10 minute read

Introdução

Eu adoro o tempo que se passa compartilhando uma refeição com pessoas queridas, aproveitando esses momentos para reinventar o mundo, debatendo horas e horas sobre uma ou outra receita, um ingrediente ou um fornecedor, descobrindo novos restaurantes, viajando virtualmente pelas culinárias de outros lugares e do passado, conversando horas a fio. Adoro esses jantares intermináveis entre amigos, durante os quais idealizamos a vida, rimos, discutimos e nos reconciliamos. Admiro os cozinheiros e as cozinheiras, seja quando preparam as refeições em suas casas para as próprias famílias ou quando trabalham em grandes restaurantes para sua freguesia rica; artesãos ou artistas, gênios humildes ou narcisos absolutos; viciados em seus afazeres, preocupados em dar prazer às pessoas que, por vezes, sequer conhecem e que, raramente, passarão mais de uma hora consumindo aquilo que foi pensado, reunido, preparado ao longo de dias; e mesmo milhares de dias, se contarmos o tempo necessário para criar os animais, cultivar os legumes, transportar as especiarias, imaginar e aperfeiçoar as receitas.

E, no entanto, eu geralmente termino a maior parte das minhas refeições em algumas dezenas de minutos.

Advertisement

Escrevendo isso, não me considero original: a maioria das pessoas, em toda parte do mundo, quando não está passando fome e dentro dos limites de seus recursos, gosta de compartilhar com as outras uma refeição saudável, sem pressa. Elas apreciam cozinhar,

receber e ser recebidas pelos amigos. Aproveitar o tempo para conversar, viver plenamente essa pausa bem-vinda em dias muitas vezes tão difíceis.

E, contudo, em todo canto do mundo, as pessoas comem cada vez mais apressadamente.

Por que nós nos privamos assim de um prazer tão simples, essencial e vital? Por que as refeições são cada vez menos feitas em grupo? Por que as últimas refeições que prosperam são as refeições de negócios? Por que comemos apenas, e em poucos minutos (exceto os mais ricos dos seres humanos), alimentos industrializados, entupidos de açúcar e gordura? Será o desaparecimento dos grupos de pessoas à mesa, das salas de jantar e até das cozinhas, o sinal do deslocamento das relações entre os seres humanos? É possível imaginar que, um dia, nos alimentaremos sozinhos e nômades, unicamente de legumes poluídos, carnes insalubres, produtos industrializados?

O que era o ato de comer? O que ele é hoje? O que será amanhã?

A resposta a todas essas perguntas nos revelará bastante sobre o que somos, o que nos ameaça e o que podemos reconquistar.

Porque somos apenas o produto daquilo que comemos, bebemos, ouvimos, vemos, lemos, tocamos, cheiramos, sentimos. Talvez, também, sejamos somente a maneira como imaginamos ser comidos.

E se muitas coisas foram escritas sobre o modo como somos moldados pelo tato, a visão e a audição, aos poucos se foi esquecendo que somos igualmente e sobretudo forjados pelo paladar e pelo olfato. Esquecemos também que nada de sexual, religioso, social, político, tecnológico, geopolítico, ideológico, sensual, cultural pode ser explicado sem a necessidade que os homens sentem de se alimentar e de consagrar algum tempo para fazê-lo na companhia de outros. E pouco importa a forma como tudo isso foi ritualizado, organizado e hierarquizado.

Esquecemos que a criança já começa a comer no ventre de sua mãe; que tudo, ou quase, que o homem faz passa pela sua boca: comer, beber, falar, gritar, suplicar, rir, beijar, insultar, amar, vomitar.

Esquecemos também que falar e comer são inseparáveis e nos remetem ao essencial: o poder e a sexualidade, a morte e a vida.

O alimento é, desde tempos remotos, muito mais do que uma necessidade vital. É também uma fonte de prazer, o fundamento da linguagem, uma dimensão social do erotismo, uma atividade econômica importante, um ambiente de trocas, um elemento-chave da organização das sociedades. Ele estabelece nossas relações com outras pessoas, com a natureza e com os animais. É a mais perfeita medida da estranheza de nossa condição e da natureza das relações entre os sexos.

É possível morrer por falta de alimento, ou por excesso. Só podemos sobreviver se as conversas das quais ele é o suporte puderem acontecer. Ele é essencial à constituição de uma cultura e à sua evolução: nenhuma sociedade sobrevive se a organização de sua agricultura, de sua gastronomia e de suas refeições não constituírem as bases de um cimento social duradouro.

Essa relação intensa, até mesmo cósmica, dos homens com sua alimentação encontra-se, na verdade, na origem do surgimento gradual do Homo sapiens a partir de espécies animais anteriores. Torna-se, depois, a fonte da maioria das mutações importantes da espécie humana, desde o surgimento da linguagem até a domesticação do fogo, e também de suas inovações subsequentes: a alavanca, o arco, a roda, a agricultura, a criação de animais e tantas mais, justificam-se pela necessidade de se alimentar. Em seguida, explica amplamente a tomada de poder de certa cidade, de certo império, de certa nação: a história e a geopolítica são, antes de tudo, histórias da alimentação.

Durante milênios, os homens se dedicaram à natureza, depois às divindades que a representavam, para conseguirem se abastecer de provisões sem que eles mesmos as produzissem; e isso os levou a se unir. Em seguida, confiaram nos representantes dos deuses sobre a terra, padres e príncipes, astrólogos e meteorologistas. Depois, quando eles mesmos começaram a produzir o que comiam, cultivando a terra e criando animais, entregaram o poder sobre suas vidas aos

senhores. Depois, aos mercadores, aos chefes de indústrias e, em breve, talvez, aos robôs. Até, quem sabe, se tornarem eles mesmos robôs alimentando-se de artefatos.

Durante milênios, as potências religiosas buscaram impor proibições alimentares, associá-las às proibições sexuais ou mesmo designar aqueles com quem se tinha o direito de compartilhar uma refeição. Durante milênios, os homens inventaram armas para matar os animais, que lhes serviram também para matar outros homens, que, por vezes, também eram comidos: alimentar-se e guerrear derivam dos mesmos meios e têm os mesmos objetivos.

Durante milênios, comeu-se qualquer coisa e a qualquer momento, quando o alimento estava disponível; depois, passou-se a horários cada vez mais regulares, em função da chegada do dia ou da noite. Como se a regularidade dos horários de refeição estivesse ligada ao sedentarismo.

Durante milênios, os homens esperaram que as mulheres lhes preparassem sua refeição a partir de suas caças e colheitas, sem que fizessem outra coisa senão protestar contra a qualidade dos pratos ou do serviço, ou de ambos. Passou-se a associar também, às vezes explicitamente, alimento, pureza e sexualidade: a busca pelo alimento afrodisíaco, em particular, tornou-se rapidamente uma obsessão universal.

Durante milênios, a identidade dos povos foi definida por seus territórios, suas paisagens, suas floras e suas faunas. E também por suas receitas e seus modos à mesa.

E principalmente, durante milênios, a alimentação estabeleceu as regras das conversas e as estruturas das relações sociais. Havia aqueles que podiam jantar com os deuses; aqueles que podiam cear com os reis; aqueles que almoçavam em família; aqueles que mendigavam suas refeições e aqueles que nada comiam. Havia aqueles que produziam seus alimentos e aqueles que só os obtinham através dos outros.

Era ao longo das refeições que se determinava o essencial da organização dos impérios, dos reinos, das nações, das empresas,

das famílias. Dos banquetes com deuses às refeições de negócios, tudo foi decidido, e tudo ainda se decide, para comer e enquanto se come.

Durante milênios, alguns seres humanos morreram por comer demais, e um bocado deles por não comer o suficiente. E quando estes últimos descobriam sua força, passaram a se rebelar contra aqueles cujas refeições fabulosas eles imaginavam ou sonhavam.

Assim, o alimento reflete todos os desafios do dia: ele representa nosso respeito por nós mesmos, nossa capacidade de conversar com os outros, nossa atenção com os mais fracos, as relações entre os sexos, nossa abertura para o mundo, o nível de nossas leis, nossa relação com o trabalho, com a natureza, com o clima e com o mundo animal. Ele nos revela, mais do que tudo, as desigualdades entre aqueles, raríssimos, que ainda podem se alimentar saudavelmente, e os outros.

A alimentação está, assim, mais do que qualquer outra dimensão da atividade humana, no coração de nossa história. Então, para compreender e agir sobre o futuro, é preciso poder responder a todos os enigmas que a envolvem.

As refeições continuarão sendo um momento de encontro, conversas, criação, rebelião, regulação social? Ou nos tornaremos narcisistas apáticos, indiferentes, que comem, sozinhos, em silêncio, a qualquer momento, alimentos industrializados? Perderemos até mesmo a memória do que a agricultura e a cozinha representam hoje em dia, como já esquecemos o que foi a alimentação dos príncipes da Idade Média, ou a dos imperadores chineses, ou ainda a dos sultões otomanos? Esqueceremos para sempre os tão longos banquetes provincianos, nos quais se organizavam a vida familiar, política e social? Seremos ainda, por muito tempo, envenenados pelas refeições prontas que nos apresentam como prazeres indulgentes? As pessoas terão mais acesso aos produtos que hoje são reservados a alguns poucos? Ou esses pratos serão um dia proibidos a todo mundo, por razões ambientais? Continuaremos vendo diminuir o número de espécies vegetais consumíveis? Seremos assassinados pela nossa alimentação? Deveremos nos submeter ainda por muito tempo

às proibições religiosas, às convenções sociais ou às regras sexuais, ou seremos em breve submetidos à ditadura de uma inteligência artificial, que nos imporá aquilo que temos o direito e o dever de comer? Conseguiremos refletir sobre a fronteira entre o ser humano e o restante das espécies vivas? Poderemos, sem destruir o planeta e a vida, alimentar de modo saudável 10 bilhões de seres humanos? O que acontecerá com os camponeses do mundo, cada vez mais raros? Teremos ainda por muito tempo a possibilidade ou o desejo de nos alimentarmos na companhia de outros seres vivos? Seremos todos, em breve, salvo poucas exceções, como já ocorre a um terço da humanidade, obrigados a comer insetos? Carnes artificiais? Ou mil outros artefatos industriais? Enfrentaremos em pouco tempo uma rebelião alimentar ou uma revolta da fome, como aquelas que outrora abalaram a história das civilizações? E por fim, conseguirá a minha França conservar seu modelo magnífico, único, no qual a qualidade do alimento se alia ao tempo que dedicamos a comê-lo? Poderá ela servir de modelo, de exemplo, de pioneira?

Todas essas perguntas são frequentemente esquecidas, já que muitos interesses financeiros e políticos preferem censurá-las: a economia quer que comamos rapidamente produtos cada vez mais industrializados e que dediquemos a menor quantia de dinheiro possível, para que ainda sobre para comprar todos os outros produtos que propõe a sociedade de consumo. E a política busca nos orientar na direção de outras questões e de outros medos, a fim de controlar nossas reivindicações.

E, contudo, se quisermos que a humanidade sobreviva, se pretendemos levar uma vida plena, natural, uma vida verdadeiramente humana, precisamos decifrar o modo como as gerações anteriores se alimentaram, o tempo que dedicavam a isso, as relações sociais que foram assim criadas, o dinheiro que investiram, o poder que foi assim forjado e desfeito. É necessário que a alimentação seja, para todos, uma fonte de prazer, de compartilhamento, de criação, de alegria, de superação. E é preciso igualmente encontrar um jeito de salvar o planeta e a vida.

Creio já ter demonstrado em vários outros tópicos que, sem conhecimento erudito e detalhado do passado, não há teoria alguma do presente nem previsão do futuro que valha.

Da mesma forma, após ter estudado e contado muitas outras longas histórias (as da música, da medicina, da medida do tempo, da propriedade, do nomadismo, do amor, da morte, da geopolítica, da tecnologia, do judaísmo, da modernidade, dos labirintos, da previsão, do mar) e de ter procurado, através dessas histórias, mil saberes, mil culturas, tentando adivinhar nosso futuro, eu empreendo aqui a mesma viagem acerca da maneira como os homens se alimentaram e se alimentam.

Para tanto, é necessário que eu reúna inúmeros conhecimentos, com muita frequência espalhados por respeitáveis trabalhos de especialistas. É através da compilação e do detalhe que nasce o novo. É do confronto desses fatos minuciosos, no tempo e no espaço, que surge uma história realmente global, uma história capaz de dar sentido ao futuro.

Comecemos essa viagem, e vejamos aonde ela nos levará.

This article is from: