Acúmulo de lembranças Dona Maria guarda objetos e não consegue se desfazer de nada
Era uma casa muito engraçada. Tinha teto e não faltava nada. Mas ninguém podia entrar nela não, porque em boa parte não se via o chão. Assim se resume a triste situação de Dona Maria, moradora de um bairro da zona sul de Santa Cruz do Sul. Chegar até ela não foi nada fácil. Os acumuladores são, segundo a doutora em psicologia, Roselaine Ferreira da Silva, pessoas que guardam objetos de maneira excessiva, ocupando todo ou quase todo o espaço do local onde vivem. A acumulação é uma doença psicológica (transtorno obsessivo compulsivo) que torna a pessoa dependente das coisas de tal maneira que não consegue se livrar de nada. Essa é uma doença pouco conhecida no país e ainda é tratada com olhares maldosos da sociedade. Por isso, quem conhece ou é familiar de pessoas com essa síndrome, costumam se silenciar. Em busca de casos para ilustrar o tema, disparo pedidos em redes sociais e em conversas com amigos e colegas. Tempo depois, chego até uma vizinha de Dona Maria. Joana agora faz parte da equipe, pois é ela quem faz toda mediação e negociação para a produção desta matéria. Para chegar até a casa de Maria, combinei com Joana estar em frente a um mercado do bairro às 10 horas da manhã. Temos uma apresentação rápida e seguimos para a casa de Dona Maria que, por sinal, não é tão perto do mercado. Chegando no local, lá estava ela, com 77 primaveras em seu currículo vitae. Ela me recebeu com a filha Francisca, 37 anos, e o genro Sadi, 41 anos, no pátio da casa. Ali, a conversa e a aproximação começam. Com voz calma e sotaque característico dos primeiros imigrantes dos vales, Maria resume tudo de uma só vez: “Não sei porque ficam me pedindo para me desfazer de tudo o que tenho. Não incomodo ninguém. A casa é minha. Eu é que sei o que eu faço lá dentro”. A rispidez dela assusta, mas Francisca logo rebate: “Não te preocupa, ela é assim. Mas isso é só por fora, porque o coração é uma manteiga”. Essa resposta foi um alivio e veio na hora certa. Pois, assim, o clima ficou tranquilo e pude dar continuidade às perguntas.