Revista Atlântica de Cultura Ibero-Americana 01

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MALA DIPLOMÁTICA

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século XX, e que beneficiaram da circunstância positiva de terem crescido numa Argentina próspera, com altos padrões de justiça social e distributiva, o que lhes permite guardar uma auto-estima muito positiva relativamente à Argentina. Embora pela lei portuguesa, como filhos de portugueses, tenham adquirido a cidadania portuguesa, mantêm fortes vínculos com a Argentina. Há, também, um conjunto de argentinos que foram emigrando nas diferentes etapas, algumas difíceis, da vida política, social e económica do país, procurando níveis de excelência na sua formação ou novos horizontes profissionais e que, hoje, se encontram relativamente bem inseridos no país de acolhimento porque, por um lado, os portugueses têm uma atitude positiva face ao estrangeiro e, por outro, os argentinos integram-se bem, graças às afinidades culturais e à relativa facilidade idiomática, para além de apresentarem excelentes níveis de qualificação profissional que beneficiam a sociedade portuguesa. Uma dessas etapas, difíceis, da vida da Argentina foi a crise económica e social que se abateu sobre o país nos finais de 2001 e que levou, conforme escreveu o jornalista e escritor Tomás Eloy Martínez, a um «êxodo real e catastrófico» de quadros técnicos. Talvez a expressão «êxodo catrastófico» seja exagerada. Mas é um facto que, no momento mais agudo da crise, muita gente qualificada – cientistas, professores, famílias inteiras – deixou o país em busca de melhores horizontes, o que constituiu um preocupante movimento migratório, agora por razões económicas. Mas também é verdade que o pior já passou e muitos dos que partiram regressaram, entretanto, ao país. Como vê o futuro das relações entre a Europa e a Ibero-América? Situo-as num esforço extremadamente importante dos países da América Latina para manter a atracção, através do Atlântico, dos países europeus e, muito particularmente, dos dois países ibéricos, o que deverá passar pelo desenvolvimento de formas de aproximação no quadro da cooperação entre a União Europeia e o Mercosul. E isso dependerá tanto da nossa capacidade em encontrar, conjuntamente com a Europa, soluções para os nossos problemas de desenvolvimento, como da predisposição da própria União Europeia em abrir-se mais aos países da América Latina, quer em termos económicos, quer em termos sociais, colocando menos obstáculos, por exemplo, à circulação de latino-americanos no espaço europeu. Acha que essa abertura pode ser histórica e eticamente justificada, conforme a inscrição «Estamos aqui porque vocês estiveram lá» que podia ler-se num cartaz ostentado por um imigrante ibero-americano durante uma recente manifestação numa capital europeia? Há uma justificação histórica e ética para uma maior abertura da Europa à imigração de cidadãos oriundos da América Latina. A corrente migratória actual pode ser entendida como uma espécie de regresso às origens, pois, afinal, somos descendentes de sucessivas correntes migratórias de cidadãos europeus, sobretudo de Espanha, da Alemanha ou de Itália. Não foi por acaso que a Argentina foi vista, durante muitos anos, como uma transposição europeia na América do Sul. Por isso, mais do que um protesto, esse cartaz expressaria, julgo, uma reivindicação e a exigência do reconhecimento dos vínculos entre os dois lados do Atlântico.


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