ID Surda Gestos que equivalem a palavras História, identidade e cultura. Os dilemas e descobertas de um portador de surdez por Fábio Luciano dos Santos Felicio O sonho de todo o casal é ver a família aumentar. Como já diz o ditado popular, criança é casa cheia. Angela e Benno Kist decidiram que já estava na hora de encher a casa. “Total calmaria”. Foi assim que Angela descreveu sua gestação, tudo acontecendo conforme o esperado. E neste clima de tranquilidade, em julho de 1982, um dia característico do inverno gaúcho, vinha ao mundo Karoline. Um bebê saudável e robusto. Na mesma medida em que o bebê preenchia a casa, o casal notou que Karoline parecia não corresponder aos estímulos sonoros. Como todo pai de primeira viagem, que tende a exagerar na preocupação, para descartar qualquer problema, a pequena família iniciava ali sua peregrinação por médicos. Ao contrário da maioria dos pais que se veste de excesso de precações, o casal Kist não estava exagerando. O diagnóstico de que sua primogênita era surda, veio tão logo quanto a chuva que encerra o verão. Apesar da constante serenidade tomada nos primeiros passos para a geração e criação de uma criança, a notícia deixou Angela e Benno em choque. Atualmente, quase dez milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência auditiva. Para os tupiniquins que não escutam as zabumbas, tamborins e repiques da maior festa popular do mundo, hoje, é mais fácil se perder no emaranhado de informações disponíveis em diferentes plataformas de comunicação do que não encontrá-las. Mas é assim agora, século XXI. Lá atrás, era muito diferente, já que na época pouco se falava sobre surdez. A correria na busca por técnicas e instrumentos para reverter o quadro da pequenina era prioridade. E essa é a primeira preocupação de pais ouvintes. Cerca de 67% deles, segundo dados do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), recorrem ao uso de próteses auditivas convencionais ou implantes cocleares. Embora seja arriscado, essa é uma reação normal dos pais, já que compreendem a surdez como uma doença com possibilidade de cura. A vida não cansa de pregar peças, e dizem os mais antigos que o todo poderoso nunca nos dá mais do que podemos carregar. Como na canção do Titãs “Toda pedra do caminho você pode retirar”. Pois, foi com esse sentimento de motivação que a família Kist encarrou mais um desafio. O raio caiu por mais duas vezes no mesmo lugar. Melhor dizendo, Karoline tem duas irmãs iguais a ela. Karin e Kristiane nasceram com dois e três anos de diferença, respectivamente, da primogênita e com a mesma deficiência que Karoline. O desconhecido que até então era visto como problema, já não assustava mais a família.