Revista Sempre Neves - 4ª Edição

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Artigo

A carruagem que

atravessa… Aconteceu num sábado. Eram vésperas de provas e do Festival de Artes no colégio, o que produzia um bulício peculiar nos corredores e uma ansiedade transparente no espelho das almas. Acredito que nos aproximávamos de novembro, mas a certeza, pelo tempo, já anda longe… As paredes grossas da escola, acostumadas ao silêncio dormente dos finais de semana, ouviam austeras o chilrear das arrumações para o evento. Ruídos dissonantes do prosaico farfalhar das árvores, naquelas tardes amenas acariciadas pelas brisas suaves de Natal. Eu estava ali, e acompanhava o burburinho atentamente, num processo instigante e curioso: comprar os apetrechos para montar os imensos painéis, escolher os tecidos para o drapejado das instalações, definir os pincéis para revestir as madeiras, as cores, as tintas que por essa altura embaralham-se como memórias cromáticas na travessia dos anos. Os acessos à biblioteca haviam se transformado numa algazarra de oficinas para a produção das artes que adoçariam os espaços. Peças secavam ao sol repousadas nos guarda-corpos, enquanto outras afloravam ao compasso da serra, assumindo formas e volumes surpreendentes. Panos pendiam nos trincos das portas, ou acomodavam-se sobre as carteiras. Retalhos miúdos corriam travessos ao longo das quinas, rebrilhando o colorido com o vento ocasional. Havia o artista-mor a conduzir o ateliê, afetado por arroubos inspiradiços: tal como um gênio em transe, transpirava um orgulho vertiginoso e sobranceiro.

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