AZUL É MINHA ÁUREA




Azul é Minha Áurea, é uma revista que tem como objetivo analisar a vida e obra de Arthur Bispo do Rosário e de outros artistas, a partir da sua relação com a memória, resistência, ancestralidade e arte.
A arte pode ser um encontro com o território, processos, diálogos e construção histórica, e ao pensar isso, a obra é do mundo. Existe um lugar que a obra ocupa, que fala de si e do outro, que há sempre espaço para conexão, interação íntima e silenciosa. Como se algo de cumplice invadisse esses corpos, arte permite a cura, o reconhecimento e o nascimento de uma identidade cultural.
Falando sobre o Bispo, muito de suas vivências foram registradas em obras, penso que o mais importante que as memórias de uma vida como um artista, é a constituição de sua obra enquanto memória. O que quero observar, são qualidades artísticas de sua obra e como essa produção pode ser vista como uma nova forma de se colocar no mundo, como criação de uma nova maneira de existir. Os autores geralmente dão mais ênfase a sua obra com a temática psiquiátrica, buscando compreender suas criações como um esquizofrênico, esquecendo e ocultando sua negritude e sua trajetória. Porém, Bispo se constituiu juntamente com sua obra, criando para si um novo lugar no mundo, uma nova forma de existir, aparentemente se apropriando de sua memória e buscando ferramentas para cumprir a missão mais importante de sua vida, suas obras.
Nesse sentido, se enxerga uma possibilidade de pensar em uma memória que não se limita à conservação de um passado, se estende para o futuro, permitindo uma nova forma de existência no mundo. Aqui, a história por trás da obra é mais importante do que a própria obra.
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PANORAMA VIDA E ARTEBISPO DO ROSÁRIO
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OBRAS E SIGNIFICADOS
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QUEM FOI
BISPO DO ROSÁRIO?
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HISTÓRICO ANCESTRAL DENTRO DE SUA OBRA
1909/1911 – Arthur Bispo do Rosário filho de Adriano Bispo do Rosário e Bladina Francisca de Jesus, tem seu nascimento registrado pela Marinha de Guerra no Brasil, datado em 1929, constando que seu nascimento ocorreu em 14 de maio de 1909 em Sergipe, Jarapatuba.
1925 – Bispo alista-se para escola de aprendizes de Marinheiros de Sergipe
1926 - Assume o posto de sinaleiro no quartel central do corpo de Marinheiros Nacionais, No Rio de Janeiro
1928 – Inicia sua carreira de boxeador dentro da marinha, fazendo sucesso nos jornais pela sua força.
1933- Bispo é desligado da marinha após 8 anos de carreira Em dezembro do mesmo ano é admitido como lavador de bondes ainda no Rio de Janeiro.
1936 – Dia 24 de janeiro, sofre um acidente de trabalhado que acaba esmagando seu pé direito, dando fim assim a sua carreira no boxe.
1937 – Após seu acidente, em fevereiro, foi demitido por desordem a um superior Com a ajuda do Advogado José Maria Leone, deu entrada em uma ação de indenização contra a empresa O processo não foi para frente, mas foi estabelecido um acordo entre empresa e funcionário. Após esse processo, Leone, convidou Bispo para trabalhar como doméstico de sua casa, passando a residir em um cômodo no seu quintal
1938 – Dia 22 de Dezembro, Bispo do Rosário tem sua grande revelação, de que seria o filho de Deus, Jesus Cristo. Em 24 de dezembro, se apresenta em uma igreja no centro da cidade dizendo que esta ali para julgar os vivos e os mortos Os Frades, denunciam sua ação as autoridades que chegam e encaminham Bispo para o Hospício da Praia Vermelha, onde foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide, e logo após sendo transferido para Colônia Juliano Moreira.
Esse processo de aceitação do delírio foi conflituoso para Bispo: fugiu algumas vezes das internações, e, em outras vezes, ao receber alta, tentou se readaptar no mundo
1943 – Em uma matéria publicada na revista O Cruzeiro, intitulada “Os loucos são felizes?” Bispo do Rosário aparece como centro da reportagem, com fotografias vestindo sua primeira versão do Manto de Apresentação, enquanto trabalhava na réplica em miniatura de um barco 1964 – Bispo retorna definitivamente para Colônia Juliano Moreira. No mesmo ano Bispo fica preso por três meses em uma das celas do Pavilhão 10, por ter errado na dose de força ao conter um dos pacientes Após sua saída, Bispo decide trancar-se por conta própria por sete anos em uma das celas, para se dedicar aos seus estandartes e criações
1982 – Por interesse da mídia e críticos da arte, leva então a fazer sua primeira exposição, com quinze estandartes na amostra “ Margem da Vida”, pelo Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro No mesmo ano Arthur se torna personagem principal do documentário “O Prisioneiro da Passagem”, dirigido pelo psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart
1989 – Sua missão chega ao fim aos 80 anos, no dia 5 de julho, dia da sua morte.
MIArthur Bispo do Rosário foi um artista visual, mesmo não se reconhecendo como tal. Seus trabalhos não eram direcionadas para ser obras de arte, produzia porque "as vozes" lhe mandavam, sua função com tudo que fazia era catalogar o mundo com a sua visão e forma. Bispo nasce na Cidade de Japaratuba em Sergipe, mas sua história se inicia com discordâncias e negligências, a data do seu nascimento não confere com cada lugar em que ele foi registrado. Em seu registro de batismo na Igreja Nossa Senhora da Saúde em Japaratuba, Bispo nasceu no dia 05 de outubro de 1909, filho de Claudino Bispo do Rosário e Blandina Francisca de Jesus Mas, no seu alistamento feito na Marinha de Guerra Brasileira seu nascimento ocorreu no dia 14 de maio de 1909, já no cadastro como funcionário da empresa Light, a data está registrada como 16 de março de 1911. Não existe nenhum registro civil encontrado, ou informações sobre sua infância e adolescência
Sua vida começa com problemáticas sociais, pois era negro e pobre, a dificuldade para formação era muito maior, diminuindo sua perspectiva de vida, e assim, conseguindo apenas oportunidades em subempregos Em 1925, Bispo alista-se para a Marinha Brasileira que logo após, muda-se para o Rio de Janeiro junto com seu trabalho de sinaleiro. Ele, inicia sua carreira de boxeador dentro da Marinha e, em 1933 é desligado depois de 8 anos de carreira Em dezembro do mesmo ano, consegue um trabalho como limpador de bondes na empresa Light, mas em janeiro de 1936, sofre um acidente na empresa, onde seu pé é esmagado por um ônibus, levando ao fim sua carreira como boxeador
No ano seguinte, em fevereiro, é demitido por desordem a um dos superiores da empresa, Bispo recorre a ajuda do Advogado José Maria Leone, que deu entrada ao seu processo de indenização contra a empresa, porém, não ganha o processo e estabelece um acordo direto com a empresa. Posteriormente, Leone convida Bispo para trabalhar como doméstico de sua casa, ofertando uma casa para morar
Na noite do dia 22 dezembro, de 1938, na casa dos Leone, rua São Clemente, Bispo tem sua revelação , ele se vê descendo do céu, acompanhado por sete anjos que o deixam na “casa nos fundos murados de Botafogo”, em um dos seus trabalhos borda : “22 – 12 – 1938: eu vim”, referindo-se a essa noite. Ele caminha então na madrugada deserta até o mosteiro de São Bento, fazendo a peregrinação de Botafogo ao centro do Rio de Janeiro, dizendo ser aquele que veio julgar os vivos e os mortos. É dado como louco e encaminhado para o sanatório da Praia Vermelha e então transferido para a colônia Juliano Moreira
Entre 1940 e 1960, alterna entre os momentos na Colônia e períodos em que volta para a casa dos Leone, sempre após fugir ou ser liberado. Em 1964, retorna definitivamente para a à Colônia, onde permanece até a sua morte Dentro da Colônia Bispo cria por volta de 1 000 peças, onde costurou, bordou, pregou, catalogou seu mundo, reaproveitando tudo que lhe chegava às mãos, até mesmo o uniforme era desfiado para que a linha fosse reutilizada no seu bordado, ao longo de 50 anos de trabalho ininterrupto. Os temas abordados geralmente são sobre sua história de vida e sua religiosidade.
É de extrema importância, contextualizar sua história ancestral para alcançar e enxergar suas obras, para além de seu delírio Seu passado, origem, memória e missão, dão vazão à sua poética Seu processo ultrapassou a criação como um artista, pois, tinha um tempo limitado para representar e registrar a sua passagem na terra
Bispo nasce em uma época sob pressão da cultura, com o sobrenome de seu pai, carregando designações católicas, Arthur Bispo do Rosário. Os vestígios de parentes desapareceram como os dos milhares de negros anônimos que engrossavam a massa dos homens nos engenhos de Japaratuba, no início do século. Entende-se que a sua vida, história e histórico ancestral, determinou sua arte Arthur, viveu parte de sua história no Nordeste, onde a tradição tem grande influência, determinando sua formação
As comemorações de origem nordestina, começam com semanas de antecedência nos dedos ágeis de costureiras remendando vestidos de festa Os bordados são uma tradução perfeita da cultura do Nordeste e de Japaratuba (sua cidade natal), uma fusão de várias tradições, vindas da cultura africana e indígena, onde desenhos, brilhos e bordados eram celebrados em uma procissão com rainhas coroadas com cetros na mão ao lado do rei e guardas reais, ele cresce em meio a riqueza folclórica. Bispo então, protagoniza sua própria fé através de tradições recebidas por gerações de sua família, como de sua mãe, tias e avós e por toda vivência dentro de sua cidade, sua costura e bordado tem origem.
Bispo conseguiu em meio de sua arte, transitar racionalmente em três territórios que fizeram parte de sua memória: o folclore nordestino, sua passagem pela marinha e a sua fé cristã. No entanto, uma área maior pode ser encontrada em sua base visual, nos materiais e metodologia técnica, a sua ressonância na produção sergipana.Produzia seus objetos artísticos a partir do que encontrava pela sua frente, os fios azuis vindos das fardas de outros pacientes, lençóis para virar seus estandartes, pedaços de pano, pedaços de madeira, chinelos, canecas de alumínio, talheres, lonas e etc. E nesse universo, contando e quantificando objetos do mundo ao seu redor, sentia-se Jesus, o rei negro enviado por Deus.
Nesse sentido, o conjunto de trabalhos de Bispo de Rosário que engloba um mapa da África, um veleiro, uma vitrine com objetos como guias, imagens de santos, ciganas e de Iemanjá, ou sua obra "A Capa de Exu", estão diretamente em diálogo com a sua ancestralidade. Bispo cria um espaço de pertencimento dentro de suas obras, tornando sua arte não somente como algo de libertação, mas enxergando a cultura dos povos negros como potência, ele aponta para si e para seu grupo social, para que exista um reconhecimento, e assim, possa existir dignidade em suas existências. Apresenta-se, uma genialidade ressignificando esse universo íntimo em questões que colidem com esta urgência do revisionismo histórico, transformando "as vozes que lhe diziam que chegara o tempo de representar todas as coisas existentes na terra para apresentação no dia do juízo" nos apontando que esse momento é o aqui e o agora.
É visto que, em suas obras, em que aponta profundidade em sua ancestralidade, tem a existência de um embranquecimento de suas raízes, colocando o olhar apenas em sua loucura, sem uma contextualização de sua origem, dando então lugar a algo fantasioso, tirando-se a evidência de sua negritude ou presença da cultura de origem africana em suas produções.
Nas obras de Bispo, a disposição dos elementos, traz uma produção de significados, porém totalmente desassociado a uma narrativa linear. As composições estão ligadas a sua trajetória entre Jarapatuba, a Marinha e a Colônia Juliano Moreira, como os estandartes sempre vinculados na sua vivência como sinaleiro, bordando a rosa-dosventos, também convertendo a figura do Maracatu, que sai às ruas com seu grande manto para festejar o dia de reis.
Em um dos seus fardões, Bispo borda : "eu vim - 22.12.1938 - meia noite". Registrando o dia de sua chegada à terra como filho de Deus, acompanhado dos sete anjos que lhe revelaram isso, representados por estrelas, também borda o local onde foi revelado : "São Clemente - 301- Bota Fogo - Nos Fundos Murrado".
Na manifestação folclórica, Festa de Reis, a chegança, retrata a chegada dos comandantes portugueses durante o Império de Portugal, existindo uma representação de batalhas sendo o primeiro ato da Festa de Reis, vestindo-se como militares, marinheiros e capitães, lembrando um pouco da estética que Bispo trouxe a sua obra.
"EU VIM - 22.12.1938meia noite"
Em "eu preciso destas palavras escrita", expressa a necessidade de comunicar o que quer, sente, viu ou vê, em seu mundo. É clara, a existência dessa necessidade de expressar sua vinda ao mundo, sua fé e sua cultura, sobre tudo, é preciso falar e catalogar todas as coisas. Por que será essa sua persistência em mostrar que precisava destas palavras?
O preenchimento com a linha azul em diferentes objetos, e perda de seu tempo, se davam simultaneamente a ação circular e repetitiva do ato de enrolar, algo muito semelhante às inúmeras ave-marias sendo rezadas como mantras, deixando assim, o objeto da forma como queria enxerga-lo e como queria também apresenta-lo.
A obra "Grande Veleiro" relaciona-se bastante aos “desfiles” e procissões religiosas localizadas nordeste brasileiro, nos quais os marinheiros enfeitam seus barcos e levam oferendas aos mares. A festa do Bom Jesus dos Navegantes, protetor dos pescadores, é bastante popular no nordeste e traz, dentre suas manifestações, uma procissão terrestre e uma fluvial que percorre diversas cidades ribeirinhas. Essa festa é de "origem portuguesa" e, apesar de estar associada ao catolicismo, possui relações com outras religiões como a Umbanda e o Candomblé. As oferendas são feitas à Iemanjá, orixá das águas.
Ao mesmo tempo em que confeccionava um manto para se apresentar a Deus, numa vertente católica, ele se deixava levar por outras virtualidades religiosas e produziu uma obra de juízo marcante as religiões africanas. Além dos barcos, podemos observar o sincretismo de Bispo do Rosário no detalhe de uma de suas vitrines, Macumba, que apresenta sobre um painel de madeira vários objetos que fazem parte do universo do Candomblé e de religiões afro-brasileiras: a espada, a escultura da mulata dançando, vários santos, Iemanjá, guias e bonecas de plástico.
Entretanto, a sua principal obra é "O Manto da Apresentação", uma indumentária produzida durante os 50 anos vividos dentro da Colônia, para o dia de sua morte, o dia de sua chegada aos céus.
O manto foi estruturado através de um cobertor, possuindo acabamentos minuciosos, com uma riqueza de bordados detalhados do lado externo e interno da obra. Na parte exterior, enxerga-se símbolos que representam o mundo, bandeiras de diferentes países, um globo, rosa-dos-ventos, números, letras cercado por outros símbolos, bordando tudo isso com cores vibrantes, como o azul, amarelo, vermelho, verde sobre o marrom do cobertor, com composições entre franjas e variados cordões pendurados sobre o manto, mostrando interligação. No centro do manto, para onde convergem todas as cordas amarradas, há um bordado de uma mão aberta, entendendo que este é o caminho final, que tudo se unirá e convergirá para o mesmo centro.
No interno da obra, existe um revestimento com um tecido branco e vários bordados de nomes femininos em linha azul, sendo colocado de modo circular. Estas mulheres foram escolhidas para estarem representadas no Manto de sua passagem
É fundamental se lembrar que Nordeste foi a primeira região Brasileira a ser colonizada por portugueses (não com orgulho), ainda no século XVI, encontrando-se populações nativas, acompanhados pelos povos africanos trazidos como escravos pelos portugueses.
O Brasil, teria recebido cerca de 4 milhões de povos escravizados entre 1600 a 1870, o que compreende 40% do total de povos africanos que foram introduzidos para América, neste período. Esses povos vinham de diversas regiões da África, predominando Angola, Congo e Moçambique.
Segundo o IBGE (2000), as regiões do Norte e Nordeste possuem o maior grupo de populações afrodescendentes, Norte com 68,97% e Nordeste com 65,8%, com relação à população da Bahia, demonstram que 77,5% dessa população (10 milhões), é composta por afrodescendentes sendo que em Salvador 79,8% se autodenominam como negros e pardos.
Com isso, a riqueza cultural nordestina foi altamente influenciada por povos indígenas, africanos e europeus, criandose características próprias, e variando de estado para estado. Então, muito do que somos hoje, e a forma que vivemos , são heranças dos nossos ancestrais, num sentido bem amplo, mas claro que em primeiro momento essa ancestralidade brasileira é indígena.
Nordeste é uma região em que a cultura possui um grande caráter afetivo, a resistência cultural fica marcada para além das manifestações populares, a história de luta e sobrevivência é contada e recontada sob o olhar de seus habitantes, isso é visível dentro de suas festividades. Mas, a ideia aqui não é citar todos os tipos de manifestações culturais nordestinas, e sim trazer o conhecimento e consciência sobre tradições e hábitos ancestrais.
O Maracatu é originário de Recife, capital de Pernambuco, sendo presentes também em Olinda e Nazaré da Mata. Ele surgiu durante as procissões em louvor a Nossa Senhora do Rosário dos Negros. O maracatu, é um cortejo simples, inicialmente tinha um cunho religioso, e atualmente se mistura entre a música e o teatro. Porém, existem dois tipos de maracatu, o nação e o rural, O Maracatu Nação é típico da zona metropolitana, com ritmo afro-brasileiro, o batuqueiro e os instrumentos se tornam importantes nesse tipo de maracatu.
Enquanto isso, O Maracatu Rural tem como figura principal o caboclo de lança, fazendo cortejo e representando as brincadeiras dos trabalhadores rurais
A Congada, congado ou congo, é um festejo que acontece entre os meses de maio e outubro, com mistura de danças, cantos , teatro e espiritualidade de matrizes africanas e cristã. A festividade também celebra Nossa Senhora do Rosário, O São Benedito e a Santa Efigênia, em memória à proteção que essas santidades deram aos povos afrodescendentes, escravizados. O Congo nasce no continente Africano e sofre influências católicas devido a colonização no Brasil, existindo uma ressignificação das suas divindades.
A manifestação conta a história da visita do embaixador de Angola ao rei do Congo num dia de festa. Essa visita é quase finalizada com uma guerra, e, embora ela não tenha ocorrido, houve uma luta entre os angolanos, que eram mouros, e os súditos do rei do Congo.
Reisado trata-se de um cortejo composto por dois cordões, tendo como personagens principais o rei e a rainha. Alguns grupos possuem dois reis e duas rainhas e acrescentam outros personagens. Na tradição, o grupo, acompanhado de uma pequena orquestra e usando roupas coloridas e chapéus, sai para visitar as casas de seus respeitáveis membros e participantes do local de origem.
No modelo europeu, os Reisados eram compostos por cantores e dançarinos que apresentavam os autos com a temática natalina. Por outro lado, no modelo brasileiro foram inseridos personagens como os Reis Magos, as Pastoras, o Anjo, a Estrela, a Rainha Rica, a Rainha Pobre e os dois cordões em que participam os brincantes do Reisado.
O que a colagem significa para você e sua arte?
Comecei a criar colagens no período da pandemia e no começo era apenas uma distração, com o tempo fui tornando essa prática como uma terapia. Hoje sinto que posso ir mais além, acredito que essa arte é um meio de comunicação muito potente e acessível.
Você pode criar colagens com materiais que estão ao seu alcance e não tem muita regra. A colagem permite com que eu ressignifique e tenha um novo olhar sobre aquilo que já era dado como descartável.
Como entende esse individual descobrimento sobre seu eu e sua origem?
Para ser sincera ainda estou tentando entender essas questões. A cada dia que passa sinto que alguma coisa em mim se transforma,carrego histórias que ainda não conheço e é uma busca diária. Mas o fato é que durante essa busca eu comecei a me entender como um ser humano. Ser humano de verdade, sabe?! Sem ser coisa,máquina ou monstro. Apenas humana.
De que maneira você se relaciona com sua origem e seu ancestral?
Revisito fotos, músicas,alguns poucos vídeos que temos e também gosto de escutar as histórias de família. A religião também está interligada nesse processo porque tenho aprendido a cuidar de minha base,me aterrar e criar algumas raízes.
Um fato interessante e triste ao mesmo tempo é que apenas em 2021 consegui ter acesso aos nomes dos meus bisavós por parte de pai… foi um momento muito emocionante e dolorido eu diria. Senti algo preenchendo o meu peito, no início foi o quentinho e a alegria de saber de onde vim.
Depois o vazio e questionamentos de como eles eram, do que gostavam e como pararam aqui. Até hoje ainda estou tentando criar uma colagem sobre tudo isso.
Talvez seja uma resposta muito simples,mas tiro tudo literalmente da vida! O cotidiano, as músicas que escuto, as conversas que escuto durante o vai e vem do transporte público… Sou uma pessoa muito observadora e que cria em silêncio,vou pegando as informações e transformando em outras coisas, assim como as minhas colagens.
Quais e quem são suas referências?
Artistas visuais, filmes, livros...
As minhas maiores referências são as pessoas que me rodeiam, na maior parte são mulheres como a minha mãe,amigas e irmãs que levo em meu peito!
Amo as gêmeas Tasha e Tracie, Beyoncé, GABZ e Conceição Evaristo.
Emanuel Washington, filho de Maria Isaura e Carlos Ubirajara, com 41 anos, residente atualmente de São Paulo, mas nascido e criado na Cidade de Juazeiro do Norte, Ceará Tem o início de sua trajetória nas artes por meio da música e do desenho, e mais tarde transfere sua vivência e sua paixão pelo mundo da arte para a produção cultural, trabalhando em Projetos como o Canto de Reis, Orquestra Armorial do Cariri, Festa do Sol, Ocupação Tradição e entre outros.
Festa de reis, reisado ou folia de reis, é uma celebração folclórica cultural e religiosa, com grande influência do catolicismo, porém, variada a depender da região. Um exemplo é a minha cidade Juazeiro do Norte-CE, mantendo a tradição reverenciadora ao nascimento do menino jesus e a viajem dos três reis magos, no ciclo existe uma variedade de grupos que se apresentam, como o congo, o guerreiro, que são acompanhados sempre por bandas, cabaçais, bacamarteiros, tocadores de pife, violeiros, sanfoneiros e zabumbeiro. Eles desfilam pelas ruas em cortejos adornados com roupas coloridas e fitas de cetim, além de coroas e espadas, brincantes mascarados nomeados como “cão”, abrilhantando o espetáculo evidenciando outras culturas da tradição e civilização indígena, reinados africanos do quilombo dos palmares e dos beatos sertanejos.
Como produtor e criador de projetos, qual a importância de manter projetos como os que já fez, vivos na memória nordestina?
Acredito na ética individual para agregar valores culturais, valorizar o patrimônio imaterial e suas raízes, conectar a população e situa-las as suas origens nordestinas, valorizando cada vez mais a arte regional os grupos e a dinastia dos mestres que passam para suas futuras gerações a sucessão doutrinaria sobre a cultura popular a arte e suas ancestralidades, estabelecendo uma engrenagem vitalícia e a rememoração dos conceitos históricos, predominando sempre a inclusão ao conhecimento.
O cantor de rapper Criolo, por ser multifacetado. Sua música representa diferentes visões de mundo, uma influência direta a lutar pelos direitos humanos e a crítica aos padrões estabelecidos pela sociedade. Sigmund Freud, iluminou o meu estado consciente e a forma de olhar para si mesmo e para os outros, desmistificando as forças que existem por trás da consciência. Sergio Vaz, e sua abundante essência poética, em forma de prosa e textos que abordam questionamentos sociais, o amor e crônicas dissertativas do trivial interesse humano.
O que te mobiliza para estar trabalhando em meio ao ambiente cultural, mesmo com a desvalorização até os dias atuais?
De fato é um dilema, pois nem todos sabem que por trás desse grande teatro, se esconde uma estrutura de negligências e nepotismo. A sensibilidade, é a válvula propulsora para se dedicar aos projetos em meio a adversidade que se encontra entranhada nos mais singelos movimentos culturais, saber que eu tenho minha parcela sincera é o que me motiva a colaborar com integridade, enxergando além dos interesses sociais a necessidade dos artistas, o benefício mínimo proporcionado pelos cachês, que pela minha experiência existe uma discrepância de valores e ainda assim vejo sorrisos mesmo amarelados e enrugados, mas com a satisfação de um dever cumprido e mais que isso, a contribuição e o reconhecimento humano.
Gostaria de agradecer a minha Professora Clarissa Amantea, por me acompanhar nesse período de prendizagem e compartilhamento de saberes.
E a todos aqueles que também fizeram parte desse processo e colaboraram para a criação da revista, agradeço imensamente ao meu Tio Washington, e a minha amiga Gabrielly Borges.
Iohanna Matias Da Costa
Estudante de Artes Visuais -
Bacharelado na FMU | 2023
Período Noturno | RA: 2409681
Disciplina: Arte e Sociedade
Professora Clarissa Sampaio Amantea
Imersão no mundo de memória e consciência ancestral de Bispo do Rosário, de suas criações e vivências.