Revista Educação Integral - 35ª edição - Setembro 2025
Nesta edição da revista “Educação Integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana”, o Conselho Editorial, os docentes, a direção, os coordenadores pedagógicos dos cursos do Centro Universitário FAEP e outros colaboradores objetivaram refletir sobre o acesso e permanência dos educandos da Educação Superior, bem como ponderar sobre a importância da qualidade social dos cursos. Acreditam que, atualmente, foram criados muitos mecanismos, que facilitaram o acesso da população, em geral, às faculdades e universidades públicas e privadas. Entretanto, o que as pesquisas constataram foi um número significativo de evasão dos alunos desse nível de ensino, em diferentes espaços e categorias do sistema, envolvendo instituições públicas e privadas. Essa realidade remete a inúmeras perguntas: O que impulsiona as pessoas a se candidatarem a um curso superior? O que provoca o abandono e a evasão de educandos, matriculados em diferentes anos ou semestres, em faculdades e universidades públicas e privadas?
O grupo de educadores do Centro Universitário FAEP relatou que a evasão ocorre, especialmente nas instituições de educação superior privadas, devido à situação econômica dos educandos, que se altera, ao longo do curso. Entretanto, apontaram que também ocorrem mudanças nas relações familiares e sociais, inclusive no interior das instituições, que frequentam, provocando afastamentos temporários e abandono da graduação. Afirmaram ainda que, tanto nas instituições de educação superior públicas, quanto nas privadas, as metodologias utilizadas pelos docentes, as relações professor-aluno e os desafios encontrados nos estudos, na produção textual e nos estágios, influenciam as decisões sobre a permanência dos estudantes na educação superior
Acreditam que os investimentos nas universidades públicas precisam ser ampliados e os planejamentos da gestão governamental precisam ser revistos, pois o resultado apresentado pelas estatísticas sobre a evasão nessas instituições são preocupantes. Portanto, serão necessários novos planos, propostas, programas e projetos, para os diferentes níveis e modalidades de ensino, que possibilitem o acesso à educação superior e a permanência de toda a população, de diversas etnias, situação social e condição econômica, assegurando a construção de uma sociedade mais justa.
A educação superior privada também precisa de apoio governamental, em diferentes aspectos (econômico, social, cultural, organizacional), para que, apoiando o acesso, a instituição possa garantir a permanência dos estudantes e a qualidade social da educação oferecida.
Os posicionamentos apresentados sobre a educação superior, nesta edição da revista, são apenas algumas facetas de uma problemática complexa. O objetivo foi trazer reflexões, que provocassem múltiplas ideias sobre o tema. Os organizadores da revista esperam que os leitores dialoguem com as linhas e entrelinhas do texto, inserindo experiências, significados e pensamentos, que contribuam com a escrita dos próximos artigos.
Educação Integral: Reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana
INEQ / FAEP VOLUME 1 - NÚMERO 35 (SETEMBRO DE 2025)
Periodicidade: Trimestral
Os conceitos contidos nesta revista são de inteira reponsabilidade dos autores. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia autorização dos autores.
CONSELHO EDITORIAL
Profo Dr. Claudinei Aparecido da Costa Profo Dr. Clemente Ramos dos Santos Profa. Ms. Ana Maria Gentil
EDITOR CHEFE
Profo Dr. Claudinei Aparecido da Costa REVISÃO E NORMATIZAÇÃO DE TEXTOS
CAPA E PROJETO GRÁFICO Vanice Aparecida da Costa
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO e QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – INEQ
Rua Santa Ângela, 252, Vila Palmeiras, Freguesia do Ó, São Paulo – SP - Cep: 02727-000
Tel.: (11) 3564 1256
e-mail: educacaointegral@ineq.com.br
ISSN 2525-4294
Revista Educação Integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana / FAEP Centro Universitário – Vol. 1 nº 35 (set./dez 2025) – São Paulo: INEQ/FAEP, 2025
Vol. 1 nº 35 (set./dez 2025)
- Trimestral
ISSN: 2525-4294
1. Educação 2. Integralidade Humana 3. Emancipação
I. FAEP Centro Universitário
Elaborado por Paola de Carvalho Gomes – Bibliotecária - CRB 8756
CDD 370
APRESENTAÇÃO
REVISTA EDUCAÇÃO INTEGRAL – Junho de 2025
A revista “Educação Integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana”, desde a sua primeira edição, pretendeu romper com a fragmentação presente nos processos escolares: na concepção de ensino e de aprendizagem, nos planejamentos, nas práticas cotidianas, nas avaliações. A ideia de organizar um periódico que pensasse “o desenvolvimento da pessoa” em todos os seus aspectos foi a desencadeadora do título e das produções escritas que compuseram esta revista.
Assim, a preocupação permanente dos mantenedores e colaboradores do Centro Universitário FAEP com a busca da felicidade, por meio reconhecimento da integralidade humana, sempre permeou os textos de apresentação da revista e as cartas ao leitor. Nesse sentido, destacam que a produção textual pode ser uma ponte que conecta o pensamento fugaz à eternidade do conhecimento registrado nas linhas e entrelinhas de inúmeros artigos publicados, conduzindo o leitor por territórios instigantes, repletos de conteúdos complexos. Perguntam: o que, em sua jornada pessoal e profissional, verdadeiramente lhe traz felicidade e como a escrita pode ser uma ferramenta para cultivá-la?
Os artigos apresentados a seguir podem ser uma resposta para esta indagação, pois os autores criaram textos inéditos para defenderem seus pensamentos e revelarem seus sentimen-
tos: A educadora-autora buscou analisou o ensino comprometido com as aprendizagens dos estudantes, analisando a proibição do celular nas escolas; o educador- teólogo valorizou a importância dos recursos de uma retórica redefinida para educadores, educandos e demais profissionais; o professor de Geografia preocupou-se com o aluno surdo e a geomorfologia; o mestre de Artes e Pedagogia criou um texto para a reflexão sobre a inclusão do educando com TEA; o docente de Gastronomia construiu uma escritura profundamente simbólica sobre a alimentação, que integra o poder de contar histórias do pão de cada dia.
O artigo “Adaptação das Escolas à Proibição de Celulares” discute a Lei Federal 15.100/2025, que trata da proibição do uso de aparelho de celulares e dispositivos eletrônicos em escolas brasileiras, nos diferentes espaços das instituições de ensino, permitindo a utilização destes, apenas em situações pedagógicas autorizadas ou necessidade médica. A autora compreende que o objetivo da legislação é reduzir a distração dos alunos, possibilitando a aprendizagem mais efetiva e garantindo a saúde mental. Considera que o tempo em que os estudantes permanecem em seus celulares cria barreiras para que vivenciem múltiplas interações sociais. O texto sugere algumas estratégias para implementar as exigências legais: criação de regras precisas e seguras para o recolhimento e armazenamento dos
aparelhos celulares; diálogo com as famílias para a compreensão da lei; promoção de atividades altenativas nos intervalos, como oficinas e jogos; uso controlado dos celulares para atividades pedagógicas, com supervisão dos professores. O texto conclui que, apesar dos desafios, a proibição pode fortalecer o foco e o bem-estar dos educandos, desde que seja de forma planejada e colaborativa. Explicita que a tecnologia pode ser vista como aliada do trabalho pedagógico, se for utilizada de maneira responsável e consciente.
Para o autor do texto “A arquitetura do discurso: fundamentos retóricos da oratória eficaz”, a retórica clássica de Aristóteles, fundamentada nos pilares ethos (credibilidade), pathos (emoção) e logos (lógica), continua sendo essencial para a comunicação persuasiva. Contudo, exige uma reinterpretação contemporânea diante de um cenário comunicacional fragmentado e digital, considerando que ela continua sendo uma ferramenta importante para a construção de sentido. Assim, a oratória deve ter em conta o contexto sociocultural da atualidade e combinar estratégias clássicas com recursos multimodais e interativos. O artigo aponta que a linguagem não verbal, metáforas, repetição, paralelismo e o uso de mídias são essenciais para captar e manter a atenção do público, cada vez mais disputada na “economia da atenção”. A comunicação eficaz também deve considerar a ética discursiva, especialmente diante da disseminação de fake news. A retórica reinterpretada pode ser um recurso fundamental na formação profissional e acadêmica, pois aprimora a comunicação científica, a docência, a participação cidadã e a atuação no ambiente digital. Seja em debates, apresentações ou discursos políticos, ela é uma ferramenta de transformação social. O autor procurou, dessa forma, explicitar a sua compreensão sobre a retórica como prática contemporânea, possibilitando a retomada de
um tema considerado, muitas vezes, desnecessário no momento atual.
O autor do artigo “Os conceitos para a dicionarização: Léxico, Lexicologia e Lexicografia – Os caminhos para inclusão de palavras e sinais em LIBRAS para a área da Geomorfologia” discute a importância da criação e dicionarização de sinais em Libras, a Língua Brasileira de Sinais, para termos técnicos da Geomorfologia, com a finalidade de facilitar a vida escolar dos estudantes surdos, professores e intérpretes em instituições regulares de ensino, reduzindo a distorção dos conceitos e promovendo a inclusão. Apresenta conceitos fundamentais, explicitando as relações entre eles, bem como o uso das terminologias, que se referem às áreas do conhecimento, no caso do artigo, a Geomorfologia. Defende o trabalho contextualizado dos termos utilizados nesta área, indicando a necessidade de uma ponte entre a linguagem científica e a linguagem coloquial dos alunos, especialmente para os estudantes surdos, que não têm acesso fácíl a esses conceitos. A dicionarização de sinais de Geomorfologia em Libras é fundamental para a inclusão educacional, portanto esse processo deve ser um trabalho colaborativo, envolvendo linguistas, geógrafos, professores, intérpretes e a própria comunidade surda. A criação de um acervo de sinais específicos e a utilização de estratégias pedagógicas que mesclem a linguagem científica com a cotidiana são cruciais para o sucesso escolar dos alunos surdos. O artigo demonstra que a iniciativa não é apenas uma demanda linguística, mas um compromisso com a equidade e o direito de todos de participarem da construção do conhecimento científico.
O artigo “Transtorno do Espectro Autista: conceitos, leis e educação” discute a importância da inclusão dos estudantes com TEA nas escolas regulares. Ele aborda a necessidade de a
sociedade e as instituições de ensino estarem preparadas para acolher esses alunos, destacando a relevância da legislação e do envolvimento familiar. Explica que o número significativo de pessoas com TEA no Brasil reforça a necessidade de políticas públicas e práticas educacionais, que promovam a igualdade e o respeito às diferenças. A escola, como um ambiente de convivência, deve se tornar um espaço de inclusão social e educacional. O autor do texto organizou um histórico do autismo, desde a origem da palavra (“autos”, que significa “a si mesmo”) e os estudos pioneiros de Leo Kanner em 1943, que descreveu o transtorno como um distúrbio do contato afetivo. Entretanto, o TEA deixou de ser visto como uma esquizofrenia infantil para ser compreendido como uma condição neurológica, definido como um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos restritivos e repetitivos, sendo que as características variam de pessoa para pessoa. O trabalho detalha a classificação do TEA, explicando que não há uma causa definida, podendo ter origens genéticas e ambientais. Aponta uma linha do tempo de leis e convenções internacionais que garantem os direitos das pessoas com deficiência, incluindo as com TEA. Em 2012, o Brasil reconhece o autista como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. Assim, a inclusão dos alunos com TEA é um desafio e uma oportunidade para o sistema educacional brasileiro. O texto finaliza, indicando que a inclusão não é apenas uma obrigação legal, mas um compromisso ético e social para a construção de uma sociedade mais justa e respeitosa.
No texto “Pães Narrativos: criação de receitas que contam histórias culturais e biográficas”, o autor indica que fazer pão transcende o simples fato de alimentar o outro, porque é um ato cultural, que entrelaça técnica, história, afeto e identidade, envolvendo dimensõe ma-
teriais e simbólicas. Explica como a panificação artesanal pode se tornar “um fato social total”, como descrito por Levi-Strauss utilizado no artigo como uma referência teórica significativa. A pesquisa apresenta três exemplos que ilustram a natureza multifacetada do pão: o Pão de Canela de Ibitipoca, que se transformou em um símbolo da cultura e dos sabores do distrito de Ibitipoca, localizado no município de Lima Duarte, em Minas Gerais, uma vez que, ao conservar ingrendientes ancestrais, na transmissão oral da receita e na sua feitura, torna-se um arquivo vivo que reforça os laços comunitários da localidade; o Brote Pomerano que preserva a memória e a identidade de uma comunidade, pois é um elo entre a imigração pomerana e a vida contemporânea do Brasil, atuando como marcador de fronteiras culturais; o Pão de Rolinho de Sapadaria, considerado um alimento político e um ato de resistência, tendo sido criado por uma mulher lésbica, expressando a afirmação de identidades dissidentes e a criação de espaços de acolhimento e representatividade, com um convite à existência plena. Portanto, a leitura deste artigo provoca o leitor a pensar que o ato de cozinhar carrega significados profundos, tornando os pães “memória que se mastiga, cultura que se prova e identidade que se serve quente”, atuando como elemento de preservação cultural e transformação social.
Dessa maneira, esta apresentação, a carta ao leitor e a publicação de artigos inspiradores pretenderam desencadear nos leitores o desejo de compartilharem conhecimentos, escrevendo textos, que aprimoram, pelo exercício da escrita, as habilidades de comunicação e argumentação.A escrita inspira inovações e auxilia outros profissionais a crescerem e aprenderem. Esta revista é um espaço coletivo e colaborativo de compartilhamento e as vozes dos escritores-leitores sempre serão escutadas.
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SUMÁRIO
ADAPTAÇÃO DAS ESCOLAS À PROIBIÇÃO DE CELULARES
- Simone Franco
A ARQUITETURA DO DISCURSO: FUNDAMENTOS RETÓRICOS
DA ORATÓRIA EFICAZ
- SILVA, Rui Caetano Vasconcelos
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OS CONCEITOS PARA A DICIONARIZAÇÃO: LÉXICO, LEXICOLOGIA E LEXICOGRAFIA – OS CAMINHOS PARA INCLUSÃO DE PALAVRAS E SINAIS EM LIBRAS PARA A ÁREA DA GEOMORFOLOGIA.
- Felipe Ricardo Peixoto do Carmo
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: CONCEITOS, LEIS E EDUCAÇÃO
- Edson Fernandes
PÃES NARRATIVOS: CRIAÇÃO DE RECEITAS QUE CONTAM HISTÓRIAS CULTURAIS E BIOGRÁFICAS
- Edmar Andrejus
ADAPTAÇÃO DAS ESCOLAS À PROIBIÇÃO DE CELULARES
Simone Franco
Figura 01- Um bate papo ao vivo, na Rede Vida, no programa “Benedita Hora”.
RESUMO
Este artigo analisa os impactos da Lei nº 15.100/2025 ( Brasil, 2025), que proíbe o uso de celulares em escolas brasileiras, e apresenta estratégias de adaptação da comunidade escolar, com base na matéria publicada no portal Notícias de Fato, com data de 12 de fevereiro de 2025, fonte da Agência Dino ( UAI, 2025). Destacam-se os benefícios para o desempenho acadêmico, saúde mental e re-
lações sociais dos estudantes, bem como os desafios operacionais e pedagógicos da implementação.
Palavras-chave: Lei 15.100/2025; proibição de celulares; adaptação escolar; educação digital; interação social.
INTRODUÇÃO
Em janeiro de 2025, entrou em vigor a Lei nº 15.100/2025, que veda o uso de celulares e dispositivos eletrônicos portáteis, em escolas brasileiras, durante aulas e intervalos. A legis-
1- Professora e tutora no curso de Pedagogia do Centro Universitário FAEP. Licenciada em Pedagogia (PUC-SP), com Pós Graduação pela USP e UFSCar. Atuou como professora da rede estadual (1994–2022), com experiência em Coordenação Pedagógica e Direção Escolar. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6861176795867298.
lação visa a reduzir distrações, melhorar o rendimento dos alunos e promover maior convívio social nas instituições de ensino.
Este artigo tem como objetivo analisar os principais impactos da nova lei no cotidiano escolar e apresentar estratégias de adaptação, que podem ser adotadas por gestores, professores e famílias.
A análise baseia-se na entrevista concedida ao portal Notícias de Fato, com data de 12 de fevereiro de 2025, fonte da Agência Dino ( UAI, 2025). Por meio dessa reflexão, busca-se contribuir para uma implementação mais consciente e colaborativa da legislação, respeitando as especificidades de cada comunidade escolar.
Com o avanço das tecnologias digitais, transformaram-se profundamente as relações sociais e os ambientes educacionais. No entanto, a presença dos celulares em sala de aula tem gerado inúmeros desafios para a prática pedagógica e para o desenvolvimento pleno dos estudantes. A minha motivação para tratar desse tema parte de uma convicção pessoal: nunca concordei com o uso irrestrito de celulares no ambiente escolar, pois acredito que ele compromete a concentração, a interação entre os alunos e o processo de ensino-aprendizagem.
Do ponto de vista social e educacional, discutir a adaptação das escolas à proibição do uso de celulares é essencial para compreender os impactos dessa medida e para pensar em estratégias, que favoreçam a construção de um espaço educativo mais saudável, focado, e propício ao aprendizado significativo. Este artigo, portanto, pretende refletir sobre os caminhos possíveis diante da nova legislação, considerando os desafios e as oportunidades que ela impõe à comunidade escolar.
1. Panorama sobre a restrição do uso de aparelho celular em sala de aula
A Lei Federal nº 15.100/2025, sancionada em 10 de janeiro de 2025, determina a proibição do uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos nas escolas públicas e privadas de educação básica em todo o território nacional. A proibição se estende aos horários de aula e intervalos, sendo permitida apenas em situações pedagógicas previamente autorizadas ou em casos de necessidade médica e acessibilidade.
Os principais objetivos da medida são reduzir distrações em sala de aula, melhorar o desempenho acadêmico e contribuir para a saúde mental dos estudantes. A ausência do celular facilita a concentração dos alunos e favorece a interação presencial entre eles, fortalecendo habilidades sociais como empatia, escuta ativa e comunicação não verbal.
Além disso, destaca-se a redução dos efeitos nocivos do uso excessivo das telas, como ansiedade, baixa autoestima, sedentarismo, distúrbios posturais e do sono. Segundo Lima e Souza (2023), o uso prolongado de dispositivos móveis entre adolescentes está diretamente relacionado ao aumento de sintomas de estresse e insônia, afetando negativamente o processo de aprendizagem.
Contudo, o processo de adaptação à nova realidade enfrenta resistência por parte de estudantes e familiares, o que exige ações de conscientização por meio do diálogo, da mediação e de abordagens pedagógicas que promovam a reflexão.
Nesse sentido, é fundamental estabelecer regras claras e bem definidas sobre o uso e armazenamento dos aparelhos nas escolas.
Sugere-se criar espaços seguros para a guarda dos celulares durante o período escolar e envolver as famílias por meio de reuniões, comunicados e materiais informativos, para que compreendam os propósitos e benefícios da nova lei.
E ainda, promover atividades lúdicas e colaborativas — como jogos, dinâmicas, rodas de leitura, oficinas de arte e práticas esportivas — nos intervalos e momentos livres, pode ajudar os estudantes a preencher o tempo de forma produtiva e agradável. Também é recomendável permitir o uso controlado dos celulares em atividades pedagógicas supervisionadas pelos professores, de modo a integrar a tecnologia ao processo de aprendizagem de forma consciente e funcional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proibição do uso de celulares nas escolas representa um marco na educação brasileira. Embora traga desafios operacionais, logísticos e culturais, a medida tem o potencial de fortalecer o foco, a convivência e o bem-estar dos estudantes.
A eficácia da nova legislação está diretamente ligada à clareza na comunicação com a comunidade escolar, ao envolvimento das famílias e à formação contínua dos educadores para lidar com as transformações sociais e tecnológicas.
Cabe às instituições de ensino planejar cuidadosamente sua implementação, equilibrando normas restritivas com propostas pedagógicas inovadoras. A tecnologia não deve ser vista como vilã, mas como uma aliada, desde que usada de forma orientada e em benefício da aprendizagem.
Assim, o desafio atual é construir ambientes educativos que saibam limitar o uso nocivo das telas, sem perder de vista a importância da formação digital crítica, ética e responsável dos alunos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. LEI Nº 15.100, DE 13 DE JANEIRO DE 2025.Dispõe sobre a utilização, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica. Brasília: Diário Oficial da União, 2025. Disponível em: https:// www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-15.100-de-13-de-janeiro-de-2025-606772935. Acesso em 05 de agosto de 2025.
LIMA, Mariana; SOUZA, Carlos. Tecnologia e saúde mental na adolescência: desafios contemporâneos. Barueri/SP: Editora Educar, 2023.
UAI / Agência Dino. Professora da FAEP explica como se adaptar à proibição de celulares nas escolas. Publicada em 12 fev. 2025.
OUTRAS FONTES DE CONSULTA DA ENTREVISTA:
CNN Brasil. Celulares nas escolas: professores comentam adaptação à nova lei. 7 fev. 2025.
Notícia Extra. Professora da FAEP explica como se adaptar à proibição de celulares nas escolas. Publicada em 12 fev. 2025.
SILVA, Rui Caetano Vasconcelos¹
A ARQUITETURA DO DISCURSO: FUNDAMENTOS RETÓRICOS DA ORATÓRIA
EFICAZ
Resumo
Este artigo investiga os fundamentos retóricos da oratória eficaz sob a perspectiva contemporânea, resgatando a tradição clássica e relacionando-a com as demandas comunicacionais do século XXI. Parte-se da premissa de que a retórica, entendida como arte de persuadir, permanece como um eixo estruturante da comunicação humana, embora suas manifestações tenham se transformado, em função das novas mídias e contextos socioculturais. O estudo adota uma abordagem bibliográfica, com ênfase em produções acadêmicas publicadas, na sua maioria nos últimos dez anos, buscando compreender como a retórica é reinterpretada e aplicada em ambientes acadêmicos, profissionais e políticos. A análise evidencia que, mais do que uma técnica de convencimento, a oratória é um recurso estratégico de construção de sentidos, capaz de legitimar discursos, formar identidades e gerar impacto social. Além de revisitar conceitos clássicos, a pesquisa
discute a relevância de logos, pathos e ethos, e como elementos centrais da argumentação, explorando suas ressignificações no âmbito digital. Também são destacados exemplos de aplicação prática, como treinamentos em comunicação, práticas pedagógicas e discursos políticos. O artigo contribui para o campo da comunicação, ao oferecer uma reflexão sistematizada sobre a atualidade da retórica e ao propor que a oratória seja compreendida como arquitetura discursiva, na qual os fundamentos teóricos e práticos se entrelaçam. Conclui-se que o estudo da retórica não apenas fortalece a compreensão crítica do discurso, mas também amplia a capacidade de expressão, tornando-se ferramenta indispensável para a vida acadêmica, profissional e cidadã.
1 - Possuí curso de mestre de cerimonias, desinibição ao falar em público, comunicação escrita e revisão gramatical. Também possui pós-graduação latu-senso em retórica e oratória em língua Portuguesa. Trabalha como cerimonialista, e é professor no Centro Universitário FAEP.
Introdução
A retórica, tradicionalmente compreendida como a arte de persuadir por meio da palavra, remonta à Grécia Antiga e tem em Aristóteles, Cícero e Quintiliano seus grandes expoentes. Desde a Antiguidade, a oratória foi utilizada como instrumento de poder político, ensino e prática jurídica, consolidando-se como ferramenta central para a vida em sociedade. Entretanto, os séculos seguintes testemunharam mudanças significativas no modo como o discurso é produzido, interpretado e difundido. As transformações sociais, culturais e tecnológicas ressignificaram o papel da retórica, trazendo novos desafios e oportunidades para a comunicação humana. (Reboul, 2019; Amossy, 2018).
No século XXI, a comunicação deixou de estar restrita aos espaços físicos das assembleias, dos tribunais ou das academias, expandindo-se para inúmeras plataformas digitais e contextos híbridos. A retórica, nesse cenário, ganha ainda mais relevância, visto que a necessidade de persuadir, informar e engajar públicos se intensificou em ambientes marcados pela velocidade da informação e pela multiplicidade de vozes. Oradores contemporâneos, sejam eles professores, políticos, líderes empresariais ou influenciadores digitais, recorrem aos fundamentos clássicos da retórica para dar credibilidade a seus discursos e conectar-se emocionalmente com seus interlocutores. (Charaudeau, 2019; Martins, 2020)
A relação entre retórica e oratória, portanto, deve ser entendida como uma arquitetura discursiva que combina raciocínio lógico, apelo emocional e credibilidade do orador. Esses elementos, descritos por Aristóteles como logos, pathos e ethos, permanecem atuais, mas sua aplicação requer adaptações diante da complexidade comunicacional contemporânea. As
novas mídias digitais, os discursos multimodais e a comunicação em rede trazem novas formas de expressão e interação, que precisam ser analisadas à luz da teoria retórica. Assim, o estudo da retórica contemporânea não se limita ao passado, mas se projeta como disciplina indispensável ao futuro da comunicação. (Demo, 2016; Navarro e Possenti, 2020). Além disso, a pesquisa fundamenta-se em uma metodologia qualitativa, de caráter bibliográfico, priorizando estudos recentes (2015–2025) para sustentar a análise. Essa escolha permite atualizar o debate acadêmico e compreender como os conceitos clássicos vêm sendo reinterpretados na atualidade. A ênfase em fontes contemporâneas responde à necessidade de conectar o leitor às tendências atuais de estudo da comunicação, sem desconsiderar os fundamentos que sustentam a tradição retórica. Dessa forma, o artigo propõe um diálogo entre passado e presente, buscando integrar a herança da retórica clássica às exigências discursivas da atualidade. (Ribeiro, 2015; Dores, 2023)
Por fim, este trabalho está estruturado em quatro seções principais. A primeira resgata a retórica clássica e suas releituras contemporâneas. A segunda analisa as estratégias retóricas mais utilizadas na oratória atual, com foco na persuasão e na narrativa. A terceira discute os desafios e possibilidades da comunicação no século XXI, especialmente em ambientes digitais. A quarta apresenta aplicações práticas da retórica no ensino, na formação profissional e no exercício da cidadania. Após essas análises, são apresentadas a metodologia, as considerações finais e a bibliografia, que fundamentam e consolidam as reflexões desenvolvidas.
A Retórica Clássica e sua Reinterpretação Contemporânea
A retórica, sistematizada por Aristóteles em sua obra Retórica, é considerada o alicerce da arte de persuadir e fundamenta até hoje o estudo da comunicação. Embora remonte à Grécia Antiga, sua influência perpassa séculos e permanece atual. Na obra aristotélica, destacam-se os três pilares da argumentação: logos (argumentação lógica), pathos (emoções do público) e ethos (credibilidade do orador). Esses elementos foram retomados por Cícero e Quintiliano, que ampliaram a noção de oratória como instrumento de formação cívica. No entanto, o que diferencia a contemporaneidade é a necessidade de reinterpretar esses conceitos diante de contextos comunicacionais cada vez mais fragmentados e digitais, exigindo adaptações para além das arenas clássicas. (Reboul, 2019; Amossy, 2018)
Nos últimos dez anos, estudiosos como Amossy (2018) e Charaudeau (2019) têm ressaltado que a retórica não deve ser compreendida como simples técnica de manipulação, mas como ferramenta de construção de sentido. Amossy (2018) enfatiza que a argumentação retórica revela não apenas a intenção do orador, mas também as interações sociais e culturais que moldam a recepção do discurso.
Já Charaudeau (2019) chama atenção para o papel das mídias na reformulação da retórica, destacando como a circulação de discursos em diferentes suportes redefine os modos de persuasão. Assim, a tradição clássica não desaparece, mas adquire novas roupagens conforme os meios de comunicação se transformam.
O conceito de ethos, por exemplo, que na Antiguidade se vinculava à autoridade e ao caráter do orador, passa hoje por uma reinterpretação no contexto das redes sociais. A credibilidade não depende somente da reputação construída ao longo do tempo, como também da visibilidade instantânea e do engajamento digital, fa-
tores que podem legitimar ou deslegitimar um discurso em minutos. Nesse sentido, a noção aristotélica de ethos ganha novos contornos, quando analisada em influenciadores digitais, líderes políticos contemporâneos ou docentes em ambientes virtuais, em que a credibilidade é constantemente negociada (Ribeiro, 2015; Dores, 2023).
De modo semelhante, o pathos — o apelo às emoções — também assume novas configurações na era digital. Se no passado os recursos emocionais eram transmitidos pela oralidade direta e pelo contato físico com a audiência, hoje, eles se manifestam por meio de imagens, vídeos curtos, memes e narrativas compartilhadas. Segundo Navarro e Possenti (2020), o apelo emocional nas mídias sociais torna-se mais fragmentado e mais poderoso, na medida em que dialoga com a cultura participativa. Esse fenômeno confirma que, embora os fundamentos da retórica clássica permaneçam, eles precisam ser examinados em constante diálogo com os novos suportes comunicacionais.
O logos, associado ao raciocínio lógico e à argumentação estruturada, também foi profundamente impactado pelo ambiente contemporâneo. Em uma sociedade marcada pelo excesso de informações, a capacidade de organizar argumentos de forma clara e objetiva tornou-se essencial. Estudos recentes indicam que a lógica argumentativa é constantemente desafiada pela desinformação e pelas chamadas “fake news”, exigindo maior rigor discursivo para sustentar a veracidade dos argumentos (Demo, 2016; Martins, 2020). Assim, o logos aristotélico não perde relevância, ele se fortalece como pilar indispensável para o discurso ético e responsável no século XXI.
Além das categorias aristotélicas, a retórica contemporânea dialoga com diversas teo-
rias da argumentação, como a Nova Retórica de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, revisitada em edições recentes (2017). Essa obra é fundamental para compreender como a persuasão se relaciona com o raciocínio lógico e também com o contexto sociocultural em que ocorre. Embora publicada originalmente em 1958, sua reedição atualizada demonstra como a teoria permanece como referência obrigatória, sendo constantemente aplicada em estudos acadêmicos dos últimos anos. (Amossy, 2018; Demo, 2016)
Outro ponto relevante na releitura contemporânea da retórica é sua relação com a política. A retórica política, objeto de estudo de Charaudeau (2016) e Dores (2023), evidencia como discursos são moldados para construir narrativas de poder, legitimar ideologias e conquistar adesão popular. A tradição clássica já tratava da persuasão como prática política, todavia no contexto atual, os meios digitais ampliam a capacidade de difusão e manipulação do discurso. Isso obriga a retórica a se reinventar, considerando fatores como viralização, algoritmos e microtargeting, que não existiam no horizonte da Antiguidade.
Na esfera acadêmica, a retórica também tem sido revisitada como ferramenta pedagógica, sobretudo na formação de professores e profissionais que necessitam da oralidade como instrumento de trabalho. Jacinto (2024) e Dias (2025) demonstram que o ensino da retórica não se limita à prática da oratória em público, mas envolve também a análise crítica dos discursos sociais, políticos e midiáticos. Essa perspectiva pedagógica reforça que a retórica contemporânea deve ser compreendida como disciplina interdisciplinar, dialogando com comunicação, linguística, filosofia e educação.
É importante destacar, ainda, que a retórica não se limita à análise do discurso verbal. Ela
se expande para linguagens multimodais. A comunicação contemporânea envolve textos, imagens, sons e performances que se entrelaçam, exigindo um olhar mais amplo. Moratelli (2021) aponta que a retórica contemporânea deve abarcar narrativas híbridas, nas quais a persuasão se constrói pela combinação de diferentes linguagens. Esse aspecto confirma que a retórica é uma ciência em constante renovação, aberta a novas formas de expressão que surgem a cada inovação tecnológica.
Em síntese, a retórica clássica permanece como fundamento inescapável do estudo da comunicação, porém sua reinterpretação, nos dias atuais, é necessária para enfrentar os desafios do presente. A combinação entre logos, pathos e ethos continua estruturando a oratória eficaz, de forma renovada e adaptada aos ambientes digitais, políticos, educacionais e profissionais. Ao mesmo tempo, a Nova Retórica e outras contribuições teóricas recentes ampliam o horizonte da disciplina, tornando-a indispensável para compreender a complexidade dos discursos atuais. Este capítulo evidencia, portanto, que a tradição clássica não é um resquício do passado, contudo uma base sobre a qual se ergue a arquitetura discursiva da contemporaneidade (Marques, 2025; Bini, 2017).
Estratégias Retóricas na Oratória Atual
A oratória contemporânea é marcada por um ecossistema comunicacional em constante transformação, no qual a clareza, a credibilidade e a emoção permanecem como pilares centrais. Os estudos mais recentes confirmam que a eficácia da oratória está diretamente ligada ao uso consciente das estratégias retóricas clássicas, como logos, pathos e ethos, reinterpretadas à luz das demandas sociais e tecnológicas atuais. Deste modo, Dias (2025) ressalta que a comunicação persuasiva deve
ser compreendida como processo relacional, no qual a interação entre orador e público é determinante para o alcance dos objetivos do discurso. Assim, a oratória eficaz depende de escolhas estratégicas que articulem racionalidade, emoção e autenticidade.
Entre as estratégias mais relevantes está a construção do ethos, que hoje se associa tanto à imagem pessoal quanto à presença digital do orador. Ribeiro (2021) demonstra que, em um cenário de comunicação em rede, a credibilidade se sustenta pela consistência entre o discurso proferido e as ações visíveis do sujeito em diferentes contextos. No ambiente acadêmico, por exemplo, professores que alinham postura ética e domínio de conteúdo fortalecem seu ethos diante dos estudantes. Já no ambiente corporativo, líderes que transmitem confiança por meio da clareza e da coerência alcançam maior adesão de suas equipes.
O pathos também assume destaque nas práticas de oratória atual, principalmente pelo papel da emoção na mobilização de públicos. Demo (2016) explica que, em sociedades marcadas pela saturação de informações, os discursos que despertam sentimentos são mais propensos a fixar-se na memória coletiva. O storytelling2 surge como recurso estratégico nesse contexto, ao conectar narrativas pessoais ou institucionais a valores compartilhados pela audiência. Logo, políticos, professores e gestores utilizam histórias exemplares para criar vínculos emocionais que potencializam a adesão de seus ouvintes.
No entanto, não se pode reduzir a oratória a mero apelo emocional. O logos, compreendido como a estrutura lógica do argumento, perma-
nece indispensável. Fernández (2018) observa que a retórica contemporânea deve enfrentar o desafio da desinformação e das narrativas falsas, o que exige oradores capazes de fundamentar seus discursos em dados verificáveis e raciocínios consistentes. A argumentação estruturada, baseada em provas, estatísticas e referências sólidas, sustenta a legitimidade do discurso e previne a manipulação. Dessa forma, a lógica aristotélica mantém sua centralidade, adaptada a novas formas de apresentação de informações.
Outro recurso retórico de grande relevância é o uso da linguagem não verbal, o que reforça ou enfraquece o impacto do discurso. Estudos recentes demonstram que gestos, entonação e expressões faciais ampliam a persuasão e tornam a mensagem mais memorável. (Dores, 2023; Bini, 2017) No ambiente digital, onde muitas apresentações ocorrem via videoconferência, o controle da postura, da entonação e da interação com recursos visuais torna-se fundamental para a eficácia do orador. Consequentemente, a dimensão não verbal da comunicação integra-se como parte essencial da retórica contemporânea.
O recurso às metáforas e analogias também constitui estratégia recorrente na oratória atual. Segundo Martins (2020), metáforas embelezam o discurso e funcionam como ferramentas cognitivas que facilitam a compreensão de conceitos abstratos. Em contextos educacionais, por exemplo, professores utilizam analogias para aproximar conteúdos complexos da realidade cotidiana dos alunos. Já no campo político, metáforas são frequentemente utilizadas para simplificar problemas sociais e construir narrativas mobilizadoras. A escolha cui-
2 - Storytelling é a arte de contar histórias de forma envolvente, estruturada e intencional, com o objetivo de transmitir uma mensagem, gerar conexão emocional ou provocar uma ação no público. (BOOKER, 2024).
dadosa dessas figuras de linguagem contribui para a força persuasiva do discurso.
A repetição e o paralelismo, técnicas exploradas desde a Antiguidade, mantêm-se como recursos eficientes. Reboul (2019) destaca que a repetição de palavras-chave e a organização paralela das ideias criam ritmo e facilitam a memorização. Em discursos contemporâneos, como palestras motivacionais e apresentações corporativas, esses recursos são utilizados para reforçar valores centrais e incentivar a adesão a projetos coletivos. Tais estratégias mostram que a estética do discurso não é apenas ornamento, mas parte estrutural da eficácia retórica.
Nos últimos anos, a integração de recursos multimídia tornou-se prática comum em apresentações públicas, configurando-se como extensão das estratégias retóricas. Marques (2025) analisa como o uso de slides, vídeos e infográficos pode potencializar a clareza e a emoção do discurso, desde que utilizado de forma equilibrada. O risco, contudo, é que o excesso de elementos visuais fragilize a mensagem central. A oratória eficiente, nesse contexto, requer habilidade para harmonizar linguagem verbal e recursos digitais, evitando que um elemento ofusque o outro.
Cabe destacar também o papel da interatividade como estratégia de engajamento. Segundo Jacinto (2024), a oratória contemporânea valoriza cada vez mais o diálogo com o público, rompendo com o modelo unidirecional tradicional. Perguntas, enquetes em tempo real e interação nas redes sociais exemplificam práticas que incentivam a participação da audiência. Essa abordagem dialógica fortalece a persuasão, pois gera identificação e senso de pertencimento entre os ouvintes. Dessa forma, a oratória atual não se limita a um discurso monológico, porém assume caráter colaborativo.
Em síntese, as estratégias retóricas contemporâneas revelam que a eficácia da oratória depende de uma arquitetura discursiva complexa, na qual ethos, pathos e logos se articulam a recursos multimodais, interativos e narrativos. O orador competente não é aquele que apenas fala bem, mas aquele que compreende o contexto, domina as ferramentas de expressão e adapta sua linguagem às demandas do público. Desse modo, a oratória mantém sua relevância como prática fundamental para a educação, a política e a vida social. Mais do que nunca, persuadir é construir sentidos de forma ética, criativa e responsável. (Charaudeau, 2019; Bini, 2017)
Oratória e Comunicação Eficaz no Século XXI
A comunicação no século XXI caracteriza-se por uma multiplicidade de meios e pela velocidade com que as informações circulam. Esse cenário altera profundamente a prática da oratória, que já não se restringe ao espaço físico de auditórios ou salas de aula. Hoje, o orador precisa estar apto a se comunicar em plataformas híbridas, que combinam o presencial e o virtual, exigindo novas competências de adaptação discursiva. Marques (2025) aponta que a eficácia da comunicação, nesse contexto, depende da habilidade de conciliar tradição retórica e inovação tecnológica, de modo a manter a clareza, a persuasão e a relevância do discurso.
O ambiente digital introduziu novas formas de performance comunicativa. Plataformas como YouTube, TikTok e podcasts se tornaram espaços de oratória contemporânea, nos quais a construção da mensagem deve considerar a lógica algorítmica e o comportamento das audiências. Ribeiro (2015) observa que a comunicação efetiva nesses ambientes requer atenção ao tempo reduzido de concentração, o que demanda clareza e objetividade ainda maiores.
Dessa maneira, a oratória digital exige tanto o domínio das estratégias retóricas tradicionais quanto a incorporação de recursos multimídia para manter o engajamento.
Outro aspecto relevante da comunicação atual é a necessidade de lidar com a chamada “economia da atenção”. Em um cenário em que múltiplos discursos disputam espaço, o orador deve utilizar recursos retóricos capazes de captar e manter o interesse do público. De acordo com Amossy (2018), a oratória eficiente depende de estratégias de legitimação discursiva, que incluem tanto a construção do ethos quanto o uso de narrativas que dialoguem com os valores sociais. A comunicação eficaz, portanto, não se limita ao ato de falar, ela envolve a gestão da atenção em um ambiente saturado de estímulos.
A globalização e a interculturalidade também impactam a prática da oratória. Em sociedades cada vez mais diversas, a comunicação efetiva deve considerar a pluralidade de valores, linguagens e experiências. Demo (2016) destaca que a eficácia do discurso no século XXI depende da sensibilidade intercultural, ou seja, da capacidade de o orador adaptar sua linguagem e exemplos ao contexto sociocultural de sua audiência. Isso acentua a dimensão ética da retórica, que deve buscar não apenas persuadir, mas respeitar a diversidade de perspectivas.
As fakes news e a desinformação representam desafios significativos para a oratória contemporânea. Dores (2023) argumenta que, em um contexto de circulação massiva de informações falsas, a comunicação efetiva exige não apenas clareza, mas também compromisso com a veracidade. O orador, nesse sentido, torna-se guardião de uma retórica ética, responsável por construir discursos fundamentados em evidências. Essa dimensão crítica compro-
va a atualidade do logos aristotélico, adaptado a uma realidade em que a lógica e a prova racional precisam ser constantemente reafirmadas contra a manipulação.
Além do desafio da desinformação, a comunicação do século XXI é marcada pela interatividade. Jacinto (2024) afirma que o público atual não se contenta em ser apenas ouvinte, exige participação ativa. A oratória eficiente portanto, deve integrar elementos dialógicos, seja em uma palestra presencial, seja em uma transmissão ao vivo nas redes sociais. Essa transformação aproxima a prática da oratória das dinâmicas de conversação, nas quais perguntas, comentários e feedbacks moldam a construção do discurso em tempo real.
A comunicação multimodal é outro elemento central da oratória contemporânea. Moratelli (2021) explica que discursos eficazes no século XXI não se apoiam apenas na linguagem verbal, mas também em imagens, sons, gestos e elementos gráficos. A combinação desses recursos amplia o poder de persuasão, desde que utilizada de forma coerente e integrada. A oratória atual demanda do orador a habilidade de falar e de articular múltiplas linguagens para enriquecer a mensagem e torná-la mais impactante.
No campo educacional, a comunicação eficaz assume papel estratégico na mediação do conhecimento. Dias (2025) ressalta que professores que dominam técnicas de oratória conseguem não apenas transmitir conteúdos, mas também motivar e engajar os estudantes. Nesse contexto, a oratória se torna ferramenta pedagógica essencial, capaz de transformar a experiência de aprendizagem. O mesmo se aplica à educação online, onde a clareza do discurso e a interação digital são fundamentais para manter o envolvimento dos alunos.
Na esfera corporativa, a comunicação eficaz é cada vez mais valorizada como competência-chave. Bini (2017) afirma que líderes que desenvolvem habilidades oratórias conseguem mobilizar equipes, fortalecer culturas organizacionais e consolidar estratégias de gestão. Isso evidencia que a oratória não é apenas uma habilidade individual, mas um recurso organizacional estratégico. No século XXI, a eficácia do discurso corporativo depende da capacidade de alinhar valores institucionais a narrativas inspiradoras, que estimulem comprometimento e inovação. Em síntese, a comunicação eficaz no século XXI exige uma combinação entre tradição e inovação. Os fundamentos clássicos da retórica permanecem válidos. Eles são constantemente desafiados por um ambiente digital, multimodal e interativo. A oratória eficaz é aquela que consegue dialogar com esse novo cenário, adaptando-se às exigências da economia da atenção, da diversidade cultural, da ética discursiva e da participação ativa das audiências. Desse modo, a retórica continua sendo uma ferramenta indispensável, agora atualizada para os desafios de uma sociedade global e conectada. (Marques, 2025; Ribeiro, 2015)
Aplicações Práticas da Retórica na Formação
Profissional e Acadêmica
A retórica, embora muitas vezes associada apenas à teoria do discurso, encontra no campo da prática sua maior relevância. No século XXI, seu uso ultrapassa os limites da política e do direito, alcançando a educação, a gestão, a comunicação empresarial e o ambiente digital. Demo (2016) destaca que o ensino e a aplicação da retórica em contextos formativos favorecem o desenvolvimento da expressão oral e a capacidade crítica e reflexiva dos sujeitos. Portanto, as práticas retóricas assumem caráter multidimensional, articulando habilidades técnicas, cognitivas e sociais.
Na formação acadêmica, a oratória constitui
recurso indispensável para a comunicação científica. Estudantes que dominam as estratégias retóricas apresentam maior facilidade para expor trabalhos, defender ideias e participar de debates. Dias (2025) observa que a inclusão da oratória em disciplinas de graduação e pós-graduação contribui para formar pesquisadores mais preparados para a difusão do conhecimento. Além disso, a prática discursiva promove a autonomia intelectual, estimulando a capacidade de argumentar com base em evidências e dialogar com diferentes perspectivas teóricas.
No âmbito da docência, a retórica desempenha papel central. Professores que dominam técnicas de oratória conseguem transmitir conteúdos de forma clara, motivadora e persuasiva. Jacinto (2024) ressalta que a eficácia da prática docente depende da habilidade de mobilizar a atenção e de criar vínculos com os estudantes, utilizando recursos narrativos e emocionais. Dessa forma, o ensino se transforma em experiência mais significativa, em que o discurso informa, inspira e engaja.
Na esfera corporativa, a oratória é cada vez mais valorizada como competência estratégica. Bini (2017) mostra que empresas investem em treinamentos de comunicação para líderes e equipes, reconhecendo que a habilidade de persuadir e engajar está diretamente ligada ao desempenho organizacional. Palestras motivacionais, reuniões e apresentações de projetos exigem do profissional não apenas conhecimento técnico, mas também domínio retórico capaz de convencer e mobilizar colaboradores e parceiros. Portanto, a retórica aplicada ao ambiente empresarial contribui para o fortalecimento da cultura organizacional.
Outro campo de aplicação é a formação política e cidadã. Ribeiro (2015) evidencia que a oratória eficaz é ferramenta essencial para a parti-
cipação democrática, permitindo que cidadãos expressem suas opiniões de forma fundamentada e responsável. O ensino de retórica, nesse sentido, favorece a formação de sujeitos críticos e engajados, aptos a analisar discursos midiáticos e a atuar no debate público. A prática retórica não se restringe a elites políticas, mas constitui instrumento de empoderamento social, ampliando a participação cidadã.
A comunicação digital acrescenta mais os espaços de aplicação da retórica. Marques (2025) argumenta que influenciadores digitais, jornalistas e comunicadores em geral precisam dominar estratégias retóricas para conquistar credibilidade e engajamento. A retórica digital envolve tanto a gestão do ethos, por meio da imagem construída online, quanto o uso de recursos multimodais para fortalecer pathos e logos. Nesse sentido, o ensino de oratória deve incluir práticas que preparem os indivíduos para comunicar-se de forma eficiente em ambientes virtuais.
As práticas retóricas são utilizadas em treinamentos de liderança. Dores (2023) demonstra que líderes que desenvolvem competências oratórias conseguem motivar equipes, gerir conflitos e consolidar visões compartilhadas. Nesse contexto, a oratória é mais que habilidade individual: é ferramenta de gestão que possibilita alinhar metas, inspirar confiança e promover coesão organizacional. Logo, a retórica aplicada à liderança contribui para transformar discursos em ações coletivas, fortalecendo a legitimidade do gestor perante seus liderados.
No campo jurídico, a oratória continua a ser um recurso essencial, especialmente em audiências e tribunais. Fernández (2018) destaca que a construção de argumentos sólidos e a habilidade de mobilizar emoções influenciam diretamente o convencimento de juízes e jurados. Embora as práticas jurídicas sejam
fortemente baseadas em provas e normas, a eficácia retórica desempenha papel decisivo na forma como os argumentos são recebidos e interpretados. Por isso, a formação jurídica atual inclui disciplinas de retórica e argumentação, reafirmando sua importância prática.
A dimensão pedagógica da retórica pode ser observada também em programas de aprendizagem ativa, como debates acadêmicos, júris simulados e apresentações em público. Esses métodos promovem a autonomia discursiva e estimulam a reflexão crítica. Moratelli (2021) argumenta que tais práticas favorecem não apenas a formação acadêmica, mas também a preparação para o mercado de trabalho, em que a comunicação eficaz é cada vez mais exigida. Dessa forma, a retórica aplicada se torna uma ponte entre o conhecimento teórico e a prática profissional.
Em síntese, as aplicações práticas da retórica evidenciam sua relevância para a formação integral do sujeito, seja no âmbito acadêmico, profissional ou social. A oratória eficaz ultrapassa o simples domínio da fala, englobando a capacidade de articular ideias, emocionar públicos e construir credibilidade. O ensino e a prática da retórica, portanto, devem ser valorizados como parte fundamental da educação contemporânea, preparando cidadãos críticos, profissionais competentes e líderes éticos. Confirma-se que a retórica é mais que teoria: é prática transformadora com impacto direto na sociedade. (Amossy, 2018; Bini, 2017)
Metodologia
A metodologia adotada neste estudo é de caráter qualitativo e bibliográfico, fundamentada em publicações acadêmicas dos últimos dez anos que tratam da retórica e da oratória em diferentes perspectivas. A escolha por essa
abordagem deve-se ao objetivo de compreender as estratégias discursivas não apenas como fenômenos históricos, mas também como práticas contemporâneas, observando sua aplicação em contextos educacionais, profissionais e digitais. Segundo Gil (2019), a pesquisa bibliográfica é adequada quando se pretende construir um panorama teórico e crítico sobre determinado objeto de estudo, permitindo sistematizar conceitos e identificar tendências de investigação.
A análise concentrou-se em fontes acadêmicas publicadas entre 2015 e 2025, em livros, artigos científicos e obras traduzidas recentemente, garantindo a atualidade e a relevância das discussões. Essa delimitação temporal possibilitou observar como a retórica vem sendo reinterpretada na contemporaneidade, em diálogo com transformações sociais e tecnológicas. Para Lakatos e Marconi (2018), a delimitação do recorte temporal em pesquisas bibliográficas é essencial para assegurar a pertinência dos resultados, evitando que o estudo se apoie exclusivamente em tradições ultrapassadas ou em dados descontextualizados.
O levantamento bibliográfico foi realizado em bases de dados acadêmicas como Scielo, Google Scholar e CAPES Periódicos, utilizando descritores como “retórica”, “oratória”, “persuasão” e “comunicação eficaz”. As obras selecionadas contemplam tanto autores clássicos reeditados recentemente — como Perelman e Reboul — quanto estudiosos contemporâneos como Amossy (2018), Charaudeau (2019), Demo (2016) e Marques (2025). Esse processo de seleção permitiu articular tradição e inovação, de modo a construir uma análise crítica que não despreza os fundamentos históricos, mas privilegia a aplicação prática na atualidade.
A análise das obras seguiu o método de inter-
pretação crítica de conteúdo, no qual cada referência foi examinada em relação ao conceito de oratória eficaz e à arquitetura discursiva que estrutura a retórica. Para Bardin (2015), a análise de conteúdo é apropriada quando o objetivo é identificar significados e categorias em textos, permitindo extrair sentidos que vão além da superfície. Assim, os conceitos de ethos, pathos e logos foram constantemente revisitados à luz das práticas comunicacionais atuais, evidenciando como as categorias aristotélicas são reinterpretadas em novos contextos sociais.
Além disso, a metodologia incluiu a triangulação das fontes, comparando as diferentes abordagens teóricas para identificar convergências e divergências entre os autores. Segundo Flick (2018), a triangulação aumenta a confiabilidade dos resultados, pois permite observar o fenômeno sob múltiplos olhares. Dessa forma, foi possível analisar como a retórica é abordada em diferentes áreas, como comunicação, educação, linguística e política, garantindo uma compreensão ampla do objeto. O diálogo entre essas áreas reforçou a natureza interdisciplinar da retórica e sua aplicação em múltiplos contextos.
Por fim, é importante destacar as limitações da metodologia. Como se trata de uma pesquisa bibliográfica, não houve coleta de dados empíricos em campo, o que restringe a análise à interpretação teórica dos textos selecionados. No entanto, essa limitação é compensada pela amplitude de perspectivas incluídas, que oferecem subsídios sólidos para a compreensão do tema. E ainda, a escolha por priorizar obras recentes assegura a atualização do debate, ao mesmo tempo em que mantém a devida conexão com a tradição clássica. Assim, a metodologia garante rigor científico e relevância prática ao estudo desenvolvido.
O presente artigo buscou analisar os fundamentos retóricos da oratória eficaz sob uma perspectiva contemporânea, relacionando a tradição clássica aos desafios comunicacionais do século XXI. Partiu-se da compreensão de que a retórica, longe de ser um saber obsoleto, permanece como ferramenta indispensável para a construção do discurso persuasivo em múltiplos contextos. As categorias aristotélicas de logos, pathos e ethos mostraram-se ainda centrais, mas reinterpretadas em cenários digitais, multimodais e interativos. Ao longo da análise, verificou-se que a eficácia da oratória depende da capacidade de articular tradição e inovação, respeitando os fundamentos históricos e incorporando as demandas atuais de comunicação.
Constatou-se que a retórica não se limita a técnicas de convencimento, mas constitui uma arquitetura discursiva que integra razão, emoção e credibilidade. Essa arquitetura, como se discutiu, manifesta-se tanto em discursos políticos quanto em ambientes educacionais, corporativos e digitais. Os estudos recentes evidenciaram que a comunicação eficaz não se restringe ao ato de falar bem, mas envolve também a construção ética da mensagem, a adaptação às características do público e a utilização de recursos multimodais. Dessa forma, a oratória eficaz assume caráter interdisciplinar, conectando comunicação, linguística, filosofia e educação.
As discussões apresentadas ao longo do artigo também reforçam a importância da dimensão prática da retórica. A aplicação em sala de aula, na formação de professores e na preparação de estudantes para a defesa de ideias confirma que a oratória é essencial à vida acadêmica. No campo corporativo, mostrou-se que líderes que desenvolvem competências
retóricas conseguem mobilizar equipes e consolidar culturas organizacionais mais sólidas. Já na esfera política, a retórica continua a ser ferramenta central para a construção de legitimidade e engajamento social, o que confirma sua atualidade como prática estratégica.
Outro ponto relevante das conclusões refere-se à necessidade de compreender a oratória como prática ética. Em uma sociedade marcada pela desinformação e pela manipulação discursiva, a retórica precisa ser praticada de forma responsável, fundamentada em dados verificáveis e orientada pela busca do bem comum. Autores recentes, como Fernández (2018) e Ribeiro (2015), enfatizam que a retórica ética fortalece a credibilidade do discurso e contribui para a construção de relações sociais mais justas. Assim, a oratória eficaz não deve ser entendida como mero instrumento de manipulação, mas como meio de promover diálogo, participação e cidadania.
As limitações do estudo também merecem destaque. Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, não foi possível realizar análises empíricas de discursos em contextos específicos, o que restringe a generalização dos resultados. No entanto, essa limitação abre caminho para futuras pesquisas, que podem incluir observações em campo, entrevistas e estudos de caso sobre práticas de oratória em ambientes acadêmicos, políticos e digitais. Além disso, sugere-se que novas investigações explorem a relação entre retórica e inteligência artificial, considerando os impactos das tecnologias emergentes na produção e circulação de discursos.
Em síntese, este artigo reafirma que a retórica continua sendo elemento indispensável a comunicação humana, renovada pelos desafios do século XXI. A oratória eficaz, aqui entendida como arquitetura discursiva, exige o equilíbrio
entre tradição e inovação, razão e emoção, ética e estratégia. Acredita-se que os resultados apresentados contribuem tanto para o campo teórico, ao sistematizar reflexões recentes sobre retórica, quanto para a prática profissional e acadêmica, ao indicar caminhos para o uso consciente e eficaz da comunicação. Dessa forma, a retórica se confirma como disciplina viva, capaz de orientar discursos que transformam a realidade social.
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Felipe Ricardo Peixoto do Carmo¹
OS
CONCEITOS PARA A
DICIONARIZAÇÃO: LÉXICO, LEXICOLOGIA E LEXICOGRAFIA – OS CAMINHOS PARA INCLUSÃO DE PALAVRAS E SINAIS EM LIBRAS PARA A ÁREA DA GEOMORFOLOGIA.
Resumo
Este artigo tem como objetivo abordar os conceitos de léxico, lexicografia, lexicologia e terminologia com relação à Libras e à área da geomorfologia. A compreensão desses conceitos é fundamental, dada a necessidade de termos um corpus registrado, referente a essa área do conhecimento, que viabilize o processo de ensino-aprendizagem de estudantes surdos em escolas comuns.
Sabe-se que o conjunto de léxicos dicionarizados nos dicionários de LIBRAS é de extrema importância para divulgação e uso comum de sinais. Esses sinais tornam a vida escolar de estudantes, professores e intérpretes, que estão nas escolas regulares,
mais fácil, diminuindo a distorção de conceitos, especificamente na área da geomorfologia – o foco deste artigo.
Neste sentido, busca-se aqui, compreender quais são os conceitos para a dicionarização e evidenciar quais os possíveis caminhos para a criação e inclusão de sinais na área de geomorfologia, beneficiando a comunidade surda que está presente nas salas de aula regular. Desenvolvimento
O termo léxico refere-se aoconjunto de palavras existentes numa língua (Aurélio, 2017 e deriva do grego lexicón, que significa palavra. Segundo Martins (2017, p.15), “[...] a palavra é a unidade lexical mínima da língua falada ou escrita”.
O léxico é responsável pela nomeação de objetos e fenômenos, sejam eles abstratos ou não. E é através do significado de cada pala-
1 - Licenciado em Geografia (IFSP) e em Pedagogia (Centro Universitário FAEP), professor de Geografia, no Ensino Fundamental e Médio, na rede pública deSão Paulo. E-mail: felipericardo011@hotmail.com
vra, em cada língua, que conseguimos compreender o léxico e o que se espera, quando alguém nos fala, por exemplo, a palavra “ônibus” ou qualquer outra palavra. Sobre isso, Vygotsky ([1934] 2009, p. 398), citado por Pinheiro (2018, p. 39), diz-nos que:
[...] o significado da palavra não é senão uma generalização ou conceito. [...].Toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e mais indiscutível do pensamento.
Quanto ao sentido, Pinheiro (2018, p.39), fundamentada em Vygotsky ([1934] 2009), elucida-nos que
[...] o sentido da palavra prepondera sobre seu significado e está intrinsecamente relacionado ao processo da linguagem. A palavra impulsiona, na consciência, vários fatos psicológicos que originam o sentido que, por sua vez, é dinâmico, f luído e contém várias zonas [...].
Existe uma ciência que estuda a palavra, utilizada por nós para dar sentido, como vimos acima. A lexicologia, originada do grego, é a junção de lexicón = palavra e logos, que significa estudo ou ciência. Ou seja, a lexicologia é o estudo da palavra ou a ciência da palavra (Martins, 2007). Já a lexicografia, derivada também do grego e composta por lexicón e “grafia”, quer dizer escrita ou registro escrito, isto é, “registro das palavras”. (Martins, 2007). O léxico, a lexicologia e a lexicografia são as bases fundamentais na estruturação de uma língua, além da fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática, de acordo com Martins (2017).
De acordo com Temoteo (2012), a lexico-
grafia é a área da linguística que se dedica a elaborar os dicionários dos mais variados tipos e classificações, para qualquer necessidade. Além disso, a autora destaca a diferença temporal entre os registros lexicais das línguas orais em detrimento da língua de sinais:
Se comparada às línguas orais, a Lexicografia das línguas de sinais é relativamente recente, visto que o reconhecimento do status linguístico das línguas de sinais é um fato histórico deveras recente. No Brasil, por exemplo, ele se deu em 2002 com a Lei Federal Número 10.436, de 24 de abril de 2002. Raros são os registros lexicográficos das línguas de sinais encontrados antes do século XX. (Temoteo, 2012, p. 15).
Na língua de sinais, o primeiro registro lexicográfico encontrado no Brasil foi no século XIX, em 1875, intitulado como Iconographia dos signaes dos surdos-mudos (Temoteo, 2012).
A lexicografia pode ser dividida em duas vertentes:a prática e a teórica.
Conforme Martins (2017, p.15):
A Lexicografia Prática dedica-se a compilar, escrever ou editar dicionários. Ela trata do estudo das técnicas de montagem de dicionários, incluindo critérios para a seleção de nomenclaturas ou conjunto de entradas [...].A Lexicografia Teórica é também denominada Lexicologia. Ela se dedica a analisar e descrever o vocabulário de uma língua específica, e o significado que relaciona certos verbetes com outros em um dicionário. [...].
Compondo a lexicografia, nas línguas existem os termos gerais e as terminologias ou termos técnicos, que são palavras ou conjunto de palavras específicas de áreas do conhecimento ou profissões, utilizadas dentro de um determinado contexto ou realidade, como, por exemplo, a geografia. (Castro; Santiago, 2015).
Os termos técnicos são estudados e compreendidos pela Terminologia. Sobre essa área, Castro e Santiago (2015, p. 375) explicitam:
De maneira clássica, pode-se definir a Terminologia como a à área de estudos que tem no termo técnico-científico seu objetivo central de análise teórica e aplicada, admitindo que esse elemento é capaz de representar e transmitir o conhecimento especializado.
Os termos que compõem o léxico da língua, muitas vezes, possuem um dicionário. A dicionarização desses termos é muito importante. Com o registro do léxico em dicionário, por meio da lexicografia, definida por Martins (2017, p. 15) como o “registro escrito das palavras”, o que se espera é que o leitor que busca este tipo de consulta conheça o significado do léxico.
Na geomorfologia - subárea sobre a qual nos debruçaremos para o desenvolvimento deste trabalho - damos como exemplo de termo técnico, a palavra “abissal” que, segundo Guerra (1993, p. 1) “[...] corresponde aos abismos submarinos, onde as profundidades são superiores a 5.000 metros [...]”. Outro exemplo é que popularmente as pessoas dizem a palavra “pedra” para se referir à rocha. A utilização desta palavra causa bastante incômodo em geógrafos e intelectuais da geomorfologia e pedologia, uma vez que a terminologia correta, definida cientifica-
mente é “rocha”. A palavra “pedra” é definida por Guerra (1993, p. 316), como “denominação genérica usada para qualquer pedaço de rocha”.
Segundo Guerra (1993, p. 212-213), a geomorfologia pode ser definida como: (...) o estudo racional e sistemático das formas de relevo, baseando nas leis que lhe determinam a gênese e a evolução. Estudam-se, por meio dela, as formas em sua origem e as transformações sofridas até nossos dias. A geomorfologia é, portanto, a ciência que tem por objeto o estudo das formas terrestres, definindo-as pelo seu aspecto, pela sua dimensão sua gênese e pela sua evolução.
Na geomorfologia, por ser uma ciência bastante técnica, os termos específicos aparecem constantemente como “talude”, “sedimento” e “morfologia”. Por isso, a necessidade de que os termos específicos sejam trabalhados de forma contextualizada, por meio de analogias, troca de experiências e da articulação entre linguagem científica e coloquial.
Os termos da geomorfologia são muito complexos, mas de fundamental importância para os alunos compreenderem os conteúdos que serão abordados. A geomorfologia é responsável por apresentar as formas de relevo aos alunos e os processos envolvidos, como as forças endógenas e exógenas, os tipos de rochas, suas estruturas e origem, por exemplo. Essa ciência, a qual os estudiosos dizem ser parte da geografia física (pelo fato de ter uma divisão entre geografia física e humana, uma discussão ainda muito viva dentro da geografia) e outros afirmam pertencer à geologia, dialoga com climatologia,
biogeografia, geologia, pedologia, ecologia, vincula-se às geociências, daí sua complexidade.
De acordo com o Currículo do Estado de São Paulo para as Ciências Humanas (2011), está posto como um dos conteúdos para o 6°ano do ensino fundamental II, por exemplo, a influência da natureza e da sociedade na modelagem do relevo, bem como os recursos naturais e a história da Terra. As habilidades a serem desenvolvidas dentro desses conteúdos são:
Identificar e caracterizar diferentes formas de relevo terrestre; conceituar rocha e relacionar os tipos de rochas à presença de minérios na face da Terra; descrever a importância da força dos ventos na transformação do relevo na escala do lugar; descrever a ação da água no modelado do relevo; analisar os impactos produzidos pela ação humana no modelado do relevo; identificar os elementos formadores do clima e os fatores que nele interferem. (São Paulo, 2011. p.85)..
É possível observar, portanto, mediante os documentos legais e as diretrizes, que organizam os conteúdos a serem trabalhados pelos professores de Geografia da Educação Básica do Estado de São Paulo, uma grande quantidade de habilidades que requerem o conhecimento básico da geomorfologia para o sucesso dessas habilidades, desde o 6° ano do ensino fundamental II.
No 7° ano do ensino fundamental II, por exemplo, os alunos da rede estadual de São Paulo devem aprender sobre os biomas e os domínios morfoclimáticos do Brasil. Caderno do aluno, (Geografia 7º ano, vol 2). São Paulo: IMESP, 2017. São Paulo Faz Escola.
Para tanto, é imprescindível que o professor utilize a linguagem científica e específica da geomorfologia ao ensinar geografia para os alunos. Porém, como estes desconhecem, muitas vezes, os termos técnicos e a linguagem da disciplina veiculada pelo professor, a utilização do dicionário para a compreensão dos significados é uma estratégia a ser considerada nas práticas pedagógicas.
Para o ensino médio, o Currículo do Estado de São Paulo traz, dentro da unidade de “o relevo terrestre”, conteúdos como clima e intemperismo, elementos fundamentais na dinâmica geomorfológica. Entre as habilidades esperadas estão:
Identificar hipóteses e evidências que expliquem a configuração do relevo terrestre por meio de marcas e constatações geológicas decorrentes de teorias científicas; interpretar mapas de impactos ambientais em diferentes escalas geográficas; Compreender o caráter sistêmico do planeta e reconhecer a importância da biodiversidade para a preservação da vida, relacionando condições do meio e intervenção humana; Identificar hipóteses e evidências que expliquem a configuração do relevo brasileiro por meio de marcas e constatações geológicas decorrentes de distintas eras geológicas. (São Paulo, 2011, p.102, 103 e 108).
Observa-se que, à medida que se aumenta o nível escolar, a complexidade dos assuntos, que são praticamente os mesmos do ensino fundamental anos finais e médio, também aumenta. O ensino médio requer maior aprofundamento no conteúdo, o que vai exigir, consequentemente, mais conhecimentos específicos e um vocabulário científico mais apurado. Entretanto, o vocabulário utilizado
no contexto escolar para o ensino fundamental ou médio, não pode ser desprendido da didática, pois, caso contrário, os alunos apresentarão dificuldade em compreender os termos específicos de cada disciplina. Nesse sentido, queremos ressaltar a importância de que os conteúdos construídos em sala de aula sejam contextualizados. (Castro; Santiago, 2015).
A linguagem científica e as terminologias são mostradas em um primeiro contato para as crianças na escola. É nesse ambiente, que as crianças têm um contato com as terminologias de forma sistematizada, com o objetivo de que aprendam sobre a ciência que estão estudando. (Wenzel, 2017).
Pensando na junção da linguagem cotidiana dos alunos e nas terminologias, verifica-se que a segunda usa pouco a linguagem coloquial, muito presente no cotidiano dos alunos. Termos gerais são usados de forma que o estudante deve ter um mínimo de abstração e conhecimento da linguagem específica para compreender de fato os seus significados. (Wenzel, 2017). Isto posto, o professor deve se dedicar a mesclar a terminologia com a linguagem coloquial utilizada pelos alunos, com a finalidade de dar significado e sentido às terminologias ensinadas por ele.
A escola deve ser o lugar para além do senso-comum, por isso a necessidade de a linguagem científica ser introduzida neste meio, além de gerar conhecimento e crítica para a melhoria da ciência de um país. A linguagem científica na escola também aproxima os jovens, que vão seguir o curso superior, tendo em vista que farão pesquisas e precisam dos requisitos básicos para realizá-las.
Considerações Finais
A compreensão dos conceitos de léxico, lexicologia, lexicografia e terminologia, quando articulada à Libras, revela-se essencial para ampliar as possibilidades de ensino e aprendizagem da geomorfologia para estudantes surdos no contexto escolar. A inexistência ou escassez de sinais específicos dessa área na Libras dificulta o acesso pleno ao conhecimento científico e reforça a necessidade de iniciativas sistematizadas de registro e criação de sinais.
Ao reconhecer que a dicionarização é um processo, que exige rigor conceitual e metodológico, reforça-se que o caminho para a inclusão de termos da geomorfologia na Libras passa pela colaboração entre linguistas, geógrafos, professores, intérpretes e a própria comunidade surda. Somente por meio desse trabalho coletivo será possível construir um corpus lexicográfico acessível, que contemple a especificidade dos conceitos científicos e preserve a identidade linguística da Libras.
Além disso, é fundamental que a produção e a divulgação desses sinais venham acompanhadas de estratégias pedagógicas, que articulem a linguagem científica e a linguagem cotidiana dos estudantes, favorecendo a compreensão e o uso ativo do vocabulário técnico. A democratização do acesso aos termos geomorfológicos, com o auxílio de materiais didáticos bilíngues e dicionários especializados, contribuirá não apenas para o sucesso escolar dos estudantes surdos, mas também para a valorização da Libras, enquanto língua plena de expressão e conhecimento.
Portanto, a inclusão efetiva de sinais de geomorfologia na Libras não é simplesmente
uma demanda linguística, mas um compromisso com a equidade educacional e com o direito de todos os estudantes de participarem, de forma crítica e autônoma, da construção do saber científico.
REFERÊNCIAS
BUENO, J. G. S. Surdez, linguagem e cultura. Caderno Cedes, [s. l.], p. 1-7, 2010.
CASTRO, Bruno Diego de Resende; SANTIAGO, Márcio Sales. A importância da Terminologia para prática de revisão do texto técnico-científico. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, v. 9, n. 5, p. 374–388, 2015. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/ dominiosdelinguagem/article/view/29255. Acesso em: 22 ago. 2025.
GUERRA, A. T. Dicionário Geológico Geomorfológico. 8. ed. atual. Rio de Janeiro: IBGE, 1993. 446 p.
MARTINS, A. C. Lexicografia, Metalexicografia e Natureza da Iconicidade da Língua de Sinais Brasileira (Libras). Orientador: Prof. Titular Dr. Fernando César Capovilla. 2017. 361 f. Tese (Doutorado em Psicologia Experimental) - Universidade de São Paulo, São Paulo - SP, 2017.
PINHEIRO, L. M. Adaptações curriculares na ‘inclusão’ escolar de alunos surdos: intervenções colaborativas. Orientador: Sueli Salles Fidalgo. 2018. 429 p. Tese (Doutorado em Ciências) - Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos - SP, 2018.
PINHEIRO, L. M. Língua de Sinais Brasileira:
Libras I. 1. ed. São Paulo: Know How, 2010. 179 p.
SÃO PAULO.Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. União dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado de São Paulo. Currículo Paulista (Versão 1). São Paulo: SEE-SP/UNDIME-SP, 2018.
SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação.Currículo do Estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologias / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Paulo Miceli. – 1. ed. atual. – São Paulo: SE, 2011. 152 p.
SÃO PAULO.Caderno do aluno, (Geografia 7º ano, vol 2). São Paulo: IMESP, 2017. . São Paulo Faz Escola.
TEMOTEO, J. G. Lexicografia da Língua de Sinais Brasileira do Nordeste. Orientador: Fernando César Capovilla. 2012. 252 f. Tese (Doutorado em Psicologia Experimental)Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
WENZEL, J. S. A apropriação da linguagem científica escolar e as interações discursivas estabelecidas em sala de aula como modo de aprender Ciências. Revista Transmutare, Curitiba.PR: UTFPR, p. 18-33, 2017.
Edson Fernandes¹
AUTISTA: CONCEITOS, LEIS E EDUCAÇÃO
Resumo
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) destaca-se nas discussões sobre inclusão escolar, exigindo atuação conjunta de profissionais da saúde, educação e familiares, além de legislação que assegure os direitos desses alunos. A escola deve ser um ambiente acolhedor, promovendo o desenvolvimento acadêmico e social das crianças com TEA, respeitando a diversidade brasileira. Estima-se que o Brasil tenha cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência, incluindo até 6 milhões com TEA, segundo o Centro de Controle de Doenças e Prevenção, devido à subnotificação. O aumento dos casos reforça a necessidade de políticas e práticas educacionais inclusivas para garantir um ambiente escolar plural. A Política Nacional de Educação Especial (2008) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) ressaltam o acesso universal à educação, destacando o Atendimento Educacional Especializado como estratégia fundamental para apoiar alunos com TEA. A Lei nº 12.764/2012 reconhece o autismo como deficiência legal e promove a in-
clusão social, reforçando a importância da colaboração entre escola, família e profissionais para desenvolver a autonomia desses alunos.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista, Inclusão Escolar, Educação Especial, Legislação.
Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem se destacado como um dos principais temas no campo da educação inclusiva, despertando maior atenção tanto da sociedade quanto dos profissionais da saúde e da educação. A necessidade de promover a inclusão de alunos autistas nas escolas regulares tem levado a um esforço conjunto entre diversos setores, visando garantir direitos e o desenvolvimento pleno dessas crianças. Nesse sentido, a legislação específica e o envolvimento familiar tornam-se elementos fundamentais para o sucesso do processo inclusivo.
No Brasil, a realidade demográfica aponta para
1 - Doutor em Comunicação, Mestre em Educação, Psicopedagogo, Psicanalista, Especialista em Educação Especial e Inclusiva e Professor da FAEP.
um número significativo de pessoas com deficiência, incluindo uma parcela considerável de indivíduos com TEA. Essa realidade reforça a importância de políticas públicas e práticas educacionais que respeitem as diferenças e promovam a igualdade de oportunidades. A escola, como ambiente social e pedagógico, deve assumir o papel de garantir a participação e o aprendizado desses alunos, adaptando-se às suas necessidades específicas.
Além disso, o avanço das legislações nacionais e internacionais tem orientado as práticas inclusivas, estabelecendo diretrizes e normativas que asseguram os direitos das pessoas com TEA. A partir dessas bases legais, os profissionais da educação têm condições de aplicar metodologias e recursos específicos, que permitem atender de forma adequada às demandas desses estudantes, promovendo sua autonomia e participação social.
1. Transtorno do Espectro Autista: conceitos e definições.
O Transtorno do Espectro Autista, também conhecido como TEA, vem despertando a atenção e está sendo discutido com maior veemência na sociedade nos últimos anos.
É fundamental que a instituição escolar também fique atenta à criança com autismo, buscando contribuir com a existência da igualdade de direitos humanos, para a formação de uma sociedade consciente e inclusivista. Pois, independentemente do credo, condição social, limitações ou deficiências, vivemos em uma sociedade laica, plural e democrática; o que refletirá na posição de inclusão e acolhimento, que as escolas precisam adotar na jornada acadêmica de um aluno com TEA.
A população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões de pessoas, em 2022.
O país contava com uma população de 216 milhões de brasileiros, em 2021. Atualmente, calcula-se que temos 2 milhões de autistas no Brasil, mas esse número pode chegar a aproximadamente 6 milhões de pessoas, segundo o Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), porque existem muitos casos ainda não registrados e sem diagnósticos realizados no país sobre o autismo.
Não temos certeza da quantidade de pessoas com TEA no Brasil, mas sabemos que muitas escolas e creches têm apresentado dados, que indicam uma incidência do aumento de casos com Transtorno do Espectro Autista nos últimos tempos, principalmente de crianças pequenas.
Essa quantidade considerável de pessoas com autismo e com diferentes deficiências indica a necessidade de se manter a igualdade social, respeitando as diversidades e as diferenças entre pessoas, para a garantia de uma convivência plural e democrática, criando na instituição escolar um espaço de discussão e inclusão social e educacional.
O território da escola é conhecido por ser um palco de discussões e de igualdade social; além da convivência comum entre pessoas. A instituição está envolvida em um processo de inclusão social, em que as diferenças precisam ser vistas como aprendizado, garantindo a evolução individual e coletiva, de modo a tornar conhecimento a diversidade, para a melhor formação cidadã consciente do aluno sobre os seus direitos e deveres na sociedade.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008) modificou o modo da escola olhar para o aluno nessa condição. A partir dela, o ensino passou a ser pautado na garantia dos direitos humanos, no respeito às individualidades e na
igualdade de oportunidades.
As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2013 afirmam:
Nessa perspectiva, torna-se inadiável trazer para o debate os princípios e as práticas de um processo de inclusão social, que garanta o acesso à educação e considere a diversidade humana, social, cultural, econômica dos grupos historicamente excluídos. Trata-se das questões de classe, gênero, raça, etnia, geração, constituídas por categorias que se entrelaçam na vida social, mulheres, afrodescendentes, indígenas, pessoas com deficiência, populações do campo, de diferentes orientações sexuais, sujeitos albergados, em situação de rua, em privação de liberdade, de todos que compõem a diversidade que é a sociedade brasileira e que começam a ser contemplados pelas políticas públicas (Brasil, 2013, p. 10).
As DCNs, em sua resolução nº 4 de 02/10/2009, artigo 3º, consideram os alunos diagnosticados com autismo como público-alvo do Atendimento Educacional Especializado (AEE), devendo ser realizado o acompanhamento dos mesmos, em todos os níveis do autismo, independentemente do nível de autismo, cumprido dessa forma as etapas e modalidades de ensino necessárias, para a aplicação de metodologias e recursos específicos junto aos estudantes com TEA.
2. Percurso do Autismo
A palavra “autismo” tem origem na língua grega, “autos”, que significa “a si mesmo”, porque a pessoa é vista com um comportamento isolado, voltado exclusivamente a si mesmo, sem interação com outras pessoas, o que a qualifi-
ca como alguém com tendência a ficar isolada. Em 1943, Leo Kanner (1971), pediatra e psiquiatra de origem austríaca, apresentou um relatório, que trazia a observação de 11 crianças, atendidas no Serviço de Psiquiatria Infantil do Hospital John Hopkins, de Baltimore. Essas crianças observadas por Kanner apresentavam distúrbios não compreendidos até então, que evidenciavam não estabelecer relações com outras pessoas, ao reagir “normalmente” às situações desde o nascimento. Dessa maneira, demonstravam isolamento, recusando a interação com outras pessoas.
Foram observados também problemas na comunicação, em que a criança apresentava uma grande dificuldade em utilizar a linguagem, além de uma certa estagnação, de um comportamento com tendências à imobilidade, como se a criança estivesse desligada do mundo, fora da realidade.
Léo Kanner ( 1971) definiu o Autismo, em 1943, e o denominou inicialmente como Distúrbio Autístico do Contato Afetivo, relatando ser uma condição comportamental própria, apontando a questão da criança voltar-se a si mesmo, buscando o isolamento, apresentando barreiras de interações com outras pessoas, problemas no processo de comunicação com dificuldades em utilizar a linguagem, além de comportamento repetitivo, conhecido como comportamentos ritualísticos, sendo que o sexo masculino em comparação ao feminino era o que apresentava maior incidência dessa condição.
A questão do autismo foi entendida durante algum tempo por uma esquizofrenia infantil. Nos aos de 1970 e 1980, com o avanço dos estudos do autismo, o TEA deixa de ser encarado como esquizofrenia ou psicose, ao se perceber que alterações neurológicas estariam envolvidas, como questões de cunho psicológicas e
Teorias afetivas acreditavam que a dificuldade nata de relacionamento com outras pessoas, seria oriunda de uma espécie de falha no reconhecimento de estados mentais, criando prejuízos nas habilidades de abstração e simbolização, o que justificaria o problema de se estabelecer vínculos com outras pessoas, criando barreiras de comunicação.
Existem pesquisadores atualmente que compreendem o autismo como um comportamento diferente daquele considerado padrão dos ritos e símbolos tradicionais na sociedade. O TEA, ainda hoje, é pesquisado e debatido nas áreas da medicina, psiquiatria, educação, sociologia, dentre outros setores que procuram encontrar um melhor entendimento e uma maior compreensão sobre esse transtorno de forma mais precisa.
O Manual de Diagnóstico e Estatística da Sociedade Norte Americana de Psiquiatria DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) é um documento criado pela Associação Americana de Psiquiatria para traçar diagnósticos psiquiátricos, na classificação internacional de transtornos mentais da OMS – Organização Mundial de Saúde.
O DSM-5 é a 5ª edição do manual diagnóstico e estatístico da APA (American Psychiatric Association), para definir o diagnóstico de pessoas com TEA, podendo ser utilizado por psicólogos, fonoaudiólogos, médicos, pediatras, terapeutas e demais profissionais qualificados.
Lançado em 2013, o manual, a cada nova versão, recebe novos critérios para definir como o diagnóstico de transtornos mentais será feito. Classificado como DSM-4, o autismo receberia um dos seguintes nomes: Transtorno Autista,
Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo Infantil e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento.
Mas, ao ser classificado como DSM-5, ele passa a ser chamado de Transtorno do Espectro do Autismo, sendo definido como um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos restritivos e repetitivos ritualísticos.
Essa classificação facilita o entendimento dos profissionais e familiares, para detectar os sinais que são identificados de pessoas com TEA, o que possibilita um melhor encaminhamento e tratamento; sobretudo, para a instituição escolar atuar com todos os envolvidos junto ao aluno.
O TEA era considerado como CID-10 Transtorno Global do Desenvolvimento, mas passa a ser CID-11, na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, sistematizando as características do autismo, e adotando a nomenclatura de Transtorno do Espectro do Autismo, também conhecido pela sigla T.E.A.
O Transtorno do Espectro do Autismo está enquadrado no código 6A02, no CID-11, apresentando subdivisões e com classificações específicas:
I. 6A02.0 Transtorno do Espectro do Autismo sem Transtorno do Desenvolvimento
Intelectual e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional.
II. 6A02.1 Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento
Intelectual e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional.
III. 6A02.2 Transtorno do Espectro do Autismo sem Transtorno do Desenvolvimento
Intelectual e com linguagem funcional prejudi-
IV. 6A02.3 Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento
Intelectual e linguagem funcional prejudicada.
V. 6A02.5 Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e ausência de linguagem funcional.
VI. 6A02.Y Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado
VII. 6A02.Z Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado
As subdivisões colaboram para que haja maior compreensão na especificidade de cada caso com autismo, identificando características próprias, para a melhor inferência da pessoa com TEA.
3. Legislação para o Transtorno do Espectro
Autista e Inclusão Social de Pessoas com Deficiência.
A Educação Especial e Inclusiva teve um longo percurso na sociedade e nas instituições organizadas, até que algumas legislações fossem escritas, aprovadas, reconhecidas e publicadas. O Transtorno do Espectro Autista também obteve vitórias no campo das legislações, não apenas no Brasil, mas em países espalhados pelo mundo.
Encontros, convenções, debates e muita política foram feitos para que os direitos e o reconhecimento de pessoas com TEA e outras especificidades, sob a ótica da inclusão, tivessem seus direitos garantidos nas sociedades. O Brasil também se empenhou em instituir a proteção e os direitos às pessoas com deficiências e com comportamento autista, além de outros grupos excluídos historicamente, como por exemplo, os povos originários, descentes afro-brasileiros.
Citamos a Lei nº 22.764 de 2012, que institui
a política nacional de proteção dos diretos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista, conferindo direitos legais aos mesmos.
A seguir disponibilizamos uma cronologia legislativa para melhor acompanhamento e esclarecimento.
1990
Conferência Mundial sobre Educação para Todos – Jomtien Estatuto da Criança e do Adolescente
Em 1990, na Conferência Mundial sobre Educação para Todos em Jomtien, foi firmado compromisso de oferecer educação básica a crianças, jovens e adultos. O objetivo era universalizar o acesso, melhorar a qualidade e reduzir desigualdades. Isso envolvia medidas concretas para garantir equidade na educação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente reforçou esses direitos no Brasil.
Declaração de Salamanca 1994
A Declaração de Salamanca (1994) propôs um modelo de ação para a educação inclusiva.
Definiu parâmetros voltados às necessidades educacionais especiais.
Foi um marco histórico para a educação de pessoas com deficiência.
Defendeu igualdade de acesso e participação para todos na educação.
Convenção da Guatemala 1999
A Convenção da Guatemala(1999) busca eliminar todas as formas de discriminação contra pessoas com deficiência. É um acordo internacional que promove direitos e igualdade de oportunidades. Defende a inclusão plena dessas pessoas na sociedade.
Decreto 3.956 Promulga a Convenção da Guatemala Resolução nº 2: Diretrizes da Educação Especial na Educação Básica 2001
O Decreto 3.956/2001 garante que pessoas com deficiência possuam os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que todas as demais.
Define como discriminação qualquer diferenciação ou exclusão baseada na deficiência. Proíbe práticas que impeçam ou anulem o exercício desses direitos.
Reflete compromisso com igualdade e inclusão na educação e na sociedade.
Convenção sobre os Diretos das Pessoas com Deficiência, ONU 2006
A Convenção da ONU ( 2006) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência busca promover e proteger seus direitos humanos.
Garante condições de vida com dignidade e igualdade de oportunidades. Defende a participação plena e efetiva na sociedade.
Visa à emancipação e ao respeito pela autonomia dessas pessoas.
Decreto Legislativo 186/2008
O Decreto Legislativo 186/2008 aprova no Brasil a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Inclui também o Protocolo Facultativo da Convenção. Foi assinado em Nova Iorque em 30 de março de 2007. Tem força constitucional conforme o art. 5º, § 3º da Constituição Federal.
Lei 12.764/2012
A Lei nº 12.764/2012 cria a Política Nacional de Proteção dos Diretos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Garante direitos e inclusão social para pessoas com autismo.
Reconhece o autista como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.
4. Causas Possíveis do Transtorno
Temos conhecimento pela ciência que existe uma variedade de etiologias para o autismo, como diferentes comportamentos para cada caso e situações diversas. Os estudos a respeito das causas e origens desse fenômeno não são totalmente conhecidos, existem aqueles que focam mais no organismo, enquanto outros apontam para o psiquismo, o ambiente, a neurologia. Portanto, não há uma conclusão fechada a respeito das etiologias e o entendimento com exames físicos, que pouco revelam sobre o transtorno, restando ainda a análise pela observação do comportamento do sujeito, bem como testes respondidos pelos responsáveis, quanto àquilo que se diagnostica sobre essa condição.
A explicação, que perdurou durante muitos anos referente ao TEA, foi pela chamada “herança poligênica” (herança poligênica é aquela influenciada pela ação de vários genes que interagem entre si, para que uma determinada característica seja transmitida para a próxima geração). Porém, com a descoberta de que as mutações nos neurônios causariam o transtorno, o autismo passou a ser identificado sob variações comuns e raras, consequentemente diferentes padrões genéticos.
Pesquisas também revelaram que o autismo pode ter fatores ambientais como responsáveis, tais como: contato com toxinas, teratógenos, insultos perinatais e infecções pré-natais. Outros estudos realizados trouxeram a prematuridade, malformação do sistema nervoso central, síndromes e infecções congênitas.
E ainda foi verificado, por K. Harmon (2013), que o cérebro do autista possui dificuldade
de integração, porque há uma dissociação de diferentes partes do cérebro ao trabalharem em conjunto, levando ao comprometimento da memória, movimentos e percepção sensorial. Destaca-se que a ocorrência na população é de 4 meninos para 1 menina com diagnóstico em autismo.
Os meninos apresentam comportamentos repetitivos, mais “restritos” ou focados excessivamente em seu interesse. Tendem a ter mais problemas com vocabulário e conhecimento de palavras.
As meninas demonstram menos comportamentos repetitivos. Os interesses restritos tendem a ser mais socialmente aceitáveis. Melhor vocabulário e melhor conhecimento de palavras com relação aos meninos. Entretanto, não há uma regra definida para essas características, podendo variar de uma pessoa para outra, porque a história de vida nunca é a mesma, o meio familiar é diferente, os comportamentos são diversos e as funções neurológicas nunca serão idênticas.
Há uma grande quantidade de estudos sobre os diferentes fatores, que podem ser responsáveis para uma criança estar propensa ao autismo, conforme vimos, desde fatores genéticos, ambientais ao neurológico.
A palavra “espectro”, que se originou a partir do latim spectrum, significa “visão”, “aparência”, o que nos leva à compreensão de que existem situações diferentes e com variações diversas de intensidade, apresentando sintomas que vai de um grau mais leve a um grau mais severo. Muitas pessoas com autismo não fazem uso de medicamentos, e nem mesmo deles dependem; contudo, é importante que exista um acompanhamento profissional, inclusive na instituição escolar, contando com um psicopedagogo e um professor de AEE (Atendimento
Educacional Especializado), para orientar e provocar interferências com metodologias e recursos aplicados, para a criança com TEA romper barreiras e se desenvolver academicamente.
As variações dos comportamentos manifestam-se em diferentes pessoas com autismo, conforme o código 6A02, no CID-11, desde com leve ou nenhum prejuízo da linguagem funcional até com Deficiência intelectual e ausência de linguagem funcional, classificando-se em três níveis Leve, Moderado ou Severo.
Nível 1 – Autismo Leve: Necessita de apoio e apresenta sintomas menos graves, e é considerado o nível mais ameno, sendo caracterizado por dificuldades na interatividade social e na linguagem da comunicação, tendo também comportamentos repetitivos, que se ritualizam e interesses bem restritos a determinadas coisas.
• Também conhecido como “autismo leve”, este é o mais brando e é caracterizado por dificuldades na interação social e comunicação, bem como comportamentos repetitivos e interesses restritos (uma criança pode gostar de automóvel e somente querer brincar de carrinhos, ou apenas dar continuidade em conversas do seu interesse). Podem apresentar dificuldades em fazer novas amizades e manter amigos antigos.
• Podem haver dificuldades para começar ou manter uma determinada conversa, com uma certa limitação para relações sociais, principalmente se relacionar com estranhos.
• Dificuldade para interpretar expressões faciais e entender pequenos detalhes da comunicação, como por exemplo, uma expressão de ironia. Todavia, essas limitações não significam muito prejuízo na interação social, ainda
que o interlocutor possa achar que existe algo de diferente na relação.
• Pode haver comportamento repetitivo, como balançar as pernas, o corpo, as mãos, revelando uma necessidade de manter um movimento.
• Apresentar interesses em assuntos, ou objetos, ou coisas específicas, como querer ficar no balanço da escola o dia todo, por exemplo.
• As crianças com nível leve podem ter adaptabilidade com a mudança de rotina, dominar a linguagem e conseguir estabelecer um nível, que demonstre interação social, ou ainda terem resistência a determinadas mudanças, sentindo-se desconfortáveis com eventos novos, preferindo fazer as coisas à sua maneira.
Nível 2 – Autismo Moderado: Necessita de apoio substancial, muito mais apoio do que é oferecido no nível anterior, sendo esta a faixa intermediária do autismo, é caracterizado por determinadas dificuldades significativas tanto na linguagem como na interatividade social.
• Podem haver maiores desafios para começar ou manter uma conversa (o sujeito parece não acompanhar a comunicação estabelecida ou se recusar a iniciar uma conversa). As conversas podem ser curtas e rápidas, abordando tópicos específicos. Pode haver maior necessidade de apoio para manter a interação social e participar de atividades sociais.
• Pode não conseguir falar ou ouvir, apresentando grandes dificuldades na comunicação.
• Apresentar dificuldades para interpretar expressões faciais e interpretar detalhes que existem na linguagem (talvez a pessoa não saiba interpretar o que é ou não é brincadeira). Podem ter dificuldade no contato visual (de-
monstrar dificuldades em olhar diretamente nos olhos), não conseguir expressar emoções pela fala ou por expressões faciais.
• A interação social apresenta maior restrição, dando a sensação que o indivíduo está se afastando.
• Podem haver comportamentos repetitivo e interesses por coisas restritas com maior intensidade em comparação ao nível anterior (como por exemplo, ficar com um único brinquedo o dia todo).
• Há indícios de que podem haver dificuldades para adaptação às mudanças de uma rotina, necessitando de um maior apoio para experimentar situações sociais com maior grau de complexidade, demonstrando assim, desconforto ou perturbação às mudanças do cotidiano.
Nível 3 – Autismo Severo: É considerado o nível mais grave entre todos, razão essa que é conhecido como Autismo Grave; necessita de maior apoio dentre todos os níveis.
• A dificuldade representativa na comunicação é evidente. Muitas vezes, ao falar, utiliza uma linguagem telegráfica, sem conseguir muitas conexões entre as palavras, ao formar as sentenças. Alguns indivíduos não falam e não ouvem, ou utilizam um excesso de palavras para se comunicar.
• Problemas sérios em interpretar as expressões faciais e olhar diretamente nos olhos. Apresentam também limitações na sua comunicação não-verbal, restringindo determinados movimentos.
• As habilidades sociais, como se relacionar ou participar de eventos sociais, são sempre mais difíceis. Pode haver uma reação indicativa de
que a criança irá se isolar das demais, se não houver incentivo de socialização.
• Os movimentos são mais repetitivos e restritivos, interferindo nas atividades cotidianas, como por exemplo, balançar o próprio corpo para frente e para trás ininterruptamente.
• Os eventos inesperados que quebram a rotina não são uma tarefa fácil; pois, ao alterar o cotidiano, a pessoa se sente insegura com o inesperado das coisas, que estarão por acontecer.
• Podem ser pouco ou muito sensíveis a determinados estímulos sensoriais, como por exemplo, música muito alta, ou uma lanterna diretamente nos olhos em um local escuro.
• Pode haver também uma maior redução da cognição, o que irá exigirá maior empenho da instituição escolar, em relação ao aluno com autismo severo.
• Crianças diagnosticadas com autismo nível 3 precisam de bastante suporte, para aprender habilidades importantes para a vida cotidiana, superar suas barreiras e potencializar a si mesmo, buscando o maior nível de autonomia possível.
A necessidade de um suporte substancial está nos casos de autismo, em que as deficiências se apresentam como mais intensidade e sejam graves, exigindo uma maior dedicação, atenção e planejamento da escola. Quando a deficiência intelectual é diagnosticada, a criança fica mais exposta para ser estereotipada, sofrer preconceitos e estigmas; e, nesse caso, precisará de um suporte, recursos e metodologias estudadas com maior frequência.
Torna-se fundamental envolver a família no processo, porque existem a convivência no cotidiano e a ligação dos responsáveis com a
criança, que poderão atuar em seus lares com algumas técnicas e recursos, que a instituição escolar e os profissionais possam orientar. Assim, os pais ou responsáveis terão um nível melhor de compreensão do autismo e informações necessárias para atuar com a criança, estimulando-a e aprofundando a relação com ela.
Sob a ótica da neurociência, o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento de condições neurológicas, que acabam surgindo na infância, bem cedo, antes mesmo dos dois anos de idade, afetando o desenvolvimento pessoal, social e acadêmico; seja em parte ou na totalidade das atividades desenvolvidas, dependendo do grau do autismo e das especificidades de cada indivíduo. O autismo poderá também dificultar o desenvolvimento da criança nos aspectos da cognição, afetividade, comunicação, socialização e demais capacitações pessoais, que serão inibidas pelo tipo de grau e características, que houver do transtorno do espectro autista.
Considerações Finais
O Transtorno do Espectro Autista representa um desafio e uma oportunidade para o sistema educacional brasileiro, que precisa continuamente se adaptar para garantir a inclusão efetiva de alunos com necessidades específicas. A articulação entre profissionais da educação, saúde e familiares é essencial para a construção de um ambiente acolhedor e favorável ao desenvolvimento desses estudantes.
As legislações nacionais, como a Lei nº 12.764/2012, e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil reforçam o compromisso do país com os direitos das pessoas com TEA, estabelecendo um marco para a promoção da inclusão social e educacional. No entanto, o avanço dessas normas depende da
implementação prática e do investimento em formação docente e recursos adequados nas escolas.
É fundamental que o Atendimento Educacional Especializado seja ampliado e qualificado, garantindo que as metodologias e recursos pedagógicos sejam efetivamente aplicados para atender às diferentes necessidades apresentadas pelos alunos com TEA. A atuação conjunta com as famílias também é imprescindível, pois amplia as possibilidades de estímulo e desenvolvimento das potencialidades dessas crianças.
Por fim, a promoção da inclusão escolar não é apenas uma questão legal, mas um compromisso ético e social que visa construir uma sociedade mais justa, plural e democrática. A escola tem o papel de transformar as diferenças em oportunidades de aprendizagem, contribuindo para a formação de cidadãos conscientes e respeitosos da diversidade humana.
Referências
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PÃES NARRATIVOS: CRIAÇÃO DE RECEITAS QUE CONTAM HISTÓRIAS
CULTURAIS E BIOGRÁFICAS
Edmar Andrejus¹
RESUMO
Este artigo investiga a panificação como linguagem cultural e suporte narrativo, explorando como receitas de pão podem expressar memórias, identidades e posicionamentos políticos. A pesquisa parte de três casos emblemáticos: o pão de canela de Ibitipoca, transmitido oralmente entre mulheres e carregado de afetividade; o brote pomerano, que preserva práticas e rituais de comunidades de origem alemã no Brasil; e o pão de rolinho da Sapadaria, cuja criação se insere no contexto da representatividade LGBTQIAPN+ e da militância no campo gastronômico. Com base em entrevistas em profundidade, observação direta dos processos, fichas técnicas detalhadas e revisão bibliográfica, o estudo analisa cada receita sob duas perspectivas: a técnica, que considera formulações, fermentações, modelagens e resultados sensoriais; e a simbólica, que interpreta os elementos narrativos, modos de partilha e inserção social. Os resultados demonstram que o pão, para além de alimento, atua como marcador de memória coletiva, reforçando laços comunitários e funcionando como ato político. Ao unir técnica e narrativa, a panificação se revela não apenas como ofício, mas como prática de resistência, preservação cultural e expressão de
O pão, em suas múltiplas formas e significados, vai muito além de um alimento básico: ele é também um marcador cultural e afetivo, capaz de preservar histórias, traduzir identidades e expressar posicionamentos. Receitas que atravessam gerações, sejam mantidas quase intactas ou transformadas no contato com novos contextos, carregam consigo a memória de quem as criou e de quem as manteve vivas. Nelas, ingredientes e técnicas não se limitam à função culinária — tornam-se narrativas que comunicam pertencimento, resistência e criatividade.
Neste trabalho, a panificação é abordada como uma linguagem que combina história, afeto e política. Essa perspectiva surge da observação de que muitas práticas gastronômicas, especialmente as que se desenvolvem fora dos grandes centros ou à margem da indústria, são sustentadas por laços comunitários e pela transmissão oral de saberes. Valorizá-las é reconhecer que a
1 - Tecnólogo em Gastronomia. Especialista em Gastronomia e Didática do Ensino Superior, Centro Universitário FAEPProfessor de Gastronomia. E-mail: edmar.andrejus@outlook.com.br. Lattes: https://lattes.cnpq.br/7717234151411589
cozinha também é espaço de memória e de disputa simbólica.
O estudo se debruça sobre três exemplos distintos: o pão de canela de Ibitipoca, tradicionalmente preparado por mulheres da região e difundido entre turistas; o brote pomerano, preservado como expressão da herança imigrante e da coesão social; e o pão de rolinho da Sapadaria, que nasce de uma experiência empreendedora LGBTQIAPN+ e traz a representatividade como ingrediente essencial. A escolha desses casos se deve à sua capacidade de unir técnica e narrativa, mostrando como um produto de panificação pode se tornar também um manifesto cultural.
A investigação combinou entrevistas em profundidade, observação direta dos processos de preparo, elaboração de fichas técnicas com porcentagem de padeiro e pesquisa bibliográfica. A análise procurou identificar tanto os aspectos técnicos — formulações, fermentações, modelagens e resultados sensoriais — quanto os simbólicos, relacionados aos modos de partilha, às memórias evocadas e ao papel social de cada pão. O resultado é um retrato em que a gastronomia se revela como ofício e, ao mesmo tempo, como prática de resistência, preservação cultural e expressão de identidade.
MEMÓRIA, CULTURA E IDENTIDADE NA PANIFICAÇÃO
Fazer pão é um ato que atravessa o tempo. Na repetição de gestos antigos — sovar, modelar, assar —, cada padeire carrega mais do que técnica: carrega histórias que se entrelaçam às suas próprias vivências e às das comunidades a que pertence. As receitas, muitas vezes transmitidas oralmente, guardam marcas da terra, do clima, dos ingredientes disponíveis e, sobretudo, das relações humanas que as sustentam. Como lembra Lévi-Strauss (2005), o alimento é também um “fato social total”, pois envolve dimensões materiais, simbólicas e afetivas.
Na panificação artesanal, esses elementos se manifestam de forma intensa. Um pão pode ser a memória de uma avó que amassava para alimentar a família inteira, a lembrança de um território deixado para trás por imigrantes, ou ainda um espaço seguro criado por quem decidiu transformar a cozinha em lugar de acolhimento e resistência. Cada ingrediente, cada formato e cada forma de servir traduz uma história e, ao mesmo tempo, contribui para escrevê-la de novo a cada fornada.
Os três pães reunidos neste estudo — o pão de canela de Ibitipoca, o brote pomerano e o pão de rolinho da Sapadaria — revelam diferentes maneiras de se narrar a vida por meio do alimento. Um nasce do interior de Minas, atravessado pela hospitalidade e pelo saber transmitido entre mulheres; outro mantém viva a cultura pomerana e sua força comunitária; o terceiro, criado em São Paulo, afirma a presença e a dignidade de corpos dissidentes, colocando a representatividade como parte indissociável da receita. Em comum, todos mostram que o pão, quando feito com intenção e pertencimento, é mais do que comida: é memória que se mastiga, cultura que se prova e identidade que se serve quente.
Pão de canela: o folhado que virou memória
O pão de canela de Ibitipoca, originalmente conhecido como pão folhado, é um exemplo eloquente de como uma receita pode atravessar fronteiras de tempo e significado. Sua transformação nominal ocorreu de forma espontânea, impulsionada pela presença marcante da canela no recheio e pela circulação da receita entre turistas e moradores. A alteração do nome, nesse contexto, é mais que uma convenção culinária: é um ato de ressignificação popular que inscreve o ingrediente no imaginário coletivo da região.
Conforme registrado na entrevista com Dona Vivida, o preparo envolve farinha, ovos, fermento biológico fresco, leite, banha de porco e um recheio generoso de açúcar refinado, açúcar mascavo e canela. A modelagem, em formato de rocambole, mantém o recheio caramelizado no interior da
massa, liberando aroma e sabor característicos. O gesto de “amassar até chiar”, como descreve a entrevistada, não é apenas uma técnica para desenvolver o glúten, mas um ritual que condensa esforço físico, saberes transmitidos e a dedicação própria do trabalho artesanal.
Lévi-Strauss (2005) destaca que o ato culinário transforma o alimento da natureza para a cultura, e, no caso do pão de canela, essa transformação é dupla: a matéria-prima é convertida em alimento e, simultaneamente, em portadora de memória e identidade. Ao manter o uso de manteiga de porco em vez de margarina industrial, a receita preserva um traço ancestral que resiste à padronização da indústria alimentícia, alinhando-se ao que Pollan (2014) descreve como “cozinhar como engajamento com o mundo”.
Mais do que um produto gastronômico, o pão de canela é um documento vivo. Ao ser compartilhado entre familiares e vizinhos, reforça laços comunitários e atua como marcador cultural de Ibitipoca. Ele se torna, assim, um exemplo daquilo que Barbosa (2007) identifica como “culinária da memória”, em que receitas funcionam como arquivos orais e práticos, garantindo que tradições se mantenham vivas no presente.
Brote pomerano: pão de fronteiras e permanências
O brote pomerano é mais do que um pão típico da comunidade pomerana no Brasil — é um elo vivo entre gerações, uma ponte que liga a história de imigração à vida cotidiana das famílias que preservam a receita. Originário de tradições trazidas por imigrantes da Pomerânia, região histórica entre a Alemanha e a Polônia, o brote se consolidou no território brasileiro como símbolo de resistência cultural.
Produzido geralmente com farinha de trigo, leite, açúcar, gordura e fermento natural, o brote apresenta um miolo macio e um formato alongado, marcado por cortes superficiais que auxiliam no crescimento e conferem identidade visual
própria. Sua confecção envolve técnicas transmitidas oralmente, muitas vezes no ambiente doméstico, em que o ato de fazer pão é compartilhado entre mães, filhes e vizinhes. Nesse sentido, o brote reafirma o que Lévi-Strauss (2005) observa: a culinária é um código que organiza a relação entre cultura e natureza, moldando a vida social.
Ao ser preparado para festas religiosas, encontros comunitários ou mesmo para o consumo diário, o brote cumpre uma função que vai além da nutrição: ele é suporte para a reafirmação de pertencimento. Segundo Woortmann e Woortmann (1997), as práticas alimentares funcionam como “marcadores de fronteiras culturais”, capazes de distinguir e reforçar identidades étnicas. Nesse caso, cada fornada de brote é também uma afirmação da presença pomerana no Brasil e da valorização de um legado que se recusa a ser diluído pelo tempo ou pela pressão de homogeneização cultural.
Mais do que manter viva uma receita, produzir o brote é manter viva uma memória coletiva. Como enfatiza Barbosa (2007), a cozinha é um espaço de transmissão de histórias e afetos, onde receitas se tornam patrimônio imaterial. Dessa forma, o brote pomerano não é apenas alimento, mas um gesto de continuidade cultural — um pão que atravessa fronteiras geográficas e temporais para reafirmar quem se é e de onde se veio.
Pão de Rolinho da Sapadaria: fermento, identidade e afeto político
O pão de rolinho da Sapadaria transcende o que comumente esperamos de uma receita doce: é um alimento-político, uma autorrepresentação em forma de massa. Criado por uma mulher lésbica que recusou o nome “cinnamon roll”, assinalando sua autonomia e reafirmando uma estética afetiva própria, o rolinho representa uma recusa à padronização cultural da gastronomia e uma afirmação da própria identidade.
A massa que serve de base ao rolinho é neutra,
contendo farinha, água, açúcar, leite em pó, ovos, sal, manteiga e uma esponja inicial, configurando uma equação técnica cuidadosa. Ainda que a massa seja simples, o recheio — combinação de açúcar mascavo, refinado, canela e manteiga — é quem carrega o sabor e o simbolismo. A massa, diz a fundadora, “precisa de açúcar para se desenvolver corretamente, mas o açúcar não é o agente principal”: é o recheio que dá voz à criação.
A escolha consciente de uma massa neutra, somada ao desenvolvimento técnico da esponja e à elasticidade proporcionada pelos ovos e pela manteiga, devolve corpo e estrutura ao rolinho, tornando-o maleável para adaptações doces ou salgadas. Lévi-Strauss (2005) nos lembra da culinária como operação cultural: a massa absorve o que recebe, seja presunto cru ou bechamel com queijos, sem perder sua consistência, mostrando sua natureza receptiva e autônoma.
Esse pão, contém mais do que sabor, representa escolha simbólica e política: ele é acolhimento e representatividade materializados. A prática de atendimento humanizado — com a pergunta “como você gostaria de ser chamade?” — diz que comida pode ser gesto de escuta e cuidado (Hooks, 2013). A Sapadaria se firma como território de afetividade e resistência: cada rolinho servido é convite para existir plenamente.
Assim, o rolinho da Sapadaria é “militância com fermento” — pão que reconhece quem você é, que acolhe a identidade com textura, aroma e coragem. É ingrediente, memória e manifesto na mesma fornada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória desenvolvida neste trabalho mostrou que o pão, enquanto objeto gastronômico, ultrapassa sua função de alimento para tornar-se suporte de memória, identidade e posicionamento político. O pão de canela revelou-se um testemunho da oralidade e do saber-fazer tradicional,
transmitido entre gerações de mulheres em Ibitipoca, preservando gestos e técnicas que resistem ao tempo. O brote pomerano, por sua vez, expôs a força da herança imigrante e da adaptação cultural, reafirmando que práticas alimentares funcionam como marcadores de pertencimento (Woortmann; Woortmann, 1997). Já o pão de rolinho da Sapadaria mostrou que a cozinha pode ser, simultaneamente, espaço de criação e de resistência, onde o ato de nomear e servir um pão se torna um manifesto de visibilidade e acolhimento (Hooks, 2013).
Ao integrar técnica e narrativa, cada receita aqui apresentada reafirma a ideia de que cozinhar é um ato cultural, como lembra Lévi-Strauss (2005), e que, no contexto brasileiro, essa prática carrega significados múltiplos — desde a manutenção de tradições rurais até a afirmação de identidades dissidentes. Esses pães, embora distintos na origem e na execução, compartilham uma mesma essência: são produtos que contam histórias, constroem vínculos e geram pertencimento.
Os resultados deste estudo apontam que a gastronomia narrativa não apenas enriquece a experiência culinária, mas também funciona como ferramenta de preservação cultural e transformação social. Dessa maneira, valorizar preparações como estas não é apenas reconhecer o sabor, mas legitimar histórias, afetos e resistências que fermentam junto à massa.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Livia. O que é comida. São Paulo: Brasiliense, 2007.
HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. LÉVI-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
POLLAN, Michael. Cozinhar: uma história natural da transformação. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
WOORTMANN, Klaas; WOORTMANN, Ellen. O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília: Editora da UnB, 1997.
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