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Ensino do Empreendedorismo em Enfermagem: Impacto no Perfil Empreendedor dos Estudantes

Helena Loureiro João Tavares

A atitude empreendedora é uma competência cada vez mais requerida no exercício de Enfermagem. Visando promover competências empreendedoras nos estudantes de Enfermagem, foi proposta a lecionação de uma unidade curricular (UC) opcional de Empreendedorismo em Enfermagem (EE), no âmbito do 3º ano do curso de licenciatura em Enfermagem. Para medir a efetividade desta prática pedagógica desenvolveu-se um estudo que objetivou: analisar o impacto do ensino do empreendedorismo no desenvolvimento de competências empreendedoras nos estudantes de Enfermagem. Realizou-se um estudo observacional, de coorte, com avaliação pré e pós implementação da UC de EE. Participaram 21 estudantes que preencheram o questionário “Serei empreendedor”, que incluía 22 itens de competências empreendedoras. Os estudantes apresentaram um aumento da média global de competências empreendedoras (Z=-3.216, p<0.01) e verificou-se uma melhoria em 14 competências. Em relação ao perfil empreendedor, 15 estudantes apresentaram um perfil final mais competente. A amplitude deste resultado refletiu-se na apresentação de seis projetos que, sob a orientação pedagógica, foram apresentados no Concurso Regional do Poliempreende 2021, tendo um deles sido distinguido com a Menção Honrosa. Estes projetos/modelos de negócios potenciaram o conhecimento nas áreas do plano de negócio, bem como a colaboração com outras disciplinas e áreas departamentais da Universidade de Aveiro, assim como com profissionais e instituições empresariais da área regional.

Palavras-Chave: Empreendedorismo, Enfermagem, Pedagogia

1. Contextualização

O conceito de empreendedorismo data do século XV, relacionado a termos como organizar, administrar e assumir riscos, estando vinculado à ideia de uma ação para ter sucesso num projeto, serviço ou negócio (Copelli et al., 2019). Inicialmente este termo encontravase mais associado à criação de negócios. Contudo, foi sendo ampliado a outras áreas e setores, como por exemplo, o empreendedorismo social e o intraempreendedorismo. A importância do empreendedorismo pelas empresas, governos e instituições tem promovido o reconhecimento do seu ensino pelas instituições do Ensino Superior. Nesse sentido, a

European Education and Culture Executive Agency et al. (2018) reforça a importância destas instituições promoverem o ensino de competências de empreendedorismo aos estudantes. Estudos com estudantes de Enfermagem apontam para níveis baixas de características empreendedoras (Roncon & Munhoz, 2009) e que educação para o empreendedorismo estimulou os estudantes a serem mais proativos na criação de projetos ou negócios (Colichi & Lima, 2018).

No âmbito das ciências da Saúde, em particular na Enfermagem, têm-se assistido a um crescente interesse pelo empreendedorismo. Em 2012, a Conselho Internacional de Enfermagem (CIE), destaca o EE como estratégia para o desenvolvimento da disciplina e profissão e a importância do ensino do mesmo (Roncon & Munhoz, 2009).

O ensino do empreendedorismo em Enfermagem visa: i) desenvolver competências de empreendedor; ii) promover o intraempreendedorismo e o empreendedorismo social estimulado a criação e a gestão de empresas na área da saúde; iii) incentivar a inovação em Enfermagem e; iv) elaborar um plano de negócios que promova a autonomia do trabalhador. Contudo, para muitas instituições de ensino do EE ainda surge associado como uma unidade curricular opcional do plano de estudos dos cursos de Licenciatura.

Um estudo de revisão integrativa da literatura sobre o Empreendedorismo em Enfermagem (EE) (Copelli et al., 2018) identificou as principais características entre os enfermeiros: dispor de senso de oportunidade, ser autónomo, independente, flexível, determinado, inovador, proativo, autoconfiante, disciplinado, comunicativo, responsável, tomar riscos calculados, agir de forma holística, conquistar novos cenários de atuação voltados ao cuidado, agregar valor à profissão perante a sociedade, impulsionar o crescimento económico do país, realizar a gestão financeira e de conflitos, ter consciência legislativa e voltar-se para o futuro. Este estudo objetivou: analisar o impacto do ensino do empreendedorismo no desenvolvimento de competências empreendedoras nos estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem.

2. Descrição da prática pedagógica

O empreendedorismo é uma aprendizagem contemporânea na formação dos estudantes de Enfermagem, representando uma prática pedagógica relevante. Deste modo, no âmbito do curso de licenciatura em Enfermagem, no 3º ano do curso, foi proposta uma unidade curricular (UC opcional) de Empreendedorismo em Enfermagem que visa responder aos desígnios do CIE. No desenvolvimento da UC utilizaram-se metodologias de aprendizagem ativa, promovendo a valorização dos estudantes e das suas ideias, bem como, a interdisciplinaridade através da articulação com outras disciplinas/departamentos da Universidade. A construção desta UC procurou, ainda, dar resposta a uma das missões da Instituição Superior de Ensino acolhedora deste estudo que enfoca a promoção de uma cultura de inovação, a transferência do conhecimento, a resolução dos problemas e nas respostas aos desafios societais.

2.1. Objetivos e público-alvo

Este estudo teve como objetivo principal analisar o impacto do ensino do EE no desenvolvimento de competências empreendedoras nos estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem. A amostra foi constituída por 21 estudantes, maioritariamente do género feminino (73.1%), que frequentaram a unidade curricular de Empreendedorismo em Enfermagem (Opcional, 3ª ano, 1º semestre 2020-2021), do curso de licenciatura em Enfermagem de uma instituição do ensino superior público da região centro de Portugal.

2.2. Metodologia

Estudo observacional, de coorte, que envolveu três momentos distintos: 1) no primeiro dia de aulas através da aplicação do instrumento de colheita de dados (avaliação préintervenção); 2) a lecionação do plano programático da UC (intervenção); 3) aplicação do mesmo instrumento no último dia de aulas (pós-intervenção).

A lecionação desta UC centrou-se em metodologias ativas, visando que o estudante tivesse a oportunidade de demonstrar competências empreendedoras que fossem ao encontro de uma efetiva resposta daquelas que são as atuais necessidades de saúde dos indivíduos, famílias e comunidades. Visou, ainda, atender às suas próprias idealizações de desenvolvimento profissional, pela construção de projetos inovadores em saúde que, entre outros, constituiuse como um elemento de avaliação.

Para o efeito, para alem dos contributos teórico-práticos ministrados com recurso a metodologias expositivas, foram implementadas algumas estratégias ativas: realizou-se uma visita de estudo a uma incubadora de empresas e, incentivou-se à participação em workshops de peritos na área da criatividade e geração de ideias, elaboração de projetos e gestão económica, comunicação e outros. Foram ainda convidados a realizar um projeto de negócio recorrendo ao modelo CANVAS Business, com apresentação final em formato PITCH

2.3. Avaliação

Na recolha de dados utilizou-se o questionário “Serei empreendedor”, desenvolvido pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI). Este instrumento, de autopreenchimento, tem como objetivo promover a reflexão sobre as competências empreendedoras. No global, inclui 22 competências do empreendedor, sendo que cada competência é avaliada através de duas afirmações que determinam a intensidade da opinião dos estudantes, numa escala de likert de 7 pontos (1-nunca a 7-sempre).

O questionário foi aplicado no primeiro dia de aulas (setembro de 2020) e no último dia de aulas da unidade curricular (janeiro de 2021). A participação foi voluntária e a informação aos participantes foi assegurada previamente ao preenchimento do questionário. O direito de recusa foi assegurado, sem qualquer prejuízo no ensino aprendizagem dos estudantes que recusaram participar. Para garantir a confidencialidade e anonimato, os questionários foram entregues em envelope e solicitado a identificação através de um código definido pelos estudantes.

Na análise dos dados utilizou-se a estatística descritiva (frequência, percentagem, média, desvio padrão) e inferencial através do teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. No tratamento estatístico dos dados foi utilizado o programa estatístico IBM SPSS® 23 (Statistical Package for the Social Sciences). O valor de p<0.05 foi considerado como estatisticamente significativo.

3. Resultados, implicações e recomendações

O valor médio global das competências avaliadas inicialmente foi de 4.85(±0.7), sendo no final de 5.3(±0.9). Globalmente, os estudantes apresentaram uma melhoria na média de competências empreendedoras (Z=-3.216, p<0.01). A nível descritivo, verificou-se que, dos 21 estudantes, 17 aumentaram o valor médio das competências e quatro diminuíram. O ensino do EE parece ter ainda melhorado as suas competências empreendedoras, designadamente: motivação (Z=-1.908, p=0.003), preocupação (Z=-1.933, p=0.029), iniciativa (Z=-3.049, p<0.01), capacidade diretiva (Z=-1.967, p=0.027), estratégia (Z=2.514, p<0.01), visão de futuro (Z=-2.89, p<0.01), adaptação (Z=-3.188, p<0.01), persistência (Z=1.789, p=0.037), raciocínio analítico (Z=-1.789, p<0.01), competência técnica (Z=-2.754, p<0.01), criatividade/inovação (Z=-2.736, p<0.01), impacto e a influencia (Z=-2.565, p<0.01), orientação para o serviço de cliente (Z=-2.246, p=0.014) e compreensão interpessoal (Z=2.002, p=0.024). Contudo, não se verificou diferenças estatisticamente significativas para as competências: pesquisa de informação (Z=-.443, p=0.340), capacidade para trabalhar (Z=1.312, p=0.114), tomar decisões (Z=-1.249, p=0.128), trabalho em equipa e a cooperação (Z=-0.295, p=0.406), desenvolvimento dos outros (Z=-1.592, p=0.063), autocontrolo (Z=1.038, p=0.161), autoconfiança (Z=-1.098, p=0.145) e estabelecimento de relações (Z=1.474, p=0.075).

A evidência relativamente ao perfil ideal, demonstrou diferenças estatisticamente significativas entre o início e o final do EE neste perfil (Z=-3.114, p<0.01). Verificou-se que 15 estudantes apresentaram um perfil final com mais competências de EE que o inicial. Quatro apresentaram valores finais inferiores ao inicial e um manteve o perfil. Os resultados demonstram diferenças estatisticamente significativas em relação ao perfil empreendedor, nas competências: motivação para o sucesso (Z=-2.121, p=0.035), preocupação com a organização (Z=-2.449, p=0.016), iniciativa (Z=-2.449, p=0.016), visão de futuro (Z=-2.333, p=0.020), criatividade e inovação (Z=-2.828, p<0.01). Nas restantes competências não se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p≥0.05).

4. Conclusões

O ensino do EE permitiu uma melhoria das competências empreendedoras e do perfil empreendedor dos estudantes de Enfermagem. Um dos fatores que poderá ter contribuído para estes resultados foi a metodologia pedagógica adotada que procurou estimular a criatividade e inovação de ideias, face a problemas que os estudantes tinham experienciado no seu percurso de ensino-aprendizagem. Com base neste pressuposto, foram orientados a desenvolver um plano de negócios com recurso a diferentes estratégias e métodos de aprendizagem. Todo este processo foi acompanhado por metodologias ativas de aprendizagem que potenciaram as competências dos estudantes, em especial, o pensamento crítico, autonomia, responsabilidade, proatividade, trabalho em equipa, autoconfiança e segurança. No entanto, em duas competências (capacidade diretiva e orientação para o serviço ao cliente) verificou-se uma situação inversa, isso é, no final observaram-se valores médios de competência inferiores aos iniciais. Uma possível explicação para estes resultados poderá dever-se a uma maior consciencialização e conhecimento destas competências e da sua importância no desenvolvimento de um plano de negócios.

Por último, destaca-se que decorrente da UC de EE e do seu potencial contributo para o desenvolvimento das competências empreendedoras, seis projetos foram apresentados no Concurso Regional do Poliempreende 2021, tendo um deles sido distinguido com a Menção Honrosa. Importa ainda salientar que o desenvolvimento destes projetos/modelos de negócios potenciaram o aprofundamento de conhecimento nas áreas do plano de negócio, bem como, a colaboração com outras disciplinas e áreas departamentais da Universidade, assim como profissionais e instituições empresarias da região de Aveiro.

5. Referências Bibliográficas

Colichi, R. M. B., & Lima, S. A. M. (2018). Empreendedorismo na enfermagem: Comparação com outras profissões da saúde. Revista Eletrônica De Enfermagem, 20, v20a11. https://doi. org/10.5216/ree.v20.49358

396 Copelli, F. H. da S., Erdmann, A. L., & Santos, J. L. G. dos. (2019). Entrepreneurship in Nursing: An integrative literature review. Revista Brasileira de Enfermagem, 72(suppl 1), 289–298. https:// doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0523

European Education and Culture Executive Agency, Eurydice, Bourgeois, A., Zagordo, M., & Antoine, A. (2018). Educação para o empreendedorismo nas escolas europeias: Relatório Eurydice Publications Office. https://data.europa.eu/doi/10.2797/5984

Roncon, P. F., & Munhoz, S. (2009). Estudantes de enfermagem têm perfil empreendedor? [Do nursing students have entrepreneur profile?]. Revista brasileira de enfermagem, 62(5), 695–700. https://doi.org/10.1590/s0034-71672009000500007

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