O jeitinho brasileiro

O jeitinho brasileiro Jorge é um jovem estudante que batalha por um mundo mais justo e humano. Ao fazer pesquisas para um trabalho de aula sobre a corrupção, o discente ficou incomodado com tanta “maracutaia” correndo solta pelo cenário político brasileiro. A indignação de Jorge foi tanta que ele resolveu criar um evento utilizando as redes sociais. Em pouco tempo, “a cerimônia de repúdio” foi ganhando adeptos e várias confirmações de participação. O assunto se tornou viral na internet. Todo mundo só falava da tal passeata contra a corrupção. Até grupos de cidades vizinhas apoiavam a manifestação e confirmavam presença. Dessa forma, Jorge caiu de cabeça na causa.

Deixou, literalmente, tudo de lado para se dedicar a fanpage, intitulada Indignados.

E os dias passam muito rápido assim como uma chuva de verão. A popularidade da página é forte. Por onde Jorge passa, deixa sua mensagem de repúdio à corrupção. E ela é replicada inúmeras vezes, assim como um hit da estação mais quente do ano. “Os políticos vão ver que o povo não aguenta mais isso. Chega de corrupção!”, diz um de seus gritos.

O dia do evento chega. Jorge está entusiasmado, nervoso, feliz, esperançoso com a manifestação. Antes de ir à rua, checa as mensagens, e-mail e lança um último chamamento para a passeata. E este tem mais de mil curtidas. É um sucesso. De peito estufado e orgulhoso com seu feito, Jorge monta na moto e parte para dar início a um País mais justo.

Os manifestantes tomam conta da praça principal da cidade. Segundo a Polícia Militar, são mil manifestantes. Para Jorge, mais de quatro mil indignos o acompanham.

“Fora seu ladrão, sou contra a corrupção”, era um dos hinos do grupo. A passeata, que começou por volta das 15 horas do sábado ensolarado, só foi finalizada em frente à Praça da Bandeira às 17h15min com a fala do idealizador do evento. “Temos que conscientizar a nação brasileira que esses pequenos delitos atrasam, e muito, nosso desenvolvimento social e econômico”, discursa Jorge para os aglomerados indignados e à imprensa local. O evento foi pacífico, tranquilo, sem danos.

Jorge estava muito feliz e decidido a continuar este caminho. Era um exemplo a ser seguido, tanto que foi convidado para ministrar uma palestra na universidade onde estuda. O tema do círculo de conversas era exatamente a corrupção.

Antes da palestra do jovem – que seria o ápice da cerimônia – houve um batepapo com o tema “As corrupções do dia a dia”, com os professores Mozart Linhares da Silva e Luiz Augusto Campis.

Já no início da conversa, Mozart diz que a relação entre público e privado é confusa e isso vem desde o Brasil colônia. Ou seja, “na esfera privada, os procedimentos funcionam e são respeitados, mas quando essa esfera privada se relaciona com a esfera pública as coisas se complicam”, explica. Dessa forma, a corrupção acaba sendo um desdobramento social, já que “somos uma sociedade totalmente hierarquizada, patriarcal, com uma cultura de corte e nobreza muito arraigada, da mesma forma que uma cultura escravista. Assim, ela tende a ser patrimonialista”, complementa. Para Mozart, o patrimonialismo é compreendido como aquilo que é do Estado, mas também pode ser de qualquer um.

Campis ressalta que o Brasil não é mais corrupto que outros países. No entanto, o jeitinho brasileiro é corrupção sim. “Aqui, temos a tradição do jeitinho por diversos motivos. Um deles é o excesso de burocracia”, diz Campis, explicando que há no País um emaranhado tão grande de leis que é preciso utilizar-se de estratégias para que o “seu” problema seja resolvido. O professor ainda complementa sua ideia dizendo que não temos uma burocracia organizada. Ela existe, muitas vezes, para poder corromper.

Sobre a corrupção no ambiente escolar, os docentes foram unânimes em dizer que isto precisa ser coibido com urgência. “A cola é um fenômeno que já está normalizado no Brasil. Ela nada mais é do que corromper o sistema em benefício próprio. E isso não é visto como corrupção”, comenta Mozart. Os professores concluem que a corrupção, quando beneficia o indivíduo, não é vista como corrupção. “O que falta para a sociedade é reflexão e consciência. Reflexão parece ser coisa do passado.

Vivemos num turbilhão de coisas, onde tudo acontece ao mesmo tempo. Dessa forma, a reflexão é deixada de lado”, reforça Campis.

A intenção dos professores é fazer com que o público entenda que as pessoas não têm consciência do que fazem, pois não sabem diferenciar consciência de conhecimento. Já que, mesmo aqueles que detêm muito conhecimento livresco e um grau elevado de instrução, não utilizam isso no seu dia a dia.

E a conclusão do bate-papo foi que é uma hipocrisia dizer que estamos lutando contra a corrupção no Brasil. Pois, se analisarmos o comportamento individual de qualquer um, podemos ver que não há uma preocupação em combater a corrupção do cotidiano. As pessoas continuam sonegando, plagiando na escola, furando fila e, mesmo assim, gritando e esbravejando pela corrupção do outro. Temos a visão que os problemas são os outros. Mas, na verdade, os problemas são recorrentes da nossa própria atuação. Clamar por um país menos corrupto se tornou um discurso vazio.

Vazia mesmo foi a atitude de Jorge, que ficou o tempo todo quietinho em seu canto. Ao ser chamado para o palco, o rapaz simplesmente sumiu. Desapareceu. A conversa o fez refletir suas atitudes e ver que, para organizar o evento, precisou cometer várias corrupções. Pediu para que outro colega de serviço fizesse o registro de seu cartão ponto mesmo não estando no trabalho. E, quando estava presente na empresa, fazia postagens e respondia mensagens utilizando os equipamentos e a internet da firma.

O garoto também não fez o trabalho de aula, mas seu nome foi incluído, mesmo assim.

Não devolveu a diferença do troco que recebeu a mais na padaria. Colou na prova de ética. E, andando de moto, fazendo a reflexão de suas práticas, depois de tomar uns cinco martelinhos na birosca da esquina da faculdade, passou o sinal vermelho em três sinaleiras.

Caro leitor, mesclei fantasia e realidade neste texto para fazermos uma reflexão de nossos atos e reinvindicações. A pauta desta matéria surgiu a partir de uma pesquisa onde foram ouvidos 97 jovens entre 16 e 19 anos. Todas as perguntas abordavam nossas pequenas corrupções, melhor dizendo, o jeitinho brasileiro.

Perante os dados, podemos notar a falta de conhecimento e reflexão. A sociedade ainda não compreende as pequenas impunidades como corrupção. Aliás, para muitos, ser corrupto está atrelado ao dinheiro.

Nossa sociedade está abarrotada de Jorges, melhor dizendo, daqueles que têm o discurso pronto, mas nem sabem o que dizem. São palavras soltas, vazias e sem nexo. E é o nexo entre a compreensão da realidade social que devemos exercer. Já que a política do País é o espelho da sociedade.

Dados da pesquisa 1 - SE RECEBESSE TROCO A MAIS NO MERCADO, DEVOLVERIA A DIFERENÇA? 2 - JÁ ASSINOU LISTA DE PRESENÇA PARA OUTRA PESSOA? 3 - JÁ FUROU A FILA ALGUMA VEZ? 4 - JÁ FEZ O CTRL+C E CTRL+V EM ALGUM TRABALHO? 5 - JÁ PEDIU QUE SEU NOME FOSSE COLOCADO EM UM TRABALHO QUE NÃO FEZ? 6 - ALGUMA VEZ JÁ FALSIFICOU A ASSINATURA DE SEUS PAIS? 7 - VOCÊ JÁ COLOU NA ESCOLA?

0 SIM

20

40

60

80

100

NÃO

NO CONTEXTO DA CORRUPÇÃO, QUAL QUESTÃO TRATA DIRETAMENTE DESTE ATO?

20% 39%

41%

20% - Questões 7 e 2

|

39% - Questão 1

|

41% - Questão 3

Total de entrevistados: 97 Idade: 42 com 16 anos; 27 com 17anos; 19 com 18 anos; e 9 com 19anos.

Data: 05/11/2015 – Evento Viva Unisc.

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