: aproximações entre Brasil, América Latina e Portugal. Serviço. Social. Sociedade., n. 126, p. 215-234, maio/ ago. São Paulo, 2016.
Danieli Cristina Ramos Hernandes1 Evandro de Almeida2
RESUMO
A IMPORTÂNCIA DO
ASSISTENTE SOCIAL NO
APOIO ÀS FAMÍLIAS COM PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN
A Síndrome de Down (SD), uma condição genética, incide aproximadamente 1 a cada 700 nascimentos no Brasil, o que demanda suporte multidimensional ao indivíduo e familiares. Este estudo objetiva demonstrar, através de revisão bibliográfica, o papel do assistente social no apoio das famílias de pessoas com SD, desde o diagnóstico ao acompanhamento. Os objetivos específicos incluem apresentar a SD, dificuldades familiares, estratégias de intervenção profissional e recomendações da prática do assistente social. A pesquisa evidenciou que a intervenção do assistente social media acesso às políticas públicas e promove autonomia da pessoa com SD e suporte psicossocial para resiliência familiar.
Palavras-chave: Serviço Social. Síndrome de Down. Família. Direitos. Inclusão Social.
INTRODUÇÃO
A Síndrome de Down (SD) é uma condição genética resultante da trissomia do cromossomo 21. Segundo dados do Ministério da Saúde (Brasil, 2013), a síndrome ocorre em 1 a cada 600 a 800 nascimentos no Brasil, configurando-se como uma das principais causas de deficiência intelectual.
A condição apresenta desafios multidimensionais que impactam toda a família. O momento do diagnóstico é crucial e, muitas vezes, marcado por fragilidade emocional e desinformação.
Conforme destaca Diniz (2018, p. 72), “a forma como o diagnóstico é comunicado pode influenciar profundamente a adaptação da família, podendo gerar sentimentos de luto, negação ou fortalecimento, dependendo do suporte recebido”. Uma pesquisa do Movimento Down (2019) mostrou que 68% das famílias recebem o diagnóstico de maneira inadequada, sem informações claras ou encaminhamento. As famílias enfrentam desafios complexos,
1 - Graduada em Ciências Contábeis -Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo – FACESP. Graduação em Pedagogia - Universidade Norte do Paraná, UNOPAR. Especialista em Psicopedagogia – UNOPAR. Mestrado em Controladoria. Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo - FACESP e-mail: danieli.hernandes@cogna.com.br
2 - Graduação em Relações Internacionais - Centro Universitário Belas Artes de São Paulo - FEBASP. Especialista em Negócios e Comércio Internacional – Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU; Especialista em Magistério para o Ensino Superior - Centro Universitário Belas Artes de São Paulo - FEBASP - Mestre e Doutor em Ciências Sociais – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Tutor na FAEP nos cursos de Gestão. e-mail: evandrovsky@hotmail.com
como: comunicação inadequada do diagnóstico, frequentemente associada a estigmas sociais (Movimento Down, 2019); dificuldades no acesso a políticas públicas; e sobrecarga emocional e financeira.
Outro ponto enfrentado são as dificuldades burocráticas para acessar benefícios e serviços essenciais (IBGE, 2020). Existe também a questão da inclusão escolar, que representa um problema devido à falta de adaptações pedagógicas (Mantoan, 2015).
Nesse cenário, o Serviço Social desempenha um papel fundamental na mediação entre famílias, serviços públicos e sociedade, pautando-se na “ética, direitos humanos e defesa intransigente da dignidade” (CFESS, 2011).
O problema da pesquisa é: Como o Serviço Social pode contribuir para o fortalecimento das famílias de pessoas com Síndrome de Down, desde o diagnóstico até o acompanhamento contínuo? O objetivo geral foi compreender o papel do Serviço Social no apoio a essas famílias.
A pesquisa justifica-se por sistematizar o conhecimento científico, subsidiar a atuação profissional com base em evidências e contribuir para políticas públicas mais eficazes. O estudo realizado foi uma Revisão de Literatura de abordagem qualitativa e descritiva.
DESENVOLVIMENTO
1. SÍNDROME DE DOWN
A Síndrome de Down é uma condição genética caracterizada pela presença de um cromossomo extra o 21, estando presente desde o nascimento. De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2012), ela não constitui uma doença, mas sim “uma variação genética que faz parte
da diversidade humana”.
Esta condição influencia, de maneira singular o desenvolvimento intelectual e físico da pessoa, configurando-se como uma das variações, que compõem o espectro da experiência humana. A base genética da síndrome está na alteração cromossômica, que resulta em 47 cromossomos, sendo o adicional ligado ao par 21, como descreve Stratford (1997).
Esta alteração pode manifestar-se através de três formas principais: Trissomia Simples (95% dos casos), Translocação (3-4%) e Mosaicismo (1-2%). Cunningham (2008, apud Dezoti et al, 2013, p.80) ressalta que “a Síndrome de Down não é um rótulo fixo, mas a declaração de probabilidade sobre um ser humano”, evidenciando a variabilidade individual no desenvolvimento.
O desenvolvimento das pessoas com Síndrome de Down pode apresentar características particulares, incluindo traços faciais distintivos e um ritmo cognitivo diferenciado.
A estimulação precoce revela-se fundamental nesse processo, Pierro destaca (1987, p.2): “a cabeça de uma criança, mesmo a cabeça de um bebê Down, é uma lousa branca na qual pode-se escrever muitas e muitas coisas”. Esta perspectiva enfatiza o potencial de desenvolvimento quando há intervenção adequada.
A compreensão contemporânea da deficiência evoluiu para um modelo social, de acordo com o que estabelece a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (Brasil, 2008, p.16), que define que “a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente”. Esta concepção ressalta que as limitações estão mais relacionadas às barreiras sociais do que às condições individuais.
O desenvolvimento da pessoa com Síndrome de Down resulta da interação entre fatores biológicos e ambientais, Voivodic explica (2008, p.46): “o desenvolvimento da pessoa com SD resulta não só de fatores biológicos, mas também das importantes interações com o meio”. Schwartzman (1999) complementa que as limitações podem ser significativamente superadas mediante estimulação intensa e contínua ao longo de toda a vida, especialmente quando iniciada precocemente.
2. O SERVIÇO SOCIAL E SUA ATUAÇÃO NO APOIO A FAMÍLIAS DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN
2.1 Definição e Fundamentos do Serviço Social
O Serviço Social é uma profissão de caráter sociopolítico, crítico e interventivo, que atua nas expressões da questão social. Segundo Iamamoto (2004, p. 25), o Serviço Social “insere-se na divisão social e técnica do trabalho, assumindo uma dimensão pedagógica e política”. A profissão é regulamentada pela Lei nº 8.662/1993 (Brasil, 1993), que define suas competências e áreas de atuação, sempre pautada em princípios éticos e legais.
A definição contemporânea de Serviço Social, aprovada pela Assembleia Geral da Federação Internacional de Assistentes Sociais (International Federation of Social Workers / IFSW) em 2014, caracteriza-o como: Uma profissão de intervenção e uma disciplina académica que promove o desenvolvimento e a mudança social, a coesão social, o empowerment e a promoção da Pessoa. Os princípios de justiça social, dos direitos humanos, da responsabilidade coletiva e do respeito pela diversidade são centrais ao Serviço Social (IFSW, 2014).
2.2 Código de Ética do Assistente Social
O Código de Ética do Assistente Social serve como um guia essencial para a prática profissional, estabelecendo diretrizes baseadas em valores fundamentais, como a autonomia dos indivíduos, sua emancipação e a defesa intransigente dos direitos humanos.
Esse documento oficial, publicado pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2011), fornece a base moral e técnica que orienta todas as ações e decisões no exercício da profissão, assegurando um compromisso social claro e consistente. Ela está fundamentada em quatro pilares: 1) compromisso com a não discriminação; 2) importância da competência técnica; 3) combate ativo aos preconceitos; e 4) escuta ativa e acolhimento na prática.
Um dos pilares mais importantes do Código de Ética é o princípio da não discriminação. Isso significa que o assistente social deve garantir que todas as pessoas recebam o mesmo acesso aos direitos, sem qualquer tipo de distinção. Seja por condição social, física, racial ou de gênero; o profissional trabalha para que todos tenham oportunidades iguais.
Essa postura é fundamental para construir uma sociedade mais justa, em que cada cidadão possa desenvolver seu potencial. O assistente social atua como um guardião desse princípio em sua prática cotidiana.
A competência técnica assegura que o assistente social utilize conhecimentos científicos comprovados em seu trabalho, indo além de uma boa vontade e exigindo formação constante e atualização profissional.
Esse profissional, por meio de métodos e teorias validados, pode oferecer um atendimento de qualidade, que realmente atenda às necessidades da população. Esse compromisso
com a excelência técnica garante que as intervenções sociais tenham base sólida e produzam resultados efetivos, evitando, assim, que o trabalho seja baseado apenas em opiniões ou improvisos.
O Código de Ética vai além de simplesmente evitar a discriminação, pois ele exige um empenho ativo na eliminação de preconceitos. Ou seja, o assistente social deve combater estigmas e promover a inclusão social de forma propositiva, trabalhando para desconstruir estereótipos e criar espaços mais acolhedores para todos.
Essa atuação inclui desde o enfrentamento de situações concretas de discriminação até a educação da sociedade sobre diversidade, configurando-se como um trabalho contínuo de transformação cultural.
A escuta ativa e o acolhimento são ferramentas essenciais no trabalho com famílias de pessoas com deficiência. Por meio da escuta verdadeiramente interessada, o profissional pode compreender as reais necessidades de cada família, pois esse acolhimento cria um espaço seguro, onde os sentimentos e dúvidas podem ser expressos sem julgamentos.
Além disso, essas práticas permitem que a orientação oferecida seja realmente adequada à realidade de cada caso, construindo, dessa forma, uma relação de confiança fundamental para o sucesso do acompanhamento social.
2.3 Áreas de Atuação do Assistente Social
O assistente social atua em diversas áreas, sempre focando na garantia de direitos e na promoção da cidadania. Conforme a literatura e a prática profissional, as principais áreas incluem: saúde, educação, assistência social, terceiro setor e interface com políticas públi-
No campo da saúde, o assistente social atua como um facilitador do acesso aos serviços médicos e de promoção do bem-estar.
Seu trabalho é desenvolvido em hospitais, unidades básicas de saúde e ambulatórios, onde realiza ações educativas e fornece informações essenciais à população. O profissional orienta usuários sobre seus direitos no Sistema Único de Saúde (SUS) e auxilia no enfrentamento de vulnerabilidades sociais, que impactam as condições de saúde.
Na área da educação, o assistente social contribui para a construção de ambientes escolares mais inclusivos e democráticos. Sua atuação envolve a mediação de conflitos entre família, escola e comunidade, além da implementação de programas de apoio psicossocial.
O profissional trabalha para garantir a permanência e o sucesso educacional de estudantes em situação de vulnerabilidade, assegurando o cumprimento do direito à educação de qualidade.
Na assistência social, o profissional atua na ponta do sistema de proteção social, com atuação central nos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centros de Referência Especializado de Assistência Social). Seu trabalho envolve o atendimento direto à população em situação de risco e vulnerabilidade social, com elaboração de planos de atendimento e encaminhamentos necessários para o acesso a direitos básicos.
No campo sociojurídico, o assistente social desenvolve suas atividades no sistema de justiça e no sistema prisional, realizando avaliações sociais e elaborando pareceres técnicos. Sua intervenção visa a garantir os direitos funda-
mentais de pessoas em conflito com a lei e de suas famílias, promovendo alternativas à privação de liberdade, quando possível e acompanhando o processo de reinserção social.
No terceiro setor, o assistente social atua em organizações não governamentais (ONGs) e associações comunitárias, desenvolvendo e implementando projetos sociais. Esses projetos visam ao fortalecimento comunitário, à geração de renda e à defesa de direitos de grupos específicos, como crianças e adolescentes, pessoas com deficiência e populações em situação de rua.
Em todas essas áreas, a atuação do assistente social se caracteriza pelo compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos e pela articulação com as políticas públicas existentes. O trabalho profissional busca sempre a emancipação dos usuários e a transformação social, utilizando instrumentos técnico-operativos, como entrevistas, visitas domiciliares e trabalhos em grupo, para alcançar seus objetivos.
Buscando o fortalecimento de vínculos, o profissional promove grupos de apoio, que previnem a sobrecarga dos cuidadores, alinhando-se com o princípio de defesa da democracia participativa.
Na garantia de direitos, orienta sobre benefícios sociais e articula acesso a políticas públicas, refletindo o compromisso com a universalização de serviços e justiça social, enquanto na promoção da autonomia, o assistente social trabalha para que a pessoa com síndrome de Down seja reconhecida como sujeito de direitos, apoiando processos de inclusão escolar e profissional. Simultaneamente, combate desigualdades sociais em diversos espaços institucionais, materializando o princípio de luta pela equidade.
Em funções de assessoria e gestão, o profissional contribui para elaboração de políticas sociais intersetoriais, demonstrando compromisso com a qualidade dos serviços.
No campo sociojurídico, por sua vez, atua em varas de família e sistema prisional, assegurando que o sistema de justiça não reproduza exclusões, numa concretização prática da defesa da cidadania plena para pessoas com deficiência.
2.4 O Momento da notícia: fragilidade, processo de luto e a atuação do Assistente Social
O momento do diagnóstico da Síndrome de Down representa uma ruptura significativa para a família, caracterizada por sentimentos de crise e desestabilização. Segundo Bury (1982), este impacto configura uma “quebra biográfica”, onde a trajetória familiar planejada é interrompida abruptamente. Os pais vivenciam um processo de luto simbólico pelo “filho idealizado” (Solomon, 2012), perdendo expectativas sociais e pessoais anteriormente construídas.
Esta experiência pode ser compreendida através da metáfora de Kingsley (1987) sobre “viajar para a Holanda”, que ilustra a necessidade de adaptação a uma realidade diferente da esperada, porém, com valores próprios. Olshansky (1962) conceptualiza este processo como “luto crônico”, onde os pais experienciam ondas recorrentes de tristeza ao longo da vida. Goffman (1963) acrescenta que a deficiência é percebida como um estigma tribal, intensificando medos de discriminação.
O assistente social atua como apoio fundamental neste contexto, através de três eixos principais: escuta ativa e qualificada, que valida os sentimentos da família sem julgamentos; fornecimento de informações claras sobre
direitos e acesso a serviços especializados; e conexão com redes de apoio ampliadas, incluindo grupos de pais e profissionais especializados. Esta prática busca transformar a confusão inicial em novas perspectivas sobre a vida com a criança.
A intervenção profissional facilita a reconstrução de significados e o acesso a recursos essenciais, promovendo resiliência familiar frente aos desafios. Ao normalizar as emoções vivenciadas e oferecer suporte concreto, o assistente social contribui para que a família elabore seu processo de adaptação e descubra caminhos para conviver com os novos desafios, sempre pautado no acolhimento e no fortalecimento dos vínculos familiares.
2.4.1 A Base Familiar no Desenvolvimento da Pessoa com Síndrome de Down e as Etapas da Vida
A família desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da pessoa com Síndrome de Down. Conforme destacado por uma psicóloga do Instituto Mano Down, “a família é a base de tudo para a gente conseguir fazer qualquer tipo de intervenção com a criança”. A primeira infância (0 a 6 anos), período definido como crucial pela UNICEF (2021), é quando a criança recebe a primeira fonte de amor, aceitação e suporte emocional, elementos essenciais para a construção de uma autoimagem positiva.
O apoio do assistente social é contínuo e adaptado a cada fase do ciclo de vida, baseando-se na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (1996):
a) Primeira Infância (0-6 anos): Orientação sobre terapias e acesso a benefícios como o Benefício de Prestação Continuada BPC, com foco no sistema micro (família);
b) Idade Escolar (7-18 anos): Mediação entre família e escola, para garantir inclusão educacional, atuando no sistema meso;
c) Vida Adulta (18 anos em diante): Apoio na inserção no mercado de trabalho via Lei de Cotas, atuando no sistema macro.
O assistente social desempenha o papel de mediador no acompanhamento contínuo, assegurando que os direitos sejam conhecidos e acessados. No âmbito do acolhimento e orientação, garante o direito ao atendimento multiprofissional e orienta sobre benefícios sociais como o BPC e isenções tributárias.
O fortalecimento de vínculos assegura o direito ao apoio psicossocial através de grupos de apoio, enquanto na garantia de direitos, o profissional trabalha pelo acesso à educação inclusiva e benefícios assistenciais.
Na promoção da autonomia, atua para garantir o direito à participação no mercado de trabalho e à capacidade civil, conforme o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015), assegurando que a pessoa com SD tenha acesso equitativo a serviços públicos e culturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A chegada de uma criança com SD representa um evento impactante, caracterizado como uma quebra biográfica, que exige da família um complexo processo de adaptação e ressignificação.
O assistente social possui um campo de atuação vasto e fundamental nesse contexto. Sua intervenção inicia-se no momento crítico da comunicação do diagnóstico, onde a escuta qualificada e o acolhimento são ferramentas primordiais para mitigar sentimentos de desesperança e desinformação.
O desempenho profissional, ancorado no Código de Ética e na legislação pertinente, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015), transcende o assistencialismo, posicionando-se na defesa intransigente de direitos. Conclui-se que o papel do Serviço Social é estratégico para:
1). Orientar e garantir o acesso a direitos, desde a solicitação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) até a mediação por uma educação inclusiva e a inserção no mercado de trabalho. O profissional age como um elo essencial entre a família e a rede de serviços e políticas públicas.
2). Fortalecer a autonomia e a rede de apoio: Ao promover grupos de apoio e trabalhar o empoderamento das famílias, o assistente social contribui para a construção de resiliência, prevenindo a sobrecarga dos cuidadores e combatendo o isolamento social.
3). Enfrentar barreiras sociais: A atuação profissional é crucial para combater estigmas e o capacitismo, promovendo uma visão da pessoa com SD como sujeito de direitos e de sua própria história.
Assim, esse estudo reafirma a indispensabilidade do Serviço Social como uma profissão comprometida com a justiça social e a equidade. A atuação técnica e ética desse profissional, desde o acolhimento inicial até o suporte contínuo ao longo do ciclo vital, configura-se como um pilar fundamental para que as famílias possam superar os desafios e garantir o desenvolvimento pleno e a cidadania da pessoa com SD.
Recomenda-se, para estudos futuros, pesquisas empíricas, que aprofundem a análise das intervenções realizadas na prática e investiguem as necessidades específicas das pesso-
as com SD no processo de envelhecimento.
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Talita Lemos da Silveira2
ENTRE A FÉ E A DOR: A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM LARES CRISTÃOS E SEUS IMPACTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS
E ESPIRITUAIS1
1. RESUMO
O tema desse artigo é a compreensão da violência contra a mulher em lares cristãos, partindo de uma retrospectiva histórica do patriarcado. O objetivo principal da presente pesquisa foi realizar uma abordagem acessível e fundamentada sobre as principais formas de violência contra a mulher no cristianismo, apresentando marcos legais, dados estatísticos e discussões atuais, pretendendo respostas para o enfrentamento da problemática. Para isso, foi feita uma pesquisa bibliográfica, qualitativa, complementada por alguns dados quantitativos. Foram utilizadas fontes de referências como: IBGE (2019), IPEA (2023) e Lei 11.340 (2006), bem como autores que estudam o tema: Lerner (2019), Cesar (2021), Evaristo (2011), Federici (2017). Assim, mesmo com a existência de leis como a Maria da Penha, o problema persiste, inclusive na Igreja Cristã, onde foi registrado que 43% dessas mulheres são as vítimas. Isso acontece, porque leis sozinhas não mudam comportamentos enraizados no machismo estrutural
e no patriarcado. A Igreja precisa denunciar, acolher, reinterpretar as Escrituras e promover a liderança feminina para ser espaço de justiça e dignidade.
Palavras-chave: Violência contra a mulher. Igrejas Cristãs. Patriarcado.
2. INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho foi a violência doméstica em lares cristãos, sendo que a questões desencadeadoras da pesquisa foram: De que maneira a violência doméstica se manifesta nos lares cristãos? Quais fatores religiosos, culturais e sociais contribuem para a sua manutenção e o seu enfrentamento? A relevância do tema explicita-se na realidade alarmante, que atinge índices elevados no mundo, No Brasil, em 2024 foram registrados 1450 feminicídios e pesquisas indicam que 40% das mulheres cristãs sofrem violência doméstica, muitas vezes, praticada por homens que professam a mesma fé. Apesar da mensagem de amor e respeito do cristianismo, o silêncio, a cultura
1 - Artigo resultante de pesquisa científica, desenvolvido no Programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística da FAEP, sob orientação da Profa. Dra. Rosângela Aparecida dos Reis Machado e Profa. Me. Ana Maria Gentil. Trabalho apresentado no CONIC/SEMESP-2025.
2 - Estudante do 8ºsemestre do curso de Bacharelado em Teologia, do Centro Universitário FAEP-2025.
patriarcal e interpretações equivocadas das Escrituras contribuem para a perpetuação desse problema. O principal objetivo é compreender a violência contra a mulher no contexto familiar cristão, visando contribuir para a sua redução. Considera-se que tal violência é incompatível com a fé, por este motivo. Deve-se desnaturalizar comportamentos abusivos e fortalecer o debate acadêmico e social sobre gênero, fé e justiça. O estudo busca analisar as dinâmicas de poder,o silenciamento e a resistência feminina, promovendo uma reflexão crítica sobre o papel da religião na luta contra a violência de gênero. Inicialmente, a hipótese, para responder ao problema, era que o machismo, mesmo nos homens que frequentavam as igrejas cristãs, era a principal causa para a perpetuação da violência doméstica. Entretanto, ao estudar a retrospectiva histórica do patriarcado e investigar a violência nas igrejas cristãs, obtém-se uma visão mais ampla e profunda do que acontece nas igrejas cristãs, devido à herança patriarcal. Então, a partir desses estudos e da análise da legislação, pode - se constatar possiblidades de enfrentamento, de resistência e de transformação da realidade.
OBJETIVOS:
O objetivo geral desta pesquisa foi compreender a violência contra a mulher no contexto familiar cristão, visando contribuir para a sua redução. Os objetivos específicos foram: a) investigar a violência contra a mulher na sociedade sob uma perspectiva histórica; b) analisar a ocorrência da violência contra a mulher nas igrejas cristãs; e c) propor ações voltadas ao acolhimento e à prevenção da violência contra a mulher no lar cristão.
METODOLOGIA:
Para esse trabalho, foi adotada uma abordagem qualitativa, por meio de uma pesquisa
bibliográfica, complementada com investigação de dados quantitativos. Na análise dos conteúdos das obras selecionadas, o objetivo foi identificar padrões relacionados à violência, ao silenciamento e à resistência das mulheres. Além disso, textos da Bíblia Sagrada foram examinados sob a perspectiva da crítica feminista, buscando compreender como as mulheres vítimas de violência são representadas nas Escrituras. A fundamentação teórica apoiou-se em autores que abordam temas como gênero, religião e violência doméstica, possibilitando uma reflexão crítica sobre as dinâmicas presentes no contexto estudado.
DESENVOLVIMENTO
1. A compreensão da violência contra a mulher na sociedade: uma retrospectiva histórica do Patriarcado.
A violência contra a mulher exige uma análise cuidadosa, pois trata-se de um fenômeno complexo, sustentado historicamente por estruturas sociais desiguais, como o patriarcado. Essa problemática ultrapassa fronteiras sociais, culturais, religiosas e geracionais, exigindo um olhar atento para os fatores que contribuem para sua perpetuação.
O sistema patriarcal colaborou para a normalização da violência contra a mulher e para a manutenção da desigualdade de gênero. Segundo Lerner (2019), o patriarcado é um sistema social em que os homens ocupam posições de domínio e privilégio, enquanto as mulheres são subjugadas em diversas esferas da vida.
A autora (Lerner, 2019) considera que este sistema não surgiu de forma espontânea, mas foi construído no decorrer de séculos e gerações, colocando o homem em destaque, sendo o centro das decisões familiares, sociais e políticas. Na Antiguidade, a sociedade ocidental
moldou leis e normas que reforçavam o papel da mulher como propriedade exclusiva do homem, principalmente na questão reprodutiva e sexual.
Durante a transição da Idade Média para a Modernidade, as mulheres que se recusavam a se submeter às normas patriarcais passaram a ser perseguidas e acusadas de bruxaria. A chamada “caça às bruxas” foi, na verdade, uma estratégia histórica de controle sobre o corpo feminino e uma forma de impor um novo modelo de disciplina, especialmente sobre o trabalho e a sexualidade das mulheres.
Muitas das vítimas eram parteiras, curandeiras ou mulheres pobres e solteiras que não estavam sob a autoridade de um homem. A fogueira foi o destino cruel de milhares de mulheres que ousaram viver fora dos padrões impostos de submissão (Federici, 2017).
Lerner (2019) afirma que, durante a Idade Média, a Igreja Católica consolidou a ideia de que as mulheres eram fonte de pecado, o que justificava a submissão e o controle total. A hermenêutica errônea destaca que figuras, como Eva, na teologia cristã, foram associadas àorigem do pecado, reforçando a ideia de que a mulher era moralmente inferior, frágil, perigosa, tentadora e inclinada ao erro (Lerner, 2019).
Segundo Bourdieu (1999), a dominação masculina está tão enraizada na cultura que se torna invisível -“a ordem masculina se impõe como evidente e natural, mascarando sua construção histórica” (pg.11). Isso explica como práticas violentas contra a mulher são reproduzidas, sem contestação em muitos contextos.
Na escravidão, o corpo da mulher negra era explorado de forma brutal, sendo alvo de violência sexual, trabalho forçado e desumanização.
O seu senhor tinha direito sobre seu trabalho e sobre seu corpo. Ele ou outros membros da família podiam conviver livremente com ela, sem assumir a menor obrigação. A violência sexual contra as mulheres negras foi tornada institucional, constituindo um sistema de dominação total (Lerner, 2019). “As mulheres negras choram, mas os seus prantos não são ouvidos. São lágrimas que caem em silêncio, pesadas de dor e de resistência” (Evaristo, 2011, p. 14).
Assim, ao longo da história, a violência contra a mulher foi tolerada e, muitas vezes, incentivada por instituições sociais. As punições físicas e sexuais eram utilizadas como formas de adestramento e disciplina, sendo vistas como práticas educativas e moralizantes. A associação entre pecado, sexualidade e mulher alimentou visões misóginas, que legitimaram atos violentos, como a punição feminina por “bruxaria” ou desobediência (Lerner, 2019; Federici, 2017).
Conceição Evaristo, em Insubmissas Lágrimas de Mulheres (2011), denuncia como essa violência histórica persiste nas atuais estruturas racistas. Suas personagens revelam que, mesmo após a libertação, as mulheres negras continuam sendo as mais atingidas pela pobreza, pelo racismo e pela violência doméstica. A denúncia, por meio da obra literária, é uma forma de resistência ao silenciamento patriarcal. Em um dos contos, a autora escreve: “A dor das mulheres não era só no corpo, mas na alma, no tempo, na herança da ausência. ” (Evaristo, 2011, p. 29)
Dentre as filósofas feministas, como Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo (1949), encontramos a denúncia do patriarcado como um sistema opressor que transforma a mulher em “o outro”, subjugada à identidade masculina. Para Beauvoir, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, apontando que a desigualdade
feminina é uma construção social e histórica. No contexto brasileiro, esse modelo patriarcal se entrelaça com o racismo estrutural. A mulher negra, por exemplo, sofre uma tripla opressão: de gênero, de classe e de raça, sendo marginalizada nos espaços sociais e políticos e vivendo uma violência de forma interseccional.
Apesar dos avanços legais conquistados nos últimos anos, como a Lei Maria da Penha (Brasil, 2006) e a Lei do Feminicídio (Brasil, 2015), as mulheres que sofrem violência ainda enfrentam uma realidade preocupante. Os casos de agressões físicas, psicológicas, sexuais e patrimoniais continuam aumentando, revelando que o sistema patriarcal permanece enraizado na sociedade atual. Esse sistema, sustentado por fatores como o machismo, a dependência econômica e a homofobia, mantém práticas violentas e discriminatórias contra as mulheres. Como afirma Bourdieu (1999, p. 11), “a ordem masculina se impõe como evidente e natural, mascarando sua construção histórica”, o que demonstra como essa estrutura se perpetua de forma velada e resistente às mudanças sociais.
2. A violência contra a mulher na Igreja Cristã
A igreja é o reflexo da sociedade. Ela é um espaço sagrado, no qual se reúnem pessoas de diferentes histórias, crenças e pensamentos. Contudo, o comportamento violento contra a mulher não respeita endereços, denominações ou estruturas religiosas para se manifestar. Vivemos em um país extremamente violento, onde os maiores alvos são as mulheres, as crianças e a população LGBTQIA+. Isso deveria nos chocar, comover e impulsionar à denúncia e à ação. No entanto, os traços de um sistema patriarcal foram naturalizados, a ponto de muitos se calarem diante dessa realidade, inclusive dentro das igrejas.
No Brasil, uma mulher é assassinada a cada duas horas. A cada seis horas, uma mulher é morta dentro de casa — o espaço que deveria ser seu refúgio. A cada minuto, incontáveis mulheres enfrentam agressões físicas, psicológicas, sexuais ou patrimoniais. De forma alarmante, 43% dessas mulheres, que sofrem violência doméstica, são cristãs (Cesar, 2021). A tabela abaixo ilustra a distribuição (educativa e fictícia) da violência doméstica, entre mulheres brasileiras, segundo etnia e crença religiosa:
Fonte: IBGE (2019), IPEA (2023) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024).
Os dados demonstram que mulheres evangélicas e católicas, majoritariamente pardas, estão entre as mais afetadas pela violência doméstica. Essa opressão não é apenas física, pois ela se expressa também no silenciamento de vozes femininas, que desejam servir no ministério pastoral, mas são impedidas por uma interpretação patriarcal da fé cristã.
Por séculos, a narrativa religiosa reforçou a ideia de que a mulher foi a responsável pela queda do homem no Éden. Essa construção simbólica — que transforma Eva na origem do pecado e da desobediência — foi usada como fundamento teológico para justificar a submissão moral, social e espiritual das mulheres. Gerda Lerner (2019) afirma que esse tipo de leitura fortaleceu o patriarcado religioso, colocando a mulher como símbolo de tentação, fraqueza e culpa.
A crítica a essa construção patriarcal também é feita por César (2021), que propõe uma relei-
tura da figura feminina nas Escrituras. Para a autora, Eva representa não apenas a primeira mulher, mas a soma de todas as vozes femininas abafadas, aolongo da história da fé cristã. Seu “grito” ecoa nas mulheres que desejam servir a Deus, mas são silenciadas ou excluídas em nome de uma tradição, que desconsidera seus dons, sua fé e seu chamado.
Esse silenciamento se manifesta especialmente quando falamos de mulheres vocacionadas para o ministério pastoral. Muitas delas são tratadas como se fossem incapazes de liderar, instáveis emocionalmente ou teologicamente inferiores aos homens. A exclusão é justificada por interpretações literais de textos, como é o caso da Primeira Carta aos Coríntios, que afirma: “as mulheres estejam caladas nas igrejas” (Bíblia NVI, 2023, capítulo 14, versículo 34). Essa afirmativa desconsidera o contexto histórico-cultural da igreja de Corinto, marcada por confusão e desordem nos cultos. Nesta carta, o apóstolo Paulo não proíbe as mulheres de falar em qualquer tempo ou lugar, mas estabelece que os homens tinham prioridade, refletindo uma hierarquia e uma cultura patriarcal (1 Coríntios 14:34-35, NVI 2023). Ainda assim, algumas mulheres participavam ativamente dos cultos, como Febe, diaconisa recomendada por Paulo (Romanos 16:1-2), e Priscila, que ensinava a Palavra ao lado de seu marido (Atos 18:26).
A exclusão de mulheres vocacionadas é uma forma de violência que silencia dons e sustenta injustiças na Igreja. Apesar de tradições religiosas tratarem o corpo feminino como impuro, as Escrituras apresentam exemplos de liderança feminina: Débora, juíza e profetisa (Juízes 4:4-10); Jael, que derrotou Sísera (Juízes 4:17-22); Hulda, consultada por autoridades (2 Reis 22:14-20); Priscila, instrutora de Apolo (Atos 18:26); e Junia, apóstola notável (Romanos 16:7).
As Escrituras também revelam a dor de mulheres vítimas de violência: Eva, culpabilizada pela queda (Gênesis 3:12-16); Tamar, estuprada e silenciada (2 Samuel 13:1-22); Diná, violentada sem voz no texto (Gênesis 34); Raquel e Lia, usadas como moeda de troca (Gênesis 29:1530); Maria Madalena, alvo de estigmas antes de ser a primeira testemunha da ressurreição (João 20:11-18); e a mulher samaritana, discriminada e humilhada, mas acolhida por Cristo (João 4:1-30). Essas histórias denunciam estruturas patriarcais que ainda ecoam hoje, quando muitas mulheres vivem a mesma lógica de dor, silenciamento e violência.
Parte 3 – Possibilidades para refletir sobre o papel da Igreja Cristã no enfrentamento da violência contra as mulheres.
É fundamental lembrar que a Igreja não deve encobrir o pecado nem proteger agressores. O Livro dos Romanos (Biblia, NVI 2023 cap 13, verso 4) “Afirma que a
autoridade civil é ministra de Deus para fazer justiça contra o malfeitor”. Encaminhar uma vítima para as autoridades competentes não é falta de fé, é obediência bíblica, e responsabilidade social.
A violência contra a mulher não é apenas um problema social — é um desafio espiritual e ético que exige da Igreja posicionamento. A Igreja não pode ser cúmplice do silêncio da dor do outro, instrumento de justiça, amor e libertação.
Dessa forma, o papel da Igreja Cristã frente à violência contra a mulher é o de denunciar toda forma de violação da dignidade humana, organizando ações concretas e determinantes para prevenir, apoiar as vítimas e orientar toda a comunidade de fé. Essa atuação inclui:
•promover espaços seguros de escuta e acolhimento pastoral e psicológico para mulheres;
•formar lideranças preparadas para lidar com situações de abuso, evitando a revitimização e o julgamento;
• reinterpretar, em comunidade, os textos bíblicos a partir de uma hermenêutica crítica e libertadora, que supere leituras machistas e opressoras;
• estimular a participação ativa das mulheres na liderança, no ensino e no pastoreio;
• estabelecer parcerias com órgãos públicos e organizações da sociedade civil que atuem na defesa dos direitos das mulheres.
Refletir sobre o papel da Igreja Cristã no enfrentamento da violência contra as mulheres é reconhecer que espiritualidade e justiça caminham juntas. A fé, quando vivida de forma autêntica e contextualizada, pode ser uma fonte de resiliência e esperança para muitas vítimas, oferecendo consolo e um senso de propósito. Entretanto, a maioria das instituições religiosas ainda não está devidamente preparada para lidar com a complexidade da violência doméstica. Frequentemente falham em oferecer o suporte adequado ou, em casos mais graves, acabam perpetuando o ciclo de abuso por meio de orientações que priorizam a manutenção do casamento a qualquer custo, mesmo em situações de agressão e sofrimento (Nunes & Souza, 2021).
Cabe lembrar que o Livro de Romanos (Biblia, NVI 2023 cap 13, verso 4) afirma que “a autoridade civil é ministra de Deus para fazer justiça contra o malfeitor”. Encaminhar uma vítima para as autoridades competentes não é falta de fé, é obediência bíblica, e responsabilidade social.
Nesse sentido, segundo Sousa e Oshiro (2018), as instituições religiosas e o poder público têm responsabilidade conjunta no esclarecimento,
acolhimento e orientação de mulheres e homens quanto à realidade da violência doméstica, suas consequências e caminhos possíveis para a superação.
RESULTADOS
Este estudo teológico sobre a violência doméstica no contexto cristão busca romper o silêncio em torno de um tema que, por muito tempo, foi pouco debatido nas igrejas e comunidades de fé. Apesar da gravidade da violência no ambiente familiar, ainda há resistência para tratar do assunto nesses espaços. O objetivo central é conscientizar que a violência doméstica é incompatível com os princípios do Evangelho.
A pesquisa demonstrou que a religião exerce forte influência na formação de valores culturais, podendo, em alguns casos, reforçar desigualdades de gênero e encobrir comportamentos abusivos por meio de interpretações equivocadas das Escrituras. Esse uso distorcido da Bíblia contribui para práticas de silenciamento, submissão feminina e controle masculino sobre o corpo e o papel social da mulher.
Os dados acentuam a urgência do tema: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024), o Brasil registrou um feminicídio a cada seis horas e mais de 245 mil casos de violência doméstica em um único ano. Dentro do meio religioso, levantamento do Instituto de Pesquisa Datafolha (2023) revelou que 43% das mulheres cristãs que frequentam igrejas já sofreram algum tipo de violência doméstica, número que demonstra que a fé, por si só, não as protege de contextos abusivos.
Foi constatado que a omissão diante da violência doméstica torna a Igreja cúmplice. Embora as mulheres sejam maioria nas congregações, muitas comunidades ainda sustentam, por ações ou doutrinas mal interpretadas, uma cul-
tura machista que legitima o abuso. A Palavra de Deus, porém, não autoriza tais práticas: Romanos 13:4 (NVI 2023) afirma que a autoridade civil é instituída por Deus para fazer justiça contra o malfeitor, o que legitima o encaminhamento das vítimas às autoridades competentes como ato de fé e responsabilidade social.
O estudo de obras que tratam o tema, relatos reais e exemplos bíblicos revelou tanto a dor quanto a resistência das mulheres vítimas de violência. Essas reflexões evidenciam que a missão da Igreja é denunciar toda forma de desumanização, rever interpretações bíblicas que sustentam a desigualdade e tornar-se um espaço seguro, de cura e libertação, onde o Evangelho promova dignidade, igualdade e vida em abundância para todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Historicamente, a mulher foi vista como propriedade e perseguida por resistir a essa dominação, como na “caça às bruxas”. A Igreja Católica, na Idade Média, reforçou essa visão ao associar a mulher ao pecado. No Brasil, o patriarcado se entrelaça com o racismo, fazendo com que a mulher negra sofra opressões de gênero, classe e raça. Atualmente, embora existam avanços legais como a Lei Maria da Penha, a violência persiste. Dentro da Igreja Cristã, o problema é significativo, com 43% das vítimas de violência doméstica sendo cristãs, segundo dados pesquisados. A Igreja, muitas vezes, falha em lidar com o problema, perpetuando o silêncio e reforçando o machismo por meio de interpretações bíblicas distorcidas. Para combater essa violência, a Igreja precisa denunciar, acolher as vítimas, reinterpretar as Escrituras de forma libertadora, promover a liderança feminina e colaborar com as autoridades. A omissão faz com que essa instituição se torne cúmplice, e a verdadeira missão cristã é ser um espaço de justiça, compaixão e dignidade para todos.
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NUNES, Ana Clara de Arruda; SOUZA, Tatiana Machiavelli Carmo. Análise das Vivências de Violência Doméstica em Mulheres Evangélicas Pentecostais e Neopentecostais. Revista da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, 22 (2), p. 5872. São Paulo, 2021)
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Samara Santos Oliveira2
INTERFACES ENTRE FÉ CRISTÃ E HOMOAFETIVIDADE:
CONFLITOS, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS TEOLÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS1
1. RESUMO
Este artigo explora as complexas relações entre a fé cristã e a homoafetividade, analisando as tensões históricas, os conflitos enfrentados por fiéis LGBTQIA+ e os caminhos emergentes de diálogo e reconciliação na teologia contemporânea. A pesquisa teve como objetivo compreender como a fé pode ser reconstruída a partir de princípios de acolhimento, justiça e empatia, em oposição aos discursos historicamente opressores. Para isso, foi utilizada uma metodologia de pesquisa bibliográfica e qualitativa, com análise de obras literárias e artigos científicos de autores como Gardel (2021), Santos (2015), Moura (2024) e Toniette (2006). A investigação revelou que, embora as relações homoafetivas tenham sido aceitas em culturas antigas como a Grécia, sua condenação sistemática surgiu na Europa Medieval com a consolidação do Estado e do Cristianismo. A homossexualidade passou a ser vista como um “pecado” e, depois, como uma “doença”, até que a Organização
Mundial de Saúde (OMS) a removeu da Classificação Internacional de Doenças em 1990.A pesquisa também revelou a diversidade de atitudes dentro do cristianismo em relação à homossexualidade, que podem ser classificadas em “aversão”, “omissão” e “compaixão”. Embora a “compaixão” represente um avanço, ela ainda é insuficiente para resolver o conflito de fiéis que buscam conciliar sua identidade sexual com sua fé. A pesquisa também aponta para o surgimento de igrejas inclusivas que, baseadas em novas formulações teológicas, acolhem a diversidade sexual e celebram uniões homoafetivas. A obra literária A palavra que resta, de Stênio Gardel, complementa a discussão ao exemplificar a violência física e emocional enfrentada por indivíduos LGBTQIA+, explicitada na narrativa do personagem Raimundo. Os resultados indicam que, embora a hipótese de uma postura mais dialógica das igrejas tenha sido parcialmente comprovada, o caminho para uma inclusão plena ainda é longo. A literatura disponível sobre o tema ainda é escassa, indicando a necessida-
1 - Artigo resultante de pesquisa científica, desenvolvido no Programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística da FAEP, sob orientação da Profa. Dra. Rosângela Aparecida dos Reis Machado e Profa. Me. Ana Maria Gentil. Trabalho apresentado no CONIC/SEMESP-2025
2 - Estudante do 8ºsemestre do curso de Bacharelado em Teologia, do Centro Universitário FAEP-2025.
de de maior aprofundamento e futuras reflexões. O ambiente religioso pode causar traumas ou ser um espaço de cura, ressaltando a importância de clareza nos fundamentos da fé e na prática pastoral.
A relação entre a fé cristã e a homoafetividade é um tema atual e desafiador. Essa discussão envolve aspectos históricos, sociais, culturais e religiosos que, por muito tempo, foram marcados por preconceito e exclusão e constitui um campo fértil para a reflexão crítica, especialmente diante das atuais transformações sociais e o avanço das discussões sobre diversidade e direitos humanos.
A homossexualidade, em diferentes períodos da história, foi condenada em discursos religiosos e morais que a condenavam, contribuindo para a criação de estigmas que ainda permanecem. Esse processo estimulou a construção de discursos normativos que marginalizaram a população LGBTQIA+, impactando sua vivência social, espiritual e identitária. Entretanto, observa-se que, nas últimas décadas, emergiram correntes teológicas e práticas pastorais, que buscam ressignificar tais entendimentos, promovendo leituras inclusivas das Escrituras e favorecendo espaços de diálogo e acolhimento.
Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo compreender os conflitos e diálogos entre a fé cristã e a homoafetividade, na perspectiva das teologias contemporâneas, refletindo sobre as possibilidades de aproximação entre religião e diversidade sexual. Ao recorrer a obras acadêmicas e literárias, pretende-se ampliar a compreensão desse fenômeno e
estimulou a produção de conhecimento crítico, que possibilite uma análise mais justa e humanizada sobre a temática.
O tema é relevante porque toca diretamente a vida de pessoas que, muitas vezes, se veem divididas entre a experiência da fé e a aceitação de sua identidade, além de ampliar as reflexões sobre inclusão, justiça e respeito às diferenças.
3. OBJETIVOS
Foram traçados objetivos para realizar a presente pesquisa. O objetivo geral foi: compreender os conflitos e diálogos entre a fé cristã e a homoafetividade, na perspectiva das teologias contemporâneas. Os objetivos específicos foram: a) investigar a história da homossexualidade e a origem do preconceito; b) refletir sobre a relação entre a fé cristã e a homossexualidade.
4.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e qualitativa. Foram consultadas obras de diferentes autores, que investigaram e estudaram o tema proposto. Estabeleceu-se a interlocução com a obra literária, de Stênio Gardel, a Palavra que Resta, uma narrativa literária que revela os impactos do silenciamento e repressão.
5. DESENVOLVIMENTO
5.1. A HISTÓRIA DA HOMOSSEXUALIDADE E A ORIGEM DO PRECONCEITO
A relação entre pessoas do mesmo sexo sempre existiu e nem sempre foi vista de maneira negativa. Na Grécia Antiga, a prática de atos sexuais entre dois homens era algo relativamente normal, pois tinha status privilegiado,
na forma de pederastia1, incluída na passagem de um rapaz, com idade entre 12 e 20 anos, para a vida adulta, como um caminho elevado de educação e transmissão de valores aristocráticos de uma geração a outra. Muitos imperadores praticavam atos sexuais com outros homens, e isso não era visto como algo escandaloso. Alguns deles mantinham relações duradouras com seus parceiros. (Moura, 2024).
Havia, no contexto histórico e social da Grécia Antiga, naturalidade em abordar esse assunto, pois, “na época, diferente do que existe hoje, não havia o conceito de “orientação sexual” como um identificador social de determinado grupo de pessoas” (Moura, 2024).
O Estado homofóbico nasceu mais tarde, na Europa Medieval, a partir do surgimento das primeiras religiões (Judaísmo e Cristianismo), combinadas com o Estado, sacralizando o que seria o “ideal” para a sexualidade humana, assim, apenas a relação heterossexual seria aceita (Toniette, 2006). Desse modo, o comportamento homossexual passou a ser condenado e considerado moralmente pecaminoso.
Nos primeiros séculos da Era Cristã, à medida que o Cristianismo ganhava mais relevância e adeptos, sua influência se capitalizava e a moral sexual tornava-se mais rígida. No contexto da Idade Média, além das questões religiosas, havia também questões econômicas, que tornavam indesejada a prática da homossexualidade. Foi instituído, então, pelo Rei dos Francos Clóvis I, no século V, um dos primeiros códigos legais, chamado de “Lei Sálica”, esta-
belecendo reformas que se tornariam modelo para a Europa Medieval (Moura, 2024).
Dentre essas mudanças, havia, expressamente, a previsão de que as mulheres e os filhos fora do casamento seriam excluídos dos direitos à herança de terras, de modo que nenhuma mulher ou “filho bastardo” (incluindo os filhos adotados) poderiam herdar propriedades. Assim, todas as terras deveriam ser transmitidas aos membros masculinos e “legítimos” da sua família (Moura, 2024, s/p).
A prática de transferir as terras exclusivamente para os filhos homens gerava uma constante pressão nos matrimônios, no sentido de que tivessem muitos filhos, sobretudo do sexo masculino. Isso assegurava que os direitos sobre as terras fossem preservados e passados de geração em geração. Nesse contexto, as relações homossexuais eram vistas como extremamente indesejadas, não apenas por questões religiosas, mas também por razões econômicas, já que, biologicamente, não resultariam em descendência. Assim, um filho que mantivesse uma relação homossexual colocava em risco a continuidade da posse das terras e dos bens da família, algo inaceitável para qualquer pai ou mãe da época (Moura, 2024).
Em meio a essa realidade medieval, com a propagação desse tipo de discurso, gerou-se uma espécie de tabu e preconceito generalizado, que tendia a condenar a homossexualidade como uma aberração. Assim, começam a surgir as primeiras perseguições sistemáticas e institucionalizadas contra homossexu-
1 - Na Grécia Antiga, a pederastia se referia a relações sexuais afetivas entre um homem adulto e um adolescente do sexo masculino. Estas relações eram reconhecidas socialmente, como sendo a introdução do jovem à vida adulta e à cidadania (Sousa, 2014).
ais (Moura, 2024, s/p).
Desde o princípio do medievo, já existia uma forte perseguição aos homossexuais, com a criminalização e a deserção sistemática dessas pessoas do convívio social. Mas, cabe destacar, que a homossexualidade foi oficialmente condenada como “pecado” pela Igreja Católica, no século XIII, quando o Papa Gregório IX instituiu a Inquisição Católica, por meio do Tribunal do Santo Ofício em 1231. Após a criação desse Tribunal e nos séculos seguintes, milhares de “praticantes de sodomia2 foram condenados à fogueira pela Inquisição Católica.(Moura, 2024).
Assim, até o Século XVII, as práticas de torturas e de humilhações públicas foram comuns antes da execução dos condenados, que tinham seus genitais amarrados com cordas, presas em cavalos ou arrastadas por soldados, sendo obrigados a andar nus pelas ruas da cidade. Seus bens eram confiscados e a família perdia o direito à herança (Moura, 2024, s/p).
Mesmo no século XVIII, durante a Idade Moderna, cientistas e pesquisadores buscavam provar que a homossexualidade era uma doença ou um “desvio” da natureza, passando da ideia de pecado, para a de uma doença mental ou moral. Essa concepção perdurou em muitos países que condenavam a homossexualidade em
2 Sodomia, no sentido mais comum, refere-se ao sexo anal, tanto em relações heterossexuais como homossexuais, mas também às relações sexuais “não produtivas” ou conside-
radas “contra a natureza”.
todas as esferas sociais, considerando-a um desvio sexual, uma doença ou mesmo, um crime (Moura, 2024, s/p).
A Organização Mundial de Saúde (OMS), inclusive, apenas retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), em maio de 1990, isto é, há apenas 30 anos.
Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia, por meio da Resolução CFP 01/99, passou a proibir o tratamento psicológico visando a “cura” da homossexualidade, considerando que para existir a cura pressupõe-se a existência de doença, o que é incompatível da homossexualidade. Tal resolução foi criada a partir de denúncias de que psicólogos, associados às Igrejas, promoviam a “cura” (=”conversão”) de homossexuais para heterossexuais, em uma perspectiva moral e ideológica (Toniette, 2006, p.48).
Em boa parte do século XX, a comunidade LGBTQIA+ precisava viver escondida em bairros seguros, em cinemas privados, à margem da sociedade, não podendo conviver livremente.
Como exemplo, no livro “A palavra que resta”, de Stênio Gardel (2021), o personagem Raimundo, que era homossexual e tinha sido expulso de sua casa, em uma cidade do interior, em um contexto tradicional preconceituoso e homofóbico, foi para a capital, zona urbana,
2 - Sodomia, no sentido mais comum, refere-se ao sexo anal, tanto em relações heterossexuais como homossexuais, mas também às relações sexuais “não produtivas” ou consideradas “contra a natureza”.
frequentando “cine privê”, relacionando-se com outros homens, apenas nesse ambiente.
O enredo apresenta a história de um homem nordestino, analfabeto, que escreve uma carta para o amor do passado. Embora não seja uma obra religiosa, a narrativa revela marcas de repressão moral e vergonha internalizada — frequentemente oriundas de discursos religiosos. A escrita torna-se, aqui, um gesto de resistência, libertação e ressignificação da própria identidade, possibilitando uma outra forma de reflexão sobre o tema proposto, com mais sensibilidade e compreensão. O contexto da obra interliga-se com a presente estatística:
Nas mais recentes pesquisas, o Nordeste ainda se revela uma região muito violenta com homossexuais. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2023 foram registradas 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+, sendo que a Região Nordeste foi responsável por 94 dessas mortes, o que representa a segunda maior incidência regional. Pessoas entre 16 e 45 anos, como Raimundo e Cícero, são os mais afetados, e muitas dessas mortes ocorrem no espaço doméstico ou em áreas externas ermas, como ruas e terrenos baldios (Moura, 2024).
Para caracterizar esta realidade, por meio da literatura, Gardel (2021, p. 61) expõe as ideias que as famílias e as pessoas, moradoras da localidade, revelavam
sobre a homossexualidade: “Gente torta, povo imundo, foi isso que o pai lhe disse. Sujo. Não de terra, nem de lama, nem de areia e de sangue como ele estava agora. Não era sujo na pele, do lado de fora. Era dentro, lá onde ele era”. Destaca ainda: “O ar que inspirava se tor-
nava impuro, e Raimundo, expirava podridão. Sujava a família, filho infeto, dela não devesse ter nascido”. Essa forma de considerar o relacionamento homoafetivo levou o tio de Raimundo a induzir o afogamento de seu filho homossexual, que não sabia nadar, no rio da cidade, acreditando que seria melhor a morte, do que aceitar a relação de seu descendente com outro homem.
5.2. FÉ CRISTÃ E HOMOSSEXUALIDADE
Geralmente, católicos e evangélicos se recusam a aprovar essa orientação sexual, por acreditarem que a homossexualidade é incompatível com os ensinamentos das Escrituras. Entretanto, a interpretação cristã tradicional dos textos bíblicos já não encontra unanimidade entre os cristãos, pois, nos últimos anos, houve um esforço para a desconstrução do entendimento a respeito dos ensinamentos, que supostamente condenavam as práticas homossexuais, estabelecendo novas formulações teológicas para sancionar esse comportamento.
Para Santos (2015), existe uma divergência entre as igrejas cristãs, sejam católicas ou evangélicas, em relação à interpretação do texto bíblico, no que se refere à homossexualidade. Algumas igrejas fazem a interpretação tradicional das escrituras e outras aderem a outras compreensões.
A comunidade inclusiva realiza celebrações, com integrantes da comunidade LGBTQIA+, considerando a homossexualidade como um “dom divino”, não vendo contradição entre a fé cristã e a prática homossexual.
Santos (2015) destaca três atitudes cristãs em relação à homossexualidade, que estiveram presentes ao longo da história e que se repetem, nos dias de hoje, de forma concomitante:
1. Aversão: algumas igrejas e/ ou alguns membros cristãos rejeitam totalmente a presença de homossexuais nos cultos religiosos, expulsando –os ou realizando discursos para constrangê-los. Frequentemente, as igrejas cristãs mais tradicionais interpretam os textos bíblicos de forma mais literal, tendo uma visão mais rígida sobre a inclusão de homossexuais nas igrejas;
2. Omissão: alguns líderes e cristãos evitam a discussão, por acharem que o assunto não tem relevância para a comunidade cristã. Outros evitam qualquer diálogo e são contra a evangelização dos homossexuais, porque não querem se indispor, nem com os fiéis mais tradicionais, nem com os mais liberais;
3. Compaixão: algumas igrejas têm mudado sua visão sobre a homossexualidade e manifestam comportamentos de compaixão, que é apenas um sentimento piedoso, permitindo uma postura mais terna para com o sofrimento ou tragédia alheia. Nesse sentido, muitos cristãos, que sentem compaixão, não concordam com a prática, mas respeitam quem a pratica.
Dessa forma, a compaixão pode não colaborar na compreensão do conflito vivido pelo homossexual religioso entre encontrar a verdade do eu, por meio de uma experiência religiosa e a busca da verdade do ser, pelo prazer pessoal das ligações homoeróticas. Será preciso levar em consideração que a vivência religiosa pode permitir muitas possibilidades de leitura para as essas relações, assim como, “a vivência da homossexualidade permite também a ressignificação da experiência religiosa” (Natividade, 2009, p. 108). Assim, defende-se uma postura de diálogo e acolhimento entre a religião e a sexualidade
Segundo Barreto e Oliveira Filho (2012), um
exemplo de compaixão é o posicionamento atual de algumas igrejas protestantes em relação à homossexualidade. Hoje, essas igrejas passaram a acolher pessoas homossexuais como membros comungantes, pastores e ministros leigos, e algumas chegam a celebrar a união matrimonial homoafetiva. Historicamente, o protestantismo só admitia a presença de homossexuais mediante a conversão, exigindo que abandonassem sua orientação e práticas sexuais. A mudança de postura representa um avanço significativo para a comunidade homossexual.
Pode-se afirmar que os fiéis de diferentes igrejas cristãs, jovens, adultos e idosos, oscilam entre seguir os preceitos religiosos mais dogmáticos e acolher as diferenças, em relação à orientação sexual, como indicado pelo discurso presente nos evangelhos. Observa-se as diferenças internas e a alternância de posicionamentos, pela pesquisa realizada por Silva; Paiva e Parker (2013), com um número significativo de jovens de diferentes religiões cristãs:
Entre os evangélicos pentecostais, identificou-se a existência de um código divino de conduta considerado o primeiro de todos os códigos, a partir do qual construíram seus posicionamentos sobre as questões relacionadas ao exercício da sexualidade e, portanto, sobre homossexualidade. Apesar do conflito existente entre o reconhecimento da legitimidade da não-discriminação das pessoas homossexuais e das orientações de religiosos que julgam-condenam as práticas homossexuais, não se pode deixar de ressaltar constante preocupação dos evangélicos com a não-discriminação, que, certamente, resulta de alguma participação da socialização em outros territórios “do mundo” (Silva,
Paiva e Parker, 2013, p.111).
De acordo com os autores, a abertura apresentada nas entrevistas com jovens evangélicos pentecostais possibilita o diálogo sobre os direitos sexuais e a interlocução com gestores das políticas públicas para garantir a saúde sexual da população. Eles apontam algumas igrejas, que já defendem a necessidade de outras leituras da Bíblia e caminham para o reconhecimento da diversidade sexual: “a Igreja Cristã Contemporânea, a Igreja da Comunidade Metropolitana e a Comunidade Cristã Nova Esperança” (Natividade, 2009, p. 112).
Existem, no cenário da Igreja Cristã, homossexuais que se sentem amados e acolhidos por cristãos e outros que acusam as Igrejas Cristãs de homofobia e discursam negativamente em relação a elas, chegando a encaminhar processos jurídicos, acusando-as de preconceito. No que concerne às concepções a respeito da homossexualidade, identifica-se uma vasta diversidade de opiniões e comportamentos entre os religiosos e os homossexuais. Esse assunto está longe de deixar de ser um dilema na Igreja Cristã. A aversão, omissão e compaixão sempre existirão, quando o tema for homossexualidade (Santos, 2015).
Conforme Barreto e Oliveira Filho (2012, p.133)
A religião foi demonstrada como sendo um efetivo meio pelo qual é possível fazer com que indivíduos diferentes se unam ao redor de valores comuns e compartilhem de uma mesma moral. Ela, portanto, não se preocupa apenas com uma relação vertical com o divino, mas também toma o divino como meio de legitimação para ordenar a vida em grupo. No entanto, a legitimação reli-
giosa não é um fim em si mesmo. Seu propósito é fazer com que os indivíduos sejam integrados à vida religiosa, de maneira que eles possam compartilhar das mesmas crenças e práticas, enquanto interagem entre si e se dedicam a um propósito comum.
Portanto, a partir dos autores, observa-se que o homossexual deseja expressar a sua fé cristã e fazer parte de uma comunidade religiosa, sem abandonar a sua orientação sexual, encontrando acolhimento e pertencimento nas igrejas inclusivas, interagindo com os outros fieis, na perspectiva de alcançar objetivos comuns e vivenciando um relacionamento horizontal, para, em unidade, buscar a ligação com o Divino. Entretanto, ainda pertence ao futuro a constatação da efetividade de tal inclusão e dos seus efeitos sobre a sociedade.
6. RESULTADOS
Após os estudos e leituras sobre a interface entre a fé cristã e homossexualidade, considera-se que o tema ainda precisa ser discutido na sociedade e na comunidade cristã, com um maior aprofundamento sobre a interpretação dos textos bíblicos, para que haja uma melhor compreensão da visão bíblica a respeito da homossexualidade e os direitos dos homossexuais de exercerem e expressarem a sua fé cristã.
Acredita-se que ainda será um desafio para a Igreja Cristã explicitar sua posição teológica sobre o assunto e realizar a sua prática pastoral. A reação do corpo de membros das igrejas tem sido diversificada, tanto nos grupos de compreensão mais tradicionais, quanto nos grupos mais inclusivos.
Destaca-se que a literatura disponível a res-
peito da responsabilidade evangelística, em relação aos homossexuais, é relativamente pequena, necessitando de uma busca maior de conhecimento sobre o assunto e a ampliação do panorama religioso, em relação à temática, fermentando reflexões futuras. O ambiente religioso pode tanto causar traumas quanto servir de espaço para a cura e reconstrução da espiritualidade, indicando a responsabilidade em ter clareza do fundamento de fé e da prática pastoral.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção da pesquisa e a escrita do presente artigo possibilitaram a análise de diferentes discursos sobre a homossexualidade e a inclusão na Igreja Cristã e, embora não se tenha apontado uma solução, o texto convida a refletir mais atentamente sobre o tema. O percurso de estudo da história da homossexualidade trouxe saberes sobre fatos que não são de conhecimento de toda a sociedade, revelando preconceitos e exclusão da população homossexual.
As obras estudadas revelaram as tensões vividas por pessoas, que têm relações homoafetivas em ambientes cristãos, mas também apresentaram possibilidades de diálogo. E ainda, explicitaram a urgência de revisão hermenêutica, de abertura para o testemunho dos fiéis LGBTQIA+ e de transformação das práticas pastorais.
8. FONTES CONSULTADAS
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BARRETO, Maria Cristina Rocha; OLIVEIRA FILHO, José Evaristo de. A inclusão de homos-
sexuais no protestantismo. Revista Brasileira de História &Ciências Sociais. Vol. 4, nº8, dezembro de 2012. Rio Grande do Norte: FURG, 2012.
MOURA, Maria Camila. Contexto do livro “A palavra que resta”. Ceará: Material didático do Clube de Leitura (A) Normal, Edição 2024.
NATIVIDADE, Marcelo. Ser homossexual ou ser evangélico? Dilemas de construção de identidade. In.: GOMES, Edlaine de Campos (Org.). Dinâmicas contemporâneas do fenômeno religioso na sociedade brasileira. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2009.
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SILVA, Cristiane Gonçalves da; PAIVA, Vera; PARKER, Richard. Juventude religiosa e homossexualidade: desafios para a promoção da saúde e de direitos sexuais. Interface- Comunicação, Saúde, Educação v.17, n.44. Botucatu/SP: UNESP,2013, p.103-17.
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TONIETTE, Marcelo Augusto. Um breve olhar histórico sobre a homossexualidade. Revista brasileira de sexualidade humana, v. 17, nº1. Rio de Janeiro/RJ: SBRASH, 2006, p. 41-52.
Fabiana de Souza Lacerda Viana2
EDUCAÇÃO INFANTIL
NA PERSPECTIVA DA PARTICIPAÇÃO
DAS CRIANÇAS, EM
JANUSZ KORCZAK1
RESUMO
O tema da pesquisa foi o acolhimento das crianças de educação infantil, na perspectiva da participação nas decisões da instituição, tendo como inspiração as práticas de Janusz Korczak, nos orfanatos organizados por ele, na Polônia. Os principais objetivos do trabalho foram: compreender essas práticas, desenvolvidas pelo médico polonês, investigar as formas de acolhimento na escola da infância e apontar exemplos de instituições de educação infantil, que planejam propostas de participação e conhecimento das crianças. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e qualitativa, fundamentando-se nos autores como Korczak (1997), Staccioli (2013), Holtman(2023), Penzani (2017) entre outros. Dessa forma, acredita- se que a atuação das crianças nas decisões das instituições de educação infantil é essencial, porque poderá ampliar a imaginação, a criatividade, as diferentes formas de expressão, a procura por realizações, o enfretamento de problemas, a autonomia, a segurança e, especialmente,
a experiência do processo democrático e a aprendizagem das posturas de cidadania.
Palavras-chave: Acolhimento. Participação. Janusz Korczak.
1. INTRODUÇÃO
O tema deste artigo foi a participação das crianças na escola da infância, considerada como formas prioritárias de acolhimento, inspiradas nas práticas de Janusz Korczak. A pergunta problematizadora para orientar a pesquisa foi: “Como as práticas de Janusz Korczak, com crianças internas em Varsóvia, podem inspirar práticas pedagógicas de acolhimento, na perspectiva da participação nas decisões, nas instituições de educação infantil? A relevância da pesquisa está na importância da observação e da escuta da criança, que contribuirão com as decisões dos educadores, em relação às questões pedagógicas, estruturais e sociais. O objetivo principal da pesquisa foi relacionar acolhimento, participação e as práticas de Korczak, na perspecti-
1 - Artigo resultante de pesquisa científica, desenvolvido no Programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística da FAEP, sob orientação da Profa. Dra. Rosângela Aparecida dos Reis Machado e Profa. Me. Ana Maria Gentil. Trabalho apresentado no CONIC/SEMESP-2025.
2 - Estudante do 6ºsemestre de Pedagogia, do Centro Universitário FAEP- 2025.
va de transformar em democráticas as ações pedagógicas na educação infantil. A hipótese inicial era de que, com crianças pequenas, torna-se fácil pensar em acolhimento, porém, seria mais difícil pensar na participação delas nas decisões, pelo olhar e pela escuta. Entretanto, na trajetória da pesquisa, ao estudar as ideias e ações de Korczak, as concepções de acolhimento e os exemplos de escolas de educação infantil, que concretizam a participação das crianças, verificou-se que devem ser repensar as práticas pedagógicas de professores da pequena infância.
2. OBJETIVOS
Os objetivos organizados para o desenvolvimento da pesquisa pretenderam responder à questão elaborada. O objetivo geral foi: compreender como as práticas de Janusz Korczak, nos orfanatos, em Varsóvia, podem inspirar as transformações nas ações pedagógicas de acolhimento, na perspectiva da participação das crianças nas decisões das instituições de educação infantil. Os objetivos específicos foram: pesquisar acolhimento, com o sentido de participação, expresso em materiais escritos de e sobre Janusz Korczak; compreender acolhimento na Educação Infantil; investigar práticas pedagógicas em instituições de Educação Infantil que acolhem as crianças, possibilitando a participação nas decisões
3. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para atender os objetivos propostos foi a pesquisa bibliográfica e qualitativa. Investigou-se obras do autor estudado – Janusz Korczak (1997) e de pesquisadores que aprofundaram os estudos sobre Korczak: Silva (2022) e Holtman (2023). Integrou-se teoria e prática, analisando as observações realizadas nos estágios supervisionados, obrigatórios no curso de Pedagogia,
que dialogaram com a prática pedagógica participativa da EMEI Dona Leopoldina, descrita em entrevista com a Diretora da Unidade Educacional, por Penzani (2017). Buscou- se, também, a concepção de acolhimento desenvolvida por Staccioli (2013)
4. DESENVOLVIMENTO
4.1
ACOLHIMENTO NA PEDAGOGIA DE JANUSZ KORCZAK
Korczak nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 1878. Ele foi um judeu polonês “sonhador, escritor, poeta, herói e mártir” (Holtman,2023, p. 78), que dedicou a sua vida para as crianças de diferentes idades. Seu nome era Henryk Goldszmit. Assumiu o pseudônimo de Janusz Korczak, para concorrer em um concurso literário, evitando o preconceito em relação a sua origem judaica e escolhendo o nome de um protagonista de uma história, que era órfão, corajoso e de origem nobre.
Formou-se na Faculdade de Medicina de Varsóvia e tornou-se pediatra, pois já pretendia colaborar com a população infantil. Ele escreveu inúmeros livros, incluindo vários gêneros literários e histórias infantis e juvenis. Elaborou textos científicos para compartilhar suas vivências com as crianças (Holtman, 2023).
Entre tantas obras de sua vasta produção, merecem destaque os livros: “Como amar uma criança”(1920), “Rei Mateusinho Primeiro” (1923) e “Quando eu voltar a ser criança”, publicado originalmente em 1925.
Em dois orfanatos, organizados e dirigidos por ele, após várias experiências de voluntariado com crianças pobres e órfãs, de diferentes idades, realizou um misto de cuidado e educação, revelando a construção de uma concepção arrojada de infância, que pretendia
a formação de cidadãos ativos e participantes (Holtman,2023), que poderiam viver como protagonistas, em comunidade.
Esse educador morreu em 1942, juntamente com as duzentas crianças do orfanato que dirigia, na câmara de gás do campo de extermínio de Treblinka. Recusou-se a abandonar os órfãos e optou por acompanhá-los, nos últimos momentos de vida.
Korczak criou uma filosofia para a infância (Silva, 2022), trazendo para o mundo a sua concepção de criança. Ele apostou no “sujeito-criança-aluno”, que é capaz de assumir responsabilidades, de pensar sobre seus atos e suas consequências para a vida do coletivo, tornando-se autônomo, pela vivência de um espaço, onde a participação de cada um é fundamental (Holtman, 2023).
Para Silva (2022), a contribuição de Korczak consiste em apurar o olhar para a criança, compreendendo-a como um sujeito de direitos, desejos, interesses e necessidades. Por isso, é necessário proporcionar a ela “um lugar de fala, de escuta e de diálogo”. Korczak acreditava na criança que defendia, considerando possível que ela mesma pudesse gerir a comunidade, em que está inserida. Ele acreditava:
Que elas dão conta de ouvir o outro, de se posicionar, de ficar bravas, de ficar indignadas, de construir um código de conduta.... Elas dão conta disso. Então, quem é a criança de dois anos, de três anos, de cinco anos? Quem é a criança? O que se espera dela? Eu acho que essa é a grande contribuição dele: a mudança da nossa perspectiva de aluno (Silva, 2022, p.5).
Ele soube, com educação, carinho, conheci-
mento, cuidado e confiança na criança, colocar em prática uma educação democrática, respeitando os direitos dos infantes. Korczak utilizava uma linguagem simples para que a criança entendesse a vivência da cidadania, pelo diálogo e protagonismo.
Embora tenha tido a influência de alguns pensadores pedagógicos da época, como Dewey, Montessori, Froebel, entre outros, Korczak fundamentou a sua “pedagogia” nas suas observações, nas suas experiências e na certeza de que “a educação é um processo coletivo”. Ele pretendia que a criança vivenciasse a autogestão, combatendo a “ditadura do adulto”, pois buscava promove-la como um ser humano completo, respeitando as suas necessidades e interesses, porém, estabelecendo limites conjuntos para a boa convivência. Assim, “Amar não significa, para Janusz Korczak, ceder sempre, aceitar, mimar. Amar é educar, formar adequadamente para a vida em sociedade, impor limites, dizer não, construir regras” (Holtman, 2023, p.84).
Para que o coletivo se apropriasse do processo democrático, ele propunha adotar vários procedimentos (Holtman, 2023):
I. O Quadro de Avisos: revelava os desejos, sonhos, fantasias e a imaginação das crianças em forma de bilhetes, desenhos, cartazes, identificados com os nomes de cada um. Constituía-se em um meio de comunicação entre todos.
II. A Estante: era composta de uma pequena biblioteca, que possibilitava a pesquisa das crianças, contendo, além de livros diversos: jornais, enciclopédias, mapas, cadernos das crianças e diários dos professores.
III. A Caixa de Cartas: as crianças podiam se expressar livremente, escrevendo o que sen-
tiam para enviar para alguém. Aprendiam a esperar respostas e pensar nos sentimentos colocados na carta, refletindo sobre suas decisões. Aqueles que não dominavam a escrita, poderiam desenhar.
IV. A vitrina de objetos achados: ao encontrar um objeto perdido, as crianças o colocavam em uma vitrina, para que o dono pudesse encontrar, pois acreditavam que aquele objeto tinha valor sentimental para o seu proprietário e precisavam respeitá-lo..
V. O comitê de tutela: um morador mais velho ficava responsável por orientar um mais novo (como se fosse um tutor). Eles se comunicavam por um diário, no qual as crianças escreviam suas dúvidas e receios e o “tutor” respondia imediatamente com conselhos.
VI. O jornal: todas as questões importantes do orfanato eram publicadas no jornal e lidas nas reuniões. As crianças e os adultos faziam uma autocrítica e reflexão dos seus próprios atos, após a leitura.
VII. As Reuniões-debate: aprendiam a debater, expressando sentimentos e emoções, sem provocar o rancor no outro, esclarecendo suas dúvidas, no momento do debate. Todas as questões da instituição eram decididas nestas reuniões, com professores, funcionários e crianças.
VIII. O tribunal de arbitragem: momentos de reflexão sobre um ato da criança e do adulto, que repercutiu negativamente na vida do outro. Ela era levada a refletir sobre as suas
ações, avaliar e rever suas atitudes. O objetivo era que todos melhorassem como seres humanos para que soubessem viver em comunidade.
O lugar que dedico neste livro aos tri-
bunais das crianças pode parecer, para alguns, demasiadamente importante. É porque vejo neles o primeiro passo para a emancipação da criança, a elaboração e proclamação de uma Declaração dos Direitos da Criança. Ela tem direito de exigir que seus problemas sejam tratados com imparcialidade e seriedade. Até agora tudo dependia da boa ou má vontade do educador, do seu humor naquele dia. Realmente é tempo de se pôr fim a esse despotismo. (Korczak, 1997, p. 332).
IX. O Conselho Jurídico e o Parlamento: decidiam sobre o julgamento de questões mais complexas e elaboravam leis para todos. O Parlamento aprovava ou rejeitava as leis.
X. Plebiscito: as crianças coordenavam as decisões de interesse coletivo. Há a valorização da autonomia infantil e da autogestão das crianças, exercitando a cidadania e respeito à vida em comunidade.
Dessa forma, Korczak expressava seu compromisso e coerência com os princípios democráticos, resgatando as identidades das crianças e, como destaca Gadotti (1998, p. 07, apud Holtman, 2023, p. 88), ele “aprendia a ser gente com elas”.
Silva (2022) expressa, de forma significativa, a concepção do protagonismo infantil, considerando as experiências das crianças no coletivo das instituições:
Podemos atrelar a questão do olhar da criança como sujeito, um sujeito que entende as coisas, que entende a realidade, que sofre ou que é feliz com essa realidade, que tem desejos e que tem direitos. E que tem deveres, porque ele está numa prática coletiva em que todo mundo tem; então, existe uma divisão
do trabalho, existe a responsabilidade de cada um, existe o respeito ao espaço do outro. Tudo isso contribui para o nosso olhar para a escola hoje, quando pensamos numa escola que quer um jovem mais protagonista, uma criança mais protagonista (Silva, 2022, p.7).
5.2. O QUE É ACOLHIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL?
Para mim, como sem dúvida, para todos os educadores, “as crianças” não existem, existem seres humanos, cada um dotado de uma personalidade própria, cada um reagindo de um modo tão diferente em relação ao mundo que o rodeia (Korczak, 1997, p. 379-380).
Acolher uma criança na educação infantil é construir, com ela, um ambiente de pertencimento. Staccioli (2013) considera o acolhimento um “método” educativo complexo, que envolve uma postura pedagógica do adulto, planejada intencionalmente. Ele defende que acolher é planejar um espaço próprio para criança aprender e se desenvolver. Assim, deve-se organizar um ambiente em que ela realize experiências com materiais concretos e com elementos naturais. Essas experiências envolvem objetos como: plantas, garrafas, bolinhas e galhos, em que ela possa
explorar e conhecer cada detalhe – textura, temperatura, cheiro, sons e propriedades em geral. Isso tudo possibilita a apropriação cultural e a produção de culturas infantis, elaboradas por meio de ações significativas. Então, o acolhimento proporciona experiências significativas de fazer e agir em contextos de aconchego. O autor acredita que acolhimento é um método em que o professor deve confiar na criança e na sua forma de aprender, de modo personalizado, levando em conta as suas emoções e as
de seus familiares, reconhecendo a criança e também o seu mundo, favorecendo a autonomia, sem abandoná-la. A concepção de Staccioli coincide com a de Korczak (1997, p. 140), pois afirma que“ A criança quer ser levada a sério: precisa de nossa confiança, dos nossos conselhos. Em vez disso, é mais comum que se choque com a nossa incompreensão, brincadeiras e eternas suspeitas”.
A escuta e a observação das crianças fazem parte da investigação para conhecer o mundo interno delas: suas expectativas, seus planos, suas ilusões e suas hipóteses diante do mundo, sem corrigir as explicações que elas dão para as situações e fenômenos da realidade. Ao observar, o adulto pode compreender as necessidades, desejos e ideias das crianças e reorganizar suas propostas pedagógicas em função delas, ampliando a confiança nos seus projetos (Staccioli, 2013).
Segundo Korczak “quanto mais se aproximar da criança, mais verá nela coisas dignas de sua atenção. E é nessa observação escrupulosa que encontrará sua recompensa e a coragem para novos esforços, que permitam que vá sempre em frente. (Korczak, 1997, p. 252).
Possibilitar que as crianças brinquem é uma forma de acolhimento importante, porque elas podem testar suas habilidades e criatividade.
A acolhida é o tempo de encontro com as culturas infantis, o relacionamento entre elas e o brincar, quando as crianças estão brincando, elas estão exercitando, simbolicamente seus pensamentos sobre o mundo, vão construindo suas histórias e assim vão decodificando um signo, que re-
presenta um objeto (Oliveira, 2024).
O colhimento deve estar associado à participação das crianças na educação infantil, nas decisões sobre as questões pedagógicas, relacionais e estruturais da unidade educativa. Muitos adultos ainda consideram as crianças incapazes, incompletas e afirmam a superioridade dos adultos, não acreditando que elas possam tomar decisões
significativas, nem participar das discussões coletivas e deliberar sobre questões relacionadas ao planejamento pedagógico, aos espaços e tempos da instituição e aos materiais.
Para Cruz (2008), a escuta das crianças traz subsídios importantes para a transformação de creches e pré-escolas, pois, acolhendo as suas perspectivas de si mesmas, da vida e do mundo, será possível cuidar e educar, respeitando seus desejos e necessidades e organizando propostas pedagógicas, a partir de suas ideias.
5.3. UNIDADES DE EDUCAÇÃO INFANTIL
PAULISTANA: ACOLHIMENTO E PARTICIPAÇÃO,
Na Prefeitura Municipal de São Paulo, existem várias unidades educacionais, que atendem crianças de 0 a 5 anos e realizam um trabalho pedagógico, que envolve o acolhimento, incluindo a escuta e a participação das crianças nas decisões.
5.3.1. Escola Municipal de Educação Infantil “Dona Leopoldina”
A unidade educativa garante a gestão democrática, o protagonismo infantil e a escuta ativa das crianças, bem como, “resgatar as culturas populares, fazer uso das múltiplas linguagens, discutir as relações étnico-ra-
ciais, refletir sobre a educação para a sustentabilidade e o consumo consciente”, afirma a diretora da EMEI, Márcia Corvelo (Penzani, 2017) Esta escola fundamenta seu trabalho nos ensinamentos de Paulo Freire e Loris Malaguzzi (Reggio Emília). Os eixos do Projeto Político Pedagógico são: Arte, Educação Ambiental e o Brincar.
A EMEI possibilita a autonomia das crianças, nos cuidados com o corpo, com o espaço, com o outro, nas decisões e nas escolhas para os encaminhamentos da instituição. Um dos grandes espaços para o exercício da autonomia e da participação é o Conselho Mirim, implantado na EMEI, em 2012, que auxilia a gestão da escola sob a perspectiva do olhar infantil. A diretora Márcia afirma que “Muitos teóricos e teorias sobre a Infância apontam para a necessidade do trabalho com o protagonismo infantil, com o dar vez e voz às crianças, e nosso projeto procura transformar essa teoria em prática” e complementa: “Os pequenos se sentem grandes quando são capazes de tomar decisões difíceis” (Penzani, 2017).
O “ Conselho Mirim” valoriza o olhar da criança, para repensar a escola, em igualdade com o dos adultos. Sendo que, muitas vezes, as visões são diferentes,
porém, os educadores acreditam que o trabalho deve ser realizado pelas crianças e não para elas. Márcia Corvelo também afirma:
Nossos grandes objetivos são: proporcionar a participação das crianças na gestão democrática; contribuir para o diálogo entre crianças e adultos, respeitando a cultura infantil; qualificar e valorizar a visão das crianças em igualdade com o dos adultos; fomen-
tar a autoria das crianças na reflexão e tomada de decisões sobre assuntos de interesse da escola; problematizar a realidade local e apontar encaminhamentos (Penzani, 2017).
Para o funcionamento do conselho das crianças são realizados dois encontros mensais com os educadores: uma Assembleia com todas as crianças e uma reunião com os representantes de cada sala, um menino e uma menina.
As Assembleias são realizadas a partir de um tema, que é discutido anteriormente na sala referência e registrado em diferentes linguagens (desenho, colagem, pintura, escrita e oral). É feita uma roda de conversa para tratar o tema proposto, sendo um espaço para falar, ouvir, provocar contradições e aprender a fundamentar as hipóteses. Foram atendidos os pedidos das crianças, tais como: pista de triciclos, subir em árvores, parque sonoro, casinha de bonecas, cabanas, observatório de pássaros e até uma casa na árvore, cujo desenho das crianças foi transformado em um projeto arquitetônico.
5.3.2. Centro de Educação Infantil “Aracy Gouveia de Souza”
No CEI, com crianças de zero a cinco anos, as brincadeiras são eixos do trabalho pedagógico. Os educadores utilizam materiais recicláveis para a confecção de brinquedos: pula-pula, balanço e chocalhos; organizam uma cozinha externa para o trabalho com as crianças, possibilitando a autonomia. Confeccionam caixas de luz, com diferentes materiais para a exploração dos bebês. As crianças pintam em azulejo e telas, com diferentes materiais. São disponibilizados objetos não-estruturados para a investigação e construção de artefatos pelas crianças. A organização dos
espaços, com estes materiais, depende das diferentes idades e possibilitam a exploração das crianças. As crianças, de 2 a 5 anos, participam de discussões, em reuniões dos educadores com representantes das salas, para decidir sobre: novos brinquedos e a organização integral das festas mensais para “Celebrar a vida”. Considera-se, assim, que o CEI realiza acolhimento, escuta e participação.
5. RESULTADOS
As ideias de Janusz Korczak inspiram uma Pedagogia da Infância, que defende princípios, que podem ser considerados em diferentes tempos e espaços. O médico polonês ensinou um profundo respeito pelas crianças, como sujeitos de direitos e seres humanos dignos e completos, que necessitam de acolhimento e escuta ativa, a qual envolve compreender o olhar, o gesto e a postura.
Korczak defendeu que a criança tem o direito de ser criança e viver a sua infância “aqui e agora”, experimentando o mundo pelas brincadeiras livres com seus pares e de acordo com seus ritmos e singularidades.
As instituições de Educação Infantil brasileiras, se refletirem sobre esses ensinamentos, poderão estabelecer um diálogo profundo com as crianças e com as famílias e construírem juntas um ambiente de participação e autogoverno. Neste espaço significativo, a criança aprende a conviver com seus pares e adultos, por meio de decisões coletivas, em reuniões regulares, nas quais expressa suas ideias e sentimentos, opinando sobre a resolução de problemas do cotidiano e a organização da instituição, colaborando com toda a comunidade educativa.
Portanto, diferente do que se pensava no início da pesquisa (hipótese), é possível potenciali-
zar a participação real das crianças de educação infantil nas decisões das instituições, por meio das diferentes linguagens: desenho, o gesto, o olhar, a fala, o movimento. Essa perspectiva foi inspirada pelo conhecimento das ações de Korczak e das escolas de educação infantil, que concretizam essas práticas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa trouxe conhecimento sobre a vida e as práticas de Korczak, que acreditava em uma educação democrática, na qual a criança é um sujeito capaz de assumir responsabilidades e participar da vida em comunidade. Sua pedagogia, baseada na observação e na confiança, buscava combater o adultocentrismo. Ele implantou vários procedimentos em seus orfanatos para promover a autogestão e o protagonismo infantil, criando condições para que a criança expressasse suas ideias e opiniões.
O estudo sobre o tema proposto possibilitou conectar as ideias de Korczak ao conceito de acolhimento na educação infantil, que se traduz em criar um ambiente de pertencimento, confiança e escuta ativa. O acolhimento não é apenas uma postura, mas um método pedagógico que planeja espaços e experiências significativas para o desenvolvimento da criança. A observação e a escuta são fundamentais para entender as necessidades infantis e, a partir delas, reorganizar as propostas pedagógicas. As instituições de educação infantil, abordadas no artigo, confirmam a importância da participação das crianças nas decisões sobre a escola e na organização dos espaços, valorizando a autonomia, a criatividade e transformando em prática a visão infantil.
Ao terminar a pesquisa, considera-se que ain-
da será necessário um maior aprofundamento das ideias de Korczak e uma investigação mais apurada de escolas que trabalham com as práticas de participação das crianças.
7. FONTES CONSULTADAS
CRUZ, Sílvia H.V. A qualidade da educação infantil na perspectiva das crianças. In.: FORMOSINHO, Júlia Oliveira (Org.). A escola vista pelas crianças. Coleção Infância. Porto/Portugal: Porto Editora, 2008.
HOLTMAN, Cecília Szenkowicz. Janusz Korczak: Rei Mateusinho Primeiro e a Revolução das Crianças: Uma Vida Analisada pela Obra. Caderno de Língua e Literatura Hebraica da Universidade de São Paulo, nº 24. São Paulo: USP, 2023, p.77- 100.
KORCZAK, Janusz. Como amar uma criança. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
OLIVEIRA, Renata Cristina Dias. O acolhimento na Educação Infantil. Palestra proferida pela Coordenadora do CEI “Onadyr Marcondes” para as alunas do oitavo semestre da FAEP.
São Paulo: FAEP, 2024.
PENZANI, Renata. A vez e a voz das crianças: por dentro da EMEI Dona Leopoldina. Portal LUNETAS – Múltiplos olhares sobre as múltiplas infâncias. São Paulo: Lunetas, 2017. Disponível em https://lunetas.com.br/emei-dona-leopoldina- educacao-infantil. Acesso em 14 de julho de 2025.
SILVA, Kelly Cristina Ducatti da. Entrevista com Ana Carolina Marangon: Janusz Korczak, a criança e seu olhar para a infância. Olhar de Professor, Ponta Grossa/PR, v.25, 2022, p. 1-14. Disponível em <https://revistas2.uepg.br/index.php/olhardeprofessor. Acesso em 18 de junho de 2025.
STACCIOLI, Gianfranco. Diário de Acolhimento na escola da infância. Campinas, SP: Autores Associados, 2013. (Coleção formação de professores. Série Educação Infantil em movimento).
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